Se liga!


Desde que comecei a surfar, sempre achei que o maior benefício que o surf pode proporcionar é a curtição do espírito de camaradagem, ou como dizem no Hawaii, espírito de Aloha. É como se você comemorasse o fato de ter conquistado um desafio, no caso, chegar no outside, e ter o prazer de compartilhar isso com alguém com uma visão de mundo igual a sua.

Isso é um fato incontestável: a grande conquista do outside é uma emoção comum a todos no mundo do surf.

E mesmo com inúmeras transformações ao longo dos tempos e gerações, com equipamentos, mares e limite diferentes, o que fica é aquela sensação única de euforia que se tem ao surfar uma onda nova.

Imagine o que seria dessa experiência se você não tivesse com quem dividir essa emoção, ou ao menos pudesse contar para alguém, mesmo que passasse por mentiroso. É aí que reside grande parte do espírito de Aloha: a confraternização entre os surfistas, que, mesmo com origens e culturas diferentes, sempre se entenderam bem ao longo dos anos.

O surf é um prazer universal, assim como a música, o sexo, a arte, ou umas boas risadas com os amigos. Todo mundo entende e se emociona sem precisar de legendas ou traduções. Não fosse isso, nosso esporte não estaria tão difundido pelos quatro cantos do planeta. Surf é surf, em qualquer lugar que você esteja, aquela emoção de se divertir e compartilhar uma conquista vai estar lá.

Infelizmente hoje estamos muito longe dessa antiga realidade. Tudo está acontecendo tão rápido que quase não acompanhamos mais a evolução do esporte. Chegou a hora de pagar o preço. O crowd está aumentando, chegando a um ponto irreversível!

Onde vamos parar? Acho que esta é a grande preocupação do mundo, pois ele está ficando cada vez menor. Os picos estão mais escassos e as ondas mais disputadas e com isso, lá se vão a paz e a curtição entre amigos.

Qual outro motivo, se não o egoísmo, para um surfista local botar um “haole” pra corre? Se pensarmos na relação prática entre muita gente para pouca onda, até daria para entender. Mas não, esta disputa envolve coisas maiores, como o próprio meio ambiente.

Tem gente que, para surfar, é capaz de derrubar matas virgens e construir pousadas, campings e tudo mais, formando bairros e depois cidades em volta dos picos famosos. Basta olhar para Jeffrey’s Bay e ver o que ela era no começo de sua história e o que virou 20 anos depois. Tudo em nome do prazer de surfar uma onda maravilhosa. Causa nobre, mas será que o preço pago não foi alto demais?

Tive a oportunidade de ver de perto a reação das pessoas ao assédio de suas praia. São pessoas furiosas que não admitem que seus picos sejam invadidos. Eles sentem-se donos das ondas e do prazer de surfá-las, como se isso fosse um direito exclusivo de poucos felizardos. Se fosse assim, jamais iríamos evoluir. E o mundo precisa evoluir, de preferência mais rápido que todas essas mudanças, para termos a chance de entender tanta confusão.

Não dá para imaginar que, só porque você tem a sorte de morar em um lugar com boas ondas, elas serão somente suas.

Acho que nosso único caminho a seguir é a preservação! Mas preservar o quê? Chegou a hora de preservar o bom senso, os picos e a educação, que dosada em grandes escalas, pode garantir praias limpas, camaradagem e muito espírito Aloha.

Todos temos aquela inevitável atração pelo surf, mais uma razão pela qual devemos desenvolver uma boa relação com ele. Se passarmos para dentro d’água todos os problemas do mundo em terra firme, vamos acabar tomando vários “caldos” da vida. O sossego e a paz interior do surf irão embora, tornando o nosso esporte prejudicial à saúde ao invés de benéfico. Daí a razão de preservar esse espírito de amizade, assim teremos por mais tempo o prazer de uma onda em nossas veias.

Não sei se estou viajando em um mundo imaginário ao acreditar que o surf tenha o potencial de mudar as pessoas, fazendo-as evoluírem de forma verdadeira, coisa que tanto precisamos hoje em dia.

Mas prefiro sonhar e sair d’água feliz a lavar os problemas do mundo para lugares sagrados como as ondas!



Foto: Wavetoon