MAYA FALA SOBRE TEAHUPOO


CONVERSEI COM A PRINCIPAL REPRESENTANTE DO BIG SURF FEMININO MUNDIAL, MAYA GABEIRA, PARA SABER COMO FOI O MAIOR SUSTO DE SUA VIDA NAS ONDAS DE TEAHUPOO.

O dia 27 de agosto de 2011 entrou para a história do tow in brasileiro e mundial. Ondas mutantes, como nunca antes vistas na bancada de Teahupoo, no Tahiti, foram surfadas pelos melhores big riders do mundo. Dia de glória para muitos, e via expressa ao hospital de Papeete para outros. A bancada nunca esteve tão perigosa e as ondas tão imprevisíveis. Maya Gabeira foi uma das corajosas guerreiras que enfrentaram o útero sinistro e matador de Teahupoo, mas a carioca saiu assustada depois de tomar uma vaca e uma série de ondas na cabeça.

Ela tomou um susto que teve grandes proporções. Kelly Slater chegou a twittar sobre seu acidente e até especulações surgiram sobre ela abandonar o esporte... Enfim, uma chuva de informações desencontradas que, ilustradas pelas fotos tenebrosas da big rider sendo resgatada, criaram um clima de terror e tristeza na comunidade do surf.

Todos esperavam um swell gigante em pleno Billabong Pro Tahiti, mas nem todos sabiam que aquelas previsões monstruosas resultariam em uma revolução para o surf atual ─ uma revolução televisionada, com todo o circo do surf profissional armado no canal tahitiano. "Esperávamos algo grande, mas ninguém contava que a direção seria tão de oeste e perigosa", me contou Maya Gabeira. "A expectativa entre todos era muito grande, os melhores surfistas do mundo estavam lá", disse ela, que encarou duas bombas naquela tarde.

Segundo a carioca, todos no outside estavam dizendo que a bancada estava no limite e que, além de gigante, muitos daqueles tubos não tinham saída. Maya pegou suas ondas sendo puxada por Carlos Burle. Na segunda, teve o maior susto de sua vida: "Rolou um megaexagero sobre toda a situação. Foi uma condição extrema, saí de uma onda menor no canal e acabei ficando presa entre a esquerda de Teahupoo e a direita seca. Tomei uma série enorme de várias ondas na cabeça. Felizmente fui resgatada pelo Vetea David sem lesões e consciente. Foi um momento intenso, pois onde estava era muito perigoso e raso. Quando eu fui resgatada, estava bem, mas assustada, é claro. No entanto, sem lesões graves e só uns poucos ralados do lado esquerdo do corpo".

Maya nunca tinha passado tanto sufoco em uma sessão de tow in: "Já passei por vários, mas nada parecido com este. Dei sorte, pois o perigo era bater na bancada e apagar. Graças a Deus não bati muito forte e consegui manter a minha respiração controlada até que fosse resgatada". A brasileira que encarou o mar mais sinistro do ano (ou por que não da década?) aprendeu com a situação e pretende seguir na evolução de seu surf para voltar ainda mais forte em uma próxima oportunidade. "Procuro me concentrar na minha experiência com as ondas de Teahupoo, no meu equipamento e no meu parceiro, o Burle. Ele também sempre me ajuda a traçar objetivos e estar em um bom estado de espírito", diz a big rider. "Sigo a minha intuição e também procuro ser otimista".

O PARAÍSO É O LIMITE


Hoje rolou uma épica sessão de tow-in,quando alguns dos maiores big riders do planeta tiveram suas performances insanas transmitidas pela primeira vez ao vivo, pela internet, em Teahupoo, talvez a onda mais fotogênica dos sete mares.

Esquerdas enormes, de 30 pés de face, volumosas, com lips quase do tamanho da própria onda, causam arrepios e admiração, numa mistura de medo e prazer que são marcas dos esportes de ação.

A sinergia de uma etapa do ASP World Tour e seu circo composto de diversos barcos e seus fotógrafos, cinegrafistas, numa onda especial, com um mega swell monirorado há dias, transformam aquele lugar num coliseu romano, onde os gladiadores lutam entre si e com as bestas, ansiosas para derrubá-los. E nós, na fernte de uma tela de computador, assistindo tudo, frenéticos com tamanha coragem e insanidade.

Os uhuuus de comemoração após os canudos por muitas vezes foram substituídos por ooohs de apreensão depois das horripilantes quedas. E alguns brasileiros foram protagonistas tanto das melhores ondas como das piores vacas num dia em que cair da prancha era flertar com a morte.

Vitor Faria, Felipe Cesarano e Maya Gabeira sentiram o peso das mandíbulas de Teahupoo. O experiente taitiano Raimana Van Bastolaer também. Inclusive não queria deixar ninguém surfar após quase ter sua vida ceifada na onda que o consagrou para o mundo, logo cedo. Quem viu as vacas sabe que foram tão marcantes quanto as ondas completadas. E, obviamente, este mágico e medonho dia foi o tema de algumas discussões nos fóruns dos sites especializados e nas praias mundo afora. Onde frequento não foi diferente e, pelo que me lembre, ninguém falou dos tubos de Everaldo Pato, Laurie Towner e Dylan Longbotton, mas das cenas de massacre que Maya, Faria e Cesarano sofreram. E me passou a impressão de que, mesmo essa galera já tendo enfrentado situações perigosas mundo afora, aquelas condições estavam além do que podiam, ao menos por enquanto.

Ontem, fiquei pensando no quanto é fácil julgar atitudes, rotulando as pessoas. Porém, sempre existe o outro lado da moeda e, nesse caso, liguei para meu amigo e vizinho Carlos Burle marcando um bate-papo na ânsia de descobrir a outra metade dessa pataca.

Com toda sua sabedoria, Burle não me questionou quando eu disse que Maya não tem o talento nato de uma ex-Top como Keala Kennelly para se jogar em ondas daquele tipo sem estar correndo sérios riscos. Mas ele me explicou que ela tem coragem e vontade, essenciais para se tornar um big rider, virtudes que nenhuma outra surfista mostrou ainda. Sim, falta-lhe a experiência, mas como conseguirá sem encarar situações únicas, que só podem ser vividas na prática?

Não existe treino para Maverick's, Jaws ou Teahupoo gigante. O surf não é como saltos de motocross freestyle, em que os pilotos podem treinar em pistas com espumas evitando acidentes fatais. Para evoluir, tem que dar a cara a tapa.

Concordamos que Maya não estava preparada para hoje. Não por ser mulher, ou por ter apenas 24 anos, ou por não ter tanto talento. Ela não estava preparada simplesmente porque não respeitou seus limites, por não estar à vontade com seu equipamento, por não estar em dia com o tow-in e até também por não ter uma grande técnica. E isso vai mudar sua maneira de encarar os próximos desafios.

É bastante válido gente como Maya, Cesarano, Pedro Scooby, Manga e outros estarem trilhando os passos de Burle, Eraldo, Pato, Resende, Romeu Bruno, Mancusi, caras que estão aí há anos, investindo, lutando contra o preconceito e tentando mostrar que surfar ondas gigantes é um segmento para pessoas conscientes e não para malucos. E o mais legal é ver como esses veteranos estão apoiando e ensinando a nova geração brasileira do big surf.

Continuo achando que certos nomes ainda não têm condições de se aventurar em loucuras como a que assisti nesse sábado. Mas também me convenci de que eles podem chegar lá, ainda mais se levarem a sério e respeitarem o oceano e seus limites. Laird Hamilton, Carlos Burle, Mike Parsons, todos grandes nomes do big surf mundial, estão aí, com mais de 40 anos, cada vez melhores. Eles continuam se dedicando com afinco ao preparo físico e psicológico, aprimorando os equipamentos e sabendo que o medo é o principal combustível para o sucesso.

Após o dia de hoje, tenho plena certeza de que a maneira de encarar a vida e a carreira mudou para todos esses jovens surfistas, que fazem uso de uma coragem e ímpeto para despencar literalmente de prédios esverdeados ruindo, os quais eu nunca teria coragem de dropar.

Sei que Maya, Cesarano e Vitor estarão novamente no outside se outro swell monstro aparecer em Teahupoo. Só que dessa vez mais conscientes do que pode acontecer. E certamente um pouquinho mais preparados do que antes. Como disse Burle: "Os brasileiros têm algo muito importante, que é a garra. Só que isso não é suficiente. É preciso levar a sério, estar preparado, sempre!". Sim, mas 90% preparado, porque 100% ninguém nunca estará.

PAIS E FILHOS


Quem viveu sabe. Começar a surfar nos anos 70 era um drama. Quase uma novela mexicana. Só o fato de demonstrar qualquer interesse pelo esporte dos reis havaianos já era motivo de intermináveis discussões em casa. Chantagens voavam mais do que bala perdida. Era como se estivéssemos enveredando por um caminho marginal sem volta. Passavam-se meses convencendo os pais a dar aquela força no aniversário pra comprar a tal prancha. E me lembro de que, quando isso acontecia, elas tinham que ser quase invisíveis. Ficavam escondidas em lugares ermos, como garagem, corredor do prédio, cozinha, quarto da empregada (coitada!), ou na casa daquele amigo com pais mais liberais. Sem falar que as próprias pranchas eram uns tocos horrorosos, pesadas, grossas, e davam de borda loucamente. A gente mal conseguia carregar até a praia.

E tentar explicar o porquê de viajar pra lugares exóticos com altas ondas, como Peru, El Salvador, Marrocos, Hawaii, Bali? Eles não entendiam mesmo. "Mas por que tão longe? Você tá maluco de se meter nesses lugares?", diziam, altamente contrariados. Lembro-me de reunir um povo em casa pra ver um filme de surf no meu quarto e meu pai ficar irritado com a barulheira, com a gritaria. Isso foi antes do vídeo, ainda era super 8! Sem falar que os pais ficavam indignados com a grana que a gente gastava com as revistas Brasil Surf, Surfer e Surfing. Achavam um desperdício, uma bobagem. Correr atrás de onda era outra roubada. Alguns poucos pais levavam, mas a maioria não queria nem saber. E todo mundo colava de carona no carro desse raro pai gente boa.

Mas as coisas mudaram muito nestes últimos 30 anos. Canso de ver fotos de pais "aplicando" seus filhos antes mesmo de saberem andar, segurando a mãozinha, em pé numa prancha na sala, embevecidos com o "jeito" que o bebê leva pra pegar onda. "Olha, vai ser goofy que nem o papai...". E as pranchas saíram dos porões e foram parar em lugar de destaque na casa, algumas até na sala, algumas até penduradas na parede, flutuando no teto. Ficam expostas como se fossem obras de arte numa galeria. Como quem diz: "Aqui vivem surfistas". Os pais sabem exatamente qual a prancha ideal pros seus filhos. São eles próprios que encomendam, em geral com aquele shaper amigo, que faz tudo sob medida pro pimpolho.

Em muitos casos são os pais também que programam as viagens dos seus filhos, pois sabem exatamente que tipo de onda favorece cada estágio. Sabem com que idade já dá pra levar pro Hawaii, quando encaixar um Peru, quem sabe um feriado na Guarda... E, em vez de ficar indignados, embarcam juntos. Não só embarcam, como fotografam, filmam, editam, sonorizam e ainda mandam pros amigos. Os tempos mudaram mesmo. Em vez de reprimir, são ps pais quem mandam, por e-mail, filmetes incríveis pescados do YouTube pros seus filhos. E quando rola algum filme novo maneiro todo mundo assiste junto na TV da sala. Hoje a maioria tem assinatura de revistas, e quando rola alguma matéria absurda é o pai quem mostra pro filho. E, se o moleque leva jeito, o pai já vislumbra toda uma carreira nas competições, acompanhando nos eventos, negociando com possíveis patrocinadores. Verdadeiros pais de miss.

Os tempos mudaram muito. Começar a surfar hoje em dia é muito fácil. O surf virou um esporte maciçamente aceito pela sociedade, aparece nas novelas e é exaustivamente coberto por uma mídia atuante. Mas para isso acontecer os pais levaram chumbo grosso no lombo e muitas duras. Foi o preço. A coisa boa é que pais e filhos passam bem mais tempo juntos, seja em casa, seja nas trips. Ter esse interesse comum é um elo importamente entre as duas gerações. Mas, como sempre acontece, não há ganho sem perda. Acho meio ruim que a nova geração não tenha que lutar pra conquistas seu espaço, que ganhe tudo de bandeija. Essa coisa de na minha época os pais não entenderem de surf nos deixava de posse de um segredo que tinha a ver com ser jovem, que tinha a ver com ser de uma outra geração. Eles eram os caretas conservadores e nós éramos os novos ventos de libertação. O surf era só nosso e isso nos fazia especialmente diferentes. Mas, por mais moleza que os novos tenham, uma coisa nunva vai mudar. Ninguém vai lhe dar o surf, você vai ter que pagar seus pecados dentro d'água, como todo mundo. Foi assim na minha época e é assim hoje. E isso é muito bom.

FOGO NO QUARTO 226


Fogo em quarto de hotel não é exclusividade de Mick Fanning. Lembra quando acidentalmente o quarto dele no hotel Cabanãs da praia Mole, em Floripa, ardeu em chamas durante o WT de 2003? Foi naquele ano que rolou um apagão geral na cidade por causa da explosão de um botijão de gás durante um reparo nos cabos da Celesc, embaixo da ponte Colombo Sales. O blecaute durou uns dois dias e a galera, em pleno evento, recorreu às velas. Alguns anos antes, em Huntington Beach, Califórnia, o ex-Top Ricardo Tatuí (que correu o Tour em 95), quase levou o Huntington Shores Motel abaixo em poucos segundos. A sorte foi que a faxineira que estava limpando o quarto ao lado sentiu o cheiro da fumaça.

Era uma longa semana naquele mês de agosto e Tatuí fazia de tudo para ter um bom resultado. Tudo mesmo, até acender vela de sete dias (só não lembro para qual santo!). Era uma comédia chegar ao quarto dele no hotel e ver que tinha uma vela acesa em cima de uma caixa de pizza vazia de papelão. Espera aí, caixa de papelão? Em cima de um carpete? Isso não poderia terminar bem... Naquela manhã cinzenta de verão, eu disputava uma bateria contra Tatuí ao lado do píer. No vaivém das marolas, venci por pouco, porém o "rato" (apelido de Ricardo) havia surfado bem,"quase" virou no final da disputa. Quase!

Eu já havia perdido e vencido algumas baterias entre amigos, mas dessa vez Tatuí parecia chateado e foi reclamar com os juízes. Enquanto ele reclamava, eu já estava chegando ao hotel, ao lado do evento, o mesmo em que Tatuí dividia o quarto com Renan Rocha, Amaury "Piu" Pereira e Kamel Adas Neto, o "Nê" (ex-competidor na década de 80 e ex-proprietário da marca Body Glove no Brasil). No hotel, percebi algo estranho quando vi o carro do corpo de bombeiros cruzando a recepção. Na sequência, vi o Piu Pereira com um monte de tralhas espalhadas pelo jardim. Batia toalha daqui, camiseta dali... E a fumaça subindo! "Piu, que diabos foi isso?", indaguei. "Cara, foi a vela de sete dias do Tatuí", retrucou ele sussurrando. "Quase pegou fogo no hotel inteiro! A sorte foi que a faxineira viu e acionou os bombeiros!". O cenário era sinistro, mas não consegui conter o riso, nem o Piu, mesmo emburrado. Dentro do hotel, vi que a bagunça e o estrago eram grandes, a prancha do Renan estava esturricada, roupas e mais roupas queimadas, presentes que a galera havia comprado para esposas e familiares, dinheiro, passaporte... Coitado do Nê, o fogo queimou até as cuecas do bicho. A televisão virou uma "estalactite", um plástico derretido, e o carpete do quarto queimou inteiro. Nos Estados Unidos tudo é minuncioso, mas, pra sorte do Tatuí, o laudo acusou um curto na instalação elétrica. A verdade, no entanto, é que a vela derreteu, pegou fogo no papelão, que depois passou pro carpete, que queimou a televisão e pipocou as tomadas de eletrecidades provocando um grande curto-circuito. Renan soube do ocorrido ainda na praia e não parava de falar: "Esse Rato é foda, o que ele foi aprontar?". Mas o Tatuí, sempre muito gozador, acabou se dando bem no final, junto com o resto da galera. A empresa de seguros pagou uma boa grana pelo acidente e, apesar da bateria perdida, a premiação do Rato veio depois de sete dias.

HUNTINGTON REÚNE 1 MILHÃO


KELLY CALA A BOCA DOS TOPS E FILIPE TOLEDO DESBANCA OS FAVORITOS DA NUMEROSA TORCIDA:UMA BREVE HISTÓRIA DO NIKE US OPEN OS SURFING.

A multidão que infesta Huntington Beach é um verdadeiro zoológico a céu aberto. Durante uma semana, quase um milhão de pessoas passaram pelo Nike Us Open e cultivaram a semente da idolatria.

Símbolos fazem parte da cultura norte-americana. Aqui todos carregam algum símbolo no corpo. Em nenhum outro lugar do planeta esse culto é tão eficiente.

Vejam a Nike com seu logo que hoje já faz parte da paisagem e Kelly Slater, sinônimo de surf aqui e acolá. Faltava apenas essa aliança, o maior dos surfistas ganhando o maior dos cheques na frente da maior e mais deslumbrada multidão que o surf profissional já viu.

E diante dessa mesma turba desvairada, Filipe Toledo venceu três dos maiores (e mais bem divulgados) ídolos da novíssima geração. A tempestade brasileira, tradução simplista e preguiçosa do que chamam aqui de brazilian storm, está completa.

Os locutores gritavam: "Comprem Holohe! Comprem Conner! Comprem John John!". Silenciosamente, o mais jovem dos competidores na final Júnior e em todo o evento, Filipe Toledo, foi ganhando força nesse tão disputado mercado de produzir ícones. Bateria encerrada, Toledo mostrou que há brasileiros por todos os lados conquistando seu valioso espaço nas prateleiras desse supermercado que é o surf nos Estados Unidos.

Em 2011, já estivemos na liderança do ranking da ASP com Adriano de Souza. Ganhamos o XXL com Danilo Couto. Marcos Monteiro desbancou um dominó de ídolos em ondas gigantes no Chile.

Pupo, Medina, Mendes, Faria, Ibelli, Camarão e agora Toledo já não são mais influenciados pelos garotos que falam inglês. Muito pelo contrário. Australianos e americanos, havaianos inclusos, bebem agora dessa fonte. O maior produto do surf americano atual, último lançamento dessa máquina fabulosa que é o mercado do surf, Kolohe queria ser brasileiro.

LARRY BERTLEMANN – O homem da revolução


Ele não inventou as shortboards; ele apenas mostrou como usá-las. Nenhum outro teve uma influência maior sobre o modo como as pessoas surfam”. (Jason Borte)

Eu tentei surfar como Larry Bertlemann... e simplesmente não consegui”. (Tom Curren)

Fúria e melodia. Ele surfava como se dançasse e solasse um blues ou rock acelerados em sua prancha incendiária. Desferia pancadas esculpidas com linhas perfeitas, belas. Era como se Jimmy Hendrix, Muhammad Ali e Baryshnikov se materializassem num só surfista. No início dos anos 70, a grande arte era surfar como uma estátua de deus grego, com mínimos movimentos de corpo. O deus vivo era o havaiano Gerry Lopez e seu estilo zen de moldar-se às ondas. O adolescente Larry Bertlemann não achava graça naquele estilo clássico. Ousado skatista, Larry queria transportar para o mar a mesma agressão e movimentos ilimitados das pranchinhas que rasgavam o cimento e asfalto. O resultado foi uma explosão de manobras ocupando qualquer espaço das ondas graças à sua elasticidade, centro de gravidade baixíssimo (pernas ultradobradas, troco curvado) e uma velocidade e ataque jamais vistos antes. O resultado foi o futuro do surf: cutbacks cheios de power e swing com um braço apoiando-se na água; 360s, tubos fáceis de backside etc. L.B. foi um dos pioneiros até dos floaters e aéreos (batizados, sem modéstia, de Larrials). “Bertlemann foi o primeiro New Schooler”, definiu Kelly Slater, referindo-se à nova escola de surfar dos anos 90.

Hilo, Hawaii, 07/08/1955. Nasce Lawrence Mehau Bertlemann, único filho (tem quatro irmãs) de um mecânico e instrutor de sobrevivência da Força Aérea. Aos 11 anos muda-se com a família para Oahu, onde descobre o surf, em Queens. A 1ª prancha de Larry, um longboard, ele acha abandonada numa moita. Surfa um mês direto até arrebentá-la em dois. Coloca uma quilha na metade da frente e se diverte demais com sua “minimodel exclusiva”.

Mentores. Aos 15 anos, Larry larga a escola e vai morar na praia, numa guarita nos molhes de Ala Moana. Quando conta isso para o coronel Al Benson, em 1970, ele e sua mulher, Blanche, levam o bem-humorado garoto para sua casa. O jovem cabeludo não ganha apenas uma amorosa família adotiva. Ganha no coronel um mentor que fotografa suas manobras, ato importante para sua evolução. Outra parceira essencial ele encontra no visionário shaper e treinador das ilhas Ben Aipa. Os bólidos de Aipa – pranchas pequenas (menos de 6 pés), mais largas, swallowtails ou stingers, oferecem a Bertlemann total liberdade de movimentos.

Segredos da mente e cimento. O sucesso precisa do que L.B. chama de “visualização”: “Um amigo da gente costumava nos filmar em Super 8 e comecei a assistir pensando que eu poderia cortar aquela linha, diminuindo. Tudo é possível (Anything is Possible)”, define Larry.

O “a gente” traduz-se no grupo do South Shore, surfistas inovadores bem à frente de seu tempo: Larry, Buttons Kaluhiokalani, Mark Liddell e Dane Kealoha. Contra as longas linhas da época, Bertlemann, showman maior do grupo, inventou a figura do 8 no surf: Cavada seguida de cutback; cavada e cutback; uma vez e outra e outra... e desses 8 mágicos supersônicos partiu para sua blitz pessoal sem limites.

A escola dura. Os cutbacks acelerados e contorcionistas do “Homem de Borracha” Larry nasceram em suas sessions de skate. E suas manobras espetaculares na água fizeram o caminho inverso: uma turma de garotos rebeldes de um quarteirão detonado de Los Angeles passou a arregaçar em slides quase deitados – uma mão no chão, corpo e sk8 girando/rasgando em 180 graus – e batizaram a manobra de “Bert”. Eram os Z-Boys Tony Alva, Stacy Peralta e Jay Adams traduzindo o surf de L.B. para o chão. “Ele foi um dos primeiros a surfar apoiando o braço na água. Nós tentamos imitá-lo fazendo isso no chão”, disse Jay. O “intercâmbio” prosseguiu e, no final dos anos 70, quando os Z-Boys já voavam das bordas das piscinas inventando o sk8 vertical, Larry começou a voar no mar: “Minha inspiração para criar coisas novas vinha de tudo, menos do surf, porque eu já fazia tudo o que existia no surf daquele tempo. Tinha que buscar algo fora do nosso meio para poder enxergar mais além”.

Assalto competitivo. Ainda um moleque, L.B. domina todas as divisões para garotos no Hawaii, vence a categoria junior no Internacional de Makaha e em 1972 traz um 3º lugar do Campeonato Mundial de San Diego. Em 73 é campeão dos EUA e vira profissional. Torna-se um dos mais populares e bem-pagos atletas dos primórdios da era pró – mesmo se seu estilo único bate de frente com um julgamento despreparado. “Como você julga uma manobra que nunca viu antes?”, questionava Bert, top 16 do Tour mundial em 1976 e 79.

Completo. Às manobras frenéticas do surf hot dog, Larry acrescenta ataques corajosos às morras: tira 3º lugar no Pipeline Masters de 72 e no Smirnoff Pro de Laniakea, em 73. No ano seguinte, ataca sem medo uma Waimea gigante no Smirnoff e vence o Duke Classic em Sunset.

Pop Star. O surf eletrizante e a personalidade carismática de L.B. lhe dão o protagonismo no badalado filme Super Session, de Hat Jepsen, em 1975; oito capas de revista nos anos 70 (nenhum campeão mundial o igualou na época) e atrai para ele lucrativos patrocínios de fora da indústria do surf, de grandes empresas de carros, aviação, refrigerantes etc. Marketeiro nato, ele coloca adesivos gigantes de seus patrocinadores nas pranchas e chega até a pintá-las com as cores da Pepsi.

Não se tratava apenas de grana. “Com a cabeleira afro, uma personalidade e visual colorido e um eterno sorrisão rasgado de aloha, ele nunca esqueceu que aquilo era apenas um jogo. Surfar, ele lembrava a todos, é diversão”, escreveu na Surfer, Jason Borte.

A fama e a megaexposição, porém, semeiam sua ruína: “Eu farreava feito uma estrela do rock, gastava como um astro do cinema e transava como um ator pornô”.

Talvez pela fama e pelas drogas – quase todas elas; talvez por sua sede de aventuras ou inconformismo quanto à mesmice das baterias, Larry Bertlemann some do mapa na segunda metade dos anos 80. Reaparece no North Shore em 1998 revelando um corpo arrebentado, especialmente na coluna. Os anos de abuso no skate, surf, motociclismo e corridas de caminhão – cobram caro. Larry sobre com duas hérnias de disco e fica com o lado direito do corpo paralisado. Se recupera com cirurgia e terapia mas jamais retoma a forma do passado. Divorcia-se duas vezes, tem três filhos, mas não constrói um lar e família típicos. “Lar é onde você deixa suas malas”, costumava dizer. Em 2001, sua íntima ligação com o submundo de Honolulu causa sua prisão por roubo e porte de arma de fogo. Passa algum tempo preso e uma pequena comoçã

o popular resulta na campanha “Free Bert”, Libertem Bert.

Libertado, ele volta a viver de shapear, apesar do corpo castigado que dificulta também suas cada vez mais raras quedas no mar.

Mas o ícone das manobras ultra radicais que mudaram o surf para sempre mantém a personalidade ao comentar em 2001 o estilo do novo século: “O que eles chamam de manobras, nós chamávamos de erros”.

Assim sentenciou o homem que transformou as manobras em eletricidade e será sempre “a conexão de alta performance que linka todos os surfistas futuristas”, segundo Bem Marcus. Mas que isso, Larry Bertlemann foi o homem que, em vez de apenas cortejar a onda, passou a fazer sexo com ela, tocando-a e penetrando-a como nenhum outro antes.


Referência:
Surfer e Surfing (coleção);
The Encyclopedia of Surfing (de Matt Warshaw);
Surfline.

LOST ATLAS PODE ESPERAR

"Não é grande coisa, amanhã já vai estar ultrapassado", me disse Bernardo, pelo skype. Ele acabava de voltar da estréia mundial do novo filme de Kai Neville, Lost Atlas, que aconteceu na Califórnia durante o Nike US Open, e me passava suas impressões sobre o suposto novo clássico instantâneo do celeiro Poor Specimen.

Torci o nariz quando ouvi seu veredito: eu havia encomendado o DVD um dia antes pela internet. Além da decepção de ─ a essa altura da minha vida surfística ─ ser levado pela hype e gastar U$ 35 (+ frete) num vídeo apenas razoável, fiquei matutando sobre a frase do Bernardo. "Amanhã já vai estar ultrapassado" está virando regra no surf.

Parece que foi ontem que assisti à estréia de Trilogy, boquiaberto com a performance de Andy, Parko e Taj. O ano era 2007 e ninguém na face da terra tinha um surf mais moderno do que eles. Hoje, Taj e Parko são veteranos ─ não por tempo prestado no Tour, mas em questão de performance mesmo. Andy também seria.

Dane Reynolds e Jordy Smith tomaram seus postos como os surfistas mais criativos, radicais e modernos do mundo.

Mas, peraí... E a geração de Medina, Pupo, Jessé, Kolohe, Kiron e John John? Não são eles a nova cara do surf moderno? Nesse ritmo, em quanto tempo será Dane considerado um veterano ultrapassado?

"Mas e o Kelly, que ganha tudo quase quarentão?", pode perguntar o leitor mais astuto. Bem, Kelly é um caso à parte. O cara é um freak e, certamente, não se encaixa nos padrões de qualquer atleta, surfista ou não.

O fato é que a evolução do surf de alta performance é tão rápida atualmente que, antes mesmo dos 30, grandes surfistas já são considerados velhos.

Realisticamente, porém, essa valorização exacerbada da alta performance pouco importa para o surfista comum. Para quem não compete ou é avaliado nesses padrões, um rótulo atrelado estritamente a um repertório de manobras não significa muita coisa.


Dias depois, recebi um pacote pelo correio que só confirmou isso.

Não era o Lost Atlas, mas sim um magnífico livro que celebra um dos mais importantes surfistas da história, o australiano Peter Troy. To The Four Corners Of The World ─ The Lost Journals of Peter Troy (Flying Pineapple Media, 2010) é um apanhado dos diários e cartas escritos por Troy durante muitas de suas explorações pelo mundo.

Para quem não sabe, o australiano foi um dos primeiros a surfar Bell's (dizem que ele abriu a trilha para o pico nos anos 50), descobriu Nias, em 1975 e introduziu o surf moderno ao Rio de Janeiro, em 1964 ─ entre tantas outras façanhas dignas de menção.

As aventuras de Troy, ocorridas décadas atrás, não poderiam ser mais atuais. Sua busca foi, em essência, a mesma de qualquer surfista de hoje, grommet ou old school.

Ao ler sua descrição sobre a descoberta de Nias, por exemplo, fui tomado por uma vontade incontrolável de estar lá, ao lado de Troy, Kevin Lovett e John Geisel (que o acompanharam na empreitada). Esqueça a malária (que 9 meses depois tirou a vida de Geisel) e todas as dificuldades de ficar acampado e isolado por semanas a fio no meio da selva da Sumatra (em 1975!). Elas são reduzidas a meras marolas quando comparadas ao êxtase de descobrir e surfar sozinho uma das ondas mais perfeitas do planeta.

O apelo de se jogar no desconhecido em busca dos próprios limites será sempre atual. A aventura, a exploração e a recompensa são infinitamente mais importantes para a alma de um surfista do que alcançar um novo patamar em performance. Partir em busca de um ideal "velho" é muito mais moderno do que tentar surfar como o Medina.

Por isso, vou voltar ao livro de Troy. Lost Atlas pode esperar.