JOVEM DEMAIS PARA MORRER

Combinamos de ir surfar. Estou esperando por Bruce Irons no saguão do meu hotel, na ilha do Kauai, segurando uma sacola de plástico com minha bermuda e meu colete. Sem prancha — pretendo pegar uma emprestada do Bruce. Quando a picape gigante encosta, não consigo ver quem está ao volante. Caminho até a porta do passageiro, o capô fica acima da minha cabeça. O vidro desliza para baixo. É ele.


Você gosta de armas?”, Bruce pergunta. Antes que eu possa responder ele já está na próxima frase. Bruce fala do mesmo jeito que surfa — rápido e despreocupado. Fico imaginando se o pediatra dele sugeriu que tomasse Ritalina (remédio para hiperativos). “Vamos dar uns tiros!”. Ele parece meio frenético, enquanto subo na picape. “A galera vai fazer um tiro ao alvo no sítio. Aqui, dá uma olhada nisso!”. Depois de remexer uma mala no banco de trás, Bruce pega o que parece ser um rifle AK-47, do tipo usado por pessoas normais como, bem... o Rambo. Estou no carro há 30 segundos e a coisa já chegou a esse ponto.

Fui aconselhado a não vir. Eu já irritei muita gente. Pessoas da indústria do surf, com feições amedrontadas, me alertaram: “Você não pode ir ao Hawaii, sabe disso, não é?”. Falaram como se fossem médicos ou especialistas passando um prognóstico ruim. Editores íntegros sussurraram para mim que certos surfistas profissionais havaianos planejavam queimar minha casa. Literalmente — sem metáforas nem alusão à música do Talking Heads (“Burning down the house”). Um amigo até levantou a hipótese de que este trabalho era uma armadilha.

Mesmo assim, caminho por um campo gramado e observo um grupo de havaianos grandes e mal-encarados com uma quantidade imensa de bebidas e armas de fogo. No meio deles está Bruce Irons, carregando uma semi-automática enquanto eu fico ali parado com as mãos nos bolsos. Kamalei Alexander me olha meio desconfiado depois de espatifar um dos pratos voadores tranquilamente com sua escopeta. Minha segurança está ameaçada por um número de variáveis completamente fora do meu controle, incluindo (mas não somente):
1. Os conhecimentos de computação e a consciência cultural daqueles havaianos. Será que leram meus textos?
2. O quão a sério Bruce leva este perfil sobre ele. Será que liga para publicidade positiva e/ou queixas criminais?
3. A tolerância do “Wolfpack” ao humor auto-depreciativo. Será que eles curtem alusões à história e à literatura dos Estados Unidos? Será que gostarão se eu fizer uma piada sobre ser atingido por uma bala perdida durante a brincadeira da tarde?

São probabilidades interessantes para apostar sua vida, ainda mais se forem julgadas por uns cinco brutamontes segurando armas carregadas, acompanhados por um loirinho arrogante que fala pelos cotovelos, é uma lenda do surf e segura uma metralhadora israelense.


ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ
Assistindo a The Bruce Movie no avião para o Kauai, fiquei impressionado com a rapidez com que uma era se mistura a outra. O filme tem apenas seis anos, mas documentou um surf de outro período. Aéreos insanos, drops atrasados, rasgadas impecáveis e tubos de tirar o fôlego, tudo isso transbordando uma espontânea masculinidade. O aéreo de frontside de Bruce foi uma referência e deu origem à Batalha espacial apresentada no recente Modern Collective. Mas hoje a atuação de Bruce parece ultrapassada, por não possuir os complementos culturais de 2010 — os grabs irritantemente perfeitos, os giros invertidos, os cortes de cabelo engraçadinhos e a auto-ajuda estilo emo.

É sensato concluir que nunca mais o melhor freesurfer do mundo vai vencer o Eddie Aikau e o Pipe Masters, como fez Bruce, mostrando que era bom de tubo, de surf performance e também nas ondas grandes. São habilidades muito distintas. Mick Fanning jamais vai ganhar o Eddie. Dane Reynolds nunca nem será convidado, e provavelmente nem liga pra isso. Mas ele é o melhor freesurfer do mundo, e ele e outros de sua geração podem fazer coisas que Bruce não pode.

Comecei a aceitar agora que não sou mais o jovem destaque”, Bruce me disse uma noite. “Isso é algo difícil. Não estou no mesmo nível do Dane. Algumas das manobras e truques que ele manda eu nem consigo entender direito. Quebraria meus dentes no joelho se tentasse agarrar as bordas num aéreo. Mas vou descer uma onda maior, voarei mais alto e pegarei qualquer onda que eles pegarem — ficarei mais lá dentro e vamos ver quem se dá melhor”.

Bruce pertence a uma geração anterior, para a qual o surf era um ato de bravura e não um projeto de arte. “Por aqui, com os meus amigos, se você for fraco eles vão te engolir vivo”, Bruce me disse mais tarde. “O mesmo acontece com o meu irmão. Você não pode demonstrar nenhum sinal de fraqueza pra ele”. Mas as crianças de hoje se banham em fraqueza. Elas foram criadas para idolatrar nerds como o do filme Napoleon Dynamite em vez do Rambo. Bruce sabe disso. “Dane é um ótimo surfista, mas está pouco se lixando em remar até Backdoor ou Pipeline e pegar um tubo animal. Ele prefere ficar no Ehukai e mandar um aéreo monstruoso. É isso que eu gosto nele. E a molecada adora ver a galera mandando aéreos irados”.

Eles podem adorar agora, mas o freesurf envelhece. O que Dane faz hoje vai parecer velho daqui a dez anos, do mesmo jeito que The Bruce Movie me deixou mais nostálgico do que admirado. Mas o público não se esquece de vitórias em campeonatos. Apesar de rotulado como “freesurfer”, Bruce ironicamente conquistou algumas vitórias importantes e será lembrado por elas. Mas não tem um título mundial. Aliás, o Circuito Mundial indiscutivelmente sugou as energias de Bruce.

Agora, o mundo do surf, guiado por comentários anônimos na internet, parece disposto a descartar Bruce Irons como se ele fosse um pensamento ultrapassado — outro herói descartável. Por quê? Até onde sei, Bruce cometeu apenas um erro de estratégia: permaneceu vivo. Ele poderia ter sido o James Dean dos surfistas se sofresse um acidente de moto. Poderia ter sido o nosso Hendrix se tivesse sufocado no próprio vômito depois de ganhar o Eddie. Quando estou ali, parado em um sítio no Kauai, enquanto Bruce põe o rifle de lado e carrega a escopeta, tudo fica claro como o dia: o surf não tem o seu Kurt Cobain porque Bruce nunca pôs a arma na própria boca. Ele ofendeu a todos nós ao encontrar a felicidade, crescer, se estabelecer... Continuar vivo.


ESTRELAS PROTEGIDAS
Eu não queria vir até o Kauai. Tinha medo de que entrevistar Bruce não revelaria nenhuma verdade, temia que fosse o mesmo que perguntar a um cachorro como é correr atrás de uma bola de tênis. A verdade está nas ações. Além disso, revistas não querem a verdade — querem conteúdo que chame a atenção. E era isso que me preocupava.

Bruce Irons vende bermudas. Ele está em um negócio diferente do meu. Mas ele não é o que você pensa dele. Bruce ainda é o surfista de antes. Mas está mais interessado em ser pai. Marido. Caçador. Pescador. Golfista. Jogador de videogame. Um o quê?

Sou viciado em videogame”, Bruce me diz na minha última manhã no Kauai. “Joga World of Warcraft?”, pergunto.

Porra nenhuma!”, ele grita. “Sou nerd, mas nem tanto. Não jogo esse. Provavelmente ficaria fissurado nele. Mas o outro jogo... Call of Duty, com certeza. Jogo online e luto contra a molecada. E jogo com vários de meus amigos”.

Naquele momento, eu ri de Bruce Irons.

E Bruce não liga de rirem dele. “Jogo online, grito e xingo. A polícia já veio umas três vezes à minha casa. Eles acharam que eu estava batendo na minha mulher”.

Estou atordoado. “Eles vieram bem tarde nas três vezes. Não estou batendo na minha mulher, só estou jogando videogame. Mas em uma das vezes o papo foi: ‘As reclamações dizem que está havendo violência doméstica nesta casa’. Tive que falar para minha mulher descer. Cara, ela estava grávida, só de calcinha e sutiã... ‘Eles acham que estou batendo em você’. E ela: ‘Não’. Por isso tive que pegar mais leve com os games”.

Nossos heróis modernos do surf enfrentam desafios diferentes. Eles não vivem mais em cabanas no North Shore como seus pais ou avôs, em busca de uns trocados para viver e de uma companhia feminina. Mas eles também têm que se esforçar.

O domínio das tarefas do dia a dia normalmente já dá trabalho. Eles são o contrário das mães modernas que são multitarefa e ainda têm uma carreira. Para os surfistas profissionais, saber usar celulares, computadores e até mesmo relógios não é um dom. No pouco tempo que estive com Bruce, fui seu consultor de tecnologia ocasional, ajudando ele a carregar a bateria do seu iPhone, checar seu e-mail, passar vídeos online e até mesmo achar um número de série na longarina de uma prancha quebrada.

Mas a incompetência de Bruce é menos irritante que a ignorância de muitos jovens profissionais. Não sei por que, mas você tem vontade de ajudar Bruce em vez de chamá-lo de retardado. Ele é mesmo um “camarada”, um “irmão”. Seus velhos amigos gostam dele. O Occy gosta dele, o Parko também. Eu não esperava gostar, mas ele é inescapavelmente uma pessoa “gostável”. A inteligência social de Bruce pavimentou seu caminho para o sucesso e o livrou de ter de navegar nas minúcias da vida moderna. Bruce se importa com seus amigos, e ele sempre está cercado de amigos que o protegem.

Eu ia todos os dias para a escola sem nada, nenhum livro ou mochila”, ele conta. “Pegava uma folha e uma caneta emprestados de uma garota todos os dias... e depois, você sabe como é, trocava um óculos escuro pelo trabalho com um primo inteligente”.

Era uma época anterior à dos garotos que estudam em casa, antes de eles ganharem mais dinheiro que seus advogados. “Eu não tinha orientação dos meus pais quando era criança. Não tinha hora de dormir e saia com meus amigos direto, mas sempre estava no ponto de ônibus para ir à escola, todas as manhãs. Ele nos pegava às 6h55 e entrávamos na escola às 7h50. Passei com notas D e C, mas passei. Minha professora me falou um dia: ‘Você não vai poder comer sua prancha. O surf não vai te alimentar’. Piranha... estou comendo minha prancha agora”.

No ônibus, Bruce era protegido por seus amigos havaianos. “Cresci junto com vários amigos nativos. Sempre os vi mexendo com outros brancos, mas eu me via como um deles. Sei que não sou havaiano, sou um haole ou algo assim. Mas e daí? Ao crescer aqui, fui protegido pelos havaianos. Esses caras são como meus irmãos”.

Agora, quem o protege é Blair Marlin, seu empresário. Antes de Marlin, quem cuidava dos negócios de Bruce eram seus pais. Blair tenta garantir que seus clientes recebam o que merecem e sejam apresentados adequadamente na mídia. Apesar de sair do Circuito Mundial, Bruce me diz que “ganha mais agora por causa do novo empresário”.

Blair também é o empresário de Andy, e a pessoa responsável por guiar os irmãos Irons pelo período recente meio obscuro de mudanças e desafios pessoais. Blair se encontra conosco no Kauai para ajudar com a entrevista.


A MESADA
Andy não está no Kauai, mas sua influência está por todos os lados. Quando pergunto a Bruce sobre a lendária rivalidade com o irmão, ele diz: “É bem pior do que as pessoas imaginam... pensam que é algo divertido, mas é sério pra caralho. Chegamos a sair na mão. Repare na foto do pódio do Eddie Aikau. Estou com um olho roxo. Brigamos por alguma coisa... no pôquer. Se não fosse aquilo, provavelmente eu não ganharia o Eddie. Andy estava pegando umas bombas gigantes e estava no caminho da vitória. E eu gritava e gritava o máximo que meus pulmões permitiam... queria muito ganhar dele. As ondas estavam absurdas, e o que me fez pegá-las foi isso, eu estava com raiva e puto da vida”.

Andy sempre precisava ser o melhor. A competitividade dele, Andy contra o mundo, atraiu Bruce para o mesmo nível. “Andy é uma máquina de competir”, Bruce explica meio perplexo. “Não sou tão competitivo assim, apenas com ele”.

Esta é a resposta para a charada que é Bruce Irons. Como você se torna o melhor sem se importar? Outros ícones fingiram não se importar, Curren, Slater e agora Dane. Mas em geral é só fachada. Você não pode ser tão bom sem se importar. É difícil desistir para esses heróis. Mas Bruce realmente não liga. Ele desistiu. E mal parece saber que deixou um legado. A única pessoa que ele tinha que vencer era o seu irmão. E agora que Andy não está mais no topo, Bruce não tem mais motivação para continuar.

Por isso ele tem ficado fora do radar, se mantendo perto de casa. E ignorando o fato de que, em 2010, até Bruce Irons precisará se mexer. Pessoas da indústria, incluindo o empresário dele, já perceberam. “Eu falo para ele e para o irmão dele a mesma coisa”, Blair diz para nós. “Estamos em recessão, as coisas mudaram, você só é bom para essas companhias pelo que fez ontem”.

Digo a Bruce que as pessoas percebem que ele não está se dedicando à carreira. Me sinto como um conselheiro, um guia.

É verdade”, ele suspira. “Faço a mesma coisa que fazia a cinco anos atrás. Fiquei acomodado. Mas me casei, tive uma filha, um grande amigo morreu... desencanei do surf há um ano e meio e nem pensei no assunto. Ir surfar era um trabalho, e na minha cabeça era meio ‘Que merda, odeio surfar e chega, parei. O que vou fazer agora?’. Eu não estava feliz e aquilo era algo difícil. Mas agora estou de novo fissurado para surfar, e ainda quero provar coisas para mim mesmo, viajar, pegar boas ondas”.

Mas será que é tarde demais? Tentando atiçar alguma memória perdida, leio para Bruce uma frase de Kai Garcia, de 2007. “Você tem uns dez anos, talvez um pouco mais se tiver sorte”, “Kaiborg” disse à Surfer. “Depois não tem mais cheques, nada de coisas de graça chegando, nenhuma carona. Vi alguns dos melhores surfistas do mundo se arruinarem por não verem o fim chegando... esses moleques podem muito bem acabar não tendo nenhuma habilidade para a vida, talvez não consigam nem ser garçons, por isso perguntamos a eles: ‘Quando acabar, o que você vai fazer?’”.

Peço a Bruce que responda a pergunta de Kai. O que ele fará quando os cheques pararem de vir?

Bruce parece confuso. “Continuarei fazendo o que estou fazendo, freesurf”.

Rebato que vai chegar uma hora que os patrocinadores vão parar de pagar para ele fazer freesurf. Bruce olha para Blair, ainda mais confuso, parecendo procurar nos olhos do empresário uma confirmação de que este estranho rumor possa ser verdade, que os cheques podem parar de vir um dia. Blair olha para baixo “Procurar um emprego?”, Bruce me pergunta. “Poderia ser pescador...”.

Neste momento Blair interrompe. “Você não vai precisar se preocupar com isso”. Ele fala com calma e paciência, e depois olha para mim. “Igual a uma criança ou um jovem, Bruce tem uma mesada”.

Depois se vira para Bruce e tenta explicar a realidade financeira de ser um ícone do surf para o seu cliente. “Quando sua mesada do mês acaba, você não pode gastar mais”.

Eu tenho mesada? Não sabia que tinha uma. Há quanto tempo eu tenho isso?”, Bruce agora está empolgado com o papo, e menos ansioso. “Eu já gastei mais do que ganhei?”.

Não”, Blair admite. “A maior parte de sua mesada é poupada todos os meses”.

Você quase podia ver a pequena lâmpada da idéia em cima da cabeça de Bruce. Ele abriu um enorme sorriso e pulou da cadeira. Me ocorreu que eu estaria testemunhando o momento no qual Bruce Irons descobriu que nunca precisaria de um trabalho de verdade na vida. Mas não era isso. Bruce tinha outra coisa na cabeça. Ele somou dois mais dois e descobriu que Andy Irons devia ter uma mesada também.

Meu irmão já gastou mais do que ganhou no mês? Já?”, Bruce está dominado pela curiosidade. Blair se recusa a responder, mas Bruce consegue ler a linguagem corporal dele. “Diga só sim ou não, Blair!. Já gastou? Ele já gastou, eu sabia!”.

Bruce está satisfeito. Ele fez melhor que o irmão. E isso é o que importa.


LUTANDO COM A MATEMÁTICA
De volta às armas. Estou conversando com um garoto havaiano de 4 anos com um cabelo moicano. Ele fica querendo ir em direção à linha de tiro, então tento distraí-lo com o meu iPhone. Um cara grande e sinistro com um sorriso tão grande quanto ele me dá uma cerveja gelada. Tenho a sensação que por trás daquele sorriso ele está vendo coisas que é melhor eu não saber.

Bruce pára de atirar e volta. Ele cortou o dedo engatilhando sua arma. E parece que não foi a primeira vez. Um de seus amigos parrudos vem até nós e sussurra algo para Bruce. Ele se esqueceu de inscrever o filho no Irons Brother’s Annual Grom Contest, competição que iria acontecer na manhã seguinte. Ele pergunta se o filho ainda pode participar do campeonato.

Vou ligar pro meu pessoal e ver se ele pode participar”. Bruce pega o telefone, papel e caneta. “Qual é o nome dele e a data de nascimento?”.

O homem olha para ele com a expressão vazia.

Você sabe, um, do dez de qualquer coisa”, Bruce fala.

Março”, o homem responde.

Certo... isso seria...”. Bruce e o homem começam a contar nos dedos. Um, janeiro. Dois, fevereiro. Três, março. Os dois falam juntos. Bruce escreve “3” no papel.

Certo... de que dia?”.

O homem olha novamente com cara de quem não sabe. “Vinte e... três?”, ele chuta como se Bruce pudesse saber. Bruce escreve aquilo.

De que ano?”. Silêncio. “Ele tem 7 anos”, o homem responde. “Não... talvez 6?”.

Eles começam a contar regressivamente a partir de 2010. Decido não ajudar. A data acaba sendo escrita no papel e passada pelo telefone. Bruce parece aliviado. Feliz por ter colocado o garoto no evento. Percebo que Bruce parece preso a um roteiro convencional e cauteloso: o casamento, depois a paternidade, tudo na hora certa, por volta dos 30 anos. Isso não é necessariamente uma norma no Kauai, como uma garota local me contou mais tarde: “No Kauai, em geral você se casa porque tem mais um bebê a caminho. E o seu padrinho pode ser o seu filho mais velho, que teve com sua namorada da escola”.


O PÓS-VIDA
Está pronto para atirar?”, Bruce me pergunta. Dou de ombros. “Não sou muito de armas”.

Ah, você tem que ir lá. Vai logo... toma!”. Bruce me passa sua escopeta. Fico surpreso que ele confie que eu fique ao seu lado com uma arma carregada. Eu mal o conheço. Já escrevi coisas cruéis sobre ele. Nossas vidas parecem ridículas naquele momento. Nós dois nos apaixonamos pelo surf quando éramos jovens e nossas famílias implodiam. Fizemos do surf a nossa fortaleza, a nossa fuga. Agora temos os nossos papéis, peças nas máquina que é a indústria, e nossa fortaleza desmorona com o fardo das expectativas. Fico em pé, me preparo, espero lançarem o prato, puxo o gatilho e não passo nem perto de acertar.

No dia seguinte, no Irons Brothers Classic, assisto às famílias cercarem o palco em uma tarde quente. O primeiro campeonato de Bruce, quando era jovem, tem uma enorme importância em sua vida. Ele ganhou. Keala Kennelly ficou em terceiro e Andy em quinto. Bruce ainda conta como Andy jogou o troféu no mato. Bruce sentiu o gostinho naquele dia, não de ganhar, mas o de irritar Andy ao ganhar. Aquilo foi o suficiente para fazer dele o surfista que é hoje.

Bruce e sua esposa, Mia, entregam os prêmios, alguns por mérito, outros por necessidade. Algumas poucas pranchas novas vão para garotos que não venceram, mas que precisam delas, junto com passagens de avião para Oahu. Os vencedores das categorias ganham viagens com todas as despesas pagas para o US Open, uma chance para aprenderem que existe um mundo enorme fora do Kauai, um mundo com mais oportunidade e menos beleza. Um lugar que é igualmente duro, mas de maneiras diferentes.

Bruce ganhou sua passagem de avião há mais de uma década, quando surfar era algo diferente. Ele viu o mundo, deu show, parou no precipício da grandeza... e ficou paralisado.

Quando as pessoas diziam que eu era o melhor surfista de todos, aquilo me assustava”, Bruce me conta depois quando tomamos umas cervejas. “Me fazia perder todas as baterias. Eu só queria sair correndo e me esconder. Assim que começava a pensar em todas aquelas besteiras eu simplesmente ficava paralisado. Eu me fechava. Fico chateado pelo jeito que surfei o World Tour. Vejo o Dane e queria ter feito o que ele faz”.

Mas não haverá uma segunda chance. Não haverá retorno ao Circuito Mundial. A cultura está mudando ao redor dele. Penso em como Greg Noll deve ter se sentido em 1969 quando o mundo do surf mudou, com seus drops suicidas sendo substituídos pelo deslizar lateral das pranchinhas e ziguezague psicodélico de Morning of the Earth. Greg Noll se afastou no exato momento que o mundo do surf não precisava mais dele.

Agora Bruce tem a tarefa nem um pouco invejável de se reinventar ou desaparecer. Ele poderia se juntar aos jovens e dividir suas fraquezas com textos artísticos em um blog e fotos irônicas e temperamentais. Pessoalmente, Bruce é uma pessoa mais interessante do que sua imagem pública sugere. A alternativa é ficar careca e trabalhar duro, como Shane Dorian, pegando sua enorme habilidade e a colocando em uma coisa só, ondas e tubos grandes. Mas Bruce não parece interessado em se reinventar.

Não sou um fanático por ondas grandes como o Dorian”, ele reconhece. “Gosto de ondas grandes, mas preciso traçar um limite. Como Mavericks, por exemplo, não consigo agüentar a água fria. Fico com medo... preocupado em morrer. Tenho uma filha e quero estar sempre com ela”. Então de onde virá a motivação para se manter em evidência? Bruce não parece preocupado com seus ganhos e legado, e porque faria isso? Ele é muito bem pago simplesmente para ser o eterno garoto sincero e habilidoso que sempre foi. Quando Blair pergunta a Bruce onde as crianças poderão vê-lo este ano, Bruce responde: “Em filmes de adultos. Não falando sério... em... droga! Vou começar a viajar mais”.

Blair dá uma ajuda. “Fizemos uma lista com picos que queremos”.

Sim, mas eu nem vi”, Bruce admite. “Você mandou mesmo pra mim? Tem certeza? Ah, só quero surfar onde tem boas ondas. Quero surfar em Ours e outras lajes na Austrália. E uns beach breaks no México, estive lá no último verão com Nathan Fletcher. E Bali... mas, vindo de um lugar como este, odeio surfar com crowd. É quando o surf é considerado ‘trabalho’. Mas essa não é a razão de nós surfarmos. Ou será que é, Blair?

No fim do evento, enquanto Bruce entrega os prêmios, ele faz pausas para que os familiares possam tirar fotos. As crianças parecem eufóricas, apavoradas e perplexas com o sucesso e a sorte que tiveram. O sorriso de Bruce é verdadeiro em cada foto, ele não está muito longe daquelas crianças. Ele simplesmente já foi mais longe, viveu coisas mais importantes, cometeu mais erros e deu um jeito de sobreviver a tudo isso, em detrimento de sua carreira. Se ele morresse depois de vencer o Eddie, ainda estaríamos debatendo quantos títulos mundiais ele teria ganhado. A Volcom venderia bermudas com o rosto “jovem para sempre” dele, a versão surfista de James Dean, Jimi Hendrix, Kurt Cobain.

Em vez disso, Bruce está sobrecarregado com a difícil tarefa de crescer, talvez até mesmo colocando um fim na longa e celebrada infância que o definiu. Ele se comprometeu com as amarras tradicionais da vida adulta sem hesitar — o casamento, um filho e a construção do lar perfeito.

Comecei a construir a minha casa dos sonhos há uns oito meses”, Bruce me conta. Passeamos pela construção enquanto garota. “Eu e minha mulher desenhamos tudo. Eu a pedi em casamento aqui, nesta propriedade. Aqui é onde ponho todo o meu dinheiro”.

Mas um foco mais maduro na carreira ainda foge de Bruce. Enquanto Dorian vai atrás do primeiro grande swell do ano no Tahiti, Bruce fica em casa para o primeiro aniversário da filha. “Não sinto que estou diferente ou mais velho, ainda me sinto imaturo. Mas você precisa crescer quando tem um filho. Não sou mais descuidado e imprudente. A vida não se trata mais só de mim”.

Enquanto isso, Andy e Kelly estão de volta ao Circuito Mundial perseguindo as glórias do passado. Eles se preocupam com seus legados e em como competir com os melhores atualmente. Isso é muito mais importante para eles do que para Bruce. A casa é importante para Bruce. “Vou ter o meu barco em casa, minhas pranchas, uma garagem bem grande... será a primeira vez que poderei ter todos os meus brinquedinhos na minha casa... então, é claro que será muito legal. Tive que pegar mais leve com os games, mas quando tiver minha casa nova, sem vizinhos, vou detonar. Vou gritar até perder a voz”.

Esta é a verdade sobre Bruce Irons. No fim do dia, ele vai dirigir sua grande picape até sua casa enorme e abrir a porta a tempo de jantar com sua esposa e sua filha. Depois do jantar ele vai jogar videogame, com o seu trabalho duro feito. Bruce quer a mesma coisa que os moleques jogando online querem, ter os brinquedos mais legais em casa. Ter um momento de liberdade da pressão das expectativas, poder gritar em frente à televisão. Quando o surf não é mais uma fuga, os surfistas precisam encontrar outros caminhos que levem à liberdade.

SLATER É GRANDE DEMAIS PARA O SURF


Kelly Slater como atleta é uma aberração da natureza. Basta dizer que o cara pode muito bem, ainda este ano, botar no bolso o tal décimo título mundial. Um feito que, diga-se de passagem, todo mundo adoraria que acontecesse. Ele é um freak. Quem nesse planeta já conseguiu tamanha proeza? Ninguém. Nem no tênis, nem no boxe, nem na natação, nem no golfe. Assistindo à Copa do Mundo pensei em como os americanos precisariam de um ídolo como Kelly Slater no futebol deles, pra coisa explodir por lá.

Os Estados Unidos não estão nem aí pra futebol, mas um astro como Kelly resolveria esse problema. Americanos são fanáticos por esportes. Leia-se esportes inventados por eles, como os chatérrimos futebol americano e basebol, que são bilionários na terra do Tio Sam. Sem falar dos esportes em que eles são os maiorais, como basquete, golfe e tênis. Essa turma ganha muito dinheiro e as cifras são astronômicas. Kelly Slater sabe disso. Ele sabe a importância que tem no universo do surf. E com certeza se ressente de seus feitos não fazerem nem cócegas na grande imprensa, nem nas grandes verbas de marketing.

Tirando os surfistas, e a Pamela Anderson, ninguém mais sabe quem é Mr. Kelly Slater nos “States”. Por mais que ele tenha pagado aquele mico, em cadeia nacional, fazendo uma equivocada ponta em Baywatch, por mais que tenha dado uns pegas na Gisele, ou ensinado a Cameron Diaz a surfar, Slater ainda é um penetra nessa festa milionária. Kelly Slater está no topo da pirâmide do surf. É o atleta mais valioso, mais bem pago, mais bem-sucedido, mais tudo. O problema é que essa pirâmide é bem baixinha e o monte de dólares não passa de um acanhado bolinho, quando o comparamos com os outros esportes.

Ele é o verdadeiro peixe grande num aquário pequeno. E se o surf não tem o dinheiro que ele acha que merece estar faturando, qual a solução? Fazer o esporte crescer ainda mais, atrair grandes corporações, batalhar pela entrada do surf nas Olimpíadas, pode ser uma boa idéia. Pra que o nosso superstar ganhe ainda mais dinheiro o surf precisa se agigantar. Mais exposição significa mais patrocinadores, que é igual a mais dinheiro. E que, infelizmente, é igual a mais gente na água. Muito mais gente.

Sou fã do Kelly Slater, mas seus movimentos na direção do pote de ouro me causam arrepios. O surf não vai conseguir absorver essa gente toda. Quando “Wall Street” se interessar pelo surf, o dinheiro pode até entrar, mas os verdadeiros surfistas vão acabar saindo de fininho, totalmente decepcionados com o rumo das coisas. A conta não fecha. Teremos sempre a mesma quantidade de ondas nesse amado oceano. Num certo sentido, Kelly Slater é grande demais pro surf, esporte de equilíbrio extremamente frágil.

Slater faria melhor ao surf se tivesse vindo ao mundo como estrela de futebol, esporte capaz de acolher todos os seus sonhos dourados. Eu acharia o máximo assistir pela televisão ao careca incendiando milhões na Copa do Mundo e fazendo do futebol, esse sim, o esporte mais popular e mais rico da América. Já posso até ver a comoção nas revistas de fofoca, os contratos milionários, as mansões, o namoro com as estrelas, a farra com os negões do rap...

WANNA SURF MAPEIA O PLANETA

O SITE WANNA SURF É MUITO IRADO. E NÃO SÃO NECESSÁRIAS MUITAS PALAVRAS PARA DESCREVER O QUANTO ELE É IMPORTANTE PARA A GALERA QUE VIAJA PELO MUNDO ATRÁS DE BOAS ONDAS.

Alguns números dizem tudo: 155 países catalogados, 49 mil fotos, 1.500 trips, 4.300 picos marcados em GPS, 300 zonas de surfe, 35 mil usuários cadastrados, 8.500 surf spots, tudo registrado para uma navegação inteligente e organizada. Incrível, nenhum site de surf do mundo reúne tantas informações sobre as praias de boas ondas.

Nosso Brasil, por exemplo, é apresentado em 21 zonas e só a capital do Rio de Janeiro possui informação de 50 picos, da Vala do Mauri, que só local sabe onde fica, ao Arpoador, zona sul da cidade, com indicação e qualidade da onda, fundo, freqüência e nível do crowd. Sensacional! Nem mesmo picos pouco conhecidos como o Shorebreak estão de fora. Detalhe: os próprios usuários alimentam o site.

As praias também são mapeadas pelo Google Earth para facilitar a vida do surfista curioso, que também tem disponível para agilizar a visita gráfica de clima e de previsão, além de um mapa mais básico do próprio Wanna Surf. O site detalha ondas da África, Ásia, Austrália, Pacífico Sul, Américas Central, do Norte e do Sul, Europa e Oriente Médio, o que torna a navegação interessante, pois é bem legal descobrir a existência de ondas em países remotos como Irã, Jordânia, Líbano, Oman, Catar, Síria, Emirados Árabes, etc.

Já na Europa, o site indica onde você pode levar a prancha no caso de surgir uma temporada improvável na Estônia, Malta, Grécia, Finlândia, Suécia, Noruega ou Ucrânia, destinos mais ou menos raros e até inimagináveis para quem busca a onda perfeita.

E o Hawaii, berço do surf mundial, apresenta-se dividido em quatro zonas: Kauai (25 surf spots), Oahu (98 picos), Maui (40 picos) e Hawaii Island (31 picos). São muitas opções para fugir do crowd e dos temidos locais para surfar ondas perfeitas sossegado e sozinho, ou ao lado de um punhado de amigos.

Trata-se realmente de um site indispensável para quem desafia fronteiras, altas temperaturas, regiões em conflito militar ou até mesmo picos inóspitos ou insólitos pela localização além da imaginação. O site autodenomina-se um surf atlas mundial, o que é absolutamente verdadeiro. Porque, além das informações, o usuário pode incluir fotos e vídeos, postar e adicionar descrições sobre as praias, os costumes, a freqüência das ondas, relacionar hotéis, pousadas e até mesmo passeios.

O Wanna Surf possui 20 mil “visitantes únicos” por mês e recebe 2.6 milhões de pageviews mensais. Em média, cada usuário passa cinco minutos e sete segundos apreciando suas páginas. A língua oficial é o inglês, mas também é possível navegar em francês.

Pelo sucesso da iniciativa, o site tem filhotes que abordam skate, mergulho, kite e paraquedismo. Quer dizer, é um portal radicalmente completo.

O atlas digital e interativo também possui uma loja online para a venda de camisetas do site. E também é possível anunciar serviços e produtos. Com sede na França, o Wanna Surf está ativo desde junho de 1999 e é avaliado em cerca de US$ 300 mil pelo Trend Scape, uma página que estuda, compara e promove estimativas do valor de sites.

Os caçadores de pipas

NA BUSCA POR INTENSAS EMOÇÕES, O KITESURFE DEVE SER ENCARADO RADICALMENTE, EXIGINDO MUITA RESPONSABILIDADE POR PARTE DAQUELES QUE ARRISCAM A PRATICÁ-LO. TAL EXPERIÊNCIA É CAPAZ DE TRANSFORMAR A VIDA DE QUALQUER PESSOA, POIS INCORPORA UMA NOVA ROTINA BASEADA NAS NOTÍCIAS SOBRE VARIAÇÕES DO VENTO E CONDIÇÕES DO MAR. MUITO SEMELHANTE A OUTROS ESPORTES, AS “PIPAS” ATRAEM ADEPTOS DO WINDSURFE, SURFE, WAKEBOARD, PARAGLIDING E ATÉ MESMO O VÔO LIVRE. HOJE EXISTEM KITESURFISTAS DE TODAS AS IDADES, QUE PERCORREM O CÉU DAS PRAIAS COM DEZENAS DE PIPAS E GANHAM, CADA VEZ MAIS, OS CÉUS DO MUNDO.

No Brasil, logo após a chegada dos primeiros “kitesurfistas” surgiram no fim da década de 90 os clubes de kite, especializados em divulgar e incentivar a prática do esporte. O Rio de Janeiro possui na praia da Barra da Tijuca, uma área exclusiva para grupos de praticantes se reunirem e trocarem novas experiências. Localizadas na Av. do Pepê, duas escolas merecem destaque, o K-08, comandada por Francisco “Frajola” e o K-07, conhecido como Kite Point Rio. Ali a estrutura é completa, pois são oferecidos desde o suporte inicial até os primeiros socorros emergenciais.

O empresário Luis Felipe Guerra, 31, é fissurado em kitesurfe há três anos e ressalta a ótima infra-estrutura dos clubes: “É totalmente diferente de qualquer outro esporte, pois os quiosques dão todo o suporte necessário ao praticante”, diz Guerra, que reserva diariamente algumas horas à tarde para encontrar os amigos e praticar kite.

Cada clube oferece também o curso completo de kitesurfe, que pode variar, dependendo do iniciante, de 10 até 20 horas práticas e teóricas. As primeiras aulas são lecionadas na areia, para o aluno pegar noções básicas de vento e aprender algumas dicas do equipamento. De acordo com o instrutor de kitesurfe, Marcelo Cunha, 10 anos de experiência, é fundamental para o interessado procurar uma escola credenciada pela Associação Brasileira de Kite (ABK). “Apesar de ser um esporte sem grandes mistérios, a maioria das escolas não sabem como tratar os alunos, fazendo-os desistir rapidamente. É importante traçar uma estratégia para o iniciante concluir o curso e se tornar um velejador”, afirma Marcelo Cunha.

No Brasil a Associação Brasileira de Kite (ABK) é responsável por padronizar as escolas de acordo com exigências internacionais, fundamentais para tornar o esporte mais seguro. Dentre as regras de maior relevância, a escola deverá disponibilizar e obrigar seus alunos a utilizarem, capacetes, coletes flutuadores e sistema de desengate rápido. Fazer os alunos se conscientizarem sobre os procedimentos de emergência e certificar-se de que todos os alunos leram, compreenderam e assinaram o documento de responsabilidade por danos materiais e dos riscos do esporte. De preferência, disponibilizar um barco ou jet-ski (equipado com salva-vidas, faca e âncora) para resgate de acidentados, com piloto habilitado e experiente.

O piloto de avião comercial, Edson Mascarenhas, praticante de kite há três anos decidiu inscrever o filho de onze anos, Lucca Torres, devido à importância das instruções dadas no curso. “Por se tratar de um esporte radical, o curso é valioso, pois ensina uma série de dicas úteis para o iniciante”, ressalta Edson. Atualmente, os equipamentos de kitesurfe evoluíram de maneira a proporcionar o máximo de segurança possível para o praticante, a maioria tem “depower”, dispositivos que fazem a pipa perder rapidamente a pressão exercida pelo vento. O trapézio é uma espécie de cinturão, ajustável facilmente ao corpo da pessoa, ele sustenta o gancho de engate rápido preso à pipa e que, pode ser desengatado para manobras aéreas e de maior velocidade.

Dois locais sempre presentes no point da Barra da Tijuca são o casal de irmãos Fillipe e Milla Ferreira, filhos do kitesurfer Francisco “Frajola”. Ambos são surfistas e optaram por competir profissionalmente na modalidade Waves há pelo menos dois anos. “É uma sensação incrível, pois consigo intercalar entre manobras de surfe com os aéreos do kite. Utilizo a pipa como um prolongamento dos meus sentidos, ganho mais força e pego mais velocidade”, diz Fillipe, também conhecido como “Frajolinha”. O estimulo ao esporte é fundamental para os atletas alcançarem patamares mais altos, seja através do patrocínio, seja por motivações pessoais. “Meu pai nos colocou no kitesurfe, ele está sempre do nosso lado, inclusive praticando junto conosco. Tenho certeza de que seria impossível chegar aonde chegamos se não fosse por incentivo da família”, completa Milla, estudante de publicidade.

Em 2007 e 2008, o Rio de Janeiro virou palco de duas etapas do campeonato brasileiro creditadas pela ABK e realizadas na praia da Barra, para as categorias de Freestyle, Waves e Regatas. Atualmente, os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina e grande parte da região Nordeste concentram a maioria dos campeonatos regionais. Na opinião da tetracampeã brasileira nas modalidades Freestyle, Waves e bicampeã brasileira na categoria Regatas, Caroline Freitas, 27. “Apesar de não ventar como no Nordeste, o Rio de Janeiro, principalmente no mês de fevereiro, proporciona ventos fortíssimos e condições de mar ideais. A praia da Barra é a principal, mas Búzios, Araruama, Cabo Frio ou em geral, a Região dos Lagos são ainda ótimos picos para os cariocas migrarem e aproveitarem os bons ventos”, afirma Carol Freitas que em 2009 também foi campeã brasileira de Stand Up Paddle.


EQUIPAMENTOS:
Existem diferentes modelos de kites ou pipas (de 12 a 17m²), cada um de acordo com o peso e a habilidade do kitesurfista, e também depende da intensidade do vento (pipa pequena para vento forte e vice-versa). O modelo Bow é considerado ideal para os praticantes, por ser inflável, permite a re-decolagem fácil da pipa após afundar por longo período dentro da água. É recomendado aos iniciantes que adquirem pipas usadas, pois devido ao uso e desgaste excessivo pode vir a danificar o equipamento. Encontrar kites de qualidade a vendas nas lojas não é tarefa difícil, mas existe uma grande diferença do preço cobrado entre aqueles nacionais e importados, que chegam a variar de dois a quatro mil reais.

As pranchas de kitesurfe evoluíram com o tempo, principalmente no que diz respeito ao material utilizado em sua fabricação. Por exemplo, as direcionais são semelhantes às pranchas de surfe tradicional (feitas de epóxi, ou de bloco poliuretano), algumas possuem uma ou duas alças para prender os pés durante os vôos. Outra diferença é que as pranchas são mais resistentes, de maneira a receber um reforço de laminação e na longarina para agüentar pancadas mais fortes. Já os modelos de pranchas bidirecionais têm ambos os lados iguais, sem distinguir a frente da traseira, normalmente com duas alças, que podem ser substituídas também por botas de wakeboard ou sandálias fixadas na prancha. Cada categoria determina um tipo de prancha a ser utilizado, seja voando alto no freestyle ou velejando em alta velocidade mar adentro nas competições.


CATEGORIAS:
Waves Popularmente conhecida como “Kite nas Ondas”, é a preferida dos bons surfistas, pois o praticante surfa impulsionado pela força da pipa em busca das melhores manobras. Sempre agarrado ao trapézio, é possível inovar em manobras casuais do surfe com a prancha sempre presa aos pés.

Regatas Foi eleita pela International Kiteboarding Association (IKA) para ser apresentada como modalidade olímpica em 2016, nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. Muito semelhante às regatas de barcos à vela, ganha quem for mais rápido e respeitar todas as regras necessárias para manter a competição mais acirrada e segura.

Freestyle Como o próprio nome diz, o kitesurfista sente-se à vontade para manifestar seu próprio estilo. Geralmente, pega impulso nas marolas para levantar vôos, o que, dependendo da força do vento, pode levá-lo a alturas incríveis, alternado entre manobras aéreas com pousos (quase) perfeitos.

PRANCHAS HISTÓRICAS NA NET


Pense num surfista lançador de tendências. Muitos nomes podem ter passado pela sua cabeça ─ Dane Reynolds, Rasta e Rob Machado são apenas alguns deles. Vasculhando a garagem de suas respectivas casas, é bem provável que se encontre diversos modelos de pranchas mais velhas que os próprios donos. A onda vintage, porém, não é uma tendência sendo lançada ─ já está completamente estabelecida.

E por que você ficaria de fora dessa? Afinal, de cada dez Tops, onze têm pranchas retro no quiver. Seja para pendurar na parede ou surfar no maior estilo anos 60/70/80, possuir um foguete estiloso das antigas faz bem a qualquer um. Agora, melhor do que entrar no mar com um toco qualquer, caindo aos pedaços ─ e não pegar onda nenhuma ─, ou mesmo pedir uma réplica ao seu shaper local, é ter uma das originais. Imagine a cara dos seus amigos ao te ver tirando uma Dick Brewer do porta-malas. Como certo comercial de TV já dizia, certas coisas não têm preço.

É aí que entra uma das maravilhas do mundo virtual ─ o eBay. A versão ianque e original do Mercado Livre tem de tudo e mais um pouco. Inclusive relíquias shapeadas por nomes como o já citado Dick Brewer, Greg Noll e Gerry Lopez, entre outros. É só saber procurar, elas estão lá. O preço nem sempre é tão amigável, mas os 4 mil dólares, hoje, de uma Lightning Bolt assinada por Gerry Lopez, podem dobrar amanhã ─ como qualquer obra de arte.

Mas nem todos os preços estão na casa dos três zeros. Enquanto produtos com valores fixos podem ser mais caros, itens colocados em leilão podem acabar em suas mãos por muito menos. Até o momento da postagem deste texto, por exemplo, o lance mais alto para uma Dick Brewer 9’0” nova em folha era de “apenas” 722 dólares. Tenha cuidado, porém, pois os lances podem acabar lá em cima e, se o seu for o mais alto no encerramento do leilão, você terá que desembolsar a grana.

Dependendo do modo de busca, diversas outras opções podem ser encontradas por aí. Os vendedores de pranchas que você encontra no eBay, por exemplo, muitas vezes têm mais de um item a venda. Pode ser que, na mesma garagem onde guarda uma gunzeira para Waimea shapeada por Greg Noll, haja outras jóias tão valiosas quanto. Outra dica é procurar os comentários em sites e fóruns especializados em pranchas retro, como o vintagesurfboard. Muitas vezes usuários comentam posts e páginas de produtos com mais ofertas, fornecendo seus dados para um contato mais pessoal entre comprador e vendedor.

Agora, quem tem perspicácia pode conseguir pranchas mágicas sem nem a ajuda da internet, nem de centenas ou milhares de dólares. Rodando pelas casas de locais da sua própria praia, quem sabe você não acha uma relíquia pendurada em algum canto, sem que alguém saiba seu verdadeiro valor. O que era considerado apenas um toco velho, incapaz de deslizar direito sobre uma onda, pode se tornar uma valiosa peça de sua coleção, por uma pechincha, ou às vezes em troca de uma prancha nova. No caso, todos sairiam ganhando ─ já que não tem preço, por que não inventá-lo você mesmo?

CICLO RENOVADO


O que fazer com aquela prancha antiga e quebrada, que ficou entulhada em algum canto da casa? Infelizmente, hoje ainda não existe um sistema de coleta e reciclagem apropriado para as milhares de pranchas velhas e fora de uso, que muitas vezes são jogadas no lixo comum, poluindo o meio ambiente.

Mas com disposição e criatividade é possível reaproveitar o velho bloco descartado e transformá-lo em uma prancha inteiramente nova. É o que mostra o shaper catarinense Felipe Siebert, que recentemente recuperou um antigo modelo monoquilha stinger da marca Machucho dos anos 70, fora de uso e impossível de ser restaurado, transformando-o em uma nova prancha pronta para ser usada por muitos anos.

Esta prancha era de um tio meu já falecido e estava abandonada já muito tempo na casa da minha avó”, conta Siebert, que, para fazer a nova prancha, optou por manter as características retro de uma stinger monoquilha, mas com dimensões bem menores ─ de uma 6’6” × 21 ½” passou para uma 5’4” × 20”.

O divertido processo de reciclagem incluiu a escolha de uma pigmentação bem extravagante e experimental para o modelo, que recebeu o nome de “Roots Time”, por conta de um recorte de revista que foi inserido de última hora durante a laminação. Vale ressaltar que, para poder ser reciclada, a prancha original deve ser um modelo com bordas grossas, que ofereça alguma margem para afinar o bloco. Um longboard, mesmo quebrado ao meio, também pode funcionar.

A reciclagem da prancha levou dois dias de trabalho intenso e contou com a ajuda do fabricante de skates e artesão Márcio Justos, que emprestou o espaço e as ferramentas de sua oficina, além do shaper Kong, uma referência na recuperação de pranchas em Florianópolis, que colocou a quilha e fez o acabamento final. Depois de pronta, a Roots Time foi levada ao Farol de Santa Marta, onde fez a sua reestréia na mesma região onde havia sido usada na década de 70. Nos pés do surfista profissional Junior Faria, que competia no evento WQS realizado no local, a prancha reciclada foi testada e aprovada nas ondas da praia da Cigana. Além de divertir, a prancha acabou dando sorte, pois três dias depois de experimentar a nova stinger, Junior Faria sagrou-se campeão do evento.


FAÇA VOCÊ MESMO: O guia abaixo tem o objetivo de evidenciar algumas etapas da reconstrução de uma prancha, para que surfistas que desconhecem o processo tenham uma noção das técnicas envolvidas. A idéia aqui não é ensinar a produzir uma prancha de alta performance, e sim, estimular aqueles que sempre tiveram o desejo de desfrutar do prazer de surfar com uma prancha feita com as próprias mãos ─ como faziam os surfistas da década de 1930, quando ainda não existiam fábricas de pranchas.

EQUIPAMENTOS: Lixa 80, lixas d’água, plaina elétrica, lixadeira, serrote, mini-plaina manual, resina poliéster, monômetro, acetona, fibra de vidro, catalisador, cobalto, pigmentos coloridos, cavaletes, máscara, luvas, potes plásticos, estilete, lápis, fita crepe, pincel e régua.

ETAPAS BÁSICAS:
01. Criação do template (desenho da prancha em tamanho real em um molde);
02. Descascar a prancha ─ puxe a fibra a partir de um pequeno corte com estilete;
03. Fazer o shape do fundo utilizando a plaina elétrica;
04. Riscar e cortar o outline com serrote;
05. Fazer o shape do deck e das bordas;
06. Fazer os acabamentos utilizando lixa ou sandscreen e mini-plaina manual;
07. Misturar os pigmentos na resina;
08. Cortar o tecido;
09. Catalisar a resina e laminar o fundo;
10. Quando o fundo estiver seco, catalisar a resina e laminar o deck;
11. Colocar quilhas e dar o hotcoat (resina com parafina líquida aplicada com pincel);
12. Lixadeira (lixa 80) para nivelar a prancha;
13. Com pincel, aplicar resina com parafina para o acabamento.
14. Lixadeira (lixa d’água) para nivelar e polir;
15. Deixar a prancha curar e ir surfar.

DICAS:

A partir do item 11, você pode deixar a finalização a cargo de um laminador profissional para garantir um bom acabamento.
Não deixe de usar máscaras e luvas para a sua saúde e segurança.
Use a criatividade e não tenha medo de experimentar tanto no shape, quanto na pintura. O resultado pode ser surpreendente e o importante é a diversão.

DE VOLTA À CIDADE MARAVILHOSA


Os rumores de que a etapa brasileira do “Dream Tour” poderia mudar de lugar começaram depois da vitória do potiguar Jadson André na praia da Vila, no último mês de maio em Imbituba. As últimas oito edições da prova foram disputadas em Santa Catarina, mas a partir do ano que vem os melhores surfistas do mundo irão se encontrar novamente no Rio de Janeiro. O palco principal será montado na Barra da Tijuca, com uma segunda estrutura disponível na praia do Arpoador, um dos berços do surf brasileiro, e outra no canto do Recreio dos Bandeirantes. O Billabong Pro Rio (novo nome do evento) terá premiação recorde de US$ 500 mil, além da volta de uma das etapas do ASP Women’s Tour, que distribuirá US$ 120 mil em prêmios. A última vez que a elite feminina veio ao Brasil foi há dois anos, justamente na Barra da Tijuca ─ com vitória da havaiana Melanie Bartels.

Um dos donos dos direitos da prova, o catarinense ex-Top do WCT Flávio Padaratz falou sobre a mudança: “A idéia vinha sendo trabalhada nos últimos dois anos, e o prefeito do Rio de Janeiro ajudou muito. A decisão foi aprovada por todos os envolvidos”.

Desde o início do Circuito Mundial, em 1976, o Rio de Janeiro sempre serviu de palco para a elite do esporte. As ondas do Arpoador receberam os Tops até 1982. A cidade retornou ao calendário em 1988, já na Barra da Tijuca, onde permaneceu até 2001. Em 2002, a prova foi disputada em Saquarema, norte do estado. Momentos marcantes da história do surf mundial aconteceram em ondas cariocas, como o primeiro dos nove títulos mundiais de Kelly Slater, em 1992. Ou a memorável onda que Slater pegou em 1997, na Barra da Tijuca ─ quando ele dropou atrasado, andou fundo dentro do tubo, saiu com a baforada e mandou um longo floater, recebendo nota 10. À época, a onda foi apelidada por Kelly de “Barradoor”.

Mas a vitória do paranaense Peterson Rosa no Rio Marathon Surf Internacional, na Barra, em 1998, certamente foi o momento mais incrível para o público brasileiro. O “Bronco” faturou o título ao virar a decisão contra o australiano Mick Campbell na última onda, levando a multidão ao delírio.

O australiano bicampeão mundial Mick Fanning, que já venceu duas vezes no Brasil (2006/07), está empolgado com o retorno ao Rio de Janeiro: “Os brasileiros são apaixonados pelo surf. Foi muito bom em Santa Catarina, mas confesso que estou animado pela volta do Circuito Mundial ao Rio”, disse Mick. O atual campeão da etapa, Jadson André, também comentou a mudança: “Santa Catarina é um lugar muito especial para mim, pois foi lá que eu conquistei a primeira vitória no WQS e também no ASP World Tour. Gostaria que continuasse lá, mas a troca será positiva”.

COMO ARRUMAR UM PATROCÍNIO

MUITA GENTE SONHA EM SER SURFISTA PROFISSIONAL. VIAJAR O MUNDO, COMPETIR, SAIR NAS REVISTAS E SER ÍDOLO DA MOLECADA, SEM DÚVIDA É MUITO ATRAENTE ─ PRINCIPALMENTE SE VOCÊ FOR PAGO PRA ISSO. MAS NÃO ADIANTA APENAS SURFAR BEM. O ATLETA QUE TODA MARCA PROCURA TEM QUE SABER PROMOVER SEU PATROCINADOR E BUSCAR RETORNO COM EXPOSIÇÃO NA MÍDIA. CONFIRA ALGUMAS DICAS PARA CONSEGUIR SE TORNAR UM SURFISTA PROFISSIONAL ─ E MANTER A PROFISSÃO.

MONTE SEU PORTFOLIO
Um portfolio é basicamente um currículo. Tudo o que você precisa é uma pequena introdução que inclua seus objetivos, suas conquistas e duas ou três das suas melhores fotos surfando. Destaque os resultados em campeonatos, fotos publicadas e qualquer outro tipo de exposição. Se você tem imagens suficientes para editar um curto vídeo, isso ajuda também. Lembre-se que patrocinadores procuram sempre atletas que proporcionem retorno a seu investimento. Ou seja, buscam um surfista que apareça nas revistas, vídeos e TV.

PRODUZA FOTOS E VÍDEO
Ver a si mesmo surfando é uma das melhores formas de evoluir. Pode ser decepcionante, já que não é fácil descobrir que, na verdade, você não surfa tão bem assim. Mas é a melhor maneira de identificar o que você precisa melhorar em sua performance. Além disso, ter fotos e filmagens suas mostra a potenciais patrocinadores que você está trabalhando para aumentar sua exposição. Produzir um vídeo de 5 ou 10 minutos co suas melhores ondas, o (a) diferenciará de outros tantos jovens surfistas que buscam um patrocínio.

ESTABELEÇA CONTATO
Participe dos campeonatos de sua praia. A principal surf shop local pode ser um bom começo. Uma vez brother da galera da loja, fica mais fácil conhecer os representantes das marcas que muitas vezes servem de olheiros para os team managers.

TORNE-SE UMA INFLUÊNCIA
Quando você é patrocinado, seu trabalho é expor e promover a marca que o apóia. Então o ideal é trabalhar para uma marca cujos produtos você curte. Se você surfa bem e é conhecido e respeitado pela galera da sua praia local, provavelmente será uma influência na área, principalmente para os garotos mais jovens que estão começando no surf.

MANTENHA CONTATO
Uma vez patrocinado, manter contato com seu patrocinador é fundamental. Sempre deixe seu chefe a par do que está rolando com você: seus resultados em competições, fotos publicadas nas revistas e exposição geral na mídia. Você estará mostrando que está trabalhando para dar retorno.

CAIA NA ESTRADA
Patrocínios locais geralmente não incluem salário, mas sim um apoio na forma de produtos, verba para viagens e incentivos por exposição na mídia. Por isso, não hesite em pedir grana para viajar. Isso mostrará ao patrocinador que você está tentando cair na estrada para correr campeonatos e produzir fotos e vídeos em ondas melhores. Viajar é fundamental para sua evolução como surfista, além de ser uma maneira adicional de dar retorno à marca que o patrocina.

SEJA DEDICADO
Não desista se as coisas não derem certo logo de cara. Se você acredita verdadeiramente que pode ser um atleta de valor para uma marca, continue tentando. Se você não tem tido sorte em fechar o patrocínio que gostaria, arrume o que puder. Às vezes tudo o que você precisa é ser notado. Você provará seu valor se for dedicado. Continue conhecendo as pessoas do meio, criando contatos e trabalhando com fotógrafos e videomakers. Se você não acreditar em si mesmo, quem vai?

NÃO SE ESQUEÇA DE SE DIVERTIR
Patrocínio não é tudo. Portanto, não deixe que seu objetivo final impeça que você aproveite o prazer de se tornar um surfista melhor.

05 perguntas para... Jojó de Olivença

O SURFISTA BAIANO ESTEVE PELA SEGUNDA VEZ ESTE ANO NA NIGÉRIA, ONDE ATUOU JUNTO A UMA ONG INGLESA CUJA MISSÃO É CUIDAR DE CRIANÇAS QUE ESTÃO SENDO VÍTIMAS DE UM GRAVE PROBLEMA SOCIAL. ACUSADAS POR FALSOS PASTORES EVANGÉLICOS DE SEREM BRUXOS, ELAS SÃO ALVO DE RITUAIS DE EXORCISMO E MUITAS VEZES SÃO ABANDONADAS PELAS FAMÍLIAS, SOFRENDO TODO TIPO DE MALTRATO NAS RUAS. O NÚMERO DE VÍTIMAS JÁ ULTRAPASSOU 5 MIL DESDE 2007. JOJÓ LEVOU O SURF E A EDUCAÇÃO AO PAÍS COM O PROJETO PEQUENINOS DA NIGÉRIA, CUJOS DETALHES VOCÊ CONHECE NESTA ENTREVISTA.


01. COMO SURGIU A IDÉIA DE IR À NIGÉRIA AJUDAR AS CRIANÇAS?
Partiu do nosso movimento cristão chamado Caminho da Graça, idealizado pelo reverendo Caio Fábio. Vimos um vídeo gravado por uma TV inglesa sobre pastores acusando crianças de bruxaria na Nigéria. Por isso, elas são abandonadas pelos pais, sacrificadas e sofrem abusos. Como a gente viu que eram pastores evangélicos, a questão chamou nossa atenção. Isso não condiz com nossa fé cristã. Então, organizamos um grupo e fomos para lá ajudar a comunidade com esse problema. Eu entrei com o projeto Ondas, com o ensino do esporte, e fomos convidados por um orfanato criado por um nigeriano que começou a acolher as crianças, no total já são 216. Trabalhamos o psicológico, levamos um pouco de solidariedade, cidadania e esporte a essas crianças. Também fizemos um trabalho de conscientização ambiental com a comunidade e praticamente “desvirginamos” o surf por lá, porque na região só existe uma praia com ondas e as pessoas desconheciam o que era uma prancha de surf.

02. E QUAL O PAPEL DO ESPORTE NESSE PROCESSO?
O surf é uma novidade para eles e está sendo usado como ferramenta para agregar algum valor às crianças, levar alegria, prazer e diversão. Elas vivem confinadas no orfanato, sem nenhuma atividade, só saem para ir à escola. Como detectamos essa necessidade, ampliamos nossas idéias, levando outras atividades para elas.

03. COMO VOCÊS FORAM RECEBIDOS PELA COMUNIDADE?
A questão bruxaria, crucificando e matando as crianças, começou a uns sete anos atrás, porque antes o problema só acontecia com os adultos. Com a evolução da religião cristã e como forma de as pessoas ganharem dinheiro, começaram a levar a bruxaria às crianças. Eles achavam que como a criança tinha o espírito de bruxaria era culpada por tudo de errado que acontecia na família e na comunidade. Eles propõem “tratamento” na igreja. As crianças ficam internadas por um tempo, fazendo o tratamento, que é pago. Quando as famílias não têm dinheiro, são obrigadas a abandonar as crianças na rua, e elas acabam sofrendo todo tipo de abuso, desde bebês até adolescentes. Eles nunca tinham sido confrontados, muitos mentiam, diziam que não faziam nada daquilo. O governo criou recentemente uma lei que proíbe a rotulação de bruxas às crianças e prevê pena de até 20 anos de prisão. Mas, como o lugar é muito carente, existem aldeias bem isoladas, sem TV, jornal e internet. Assim, existe dificuldade em levar a informação sobre a nova lei do governo para as comunidades. O problema da bruxaria ainda vai continuar por muito tempo. Nós apenas plantamos uma semente. Mas após seis meses, período em que iniciamos o trabalho, já começamos a ver bons resultados.

04. QUAIS SÃO OS PRÓXIMOS PASSOS DO PROJETO PEQUENINOS DA NIGÉRIA?
O plano é retornar a cada seis meses, já que agora tempos uma equipe lá. Alugamos uma casa por dois anos e temos uma base, com nigerianos que estão nos representando. O objetivo é dar continuidade a tudo que está encaminhado, a evolução do esporte, a conscientização ambiental. Em nossa próxima viagem, que deve acontecer daqui a seis meses ou oito meses, queremos levar um contêiner com roupas, pranchas, equipamentos e tudo mais que eles necessitam. Também queremos levar voluntários que possam ficar lá por um período de três a seis meses para levar idéias, dar cursos, oficinas... Acreditamos muito que, se fizermos um trabalho decente com essas crianças, elas poderão influenciar, e muito, no futuro da nação.

05. FALE UM POUCO DO PROJETO ONDAS, QUE VOCÊ MANTÉM NO GUARUJÁ.
Ele foi constituído como ONG em 2007. Hoje atendemos 60 crianças, entre 6 e 14 anos, oferecendo o surf como ferramenta de educação e inclusão social. Temos a parte de educação ambiental, o reforço pedagógico, as oficinas profissionalizantes. Estamos sempre em busca do crescimento quantitativo e qualitativo por conta da demanda, não só no Guarujá, mas em todo o Brasil. Ainda estamos à procura de financiadores para que possamos atender um número ainda maior de crianças. O público do surf está sendo convocado a participar de várias formas, doando tempo, talento e recursos. O desafio é que a comunidade do surf seja solidária com o próximo. O projeto Ondas está de portas abertas para todos que quiserem ajudar de alguma forma.

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Para colaborar com o projeto Ondas ou com o projeto Pequeninos da Nigéria, basta acessar o site ou entrar em contato com o próprio Jojó de Olivença pelo e-mail jojodeolivenca@hotmail.com. Faça sua parte e participe!

LISA ANDERSEN ─ a rainha mãe

“Quando está em forma, ela está entre os melhores surfistas lá fora” (Tom Carroll, sem distinguir sexo, no Guia da ASP, 1993).

“Ela é a primeira mulher a se tornar uma celebridade do surf e conseguir um domínio que fez os porcos chauvinistas calarem a boca e prestarem atenção” (Martha Sherrill, Outside, novembro de 1996).

A fórmula da perfeição. A atração hipnótica do sorrido tímido iluminado e olhos oceânicos profundos. O choque de uma mulher surfando com velocidade, força e linha. Provando que era possível surfar bem, como um homem. Os bottom-turns e cutbacks redondos, as batidas, cabelos loiros, olhos azuis e vigoroso spray marinho a se espalhar e se fundir em uma só surfista. Bela e fera, Lisa Andersen é a maior surfista de todos os tempos.

O enredo de novela. Cinderela das ondas, Lisa sofreu com uma família infernal e precisou fugir de casa para viver das ondas. Logo foi apontada como a melhor surfista do planeta, mas só provaria isso anos depois, quando se tornou mãe. E ela seria ainda a razão do surf feminino crescer e se tornar um negócio milionário.


O INFERNO
08/03/1969. Lisa Andersen nasce em Long Island, Nova Iorque, mas é criada nas colinas de Fork Union, Virginia. Ali já desafia os garotos: é a única guria no time de baseball masculino da cidade. Aos 13 anos, muda-se para Ormond Beach, Flórida. Encontra um refúgio (dos pais que só brigam) e companhia no skate e surf. No mar, única menina, imita o estilo dos locais e é agressiva com eles. Os rapazes a chamam de “Trouble” (Problema), mas a protegem. Em casa, seu pai e mãe são contra o surf, coisa de drogados e vagabundos para eles. Aos 15 anos, Lisa vê o pai destruir sua prancha: pisa em cima e arranca as quilhas. Um ano depois (1985), ela foge de casa deixando um bilhete: “Mãe, vou embora para ser campeã mundial de surf”. Parte não só pelas ondas. “Meus pais só brigavam e se divorciaram. Escolhi ficar com meu pai, mas ele disse que não me queria”, revelaria na Outside.


A LUTA
Lisa empenha as economias do trabalho como garçonete e atravessa o país num vôo para Los Angeles. Logo está em Huntington Beach. Sua rotina é surfar, trabalhar em restaurantes e morar com um jovem shaper, amigo da Flórida. Sofre com o assédio dele e decide ir embora. Passa a dormir onde é possível: embaixo de bancos de Newport Beach ou em casas vazias que invade de madrugada. Muda de casa toda noite: tem medo e a paranóia de ser descoberta pelo FBI.

Certa manhã, Ian Cairns, o ex-legend australiano que comandava a NSSA (Liga Escolar-amadora de Surf dos EUA), a encontra dormindo em posição fetal embaixo da mesa, no palanque de um campeonato. Lisa pede que ele a deixe correr um evento. Mesmo sem autorização dos pais ou boletim da escola, Ian cede. E cederia nos 8 meses seguintes, quando a menina domina o circuito da NSSA: ganha 35 troféus e se classifica para o Mundial Amador da Inglaterra (no ano seguinte, fica em 3°). “Foi como se ela tivesse um estilo completamente formado desde a primeira vez em que ficou de pé. Como se surfar viesse naturalmente para ela como a dança para Baryshikov. Ela é surpreendentemente exata. Você não vê braços, joelhos e cotovelos voando. Nada está fora do lugar” (Nick Carroll, na Surfing).

Lisa fica um ano enviando recortes de jornais com seus resultados para a mãe, sem revelar onde vivia.


PROTEÇÃO
A coragem e talento de Lisa a fazem ser respeitada e adotada pelos surfistas mais velhos. Mais que adotá-la, o californiano Dave Parmenter ─ ex-pró famoso pelo estilo belo e veloz ─ se transforma no homem mais importante de sua vida. De 1987 a 1991, Dave é o mentor, shaper, companheiro de surf, motorista, treinador e amante que ajuda muito a refinar o surf de Lisa. Mas eles brigam demais e acabam se separando.

Sem Dave, Lisa apóia-se na amizade de outros surfistas do Tour, em especial o ex-bicampeão, o australiano Tom Carroll. “Ele sempre estava lá pra mim, no surf e fora da água. Me respeitava, não me tratava como mais uma das garotas”, afirma na Surfing.

1987. Todos apontam Lisa como a futura campeã mundial. Em seu ano de estréia, termina como 12a do Tour mundial e como rookie of the year. Mas ela pecaria anos por falta de foco no circuito todo. Termina o Tour de 1988 em 10o lugar, 7o em 89, 4o em 1990, 7o em 1991, ano em que fecha com a Quiksilver, e 4o em 92.


A FORÇA DA MATERNIDADE

Julho de 1992. Após rabear o juiz brasileiro Renato Hickel, em Jeffrey’s Bay, iniciam um romance secreto. Descobertos, Lisa fica magoada por acusarem-na de dormir com ele para ganhar boas notas. Hickel deixa o surf feminino por causa disso. No final do ano, fica grávida. Casam-se em março de 1993 e Erica nasce em 1o de agosto.

1994. Antes dispersa e frágil emocionalmente nos campeonatos, Erica transforma Lisa. Nesse ano ela vence três eventos (Ilhas Reunião, US Open, Biarritz), domina a temporada, mas treinando em Florianópolis, suas costas arrebentam completamente: duas hérnias de disco. Desiste do campeonato seguinte, no Hawaii e aposta tudo no último, na Austrália. Em terra aussie, precisa vencer uma bateria para não perder o título para Pauline Menczer. Suporta as dores e consegue bater a local Yvonne Rogencamp. Lisa vencia seu dramático primeiro título mundial, graças, segundo ela, à sua filha. “Erica me distraiu de todas as minhas distrações. Agora eu tenho uma vida. E isso torna a vida mais fácil”.

1995. Ela vence de novo três campeonatos e fatura o bi. Em 1996, o casamento com Hickel termina (“ela perdeu todo o interesse por mim desde que Erica nasceu”) e faz uma histórica capa na Surfer (primeira de uma mulher em 15 anos), com uma legenda corajosa e verdadeira endereçada a muitos surfistas machos: “Lisa Andersen surfs better than you”. Lisa é tricampeã em 96 e traz um tetra arrasador (5 vitórias) no ano seguinte.

Os anos de domínio de Lisa Andersen significaram a explosão de novas meninas na água e do mercado da surfwear delas. Garota propaganda da Roxy (linha girl da Quiksilver), Lisa ajudou a desenhar um board short para as meninas que virou febre, e monopolizou os vídeos e anúncios nas revistas. “Lisa Andersen exemplificou uma nova espécie de modelos femininos que surfam como homens, mas que aparentam, em cada pedacinho, uma mulher. Embora não exista nada de feminista na sua filosofia pessoal, Lisa se tornou a rainha para a geração de meninas que a seguiram” (Surfer, agosto de 2005.)

O sucesso, porém, não mudou seu jeito distante e fechado; uma enigmática superstar avessa à fama e badalação da mídia.

A partir de 1998, ela se afasta do Tour por novos problemas nas costas e para ter um filho em 2001, Mason (com o paisagista neozelandês, Paul Osbaldiston, de quem se separaria depois). Ensaia retornos em 2000 e 2002, mas deixa mesmo o circuito.

A australiana Layne Beachley a sucede, com um incrível hexacampeonato mundial. Todavia, Layne jamais consegue superar o carisma e inspiração de Lisa, a rainha que teve a coragem e determinação de dar o grande salto na carreira num momento que significa o fim para a maioria: ser mãe.

Mãe, musa e mito que mantém o mesmo sorriso e luz de menina que fugiu de casa para viver das ondas.



Lisa casou-se pela terceira vez, segue nas ondas com seu surf camp para meninas, como embaixadora da Roxy e teve sua biografia, “Fearlessness” escrita por Nick Carroll.