Billabong Pro Santa Catarina 2010

COM MUITA PERSONALIDADE, JADSON ANDRÉ FAZ HISTÓRIA AO DERROTAR KELLY SLATER NA DECISÃO DO BILLABONG PRO SANTA CATARINA, TERCEIRA ETAPA DO ASP WORLD TOUR 2010, DISPUTADA DE 23 A 29 DE ABRIL NA PRAIA DA VILA, IMBITUBA. COM A CONQUISTA, JADSON ASSUMIU A QUARTA POSIÇÃO NO RANKING E QUEBROU DOIS TABUS: É O PRIMEIRO SURFISTA DO PAÍS A VENCER ESTE EVENTO E ACABOU COM O JEJUM DE 12 ANOS SEM VITÓRIA DE UM BRASILEIRO EM CASA.



Seguindo a lógica do efeito borboleta, também chamado pelos cientistas de teoria do caos – princípio segundo o qual um pequeno evento pode ter conseqüências imprevisíveis, pois resulta num desfecho determinado por ações interligadas de forma quase aleatória –, a derrota de Jadson André em sua bateria de estréia no Billabong Pro Santa Catarina (vencida por Neco Padaratz com Adriano de Souza em segundo) pode ter sido crucial para a histórica conquista do campeonato pelo potiguar. Se tivesse vencido na primeira rodada, Jadson teria desencadeado uma trajetória diferente na competição, que poderia terminar de outra maneira. Quem sabe? Tudo isso é mera especulação, claro. Neste caso, o efeito borboleta em questão tem outro sentido. Quem explica é o próprio Jadson, numa entrevista logo depois de massacrar Slater na Vila: “Não falei isso pra ninguém, mas tive um momento muito espiritual antes de entrar na primeira bateria. Eu estava na área dos competidores e uma borboleta pousou no meu braço, ficou ali por uns dez segundo, depois voou. Na hora eu pensei: ‘Será que isso é um sinal de que vai acontecer alguma coisa boa pra mim neste evento?’”. A resposta só veio seis dias depois, e confirmou a intuição de Jadson.

Com apenas 20 anos de idade, dono de uma personalidade forte e determinação de sobra, o carismático potiguar superou o imbatível Slater dando ao nove vezes campeão mundial uma boa dose de seu próprio veneno: um coquetel que inclui a frieza necessária para saber jogar a pressão para o adversário e coragem para arriscar tudo nos momentos cruciais. Fórmula essa que só os campeões possuem – e Slater sabe disso melhor do que ninguém. Talvez por isso o americano tenha tentado devolver de bate pronto a pressão, dizendo que Jadson só é uma ameaça em condições como as encontradas na praia da Vila e eventualmente nos outros fundos de areia do Tour. “Ele é praticamente invencível nestas condições e derrubou seus adversários um a um. Mas vamos ver se consegue manter o nível de atuação em ondas como Teahupoo e Pipeline”, alfinetou Slater, no alto de seus 38 anos, deixando escapar nas entrelinhas o incômodo causado pela derrota para um estreante, e ainda por cima brasileiro.

A vitória de Jadson André em Imbituba é relevante em vários aspectos. Ele foi o primeiro brasileiro a vencer essa etapa do ASP World Tour, realizada desde 2003; foi o primeiro estreante a vencer uma etapa depois de Bobby Martinez, em 2006 no Tahiti; o fato de ter derrotado Kelly Slater, que vinha embalado pela vitória em Bell’s Beach e defendia o título na Vila, além de estar focado na busca pelo deca, é ainda mais impressionante – apenas Teco Padaratz tinha vencido Slater numa final do Tour, há 16 anos, na França. O potiguar acabou ainda com o jejum de vitórias brasileiras em casa – a última era do paranaense Peterson Rosa em 1998, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro (RJ). Mas o principal mérito de Jadson foi ter vencido uma etapa extremamente estratégica: primeiro porque, sendo realista, o Brasil é justamente uma das arenas que ele tinha chances de se dar bem; e segundo porque o colocou numa excelente posição no ranking, considerando que o número de integrantes na elite será reduzido de 45 para 32 atletas a partir do quinto desafio do ano, o Billabong Pro Teahupoo, de 23 de agosto a 3 de setembro no Tahiti. E, mais que isso tudo, Jadson deu um tapa na cara da opinião pública especializada internacional, fazendo em sua terceira participação no Circuito Mundial o que ainda não fizeram as atuais “promessas” do ASP World Tour, como Dane Reynolds, Jordy Smith e Cia. Com variado repertório de manobras e um ataque aéreo impecável, ele mostrou ao mundo que chegou para ficar.

Sua trajetória até o título começou com a derrota para Neco Padaratz na primeira fase. Depois passou pelo aussie Drew Courtney na repescagem e pelo americano Damien Hobgood, campeão na Vila em 2005, na terceira rodada, sempre com somatórios acima de 14 pontos; nas oitavas de final, contra o aussie Luke Munro, Jadson deu show ao somar notas 8.50 e 8.33 e ainda descartar 8.20 e 8.10. Nas quartas, o local de Ponta Negra conseguiu uma virada eletrizante nos minutos finais contra o taitiano Michel Bourez. E na semifinal ele confirmou sua força ao virar contra o americano Dane Reynolds num duelo de gigantes, em que mostrou atitude ao virar novamente no último minuto com uma nota 9.

Já Slater estreou perdendo para o português Tiago Pires. Na repescagem passou sem sustos pelo campeão brasileiro e convidado Messias Felix, do Ceará. Na seqüência, despachou o conterrâneo Tanner Gudauskas e depois superou o aussie Chris Davidson. Nas quartas, Slater tirou o sul-africano Jordy Smith e na semi foi a vez de mandar o aussie Owen Wright pra casa. A final rolou em ondas de 1 metro, com formação regular, numa quinta-feira de sol e bom público na praia da Vila. A expectativa da torcida foi aumentando à medida que Jadson ia passando as baterias e, na hora da decisão, era como se fosse o Maracanã lotado em final de Copa do Mundo. Jadson, que quase seguiu carreira como jogador de futebol, soube canalizar essa energia a seu favor e começou ditando o ritmo da bateria. Na primeira onda ele mandou uma batida, um aéreo rodando incrível, mais uma rasgada e um aéreo chutando a rabeta para ganhar 8 pontos. Depois o potiguar veio numa direita com fortes batidas de backside, somando 6.40 pontos. Slater tentou reagir, mas precisava de 7.91 e o máximo que conseguiu foi 7.50 na última tentativa. Pela vitória, Jadson faturou US$ 50 mil dólares e 10 mil pontos no ranking, que o levaram do 13º lugar para a quarta posição, ao lado do atual campeão mundial Mick Fanning. Já Slater passou a liderar a corrida pelo título mundial, fato que não ocorria desde 2008. “É muito bom estar no topo do ranking novamente. Com certeza estou numa excelente posição para as próximas duas etapas, em J-Bay e Teahupoo”, disse o surfista, que já venceu nos dois lugares.

Durante a premiação, a organização do Billabong Pro Santa Catarina prestou uma homenagem à família Ronchi devido ao assassinato do jornalista Edson Ronchi, figura marcante do surf brasileiro, no começo de abril em Florianópolis. Ciente do ocorrido, Slater ofereceu seu troféu e a camisa de lycra a Icaro e Cícero, filhos de Lêdo, comovendo a todos os presentes com seu gesto. Jadson também lembrou da tragédia e estendeu a homenagem póstuma a uma tia e à mãe de Luis Henrique, seu Manager, falecidas na mesma semana que Lêdo.

As palavras de Adriano de Souza, melhor brasileiro no Tour nos últimos aos e parceiro de equipe e de viagem de Jadson, resumem o alcance do feito protagonizado pelo jovem potiguar: “Essa vitória não foi uma surpresa pra mim. Acompanho o Jadson desde os 12 anos e sabia do seu potencial. Ele ganhou do melhor. Psicologicamente, o Jadson tem muito mais que 20 anos, além de um excelente preparo físico. É o começo de uma nova era para o surf brasileiro”, sentenciou Mineiro. Com seu efeito borboleta, o mais novo campeão do Tour, Jadson André, literalmente instaurou o caos entre os Tops dominantes do World Tour. Sendo ou não um fato isolado, as conseqüências a longo prazo tendem a ser as melhores possíveis.

BRASILEIROS NA PROVA
Além dos quatro integrantes brasileiros no Tour (Mineiro, Jadson, Neco e Marco Polo), outros três surfistas brazucas disputaram a competição em Imbituba este ano. Messias Felix, campeão Brasileiro, e Tânio Barreto, campeão Catarinense, ganharam convites da organização. E Ricardo dos Santos venceu a triagem promovida pela Billabong um dia antes do início da prova. No entanto, apenas Neco estreou com vitória, superando Jadson e Mineirinho na primeira rodada. Na repescagem, Tânio foi eliminado sem dificuldades pelo então líder do ranking, Taj Burrow. O mesmo ocorreu com Ricardinho na bateria seguinte, derrotado pelo campeão mundial Mick Fanning, carrasco de Neco na rodada seguinte. Messias ficou na repescagem, vítima de Slater. E Marco Polo sucumbiu diante do havaiano Fred Patacchia também na repescagem, terminando mais um evento sem passar nenhuma bateria. Já Adriano de Souza passou na segunda fase pelo aussie Blake Thorthon e depois escovou Patrick Gudauskas na terceira fase, mas caiu diante de Dane Reynolds nas oitavas de final, finalizando a prova na nona posição.


PASSANDO A TESOURA NOS TOPS
Após a quinta etapa do ASP World Tour, no Tahiti, o grupo de elite será reduzido de 45 para 32 atletas, que irão disputar o título mundial nas cinco provas da segunda metade de 2010. O número de competidores nas etapas também cairá de 48 atletas para um novo formato de 36 surfistas – os 32 com mais quatro convidados. Para o ano que vem, serão mantidos os 22 primeiros colocados no ranking final do Dream Tour 2010, com o ranking mundial unificado (ASP World Ranking) classificando mais dez surfistas para a elite de 2011.

23 perguntas para... Junior Faria

Se você fosse pago para viajar o mundo apenas para surfar ondas perfeitas e produzir imagens, largaria a vida que todo surfista sonha para voltar ao mundo cão das competições? A maioria, provavelmente, não. Só que Junior Faria, 22, nunca foi de seguir a maioria. Aos 20 anos, com apoio da maior surfwear brasileira e enorme potencial, decidiu largar as competições. Nesses dois anos, viajou o mundo, experimentou equipamentos alternativos e caiu de cabeça na fotografia e escrita. Terminou seu filme (intitulado “Eu mesmo faria”) e, é claro, acumulou muita milhagem em ondas perfeitas. Quando sua imagem de freesurfer começava a ganhar peso, Junior deu outra guinada: em 2010, volta com tudo ao Circuito Mundial para brigar por um lugar entre os melhores do mundo.

01. FAZ DOIS QUE VOCÊ PAROU DE COMPETIR?
É, em 2008.

02. NAQUELA ÉPOCA, DECIDIU TOMAR O CAMINHO DO FREESURF, POR QUÊ?
Para mim não foi algo repentino, foi um lance que vinha comigo há bastante tempo. Claro que não com a mesma intensidade, eu já vinha pensando "Por que não?". E támbém, claro, estava de saco cheio de bateria, competir, julgamento. O problema não é viajar. Viajar pra pegar onda é uma coisa. Para campeonato é outra, é desgastante.

03. O WQS É UMA GUERRA. O QUE TE EZ SAIR DA VIDA DE FREESURFER PARA VOLTAR A COMPETIR?
Na nossa realidade, do Brasil, você chega bem mais longe competindo do que como freesurfer. Eu vi que fazendo um trabalho excelente como freesurfer, eu estaria amarradão, fazendo de coração como sempre fiz. Mas, de repente, não chegaria onde eu quero. Se tivesse nascido na Califórnia, por exemplo, eu poderia ser um dos melhores do mundo sem competir. Mas como eu nasci no Brasil, tenho que estar competindo para ser considerado um dos melhores do mundo.

04. E VOCÊ ACHA QUE AQUI NO BRASIL O PESSOAL TEM UMA TENDÊNCIA A ACHAR QUE O CARA ESCOLHEU O FREESURF NÃO TEM NÍVEL PARA SE DAR BEM NA COMPETIÇÃO?
Em qualquer lugar é assim, não adianta.

05. VOCÊ SENTIU ISSO QUANDO TOMOU A DECISÃO DE PARAR DE COMPETIR? Eu senti, várias pessoas vieram me falar, inclusive quando eu me dei nos campeonatos. Eu corri três campeonatos em dois anos, e graças a Deus fui bem em dois deles. Aí quando fui bem, vieram me falar que aquilo mostrava que eu não parei de competir porque não conseguia passar bateria. Isso me deu um “click”, eu não tinha pensado por aquele lado. Mas com certeza, muita gente me via desse jeito. “Você virou freesurfer? É, não estava passando as baterias, virou freesurfer”.

06. A OPINIÃO DAS PESSOAS TE ABALA MUITO, OU VOCÊ NÃO LIGA?
Claro que é importante. Algumas pessoas podem até não ligar, mas elas ouvem. Eles podem não deixar interferir, mas todo mundo ouve, não tem jeito. Acho que com o tempo você vai aprendendo a filtrar certas coisas. Eu ainda tenho dificuldade em saber se a pessoa falou aquilo porque está querendo me ver bem, ou se realmente não está falando de coração. Eu me preocupo bastante com o que as pessoas dizem porque é legal ter uma opinião de fora. Principalmente das pessoas de quem eu gosto e que gostam de mim.

07. E COM OS PATROCINADORES, COMO FOI ESTA SAÍDA E VOLTA DA COMPETIÇÃO?
Tenho uma relação super legal com meus patrocinadores, graças a Deus. Desde que entrei na Hang Loose, fui super bem-recebido, consegui trabalhar com todo mundo numa boa, o pessoal é nota 10. Mas esse lance de parar de competir e voltar, de que faço o que quero, não é bem assim. Claro que é a minha vontade, mas o timing das coisas vem dos caras. Se em 2008 eles tivessem falado que não cabia um freesurfer na equipe, eu não tinha virado freesurfer, óbvio que não. Mas joguei limpo na hora, falei o que queria, os caras entenderam e no momento tinha espaço, então rolou. Como agora. Eu cheguei e comentei. Também não vem de ontem, isso vem se estendendo por um bom tempo. Eu comentei com meu técnico, com o pessoal que trabalha comigo, perguntei o que eles achavam e o pessoal falou que achava que era um momento legal de fazer isso. E deu certo para este ano.

08. QUÃO IMPORTANTE FOI TER ESTES DOIS ANOS DE “BREAK” DAS COMPETIÇÕES PARA FAZER OUTRAS COISAS?
Cara, acho que a coisa mais importante foi eu ter tomado conta do que faço, de ter assumido a rédea. Porque quando você é amador, você vai com o bolo, não dá. Você chega em um nível em que a competição é o único caminho. Tem gente que consegue fazer isso até o fim da carreira, porque realmente tem a vocação. Mas tem gente que tem este lado de freesurf e alma, que não bate com a competição. Só que continua indo porque não consegue se desvincular por vários motivos ─ interesses de patrocinadores e às vezes até coragem mesmo. Mas para mim, estes dois anos foram legais porque além de ter tomado conta e ter mais segurança do que quero fazer, foi bom para descobrir várias coisas do surf. Quando você faz o negócio do mesmo jeito por tantos anos, você fecha, cara.

09. QUE COISAS?
Viajar para pegar onda é algo que não dá para fazer direito competindo. Experimentar prancha é uma coisa que não rolava. Porque você tem que treinar, então não vai surfar duas semanas de fish antes de um campeonato. O seu técnico vai te matar e você vai se sentir culpado, porque enquanto tem 196 caras treinando todos os dias, você está só de fish ou longboard. E para mim foi isso, essa liberdade de fazer por amor, de coração, experimentar um monte de coisas. Eu já falei para mim mesmo que não vou parar nunca mais, não importa. Claro, vou levar o meu treino como sempre levei, tanto nesses dois anos, como em todos os anos da minha vida, mas tem certas coisas que eu não largo a mão mais. Experimentar e manter a mente criativa, focando no surf. Uma coisa muito importante que eu descobri nesses dois anos foi a criatividade. Pode não transparecer diretamente no surf, mas ser mais criativo e experimentar mais coisas é algo que está comigo.

10. ESSA PAUSA TE DEU FOCO PARA CRESCER EM OUTRAS ÁREAS, COMO FOTOGRAFIA E ESCRITA?
Exatamente. Áreas que eu já tinha bastante interesse, mas que você não consegue desenvolver porque a competição é 110%. Por mais interesse que eu tenha, desde sempre, você não consegue desenvolver da mesma maneira. E a partir do momento que você tira a competição do foco o tempo todo, você consegue ir para vários lados.

11. ENTÃO VOCÊ REALMENTE TEM ESTA VONTADE DE FAZER O WQS INTEIRO E CHEGAR NO WT?
É. O circuito está igual, são as mesmas coisas, mesmo tempo de bateria. Pode ter mudado o critério, mas é o mesmo inferno que sempre foi (risos). Então ou você vai, ou vai. Estou voltando a competir para entrar no WT. Tenho um plano na cabeça, objetivos e metas para cumprir. Claro que você vai ajustando conforme a situação vai acontecendo, mas é só isso.

12. VÃO DIMINUIR O NÚMERO DE ATLETAS NO NOVO FORMATO DO WT. O QUE VOCÊ ACHA DESSE FORMATO, COMO VOCÊ VÊ ISSO?
Eu sempre fui fã de tênis, acompanhando na medida do possível. Acho bem legal o ranking deles, achei irado o surf ter unificado o ranking, como a ATP (Associação dos Tenistas Profissionais) faz. Claro que, com o número de atletas reduzido ficou mais difícil para quem está na minha situação, que vai começar do zero de novo. Mas todo ano, vai entrar e vai sair gente. Então, teoricamente, você tem as mesmas chances. Agora a peneira é ainda menor, mas todo ano vai renovar. Tem dois jeitos de ver, o lado bom e o ruim. Eu prefiro ver desta maneira, da melhor possível.

13. SE NÃO ROLAR AGORA DE ENTRAR NO WT, É UM PLANO QUE VOCÊ TEM DE CONTINUAR TENTANDO MAIS UNS DOIS, TRÊS ANOS, OU VOCÊ VAI DAR UM ANO E SAIR FORA?
Não, eu nem tenho essa pretensão de achar que eu vou entrar em um ano. Nunca, nunca mesmo. Se acontecer, nossa, vai ser um milagre. Mas é um plano de dois a três anos. Eu não quero ficar me desgastando dez anos nessa porra. Tem gente que faz e você tem que tirar o chapéu para esses caras, é sinistro. Eu não vou estar explorando 100% do que eu posso fazer se ficar dez anos no WQS. Tenho na minha cabeça que eu vou ficar tentando. Se não deu certo até lá, vejo quais são as chances reais de eu entrar. Se ainda tiver chances boas, beleza. Se eu ver que estou desgastado, vou partir para outra. Porque eu me liguei que o surf de competição é uma parte muito pequena do universo que é o surf. Então você ficar desgastando uma vida inteira, botando tudo que você tem nisso, não parece muito interessante para mim.

14. CAIR NA ÁGUA COM OS CARAS QUE ESTÃO SE DANDO BEM NO WT ─ MICK, KELLY, TAJ ─ É UMA COISA QUE TE INTIMIDA?
Cara, eu não sei, porque eu nunca caí com eles. Mas o que eu imagino é que com certeza os caras devem intimidar numa bateria. Desde criança vejo o cara e filme, o ídolo. Ele (Slater) está acostumado a ser o centro das atenções de qualquer lugar que vai. Se eu que me preocupo em estar com os meus amigos, com a minha namorada, a minha família e abraçar bastante coisa, imagina um cara desses, que se focou a vida inteira? O cara nem liga mais para a mãe. Ou então o cara é sozinho. Eu tenho essa impressão, você olha e dá até pena. Eu quero um dia olhar para trás e dizer: “Putz, foi do caralho”.

15. ESSE É O SEU MAIOR OBJETIVO?
Eu não quero ter três títulos mundiais. Eu não quero ser o Kelly Slater, quero olhar para trás um dia e falar: “Eu realmente fiz tudo, tive uma carreira legal pra caramba, fiz tudo o que foi legal fazer”. Não quero ficar com uma coisa na minha cabeça, achando que deveria ter feito algo.

16. COMO VOCÊ DEVE IMAGINAR, É MUITO RARO PARA A GENTE ENCONTRAR UM SURFISTA PROFISSIONAL QUE TENHA DESENVOLVIDO ESSE LADO, QUE GOSTE DE ESCREVER, QUE SE INTERESSE POR CONTAR UMA HISTÓRIA. ISSO FOI ALGO QUE FOI SURGINDO PRIMEIRO PELO BLOG, OU FOI ALGUMA COISA QUE VOCÊ SENTIU NECESSIDADE DE EXPOR?
Eu acho que foi acontecendo mesmo. Hoje eu acho super legal. Foi acontecendo primeiro pela Hang Loose, com o blog e essa loucura. Fui escrevendo, um post aqui, um post ali, os amigos comentando que era legal e foi indo assim. Não é algo que eu tenho desde criança, de fazer diário. Eu sempre tive interesse por fotografia, filme, texto. Eu leio muito, sempre tenho que estar lendo alguma coisa. E eu não conseguia prestar atenção nisso porque o foco na competição é muito grande. E isso foi meio a salvação para mim, achei muito legal fotografar, pegar a câmera. Escrever foi assim também. Aí o patrocinador vem e fala para escrever para ele. É mais um incentivo e você continua nessa batida. Gosto de passar o que está rolando e tal, acho que é importante para o todo.

17. PARA ONDE VOCÊ VÊ A INDÚSTRIA DO SURF CAMINHANDO?
O que eu acho legal é que a galera está buscando muito mais se expressar e mostrar a opinião de cada um, não o que o patrocinador quer, ou que o juiz quer ver. Você está fazendo uma foto, se expressando ali da maneira mais artística porque você realmente acredita naquilo, não vai fazer um trabalho porco só para conseguir um espaço. Mas eu vejo assim: você entra numa surf shop e não tem uma prancha para vender, nem parafina, nem leash. Ao mesmo tempo que isso existe na nossa realidade ─ e existe muito ─ também tem um lado artístico pra caramba. Gente que fotografa, que pinta, que shapea, que se preocupa com o surf, que leva a coisa de coração. O lado mais comercial domina, mas também existe esse surf arte ─ não sei se é legal chamar de surf arte ─ mas esse lado do surf de coração mesmo que tem bastante gente fazendo. E estou falando do Brasil mesmo, porque lá fora isso acontece bastante. Mas aqui no Brasil eu fico amarradão quando vejo isso. Mesmo marcas de roupas, por exemplo. Tem algumas marcas aí que não se preocupam em meter um logo do mundo nas costas, fazem um negócio bonito, de agradar o cara que vai estar do lado dele no outside. O fotógrafo que, ao invés de fotografar só o profissional, fotografa o amigo dele ─ se está bonito, ele quer captar.

18. E O QUE VOCÊ ACHA QUE ESTÁ FALTANDO PARA A GENTE CHEGAR AO JEITO QUE DEVERIA ESTAR?
Eu acho que falta muita água salgada para os caras, acho que é isso que falta. Não tem como. Falta surfar e cair no mar, ter coração de surfista. Tudo bem, a gente tem que entender que o surf está com um tamanho que não adianta só ter surfistas fazendo negócios. Mas é importante o cara ter o coração no negócio, ou pelo menos de se preocupar em ter um surfista de verdade que vai trazer isso ao lado. Mata qualquer um ver essas marcas aí em alambrado de futebol. Isso aí mata a gente, cara, fala sério.

19. ONDE VOCÊ SE VÊ EM CINCO, DEZ, VINTE ANOS? VOCÊ PENSA ASSIM PARA FRENTE?
Eu penso, e dá medo (risos). Sendo surfista profissional, olhar para frente dá um medo da porra, é foda, cara. Quando eu olho assim, já penso: “o que eu vou fazer?”.

20. REALMENTE, PORQUE POUCOS, ESPECIALMENTE NO BRASIL, CONSEGUEM TER UM “AFTER-LIFE”.
Você vê nomes como Martin Potter, Luke Egan, caras que foram grandes no surf e que hoje estão completamente inseridos, só que trabalhando de outra maneira. Maneiro pra caramba. No Brasil a gente também tem isso, tem vários exemplos de atletas que eram profissionais e hoje estão trabalhando, mas ainda é meio tenebroso. Eu penso assim: prefiro viver 100% aqui e agora, não vou ter lá na frente. Se eu ficar metade aqui e metade pensando no que eu vou fazer, me preparando lá para frente, não vou ter nem um nem outro. Se eu for um grande atleta, eu vou ter mais chances de ser bem-sucedido quando a minha carreira terminar.

21. ENTÃO, PARA SER UM GRANDE ATLETA, NÃO ADIANTA FICAR PENSANDO NO AMANHÃ, TEM QUE VIVER NO HOJE?
É. Estou falando a longo prazo mesmo. Não daqui a cinco anos, mas quinze, vinte anos, de quando a minha carreira realmente terminar, quando não tiver mais condições de estar high-performance. Vamos pegar o exemplo do Fabinho (Gouveia). O cara é o maior do Brasil. Tem vários outros nomes, mas ele é o maior. E a carreira dele não acabou, está longe de acabar. Ele parou de competir, beleza, mas o cara ainda surfa muito. Tem um monte de coisas para oferecer para o patrocinador. Ele é um cara que sempre vai passar uma mensagem legal. Claro que, gradativamente, a carreira vai tomando outro rumo. Mas ele é um surfista profissional. Eu penso depois do Fia, o que eu vou fazer depois. Se eu fosse o Fia, estava sossegado (risos), o cara é incrível. Se eu chegar pertinho do mestre, está tudo ótimo já.

22. MUITO JÁ SE FALOU NA MÍDIA DA SUA GERAÇÃO, DESSA MOLECADA, JÊ (JERÔNIMO VARGAS), GORDO (FELIPE CESARANO), MARCO GIORGI, RICARDINHO, TODA ESSA GALERA DA SUA IDADE. AGORA VOCÊS ESTARÃO BRIGANDO LADO A LADO NO WQS. COMO ELES RECEBERAM A NOTÍCIA DE QUE VOCÊ VAI VOLTAR A COMPETIR?
A galera que eu gosto, que está sempre comigo, gostou pra caramba. Se você for pensar em cada um contra quem você tem que competir, vai ficar maluco. A galera gostou porque a gente vai estar viajando junto de novo, dividindo essa loucura. E eu também fiquei amarradão. Se eu não estivesse junto com os amigos, eu não pensaria tão seriamente em voltar. Ter uma companhia legal para o circuito é fundamental.

23. SÓ PARA FINALIZAR, QUAL É A LIÇÃO QUE MAIS FICOU PARA VOCÊ DESSE “BREAK” DE DOIS ANOS DA COMPETIÇÃO?
O que mais ficou para mim foi tomar as rédeas. Claro, sem ser egocêntrico, “eu quero fazer só o que eu quero fazer”. Dentro do profissionalismo, tem que ser ético, ser honesto com o que você está fazendo. Se não está mais dando certo, então seja honesto. Se você acha que pode ser um freesurfer melhor do que competidor, seja um freesurfer então. Você acha que pode ser um competidor melhor que freesurfer, então vá com tudo. Eu deixei isso bem claro para mim nesses dois anos. Não quero ser competidor, não quero ser freesurfer, eu quero ser surfista profissional. O que eu faço e deixo de fazer é o do direcionamento que estou dando para a coisa. O cara que não competiu entende isso muito melhor.

TREMOR NO CHILE

O surfista e viajante argentino Gabriel Beilinson, radicado no Chile, me mandou um relato assustador e em primeira mão, de quem sobreviveu a um dos maiores tremores já registrados no país.

Por volta das 3h30 da manhã, minha namorada me acorda. Inicialmente parecia que estava viajando de trem, mas logo me dei conta do que estava acontecendo. Era um tremor que a cada segundo tornava-se mais intenso. Peguei rapidamente minha calça, chinelos e fui me equilibrando até a porta de casa. Ainda bem que não moro num prédio... O fortíssimo tremor durou três minutos ─ o que pareceu uma eternidade. A vibração era tão forte que gerava um som grave e poderoso. Minutos depois, a cidade inteira ficou sem luz e todos os alarmes dos carros soavam ensurdecedoramente.

Nossa casa resistiu ao tremor. Cansados, fomos deitar e dormimos novamente. No dia seguinte, a eletricidade retornou somente a meio-dia. Nossos vizinhos estavam bem, mas as notícias começaram a mostrar o terrível desastre causado pelo terremoto de 8,9 graus na escala Richter. Um dos mais fortes dos últimos tempos, muito maior que o do Haiti. A diferença é que o Chile está preparado para resistir aos abalos sísmicos devido às suas construções. Depois deste susto, mais uma bomba. Um tsunami que varreu o litoral desde a oitava até a sexta região.

Resultado: os povoados com as melhores ondas do Chile foram destruídos. Muitos dos nossos amigos ficaram sem nada, muitas pessoas faleceram. Ainda bem que a noite fatídica era de lua cheia e a maioria das pessoas conseguiu ver a maré baixando e conseguiu se proteger. Tremores acima de 7,0 graus sempre devem ser considerados, pois é muito provável que ocorra a chegada de um tsunami na seqüência. O problema é que nem sempre é possível comunicar a população.

O desastre foi grande. Durante as primeiras duas semanas, o clima, mar e ambiente ficaram estranhos. O importante não era surfar, mas sim ajudar àqueles que sempre nos receberam com carinho em suas casas e praias. Todas as escolinhas de surf ficaram sem equipamentos, pousadas e restaurantes sumiram. As bancadas foram transformadas, algumas para pior e outras para melhor, mas agora muitos lugares não têm infraestrutura para receber turistas. Por isso, é fundamental que a comunidade do surf dê uma força através de doações para facilitar a reconstrução do que foi destruído. Portanto, apreciaremos qualquer tipo de colaboração.


COMO AJUDAR:
Save The Waves Coatilion:

Doações online: http://www.savethewaves.org/
Contato: Lindsey Davis / +1-831-426-6169 / lindsey@savethewaves.org

The Pichilemu Institute of Language Studies:
Doação online:
http://www.studyspanishchile.com/
Contato: Quinn Campbell / +1-714-293-0620 / quinn.Campbell@quiksilver.com

PARCEIRAS DOS SURFISTAS

As companhias aéreas GOL e AZUL deixaram de cobrar pelo transporte de pranchas de surf. As outras empresas, porém, continuam lesando os surfistas ilegalmente.


O “momento check-in” sempre foi um dos maiores tormentos para nós, surfistas. Quem nunca ficou revoltado em ter que desembolsar uma boa grana para transportar os foguetes? A ótima notícia, porém, é que as companhias GOL e a Azul não cobrarão mais pelas pranchas, conforme divulgaram através de suas assessorias de imprensa na primeira quinzena de março.

Consideradas como bagagens especiais, elas agora fazem parte da franquia mínima ─ 23 kg em território nacional. Ou seja, se você embarcar com uma mala de 10 quilos, ainda terá 13 quilos livres para as suas pranchas. Vale lembrar que as companhias mencionadas só cobrarão dos passageiros caso o peso seja excedido.

Embora a ANAC (Agência Nacional de Avaliação Civil) declare que “a cobrança de taxas especiais para transporte de pranchas de surf, por parte das empresas aéreas, bem como o ‘termo de isenção de responsabilidade’, não encontram amparo na legislação vigente”, a maioria ignora a lei prevista. Na real, as que ainda cobram, definem o preço como bem entendem. Portanto, como um atleta já ouviu de um atendente certa vez, “pague a taxa para não perder o vôo e depois ligue para o Procon, corra atrás de seus direitos”. Mas para evitar este tipo de estresse, listei, a seguir, as companhias que certamente vão querer te arrancar um “dindim” no seu próximo embarque nacional.

Então vamos lá, previna-se. No site da Tam não há informações quanto às “bagagens especiais”, mas a assessoria de imprensa da companhia confirma que continuará cobrando a quantia de 100 reais por prancha em cada trecho. Na OceanAir, prancha de surf é considerada excesso de bagagem, mesmo que o passageiro não tenha outro pertence para despachar (entendeu?). Resultado: cada quilo deve ser multiplicado por 0,5% da tarifa cheia. Além de pagar, você precisará solicitar uma reserva com antecedência. Pela Webjet, a bagatela sai por 70 reais por prancha-trecho, já a assessoria da Trip não quis se manifestar e no site não havia informações sobre transporte de pranchas. Agora, quando você voar pelo Brasil já sabe qual companhia escolher, certo?

Dívida paga?


A “novela mexicana” sobre o não pagamento da premiação aos vencedores do Local Motion Guarujá Surf Pro, prova da divisão de acesso à elite mundial que rolou em setembro de 2009, parece ter chegado ao fim. Inacreditavelmente, o desgastante impasse se arrastou por mais de cinco meses, o que deixou todos os 96 competidores agoniados e com um enorme ponto de interrogação pregado em suas testas: “quando iremos receber?”.

Com o objetivo de investigar o real motivo do não pagamento, eu contatei todas as partes envolvidas: Roberto Perdigão, diretor regional da ASP na América do Sul; Ricardo Batanero, gerente de marketing da Local Motion; e Renato Galvão, primeiro colocado na etapa do WQS. Eu só não conversei com a prefeita do Guarujá, Maria Antonieta de Brito, pois sua assessoria de imprensa não retornou minhas ligações.

A minha idéia, desde o início, era colocar as cartas na mesa para destrinchar o fato, dando liberdade de expressão às fontes citadas. Porém, por pura coincidência (ou não), depois de três dias investigando o caso, recebi a grata notícia de que a situação estava sendo resolvida. A prefeitura havia liberado a grana da premiação.

Horas mais tarde, o seguinte comunicado caiu na caixa postal do meu celular através da assessoria da ASP: “A partir do dia 15 de março, a própria ASP South America começa a quitar a pendência com os 96 surfistas que deveriam ter recebido seus prêmios". Claro que esta mensagem foi comemorada com alegria, pois um calote deste porte seria inadmissível e envergonharia nosso país ─ sem falar na repercussão negativa para o surf brasileiro.

Mas antes disso, vamos à raiz do problema: o profissionalismo perdeu para a “brodagem do surf”. Acredite, em nenhum momento existiu um contrato assinado sobre a realização do evento com as respectivas entidades envolvidas. Ficou apenas na palavra, na confiança, e deu no que deu. Antes de postar esse texto, liguei para o campeão Renato Galvão só para confirmar se os 20 mil dólares já estavam em sua conta. A resposta foi o seguinte: “ainda não”. Então, será que estamos resolvidos?

SURF DE LUTO

NO INÍCIO DE ABRIL, A TRÁGICA NOTÍCIA DA MORTE DE EDSON “LEDO” RONCHI CHOCOU A COMUNIDADE DO SURF. FUNDADOR DA REVISTA INSIDE, EX-PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO CATARINENSE DE SURF (FECASURF) E SÓCIO DA MARCA DE ÓCULOS ELETRIC, LEDO FOI ASSASSINADO EM CASA NUMA TENTATIVA DE ASSALTO. ATÉ O MOMENTO, DOS QUATRO SUSPEITOS, TRÊS ESTÃO PRESOS. PARA HOMENAGEÁ-LO, PEDI PARA QUE UM AMIGO PRÓXIMO, DAVID HUDASEL, ESCREVESSE ALGUMAS PALAVRAS SOBRE ELE.

Edison Ronchi, o Ledo, se ausentou aos 50 anos. Parece que foi muito cedo, mas quem sabe destas coisas? Na Missa de Sétimo dia, realizada dia 13 de abril na Igreja da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, o padre falou sobre a leveza de espírito, que ao morrermos não temos mais saudades, dor e todos os sentimentos relacionados ao tempo, pois no eterno se perpetuavam os sentimentos bons ou ruins que cada um desenvolve no presente. Ledo foi positivo, ele era um cara pra frente. Após as palavras do padre, Ícaro, o filho mais velho, falou como um grande homem. Mostrou que é filho do Ledo. Disse que o pai cumpriu sua missão, tinha realizado tudo que um homem pode desejar. O amor à esposa, filhos e sucesso nos negócios. Foi emocionante estar em uma igreja lotada, vendo Ícaro falando firme e fazendo todos, mas todos mesmo, caírem em choro.

Conheci o Ledo em sala de aula na Universidade Federal de Santa Catarina. Na época, 1982, fazia computação e ele, jornalismo. O cara já era uma pilha... A partir desta época, tive o privilégio de conviver com um dos caras mais motivacionais que conheci. Ele me incentivou em muitas atividades, mas não fui o único, pois grande parte das pessoas que estiveram ao seu lado também tiveram este privilégio. Sabe aquele tipo de incentivo típico de ‘paizão’, que apóia e incentiva, que dá pilha? Então, este era o Edison Ronchi.

Ledo veio de Tubarão ainda muito jovem, aos 14 anos. Fez o segundo grau e depois passou no vestibular para jornalismo. Neste início de faculdade se manteve lixando pranchas em fábricas da Lagoa. No final da faculdade, usou um folheto informativo da Associação Catarinense de Surf para desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que veio tornar-se a Revista Inside com circulação nacional. Fez o veículo se desenvolver ao mesmo tempo que o surf catarinense também crescia. Inclusive, em 1987, uma edição chegou a imprimir 120 mil exemplares. Ele foi eleito presidente da Federação Catarinense de Surf e realizou muitos campeonatos. Circuitos locais, estaduais, nacionais e internacionais. Como um verdadeiro guerreiro, ajudou muitas pessoas. Sempre foi um entusiasta da vida, dos amigos e da família. Neste entremeio, conheceu o Beco dos Surfistas na Joaquina e ali criou amigos, promoveu festas e fez a Chalé. Ledo falava alto, dava gargalhadas com satisfação. Quando se entrava no Beco dos Surfistas para ir a sua casa, na curva do Santa Cruz (Campo de Futebol), já dava para ouvir o Ledo ‘gritando’. Neste vaivém no Beco dos Surfistas conheceu Simone, sua mulher com quem teve dois filhos, surfistas, amigos, parceiros.

Ledo, como bom brasileiro que nunca desiste, caiu e se levantou, mais de uma vez. Abraçou a família e trabalhou, trabalhou, e trabalhou, e se levantou. Mas em todos os momentos nunca deixou de abraçar os amigos, nunca deixou de dar força. Isto era natural dele, ver as potencialidades dos que estavam ao seu redor. Também era conhecido como senador Ledo Mur, pois como em todos os lugares em que morou e pelas passagens por todo Brasil, deixou um rastro de amizades que seriam suficientes para elegê-lo a senador, o senador Ledo Mur da República, tamanho era seu carisma, tamanho era sua verdade pela vida”.

Ondas em lápis de cor


Ondas, surfistas, computador e lápis colorido são as matérias-primas que o artista plástico carioca Carlos Roberto Nathansohn precisa para criar suas telas da série “Surfando Ondas Oceânicas com o Lápis de Cor”, que, no momento, soma 11 quadros. “Eu pinto desde criança de forma ininterrupta, hoje estou com 64 e não paro de desenhar”, afirma Nathansohn. Tanto é que resolveu deixar o trabalho de estatístico para poder passar mais tempo em meio à arte.

A história dele sempre esteve ligada ao surf, já que desde os oito anos pega onda no Arpoador. O bodyboard passou a ser seu esporte, pois em 1978 sofreu um acidente de motocicleta e perdeu os movimentos da perna esquerda. Deitado na prancha ele exercita a perna lesada nas águas da Prainha, Macumba e Grumari.

De acordo com Nathansohn, suas inspirações para o conjunto “Surfando Ondas Oceânicas com o Lápis de Cor” vêm de fotos e imagens de várias ondas, mas confessa que suas preferidas são Jaws, Teahupoo e Mavericks. “Como surfista tenho a sensação de pegar a onda permanentemente ao desenhar. Aproveito a seqüência de fotos e busco os melhores momentos na plasticidade da mesma onda, e o surfista é meu. Como artista-surfista sei qual a posição em que ele poderia estar mais pleno na onda, o que não sintoniza necessariamente com os momentos das fotos. Procuro, no entanto manter, com rigor, a proporção do tamanho do surfista no volume da onda. Esta realidade, na proposta desta série, é fundamental aos olhos de quem admira e é surfista”, ilustra.

Para ele, sua pintura é dividida em duas fases: a do lápis de cor, que o acompanha desde a infância e a do designer gráfico, que se intensificou quando deixou a estatística. Atualmente Nathansohn se diz designer de superfície, já que complementa alguns de seus desenhos, feitos a partir da pintura a lápis ou do mouse, com técnicas de superfície por meio dos traços digitais. A borracha é outro instrumento fundamental que utiliza para o efeito das espumas. “O material dá ao mesmo tempo leveza e volume para a onda”, simplifica o artista.

Como forma de propagação de seus “frutos”, Nathansohn e seus filhos criaram a ArtNat, empresa que divulga seu trabalho e comercializa produtos que têm as imagens que faz inseridas. Para conferir e adquirir o trabalho do artista basta acessar o site.

Rip Curl Pro Bell’s Beach 2010

MESMO MACHUCADO, KELLY SLATER ATROPELOU OS ADVERSÁRIOS E VENCEU O ATUAL CAMPEÃO MUNDIAL MICK FANNING NA FINAL DO RIP CURL PRO BELL’S BEACH, SEGUNDA ETAPA DO ASP WORLD TOUR, NO COMEÇO DE ABRIL, NA AUSTRÁLIA.

Depois da abertura na Gold Coast australiana, o ASP World Tour promoveu a segunda e mais tradicional etapa do Circuito, o Rip Curl Pro Bell’s Beach 2010. Após um “modesto” nono lugar em Snapper Rocks, Kelly não só confirmou sua presença em Bell’s, como venceu o evento. Mas desta vez, além dos adversários, o nove vezes campeão mundial teve que enfrentar uma lesão no pé (uma fratura tênue, da espessura de um fio de cabelo) ocorrida durante uma sessão de treinos em Bell’s. mesmo assim, o americano foi batendo seus adversários um a um. Sem apresentar grandes performances, ele barrou o sempre “osso duro de roer” Bede Durbidge nas quartas. Depois passou pelo compatriota Bobby Martinez (que comprovou a boa fase e chegou a sua segunda semifinal seguida), até cruzar na decisão com o atual campeão mundial Mick Fanning, que ao contrário de Slater vinha derrubando seus oponentes com boas apresentações. Primeiro Fanning venceu um dos “queridinhos” do Tour e vice-campeão da primeira etapa, Jordy Smith, numa bateria muito equilibrada. Na semifinal ele derrotou o então líder do Circuito Taj Burrow. A decisão foi disputada em Johanna Beach (este ano, devido às difíceis condições do mar, o evento teve quatro palcos diferentes: a primeira fase rolou em Bell’s Beach, a repescagem rolou em Thirteenth Beach, a terceira fase e a metade das oitavas em Winkipop e o último dia de competição em Johanna) em ondas de 1 metro, com formação irregular. Os dois competidores demoraram a encontrar uma onda boa, até que Fanning veio numa boa direita e mandou fortes manobras até o inside para arrancar 7 pontos e sair na frente. Todos se perguntavam se Slater mesmo machucado conseguiria virar o duelo. A resposta do eneacampeão veio a poucos minutos do término, numa direita que para a maioria dos surfistas seria ruim. Mas ele deu uma boa batida e finalizou com um incrível aéreo alley-oop, para tirar 8.93 e assumir a liderança. Não satisfeito, voltou para o outside e pegou outra onda boa, mandou diversas batidas e rasgadas e recebeu 8.10, sacramentando a vitória. “Antes da final, prometi que, se eu ganhasse, daria a taça para as pessoas do Wathaurong (tribo aborígene local) e consegui. É um ano longo, mas estou mais animado com este resultado. Senti que estava surfando bem na Gold Coast, mas não consegui o resultado que gostaria. Vim para cá para tentar uma recuperação e deu tudo certo”, disse Slater. Apesar do vice-campeonato, Fanning saiu feliz: “O segundo lugar é um bom resultado, mas eu adoraria vencer aqui. Não consegui encontrar um bom ritmo na final e o Kelly pode fazer qualquer coisa, mesmo quando está lesionado”, comentou Fanning.


OS BRASILEIROS
Adriano de Souza mais uma vez foi o melhor brasileiro do evento, terminando na quinta colocação. Foi sem dúvidas um dos melhores surfistas da primeira fase ganhando com facilidade e descartando notas altas. Na terceira fase, Mineiro repetiu a excelente atuação da estréia e “escovou” o americano Brett Simpson, surfando com muita pressão e variando as manobras, do jeito que os juízes gostam. Depois passou sem dificuldades pelo havaiano Fred Patacchia. Nas quartas, Mineiro enfrentou seu algoz da primeira etapa, Taj Burrow. Numa bateria de poucas ondas boas, o australiano achou duas medianas e passou. Adriano não entrou em sintonia e somou apenas 4.87 pontos, contra 11.34 de Taj. O potiguar Jadson André estreou com derrota, em último na bateria vencida pelo australiano Tom Whitaker, com o americano Brett Simpson em segundo. Na repescagem, passou fácil pelo australiano Luke Munro. Depois, no duelo do mais jovem contra o mais velho do Tour, Jadson mostrou seu backside afiado e destruiu as direitas de Winkipop contra o americano Taylor Knox. Numa bateria de alto nível, o potiguar somou 16.53 contra 14.37 de Knox. Nas oitavas, Bobby Martinez achou uma esquerda e mandou uma batida e bom alley-oop para tirar 8.17. Jadson não conseguiu achar nenhuma onda e foi eliminado. Na primeira fase, Neco Padaratz foi um mero espectador da disputa vencida por Taj Burrow contra Daniel Ross. Na repescagem, o catarinense se redimiu com uma convincente vitória sobre o americano Damien Hobgood. Na terceira rodada, Neco até surfou bem, mas não foi páreo para o australiano Joel Parkinson. O jovem Gabriel Medina entrou no campeonato como convidado e ficou em segundo numa bateria vencida facilmente por Joel. Na segunda fase, não se intimidou ao enfrentar o campeão mundial de 2001, C.J. Hobgood. O garoto prodígio do surf brasileiro usou seu arsenal de rabetadas e aéreos para despachar o americano. Depois enfrentou o inspirado Mick Fanning, que logo no início da bateria pegou boas ondas e não deu chances a Medina. O catarinense Marco Polo apresentou um surf melhor do que na primeira etapa. Na primeira fase ficou em segundo, atrás de Kelly Slater. Depois não resistiu ao surf moderno do sul-africano Jordy Smith.

13 perguntas para... Larry Bertlemann

LARRY BERTLEMANN FOI O KELLY SLATER DOS ANOS 70. A DIFERENÇA É QUE, AO CONTRÁRIO DO ENEACAMPEÃO MUNDIAL, NÃO FICOU PREOCUPADO EM VENDER UMA IMAGEM POLITICAMENTE CORRETA. DETONANDO NAS BALADAS COMO UM “ASTRO DO ROCK”, GASTANTO DINHEIRO COMO UM “ASTRO DO CINEMA” E MANDANDNO VER NA MULHERADA COMO UM “ASTRO PORNÔ”, ELE VIVEU A MILHÃO E TERMINOU NA CADEIA. AOS 54 ANOS E DE VOLTA À LIBERDADE, O “HOMEM-BORRACHA”, APELIDO QUE GANHOU DEVIDO ÀS MANOBRAS IMPOSSIVEIS QUE COMPLETAVA, AFIRMA QUE UMA COISA ELENUNCA PERDEU: O SORRISO.

01. VOCÊ ERA CHAMADO DE “HOMEM-BORRACHA” NOS ANOS 70 POR CAUSA DE SEU SURF FUTURÍSTICO. COMO VOCÊ COMPARARIA O QUE ESTAVA FAZENDO SOBRE UMA PRANCHA COM O RESTO DOS SURFISTAS DAQUELA ÉPOCA?
Quando eu comecei a surfar, a maioria dos caras fazia aqueles cutbacks longos e lentos. Na verdade, eu comecei na transição para as pranchinhas. Eu arrumei uma 9’6” velha e partida ao meio, coloquei uma quilha numa extremidade e comecei a surfar com aquilo. Eu surfava com qualquer coisa que aparecia, até prancha de isopor. Mas eu sentia que tudo que aparecia era muito flat e muito duro de surfar. Por isso eu precisava mudar as quilhas de lugar, coloca-las mais atrás da prancha para poder usar as bordas quando surfava. Todo mundo baseava seu surf na rabeta, enquanto eu usava as bordas. Eu estava tentando fazer manobras bem mais curtas, manobrando mais no crítico com arcos bem mais reduzidos. A galera fazia essas linhas longas e arcos bem abertos, o que pra mim parecia uma merda.

02. E DE ONDE VINHA A INSPIRAÇÃO PARA CRIAR MANOBRAS NUNCA ANTES FEITAS?
Da minha cabeça. É o que eu sempre falo, tudo depende da visualização. Uma vez que você se imaginava executando uma manobra, basta ir lá e tentar até completar. A visualização é a parte mais difícil. Minha inspiração vinha de tudo, de artes marciais, do motocross, dos filmes. Claro que eu gostava de vários surfistas e tentava pegar um elemento de cada um aqui e ali, mas eu nunca parei e pensei: “Quero fazer o que aquele cara está fazendo”. Minha inspiração para criar coisas novas vinha de tudo menos do surf, porque eu já fazia tudo que existia no surf daquele tempo. Tinha que buscar algo fora do nosso meio para poder enxergar mais além. Eu me lembro bem do primeiro aéreo. Estava em V-Land e disse: “Eu vou completar um vôo e voltar para a onda”. E todo mundo me disse que eu estava louco, que era algo impossível. Um ano depois lá estava eu, no mesmo pico, mandando um aéreo, que inclusive foi capa de algumas revistas da época.

03. FALE DA SUA RELAÇÃO COM O SHAPER BEN AIPA. QUAL A IMPORTÂNCIA DELE EM SUA CARREIRA?
Quando eu era moleque, eu passava todos os dias na frente da loja do Ben a caminho da escola. Na volta eu sempre ficava ali absorvendo toda aquela vibesurf que o lugar tinha. Eu era apenas um garoto, e eles não conseguiam me manter longe de lá. E com o tempo ele começou a me dar umas pranchas e nosso relacionamento shaper/surfista começou. Foi algo muito importante para mim, uma necessidade mesmo. Eu precisava de alguém com visão para produzir pranchas que me possibilitassem fazer o que eu queria numa onda. Eu precisava de um equipamento diferenciado e Ben foi o cara que soube produzir esse equipamento. Eu aprendi muito com ele, sobre fundos, bordas e outlines. Eu insistia tanto em certas coisas, que só para provar que eu estava errado, ele me fazia shapear junto com ele. Nós dois shapeávamos juntos, uma prancha cada um. Ele fazia do jeito que ele acreditava que iria funcionar para mim, e eu shapeava da maneira que eu achava que funcionaria melhor. Na maioria das vezes, as que Ben fazia eram melhores. Nós criamos a rabeta swallow, que muita gente usa até hoje.

04. MUDANDO DE ASSUNTO, NOS ANOS 70 VOCÊ ERA UM NOME ESTABELECIDO ENTRE OS SURFISTAS PROFISSIONAIS, MAS NUNCA PARECEU SE IMPORTAR COM AS COMPETIÇÕES. POR QUÊ?
Eu me preocupava muito mais com o público do que em me prostituir para cinco juízes. E queria impressionar a galera na praia. Se tem 10 mil pessoas na praia, quem se importa com a opinião de cinco caras? Eu não estava nem aí. E ainda hoje tem gente que vem me dizer que lembra de uma manobra que eu mandei em um campeonato décadas atrás, eles dizem: “Você não ganhou, mas eu ainda me lembro daquela manobra”. E isso é o que importa. Os cinco juízes não lembram de porra nenhuma. Foi mal Jack (Shipley, conhecido juiz havaiano da época), mas essa é a verdade.

05. VOCÊ NÃO TINHA SUCESSO COMPETITIVO, MAS AINDA ERA UM DOS SURFISTAS COM MELHOR PATROCÍNIO. OU SEJA, VOCÊ ERA PAGO POR SUA IMAGEM MAIS DO QUE POR SEUS RESULTADOS. VOCÊ DIRIA QUE NESSE SENTIDO FOI UM DOS PRIMEIROS FREESURFERS PROFISSIONAIS?
Meus patrocinadores sempre me disseram que não importava se eu vencesse, contanto que as pessoas soubessem que eu estava lá. E a galera era interessada em mim, eu tinha uma cabeleira afro, chegava na praia cheio de estilo. Todo mundo queria saber o que eu estava vestindo, que carro eu estava dirigindo, o que eu estava fazendo. Foi por isso que eu consegui um patrocínio com a Toyota e com a United Airlines. Ninguém tinha aquilo na época, eu consegui trazer o surf para o “mainstream”.

06. E COMO OS OUTROS SURFISTAS VIAM AQUILO?
Na época os “soulsurfers” eram contra aquele comercialismo. A galera dizia que eu estava me vendendo. Mas eu não via a coisa dessa maneira. O que eu queria era trazer mais dinheiro para o surf, para que os moleques do futuro pudessem viver do surf. E hoje eles podem, basta ver os contratos milionários que os Tops têm atualmente. Então eu me sinto como parte de onde o surf está hoje. Eu pensava muito naquilo, em como dar retorno para os patrocinadores. Aliás, aquela foto com o Rolls Royce branco foi minha idéia.

07. VOCÊ FALOU MUITO DE EXPERIMENTAR NOVOS DESIGNS NA SUA ÉPOCA. ACREDITA QUE SE TIVESSE, NOS ANOS 70, O EQUIPAMENTO DE HOJE, SEU SURF SERIA DIFERENTE?
Com certeza absoluta. O ideal seria que cada prancha do seu quiver e comportasse exatamente da mesma maneira. Da 5’11” a sua gun 9’6”, todas deveriam ter o mesmo feeling, só que em ondas diferentes. Ou seja, sua gunzeira deveria se comportar da mesma forma numa morra, como sua merrequeira numa onda de 2 pés. Esse seria o quiver ideal. Basta pensar nas pranchas que você está usando. Uma vez em Sunset, por exemplo, o mar estava crescendo e eu parti minha 8’0”. Corri e peguei a única reserva que eu tinha, que era uma 7’8”. Com séries cada vez maiores, minha prancha estava escapando na cavada. O que fiz? Fiz uns riscos perpendiculares com parafina no fundo e também passei um pouco nas quilhas. Por quê? Para brecar a prancha. Uma vez que ela ia mais devagar, eu conseguia virar na base. Isso é pensar no seu equipamento. Se ela corre muito pra frente, você não vira. Ma prancha mais lenta é mais fácil de virar na base. Viu como eu era bom em imaginar essas coisas?

08. E QUEM SÃO SEUS SURFISTAS PREDILETOS DE TODOS OS TEMPOS?
São os caras que me influenciaram quando eu era moleque. Caras como Jeff Hakman, Jimmy Lucas e Gerry Lopez. Mas em questão de influência, eu digo sempre uma coisa: quando você idolatra muito uma pessoa, você a coloca num pedestal e acaba se colocando para baixo. Você tem que ser você mesmo, não copie ninguém, deixe que os outros te copiem. Foi isso que eu fiz. Simples.

09. QUANDO VOCÊ COMEÇOU A SHAPEAR PRA VALER?
Quando eu comecei meu trabalho com o Ben, tinha um glasser chamado Greg na fábrica. Um dia cheguei lá com Dane Kealoha e ele sugeriu que eu começasse a shapear, já que eu vivia dando palpites sobre as pranchas que eles faziam na fábrica. Eu destruí uns 5 blocos até começar a pegar o jeito da coisa. Com o tempo, elas começaram a ficar funcionais e eu fui obrigado a surfar com elas. Eu gostaria de ter guardado algumas delas. Elas valeriam uma grana hoje. Outro dia alguém me disse que vendeu uma delas por 10 mil dólares! Por 35 mil eu teria shapeado uma novinha!

10. MAS SUA OCUPAÇÃO PRINCIPAL ATUALMENTE É PRODUZIR PRANCHAS, CERTO?
Sim, estou tentando trazer minhas pranchas de volta ao mercado. Tenho shapers na costa leste dos EUA, Japão e Europa, e eu mesmo as faço aqui no Hawaii. Ou seja, as que são feitas no Hawaii valem mais. Também terei em breve um modelo de epóxi sendo lançado. Todas as que faço são produzidas a mão. Eu nunca surfaria numa prancha que não tenha sido feita por alguém que surfa, porque se o shaper não surfa como ele pode saber o que está fazendo? Eu vejo um monte de gente comprando essas pranchas feitas em molde, e elas servem um certo propósito. Mas se você quer um produto que seja fruto de um extenso conhecimento de surf e do oceano, você tem que usar um shaper de verdade.

11. QUANDO VOCÊ FALA QUE DETONAVA NA BALADA, QUER DIZER QUE PEGAVA PESADO NAS DROGAS?
No começo nem tanto, especialmente quando estava nos campeonatos. Claro que eu experimentava de tudo e tomava ácido com certa regularidade, como todos daquela época. Mas só fui ver o lado negro das drogas anos mais tarde. No final dos anos 90 caí pesado na cocaína e no ice, e passei um período difícil. Não conseguia ficar sem me drogar, e sabia que aquilo estava me consumindo.

12. FOI NESSA ÉPOCA QUE VOCÊ TEVE PROBLEMAS NAS COSTAS?
Foi. Parece que tudo de ruim vem de uma vez só, não é? Eu fiquei paralisado, de cadeira-de-rodas. O que aconteceu foi que duas vértebras saíram do lugar e esmagaram alguns nervos. Da noite para o dia eu não conseguia nem mais andar. Foi foda. Eles me operaram duas vezes, fizeram um buraco enorme no meu pescoço. Hoje já melhorei muito, mas ainda sinto dores se ficar em pé muito tempo e para caminhar. E dois anos atrás eu tive um aneurisma e fui operado no cérebro. Mas no dia seguinte já estava em casa. Eles não conseguem me segurar nos hospitais por muito tempo.

13. E VOCÊ ACREDITA QUE IRÁ VOLTAR A SURFAR?
Sei que vai ser difícil, mas eu acredito que sim. Fodam-se os médicos e suas opiniões pessimistas! Eu vivo, respiro, como e durmo surf, 24 horas por dia. Já fui um dos melhores do mundo. Então claro que para mim é muito difícil chegar na praia e ver a galera surfando, porque eu gostaria muito de estar lá no outside. Por outro lado, eu já peguei tanta onda nessa vida, que às vezes eu acho que eu já ultrapassei a minha cota. Mas sempre é bom voltar ao oceano.

SEM SAL, MAS COM GELO


O azul do céu e do mar, calor, biquínis, praias com coqueiros... Que imagens vêm à sua cabeça ao falar de surf? Certamente não as mesmas que passam pelas dos surfistas dos Grandes Lagos nos Estados Unidos e Canadá. Eles logo pensam em frio, neve e espessas roupas de borracha. Não existem ondas em lagos, certo?

Errado. É só olhar para o nome. As tais lagoas são grandes o suficiente para gerar suas próprias ondas, por mais que isso muitas vezes signifique surfar na mesma tempestade que as criou. As ondas quebram em diversos picos diferentes, entre eles pointbreaks e beachbreaks, e de maneiras diferentes, desde meio metrinho gordo até tubos de seis pés. Os swells também são mais raros. De outubro a maio, temporada de surf por lá, pode haver até cerca de 50 dias com ondas, uns 15 deles de qualidade. Este período do ano, no entanto, corresponde ao outono e inverno no hemisfério norte, o que significa que o frio ─ intenso o suficiente para congelar a água e acabar com qualquer ondulação ─ é um dos mais importantes fatores para o surf nos lagos. A temperatura média em janeiro, auge da estação, em cidades mais ao norte como Wawa, no Canadá, pode ficar abaixo dos –15°C.

Para lidar com essa friaca, um longjohn de 6mm com gorro, luvas e botas é essencial. Muitas vezes o frio é tamanho que os surfistas não agüentam ficar mais de 45 minutos na água. Mas eles se aquecem e voltam para aproveitar ao máximo as ondas, sabendo que o próximo swell pode demorar semanas para chegar. Em outras, o frio é tanto na superfície que as partes do corpo fora d’água congelam parcialmente, enquanto tudo que está submerso se mantém “quentinho” ─ já que a água não fica mais fria que 0°C. em um dia típico com ondas (algo já não típico assim), eles caem de manha cedo, descansam, e fazem outra sessão no final da tarde ─ às 16h00 já está escuro.

A primeira pessoa a surfar naquelas águas foi um soldado da Segunda Guerra Mundial, que trouxera um longboard do Hawaii para a cidade de Grand Haven, em Michigan. Porém apenas anos mais tarde, com a exploração do surf nos Estados Unidos durante a década de 60 que o esporte realmente se tornaria mais popular nos lagos gelados. Os moradores locais perceberam o potencial que as ocasionais ondulações da região tinham e logo começaram a pegar ondas. Em 1964 foi fundada a Associação de Surf dos Grandes Lagos, também em Grand Haven. Esta seria a primeira de muitas organizações criadas ao longo dos próximos anos. Com elas surgiu uma comunidade de surfistas de água doce unida e relativamente grande, espalhada pela “terceira costa” dos Estados Unidos, com sua maior concentração na área da cidade de Chicago, costeira do Lago Michigan.

Apesar de hoje em dia já existir uma boa quantidade de praticantes nos estados que beiram os lagos, a maioria dos residentes leigos desconhece a possibilidade de surfar ali. Mesmo os locais muitas vezes não acreditam no potencial dos ventos daquelas terras para gerar ondas surfáveis, por isso o crowd praticamente não existe; se não está surfando sozinho, são alguns amigos que te fazem companhia. Bob Tema, pioneiro do surf no Lago Superior, é um exemplo disso; apenas depois de dois anos surfando e publicando imagens das ondas de Duluth, point no Lago Superior, em seu site, que ele foi trombar com outra alma viva por lá. A cena é muito local, ninguém viaja para a região somente para surfar, mesmo porque é muito difícil prever a chegada de um bom swell. Uma das poucas vezes que alguém partiu para lá com o simples objetivo de pegar ondas foi quando a revista Surfer mandou um jornalista e fotógrafo, além de dois pros, Joe Curren e Bron Huessenstam, para uma reportagem. Foi a maior exposição do surf na região, junto com o longa-metragem "Unsalted: A Great Lakes Experience", dirigido por Vince Deur, local de Grand Haven. O filme estreou em diversos festivais ao redor do mundo.

O simples tamanho dos Grandes Lagos, com todo seu potencial para gerar boas ondas, combinado com o anonimato de tudo isso são razões suficientes para entender porque os surfistas de água doce são tão aficionados pelo lugar. Não há outro pico em que você possa imaginar um local que não sabe o que é surfar no mar ou com crowd. Na gigantesca “terceira costa”, com mais de 18 mil quilômetros de extensão, o que não falta são novo picos a serem descobertos. Na próxima vez que ouvir falar de surf, portanto, não se esqueça de pensar naqueles caras que desviam de blocos de gelo entre as manobras. Quem precisa de biquínis quando se têm ondas abaixo de zero?

Surf Camp Asilo


A indústria do surf tem marcado a maior bobeira. Isso porque teima em brigar por um único mercado, o dos adolescentes. Todas as marcas de surfwear disputam os mesmos moleques de sempre, mas se esquecem de que a garotada de ontem vai ser, um dia, a coroada de amanhã. E essa velha guarda está completamente desassistida. Não tem nada nas prateleiras das lojas de surf para os carecas, pancinhas, ceguetas, surdinhos, capengas. Nada.

Tive a idéia de escrever sobre o assunto quando observei, nas areias do Arpoador, um véio gordito tentando se espremer numa roupa de borracha alguns tamanhos menor que o dele. O tempo foi cruel com o figura e aquela roupa que ele costumava usar muitos anos atrás já não entrava mias nem por um decreto. Pensei que o cara fosse sufocar na tentativa. A cena era aflita ─ barrigão para todos os lados, olhos esbugalhados pra fora e aquela roupa esticadaça sem conseguir fechar. O cara não conseguia se mexer e olhava fixo na direção do horizonte. Nem sei o que aconteceu, porque fui cair e na volta o pobre não estava mais lá.

Com o passar dos anos, ganha-se uns quilinhos a mais. É da natureza humana. Então porque não fundir as tradicionais roupas de borracha com as famosas cintas térmicas que emagrecem? Uma boa dica pra Rip Curl. Você fica quentinho e ainda ajuda no emagrecimento. Surfistas acima do peso como Greg Noll e Pancho Sullivan seriam sérios candidatos a patrocinados dessa nova linha e poderiam estrelar campanhas com fotos estilo antes e depois. “Eu era assim, 160kg, tinha a maior dificuldade em andar nas merrecas, mas depois da minha Rip Curl Emagrocinta me sinto bem melhor. Estou com 85kg e voando nas marolas”, diria nossa estrela peso pesado.

A Quiksilver, por sua vez, podia muito bem lançar uma linha de perucas Kelly Slater. Todo mundo sabe que sol e água salgada são os maiores vilões dos fios de cabelo da galera, e por isso quanto mais o tempo passa mais lustrosas ficam nossas cabeças. Por alguns milhões, o 9× campeão do mundo voltaria a se parecer com aquele adolescente loirinho da Flórida de tempos atrás. E o que a marca iria faturar com essas Perucas Kelly não está no gibi. A Billabong, por sua vez, deveria lançar tintura para cabelos grisalhos. Eles poderiam comercializar, por exemplo, as linhas Blond Irons, para os que gostam de cabelos dourados, ou Moreno Jambo Parkinson, para cabelos negros. Sem falar em amaciantes para cabelos rebeldes e emaranhados modelo Afro Machado.

Canso de ver malandrinho sentado no outside com os olhos espremidos tentando enxergar alguma coisa. Bem que a Oakley poderia inventar e vender óculos de grau à prova de ondas para os míopes e ceguinhos. Imaginem a felicidade desses senhores podendo enxergar tudo, até mesmo a próxima série, a última do anoitecer, com seus óculos fundo-de-garrafa Oakley Blind Series. E porque não aparelhos auditivos Hang Loose, que além de impedirem a entrada de água salgada no ouvido, ainda ajudariam contra a incômoda surdez? Pelo menos no crowd de terceira idade, com Oakley Blind Series e Audio Loose, aquelas ridículas desculpas de “foi mal, não te vi” ou “eu não ouvi você gritando” acabariam de vez.

Mas de todas as minhas sugestões para atender aos esquecidos surfistas de fim de carreira, talvez a melhor e mais importante seja o plano de previdência Surf Camp Asilo. O cara vai pagando suaves prestações por um número × de anos e depois tem direito a se aposentar e se internar num asilo para velhinhos surfistas. Boa idéia para os surf camps existentes ampliarem seus negócios e atingirem um outro mercado. Tavarua Surf Camp Asilo, Grajagan Surf Camp Retiro. Mas como a turma já vai estar caindo aos pedaços, os picos deverão ser bem facinhos e com um canal tranqüilo. Além disso, enfermeiras gostosas cuidariam da galera, dariam aquela força pra vestir o short, passar parafina e ainda ouviriam pacientemente as cascatas dos “velhos tempos”. Espero que quando chegar a minha hora, já tenham fundado essas operações e eu possa me internar num desses. De preferência com uma esquerdinha bem perfeita na frente.