Uma manhã em Pipeline


Sayuri passou a madrugada se revirando dentro do saco de dormir. O barulho das ondas quebrando sobre a bancada não a deixou descansar direito. Um misto de ansiedade e adrenalina a manteve acordada quase toda a noite. Aquele era o décimo segundo inverno dela no Hawaii, e Pipeline era, sem dúvida, a sua onda favorita. Goofy footer daquelas que vivem para surfar esquerdas pesadas e tubulares, ela tinha uma verdadeira adoração por esse tipo de onda. “A minha vida não tem sentido sem Pipeline”, costumava repetir.

Naquele dia, quando amanheceu, Sayuri continuava tomada pela adrenalina, que fazia o seu coração bater mais rápido e secar a sua boca. Nem um pouco tranqüila, ela saiu de casa antes de o Sol nascer, levando a sua prancha favorita debaixo do braço. Enquanto caminhava pela Huelo Street, na escuridão da madrugada, Sayuri já sabia que Pipeline estaria quebrando grande e perfeita durante as primeiras horas daquela manhã. O vento sudeste não tinha mais do que 5 nós, e as bóias sugeriam um swell de oeste com 10 pés e um período de 14 segundos. Tudo indicava que aquela seria mais uma manhã épica.

Mas somente quando chegou ao Ehukai Beach Park, Sayuri pôde dimensionar o tamanho da encrenca. Depois de tantos anos surfando em Pipeline, aquele era sem dúvida o maior swell que ela já tinha visto. Ninguém tinha caído na água ainda, e Sayuri decidiu remar para dentro. Apesar de ter sido arrastada pela correnteza até quase voltar ao Ehukai Park, deu sorte e conseguiu entrar sem tomar muitas ondas na cabeça. À medida que se aproximava do pico, ia se sentindo mais calma. Por um instante, ela lamentou por não ter esperado outro surfista chegar para entrar junto com ela. “Mas dane-se! Tarde demais. Só não posso tomar uma onda destas na cabeça”, pensou.

Já no outside, depois de cerca de meia hora na água, Sayuri ainda não havia pego nenhuma onda. Àquela altura, apenas seis surfistas dividiam o pico com ela ─ a maioria ainda analisava da areia as condições para decidir se valeria a pena entrar e arriscar o pescoço num dia de Banzai de 12 a 15 pés.

Por volta das 7 e meia da manhã, uma série imensa apontou no horizonte. Seria sem dúvida a maior do dia. Sayuri estava bem colocada e, depois de deixar a primeira passar, se posicionou para entrar na onda seguinte. Ela ficou de pé rápido e começou a descer uma enorme montanha de água. Já estava imaginando o tubo que se formaria no momento em que a onda atingisse a bancada e resolvido enfrentar as conseqüências inerentes a uma morra com aquelas proporções, quando acelerou a sua prancha em direção ao imponderável.

Depois de sobreviver à primeira seção, foi novamente encoberta pela onda. No momento em que se preparava para sair de dentro do tubo, o lip a atingiu com a força de um soco, derrubando-a da prancha e fazendo-a rodar junto com a avalanche de água que despencava. Lançada de encontro ao fundo de coral, Sayuri tomou um caldo absurdo antes de reaparecer na superfície para respirar. Depois de levar outras duas na cabeça, a jovem surfista finalmente conseguiu chegar a praia.

Já refeita do susto, Sayuri viu a sua prancha favorita transformada em dois lindos e esculturais pedaços. “Tudo tem seu preço”, pensou, enquanto recolhia o que havia restado do seu melhor equipamento. De pé na areia, segurando os destroços, ela observou mais uma série entrar na bancada de Pipeline e chegou à conclusão de que na vida o que vale são os momentos desfrutados fazendo o que mais gostamos ─ no caso dela, e de muitos surfistas, entubar em uma onda clássica como Pipeline e a certeza de que o momento vai ficar para sempre na memória.