EU SOU HAOLE


O
s antigos havaianos se preparavam pras cerimônias religiosas com rituais de profunda respiração. Mas como os colonizadores americanos e europeus, que começaram a impregnar o arquipélago, a partir do século XIX, pouco se lixavam pra algo tão profundamente importante pros nativos, os havaianos os batizaram de haoles. “ha” é respirar e “ole” é não. Haole, aquele que não respira. Com o passar do tempo, no entanto, passou a ser haole todo aquele que não fosse havaiano. E como o surf e a sua cultura original emanam das ilhas havaianas, o universo do surf incorporou a palavra haole ao seu dicionário. Hoje em dia, haole tem uma conotação negativa, é aquele que não pertence ao pico, que não é local. Seja na Paraíba ou em Uluwatu.

Os anos 70 fizeram a fama do Arpoador. Como naquela época pouca gente morava pros lados da Barra e São Conrado, o fundo do Leblon era uma merda, o píer já tinha sido desmontado, e Copacabana só dava onda no posto 5, raramente, com ondulação de leste e vento sul, coube ao Arpex ser a grande arena da cidade. Palco de diversos campeonatos importantes, como os internacionais Waimea 5000, era colocado naquelas pedras que os melhores surfistas do Rio se espremiam pra disputar a próxima série. Gente como Daniel Friedman, Cauli, Andre Pitzalis, Renan Pitanguy, Bocão, Paulo Proença, Otávio e Fábio Pacheco, Petit, Jefferson, Rosaldo, Gironso, Fernando Bittencourt, Roberto Coelho, Ismael Miranda. Eu também era dessa turma, morava pertinho, caía no pico todo dia. Comecei de isopor até chegar na fibra. Comecei no inside, mais pro final da onda, perto da escadinha, que era pra onde os mais velhos nos mandavam, até lentamente conquistar a moral de disputar a onda no pico e dropar nas melhores.

Eu era de fato um local. Mas no íntimo sempre me senti meio haole. Isso porque não achava a menor graça em passar o dia de papo encostado na mureta vendo a vida passar. Se tivesse onda em outro pico eu dava um jeito de ir pra lá. Antes mesmo de eu entender alguma coisa sobre previsão das ondas, se o mar não estivesse legal no Arpoador, pegava minha mochila com toalha e short seco, minha prancha e ia pra praia de Ipanema esticar o dedo na esperança de arrumar uma carona. Rapidinho alguém parava e lá ia eu surfar ondas diferentes em São Conrado, no Quebra Mar, na Macumba, no Canto do Recreio. Pra não dar uma de folgado, agradecia, deixava minhas coisas num trailer e na volta pegava outra carona. Não foram poucas as vezes que voltei a pé, de noite, de São Conrado porque o último carro ia pra Barra e o meu destino era Ipanema. Chegava acabado em casa, mas cabeção das boas ondas, e, sadicamente, por saber que no Arpoador ninguém surfou.

De noite eu sonhava em botar o pé na estrada. Me via surfando na África, no Hawaii, no Peru, Califórnia, Marrocos. Não queria de forma alguma ficar preso num só lugar. Ser local de um pico único me parecia muito mais uma limitação do que uma vantagem. Viajando você cresce, aprende um monte de coisa, conhece um monte de gente, fica mais interessante, surfa ondas diferentes, melhora sua performance.

Mesmo assim não existe pior xingamento pra um surfista do que haole, o que é uma estupidez. Anos de observação me levam a concluir que nada pode ser pior pra um pico de surf e pras pessoas que freqüentam a praia do que esse mesmo pico ter sido tomado pelos locais. Como esses locais costumam ser surfistas medíocres, instalam-se no topo da pirâmide maus surfistas, o que faz com que o nível do pico despenque. Sem competição não tem evolução. E se haole é aquele cara que não se prende a uma única praia, que é curioso, que ta sempre viajando, que gosta de aprender, então esse sou eu. Eu sou haole. Sou o maior dos haoles. E se haole é o oposto desses idiotas que picham as pedras da praia, furam pneu e gostam de aparecer quando no meio da tribo, eu sou mais haole do que nunca. Por isso, pense bem antes de chamar alguém de haole. Você pode estar elogiando o cara sem saber.

ALUGUEL É A SOLUÇÃO


Carregar suas pranchas numa surftrip sempre dá o maior trabalho. Às vezes, pode ser a maior roubada. Amarrá-las em cima do carro, dirigir ate o aeroporto, manobrar a capa através das filas do check in — e fazer tudo de novo após chegar ao destino — sempre foi um saco. Mas isso pode ser evitado alugando seu foguete no próprio local.

O site oferece para aluguel um amplo acervo de pranchas em diversas localidades ao redor do mundo para lhe garantir um quiver de qualidade nos melhores picos ao redor do mundo, da Indonésia à América Central e Europa. Após preencher o destino e as datas de sua viagem, o site informa que pranchas estão disponíveis ali — não é difícil encontrar shapes de Al Merrick, Pat Rawson e John Carper entre elas.

Isso porque a empresa funciona como uma agência de aluguéis online para lojas ao redor do mundo. Feita e paga a reserva, a loja fornecerá um serviço de entrega, para que a prancha chegue ao hotel junto com você, e as buscará no fim da trip. O pagamento é feito online e os preços são os mesmos que alugando diretamente na loja.

Então, na próxima trip, para que passar por todo o trabalho, taxas e possíveis perrengues associados às viagens de avião? Se der sorte, você ainda poderá encontrar uma prancha mágica e pegar os tubos de sua vida no processo.

O TAMANHO EXATO


Falar em altura das ondas no Brasil nunca foi fácil. E nunca será. E não é para menosprezar o nosso país. Comprovadamente vivemos em um país repleto de swells e condições para a prática do surf. Muito próximo aos países com as melhores ondas. Ainda mais este ano em que estamos sendo beneficiados com uma variedade e constância superior a épocas passadas.Talvez perdemos um pouco em qualidade, devido aos nossos fundos, na maioria de areia, que se encontram em constantes modificações. Mas que elas estão ao nosso redor e ao nosso alcance, isso é verdade.

Quanto ao menosprezo falo sobre nós, surfistas. O quanto é duro, em roda de amigos, dissertar sobre o tamanho das ondas de hoje ou daquele dia épico, de gala, aonde escutamos, através de diversos conhecidos, ter quebrado de meio metro até três metros overhead. E torna-se pior e mais difícil ainda se nesse dia você chega mais tarde e ouve a célebre frase: "Mais cedo estava melhor!” Como é que você poderá saber realmente o tamanho das ondas?

Ainda não consigo acreditar de que, amigos de longa data dentro e fora da água, possam desconhecer a forma como são medidas as ondas, para obter-se uma definição da altura. E também não me conformo quando estes arriscam suas medições, sempre muito ABAIXO do que normalmente está quebrando. Hoje não procuro mais levantar a questão de ‘quanto é que está hoje’ para não perder um tempo discutindo. Primeiro penso em pegar as ondas. Após a queda procuro finalizar a questão com fotos. Tendo estas em mãos fica muito mais fácil comprovar o tamanho das ondas, eliminando todo o tipo de discussão.

E deixo claro desde já: as ondas são medidas pela sua face, pela frente.

Alguns lembrarão como textos eram descritos nas revistas especializadas, definindo o tamanho das ondulações por ‘pés hawaianos’. Lembram-se? Eram muito estranhos, pois definidas e publicadas as ondas com alguns pés de tamanho, o que se via nas fotos e/ou filmagens era no mínimo o dobro de seu tamanho. E sempre seguida com a explicação: ‘No Hawaii medem-se as ondas por trás’.

Ora essa, e desde quando se surfa a onda por trás? Os eventos de ondas grandes, que acontecem no Brasil e no mundo, nos deixam claro a forma correta de medir a altura dos vagalhões. Suas ultimas medições têm nos comprovado. Toda e qualquer onda surfada será medida por sua face, pela sua frente. Não é à toa que estamos chegando a impressionantes 60’, 70’, 80’ ou mais, conforme o big surf vai se profissionalizando.

Todos sabem que a medição por trás é inviável. Cansei de surfar dias com ondas quebrando sempre acima da cabeça, às vezes bem maior, e ao sair da água você escuta: "tava só um metrinho".

Uma onda que me impressiona até hoje foi a surfada por Pete Cabrinhas em Jaws para a esquerda. Uma 66 pés limpa, lisa e em linha. Coisa impressionante. Se alguém me contasse que era uma onda de 20’ hawaianos (aqueles medidos por trás) eu cairia na risada.

Quem viu imagens desta onda sabe do que estou falando. Quando você olha para a foto, você fica com vontade de estar no lugar dele. Talvez pela combinação dos fatores como: sol, altas ondas, linha limpa. Fatores estes que implicam e interferem na medida real. Como? Por exemplo, um mar de 1 metro buraco forte. Em um dia de sol e água azul transparente, acreditamos de estar num playground com ondas pequenas. Agora imagine esta mesma situação com o tempo fechado, chuva e água escura, ventando. Com certeza a nossa previsão vai para um metrão e meio fechadeira.

Mas, devido a todas estas confusões, invenções e pirações do folclore criado por nós, surfistas do mundo todo, e conhecendo as formas como medimos as ondas para dissertarmos (sim, dissertarmos, pois devido a tanta discordância precisamos sentar e debater sobre teses), criei uma tabela que possa ajudar a entender o real tamanho de uma onda (baseado, como já disse, no folclore do nosso litoral).

Veja e confira se você e seus amigos se enquadram na forma de falar das ondas abaixo (folclórico). O tamanho que falamos de uma onda e qual é a sua real altura.
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Confira:

QUANDO FALAMOS: NA VERDADE TEMOS (relacione com a sua altura):

Quando falamos: 0,5 metrinho (meio metrinho)
Temos: 0,5 metro (meio metro) (não é que aqui não foge muito do inicial?!)

Quando falamos: 0,5 metro (meio metro)
Temos: 1,0 metro (um metro) (aquela onda que bate no seu peito não tem um metro?)

Quando falamos: 0,5 metrão (meio metrão)
Temos: 1,5 metro (um metro e meio) (esta está na altura do seu rosto)

Quando falamos: 1,0 metrinho (um metrinho)
Temos: até 2 metros (muito usado em dias de ondas boas com muito sol)

Quando falamos: 1 metro (um metro)
Temos: entre 2 metros e 2,5 metros (dias bons. Pense na onda acima de sua cabeça!)

Quando falamos: 1,0 metrão (um metrão)
Temos: acima de 2,5 metros (olha, não é difícil de acontecer)
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Parece-me que o nosso problema é o menosprezo sobre a altura. Isso já é histórico, cultural. Costumávamos falar que as ondas estavam sempre menores só para falar que aquela situação era fácil para nós. Eu acho que hoje não precisamos mais nos prender a essa situação de diminuir tamanhos para nos valorizar.

INVASÃO SILENCIOSA NOS OCEANOS


Um considerável aumento das atividades humanas nos oceanos vem ocorrendo desde as últimas décadas, resultado do intenso comércio de mercadorias e petróleo entre os países. Navios porta-conteineres, petroleiros, barcos de apoio, plataformas de petróleo, dentre outros meios, têm servido como transporte para diferentes organismos ao redor do Planeta Terra, tendo como conseqüência a introdução involuntária destes em locais onde antes não existiam. Com essas introduções, a distribuição pelas regiões costeiras de algumas espécies tem aumentado e o mundo está ficando rapidamente homogeneizado (com as mesmas espécies ocorrendo em muitos lugares).

Um organismo transportado de um continente para outro aderido no casco de um navio geralmente pode causar graves problemas, porém o sucesso de uma introdução biológica depende da similaridade ambiental entre o local em que a espécie é nativa e para onde é carregada. Desta forma, um determinado ser vivo nativo da Antártida dificilmente sobreviveria às condições de temperatura encontradas no Brasil. Por outro lado, seres do Caribe têm maiores chances de terem sucesso no Rio de Janeiro, onde o clima é semelhante. Outros fatores também podem ser relevantes para o sucesso ou o insucesso de uma espécie introduzida, como, por exemplo, a existência ou não de predadores naturais. São consideradas, portanto, espécies introduzidas (ou exóticas) e invasoras aquelas que uma vez transportadas causam algum tipo de modificação no novo ambiente. Elas podem ser consideradas uma grave ameaça à biodiversidade, visto que muitas vezes apresentam uma alta densidade populacional e podem causar o desaparecimento de espécies nativas.

Em diversos locais no mundo, grupos de peixes, moluscos, corais, poliquetas, crustáceos e algas têm sido os principais protagonistas de uma invasão silenciosa. A estrela-do-mar, predadora natural no Japão e introduzida na Austrália desde 1992, tem sido um sério risco à Grande Barreira de Corais. O Governo da Austrália vem tentando erradicá-la gastando milhares de dólares.

Aqui temos o coral-sol, introduzido na década de 80 através de plataformas de petróleo, que vem sendo um invasor marinho que está ameaçando a biodiversidade de toda a zona costeira. Na Ilha Grande, ele chama a atenção pela beleza e agressividade com que disputa espaços com as espécies nativas nos costões rochosos.

Em todo o país, diversas universidades brasileiras, centros de pesquisa e órgãos de meio ambiente têm se mobilizado, além disso, a comunidade científica nacional, junto com outros setores da sociedade, já debate o problema, levando bastante a sério os riscos ambientais das bioinvasões. Apesar do grande interesse e preocupação nessa questão, os estudos ainda são escassos no Brasil. Existem também alguns projetos envolvendo a comunidade científica e pescadores, como o Projeto Cobra-Sol, que propõe controlar a espécie, visando erradicá-lo em 20 anos, agregando valor a sua extração e contribuindo para o desenvolvimento sustentável.

Para evitar maiores tragédias ecológicas e econômicas em regiões brasileiras todos nós devemos conhecer melhor os ecossistemas marinhos, pois as espécies invasoras são como “penetras” na festa das: espécies marinas. Portanto, um fora haole para as invasoras!

SWU MUSIC AND ARTS FESTIVAL


DE 9 A 11 DE OUTUBRO ROLOU EM ITU, SÃO PAULO, A PRIMEIRA EDIÇÃO DO FESTIVAL SWU (STARTS WITH YOU) MUSIC AND ARTS FESTIVAL. FOI UM EVENTO DE DIMENSÕES MONSTRUOSAS: 164,5 MIL PESSOAS, 74 ATRAÇÕES MUSICAIS E 4 PALCOS. COMO É IMPOSSÍVEL FALAR AQUI DE TUDO QUE ROLOU, VAMOS AOS DESTAQUES.



PRIMEIRO DIA:
O festival abriu com o Black Drawing Chalks, de Goiânia, que como som de fundo valeu a pena pela combinação pesada de guitarras stoner rock. Desencanei deles rapidinho e fui ver Curumim numa tenda menor, com artistas predominantemente nacionais. Foi uma ótima opção. Um dos melhores shows que vi nacional com meia hora contada, aliás, tudo estava extremamente contado no festival, menos os atrasos. Curumim empolgou o público com sua mistura de samba-rock mais dub-funk. A galera conhecia as músicas do cara, cantavam e dançava, principalmente ao som de “Compacto” e “Magrela Fever”. Curumim foi simpático e alegrou a tarde.

A brincadeira, porém, começou de verdade com o Infectious Grooves. O vocalista Mike Muir, também à frente do Suicidal Tendencies, é um coroa possuído, com uma atitude no palco que ninguém teve. Com seu naipe de skatista de gangue de L.A., o IG foi “pra porrada” na hora certa. Eles fecharam o show com o clássico “ST” do Suicidal Tendecies! Violent and Funk!

Depois, na tenda lotada, rolou o Cidadão Instigado, perdi o início, pois vi Infectious Groove inteiro. Foi uma apresentação surpreendente, com seu rock psicodélico meio brega e sonoridades eletrônicas. Fernando Catatau, o frontman ─ até estourou uma das cordas do seu instrumento tamanha empolgação. Sotaque do Nordeste que caiu redondo.

Assim entram Los Hermanos, com um show técnico, emotivo e honesto ao mesmo tempo. Impossível passar batido com o ar de devoção que os fãs criaram em torno da banda, quase uma seita que chega a assustar. Não faltaram garotas e marmanjos chorando. Desculpem, mas não é minha praia, mas que os caras são bons e fizeram um dos melhores shows do dia, não se pode negar.

Perdi o The Mars Volta, aproveitei para guardar energias pro Rage Against the Machine. Esse não quis saber de pista Premium ou área de imprensa, eu tinha que estar no olho do furacão, afinal foram mais de 12 anos de espera. Senti o cheiro de pólvora no ar, se é que você me entende, sabia que aquele show ia ser foda. A sirene toca e ao som de Testify, rodas se abriram, o chão tremia e um grande buraco de pancadaria brotava do nada. Um caos bonito e glorioso, queria filmar de dentro, nunca vi algo assim numa tela, a selvageria gratuita e festiva, chuvas de socos, cotoveladas, pontapés, mas se alguém caía, todos corriam pra levantar ou abrir espaço se alguém passava mal.

Bulls On Parade abre a seqüência do vale tudo, meu Deus, que apresentação! Grades derrubadas e invadidas, show interrompido pra acalmar os ânimos. Os caras foram uma metralhadora e tocaram ainda People of the Sun, Bombtrack, Know Your Enemy, Guerrilla Radio e Bullet in the Head. O óbvio nunca foi tão bom como fechar o show com Freedom e Killing in the Name. Zack falou sobre política, união das Américas, tocou ao fundo o hino da Internacional Socialista. O RATM engajado de sempre, deixou sua marca no festival, foi a melhor apresentação da primeira edição do SWU.


SEGUNDO DIA:

Hematomas à parte, foi o dia mais fraco. Jota Quest e Capital Inicial? Vergonha alheia. Sublime fechou uma tarde bonita, foi astral. Rome é um gordinho de 22 anos com cara de nerd, mas quando abre a boca, surpreende. Manda muito bem, sua voz encaixa perfeitamente. Mas não chegou a empolgar o público, parece que a energia foi dissipada, não foi dada a devida atenção. O ponto alto foi Smoke Two Joints, What I Got, Badfish, Summertime e Wrong Way, relembrando os bons tempos de Sublime. Os caras tocaram umas três músicas novas, ou seja, deve vir disco novo por aí, mas não empolgou.

Na seqüência vi Joss Stone, o momento diva do festival. Acompanhada de uma banda afiada e bem à vontade no palco. Joss Stone dominou marmanjos e mulheres com sua voz potente e seu R&B doce e sexy. O trio de backing vocals remontava às bandas de soul da década de 50, enquanto a loira tomava seu chá tranqüila e com uma confiança admirável.

No meio do show da Joss Stone passei na tenda e o ritmo latino me chamou atenção: Bomba Stereo. Uma salsa psicodélica direto da Colômbia. Foi um dos shows mais animados do festival, a frontwoman Liliana Saumet corria por todo o palco e puxava um eletro com dub marcado com percussões pesadas e guitarras reverberadas. Aplausos para a autenticidade do grupo. Coisa fina.

E lá vou eu passar frio no descampado para ver Dave Matthews Band. Show bom, nada mais nada menos que o esperado, mas só empolgou nos hits Crush, Ants Marching, Tripping Billies e Crash Into Me. Na verdade, a virtuose dos violinos e bateria cansou um pouco e o frio não ajudou. Mas Dave falou bastante, foi carismático e o show não foi ruim, apenas o esperado.

Peguei um trecho do Otto, e foi bom pra cacete! Cada dia o cara manda melhor e fiquei com pena de ter perdido a psicodelia de terreiro na tenda. De saidera o esperado Kings of Leon, abrindo com Crawl pra 50 mil pessoas, fizeram um apanhado da carreira em uma hora e meia e mandaram todos os hits: Molly’s Chambers, Sex On Fire, Use Somebody, todas cantadas pelo público. Mas parece que a banda tem fãs dos hits e não da banda, então o show acabou de forma morna e bem longe de empolgar.


TERCEIRO DIA:
Yo La Tengo, 40 minutos de show, bora...

Com 20 anos de estrada, o trio conseguiu cativar um público desinteressado, tocando Periodically Double or Triple, Autumn Sweater e Nothing to Hide.

Autoramas foi animal! Divertido, rápido. O vocalista Gabriel é uma figura e seu surfrock a la Dick Dale e Ventures com Roberto Carlos foi perfeita.

À noite, ansiedade para ver Queens of Stone Age. Foi um show típico papo reto, rock puro, verdadeiro, sem firulas. Uma verdadeira parede intransponível de guitarras de ganchos certeiros e riffs ameaçadores.

Tocaram os hits Fell Good Hit of the Summer, The Lost Art of Keeping a Secret, 3’s & 7’s, Sick Sick Sick, No One Knows e Go With the Flow, ou seja, passearam pelos quatro discos, e nesse show o som estava bem alto e com qualidade que fazia os pedias da bateria ecoar no peito, um ótimo expectorante.

E para fechar com chave de ouro: Pixies. Já que o último show, o do Linkin Park, foi bem meia boca, pois a platéia estava bem desanimada com a maratona do festival e o frio. A baixista era toda sorriso e palavras em português, e o vocalista, de óculos escuro, só abria a boca pra cantar, mas beleza, ninguém veio ouvir discurso, certo?

A técnica e o profissionalismo da banda é foda! Abrindo com Bone Machine, passando por Ista de Encanta, Tame, Broken Face, Vamos, Debaser, Wave of Mutilation, Here Comes Your Man, Monkey Gone to Heaven, Hey, La La Love You e No. 13 Baby. A apresentação foi baseada em Surfer Rosa e Doolittle. Nos bis tocaram Planet of Sound, Where is My Mind e Gigantic.

Com pouco papo e uma energia condensada no ar, o Pixies fez um dos melhores shows do festival, com muita precisão, técnica e instrumentais perfeitos. Kim Deal fez miséria com o baixo e Frank Black destilou charme com seu vocal frio e gritos esganiçados. Memorável! Ufa...

Rip Curl Pro Portugal 2010

DEPOIS DE SEDIAR A ETAPA MÓVEL DO WORLD TOUR NO ANO PASSADO, AS ONDAS DE SUPERTUBOS, EM PENICHE, ENTRARAM DEFINITIVAMENTE NO CALENDÁRIO E A PROVA PASSOU A SER A SEGUNDA DA PERNA EUROPÉIA. PARA VENCER PELA PRIMEIRA VEZ EM PORTUGAL, SLATER NÃO TEVE VIDA FÁCIL E PRECISOU PASSAR POR JORDY SMITH NA FINAL, SEU PRINCIPAL ADVERSÁRIO NA BRIGA PELO TÍTULO MUNDIAL, DERROTANDO O SUL-AFRICANO PELO PLACAR DE 13.33 × 11.43 PONTOS. O VICE-LÍDER DO RANKING DEU TRABALHO O TEMPO TODO, MAS, APESAR DO REPERTÓRIO INTERMINÁVEL QUE O FEZ AVANÇAR VÁRIAS FASES COM CERTA TRANQUILIDADE, SMITH SENTIU A PRESSÃO NA DECISÃO E CAIU EM MANOBRAS QUE NORMALMENTE NÃO ERRA. “A FINAL FOI MUITO LENTA E NENHUM DE NÓS TEVE NENHUMA ONDA REALMENTE DE PESO”, ADMITIU SLATER. “JORDY SMITH TEM MUITO TALENTO E É CAPAZ DE VIRAR UM RESULTADO A QUALQUER MOMENTO. NADA ESTAVA TERMINADO ATÉ A BUZINA TOCAR”. SMITH NÃO FICOU SATISFEITO COM AS NOTAS QUE RECEBEU E RECLAMOU EM DIVERSAS BATERIAS DURANTE O CAMPEONATO, INCLUSIVE FAZENDO SINAIS VOLTADOS PARA A CABINE DE JULGAMENTO, REINVINDICANDO NOTAS MELHORES. ESSA FOI A PRIMEIRA FINAL DELE CONTRA KELLY, QUE JÁ PARTICIPOU DE 64 FINAIS NO ASP WORLD TOUR E VENCEU 44 VEZES.


Em Portugal tivemos ondas realmente divertidas durante o campeonato. Estou amarradão por estar na final com Kelly e por estar na corrida pelo título com ele”, completou Smith. Mas quando o assunto é o décimo título mundial, Slater é cauteloso nos comentários. “Estou numa posição muito confortável depois desta vitória. Mas sei que Jordy Smith tem sido consistente durante todo o ano e ainda pode ganhar outro evento. Só tenho que continuar fazendo a minha parte”, finalizou o eneacampeão mundial.

Na primeira semifinal, Kelly Slater passou pelo australiano Chris Davidson usando uma de suas cartas na manga, um belo aéreo alley-oop 360° de frontside que valeu 9.33 pontos. Davidson nada pôde fazer além de bater continência para o mestre e acenar com um gesto de quem tira o chapéu.

Estreante na elite mundial, o australiano Owen Wright foi o autor da única nota 10 da competição, com um aéreo rodando impressionante. “Minha prancha tinha trincado na onda anterior e eu estava saindo para trocá-la, mas a junção armou na minha frente e mandei aquele aéreo. Sinceramente voei mais alto do que eu imaginava”, analisou Wright, que encerrou sua participação na quinta colocação.

Depois da grandiosa vitória na França, Mick Fanning ainda podia dificultar a vida de Slater, mas caiu precocemente no terceiro round diante de Travis Logie. Kelly assistiu a tudo de camarote e desempenhou papel de técnico do sul-africano na etapa.

O potiguar Jadson André foi o melhor brasileiro na prova e deu uma dura em alguns adversários de peso para encerrar sua participação novamente na nona colocação, mantendo-se na décima posição do ranking. No primeiro round ele encontrou bons tubos para mandar para a repescagem ninguém menos que o tricampeão mundial Andy Irons, além do americano Patrick Gudauskas.

No quarto round, Jadson teve um duelo eletrizante com Jordy Smith e Owen Wright. Mas Smith levou a melhor sobre os novatos ─ que estão numa disputa acirrada pelo prêmio de melhor estreante do ano. Nas duas Expression Sessions que rolaram durante o evento o potiguar foi o melhor, sem dar chances aos Tops que participaram.

Já Adriano de Souza mais uma vez não se deu bem e encerrou o segundo evento consecutivo sem vencer nenhuma bateria. No primeiro dia, o paulista chegou atrasado para a primeira bateria do evento, enquanto seus adversários já estavam posicionados no outside, e ficou na última posição, atrás do australiano Luke Munro e do americano Taylor Knox.

No dia seguinte , Mineiro foi eliminado da prova pelo australiano Dean Morrison, que competiu como convidado no lugar de Bede Durbidge ─ o Top voltou para a Austrália para o nascimento da primeira filha. O brasileiro tinha a bateria nas mãos, mas falhou ao deixar seu adversário solto e não marcá-lo nos últimos minutos. O erro custou mais uma eliminação prematura de Mineirinho, que vinha de bons resultados na primeira metade do ano.

Convidado da Rip Curl para correr a etapa, o niteroiense Bruno Santos reforçou o time brazuca, mas acabou perdendo as duas baterias que disputou. Na repescagem foi derrotado por Slater com uma feroz tática de competição. “Fiquei esperando pelas melhores, mas acabou não dando. Estou feliz por ter tido mais esta oportunidade”, disse Bruninho.

Assim como a etapa francesa, o evento em Portugal também apresentou palanques montados em diversos picos da região com caminhões de apoio para complementar a estrutura. Um litoral totalmente recortado e com picos voltados para diversas direções garantiu a ausência do temido flat e proporcionou pesados canudos em Supertubos e pistas de decolagem na praia dos Belgas.


SURF EM 3D
Além do uso da super câmera lenta e de câmeras de alta definição para garantir a qualidade na transmissão, uma tecnologia inédita foi usada pela primeira vez na história em um campeonato de surf, marcando o início de uma nova era: a transmissão em 3D. A novidade estava programada para ir ao ar na TV portuguesa a partir das quartas de final. Coincidência ou não, quando as câmeras foram ligadas para teste no dia anterior, a primeira imagem a ser captada foi o aéreo nota 10 de Owen Wright, que ao sair da água correu para conferir a novidade. “Isso é impressionante, não tenho palavras para descrever. Costumo assistir aos meus vídeos o tempo todo, mas nunca tinha me visto surfar em 3D (risos)”, vibrou Owen.

10 perguntas para... Mano Ziul

O NITEROIENSE MANO ZIUL ATÉ TENTOU ENTRAR PARA O SURF PROFISSIONAL, MAS “EU COMPETIA E PERDIA SEMPRE”. ENTÃO, PARA PASSAR O TEMPO ENQUANTO ESPERAVA OS AMIGOS E SUAS RESPECTIVAS BATERIAS, TEVE A IDÉIA GENIAL DE CRIAR UM PROGRAMA PARA CONTAR MAIS RÁPIDO O QUE HAVIA ROLADO NAS DISPUTAS DO DIA. O NEGÓCIO ENGRENOU, AS PESSOAS GOSTARAM E HOJE, COMO PROPRIETÁRIO DA BEACH & BYTE, ELE SIMPLESMENTE DOMINA A TRANSMISSÃO E DIVULGAÇÃO DA MAIORIA DOS EVENTOS BRASILEIROS E MUNDIAIS DE SURF.


01. COMO FOI A PRIMEIRA TRANSMISSÃO?
A transmissão só rolou dez anos depois. Nossa primeira foi através de texto, em Portugal (1994), passávamos apenas live score. Foi uma revolução, porque o pessoal esperava mais de um mês para ver resultados de campeonato nas revistas. Naquela época, demorava uns 5 minutos para atualizar, hoje em dia vai em 30 segundos. Se eu não tivesse apoio em Portugal não iríamos conseguir, porque tudo era muito caro e não tínhamos condições de fazer sozinhos. A primeira de vídeo foi em 95. Depois, em 96, em Portugal também, e fomos os primeiros a utilizar a tecnologia Real Progressive Networks (hoje Real Media). Naquela época, a conexão era muito difícil. Hoje mesmo em alguns lugares afastados ainda há problemas com conexão. Ou custa muito ou simplesmente não tem. A mínima que precisamos é de uns 10, 15 megas de upload — que não é qualquer lugar que tem. Até de satélite é difícil.

02. O QUE EVOLUIU EM TERMOS DE TECNOLOGIA?
Evoluiu muito na parte do usuário, na nossa não mudou muito. No surf, o negócio mesmo e a prancha, a onda, remar e ver quem pega melhor que o outro. A lógica do campeonato não mudou. O cara que antes só tinha acesso à nota, agora pode ver numa definição cada vez melhor, escolher oito tipos de velocidade, diferentes línguas, mandar mensagens... É como se hoje ele estivesse sentado na areia participando da transmissão. Nós temos a nossa “waves on demand”, em que você faz o seu próprio replay. Você monta com as ondas que mais gostou.

03. E A AUDIÊNCIA, QUANTAS PESSOAS ACOMPANHAM?
O Brasil está no top de acessos em todas as etapas. Normalmente é o primeiro que mais acessa. Deve ter cerca de 30 milhões de usuários que vêem campeonatos por ano. Potencialmente podemos chegar a uns 80 milhões, mas o que precisamos fazer são campanhas para divulgar para as pessoas que gostam de surf, mas que ainda não entendem a dinâmica de um campeonato, que não sabem ver as condições do mar, que um campeonato não tem hora exata para começar etc. Campanhas voltadas para o público leigo. De duas pessoas que entram na internet buscando surf, uma gosta de campeonato, a outra quer ver só o surfista, o lifestyle, as gatinhas na areia... Apesar de o surf ser muito mais americanizado, muita gente não entende o inglês, cerca de 30% não tem idéia do que os caras estão falando. Então, um dos nossos progressos é a questão da língua, de também prover um conteúdo forte em outros idiomas.

04. QUAL FOI O EVENTO MAIS INÓSPITO, MAIS DESAFIADOR?
Acho que Fiji. Você está numa ilha distante da costa que está também distante da torre, onde temos que ir de barco por uns 20 minutos. E vamos com toda parafernália, senão a gente acaba escutando palavras lindas, mensagens interessantes. Toda vez que pára a webcast, o pessoal vem com muita sensibilidade... (risos). Nego não está nem aí, mas corremos perigo, uma vez um cara estava levando uma caixa para a montagem do palanque, escorregou e perdeu os dedos e um pedaço do pé. Já passamos por várias situações complicadas, de falar: “acho que é aqui mesmo que fico”.

05. QUANTAS PESSOAS TRABALHAM NA ESTRUTURA?
Somos em torno de 18 pessoas. Tem um número de câmeras filmando ação, outras ambiente, como pessoal na praia, entrevistas, julgamento, área dos surfistas. Eles ficam espalhados por vários lugares. Daí as imagens delas passam para a área de produção, que mistura gráfico, mixa e prepara toda a parte de vídeo. Depois vai para a sessão de compressão, para o servidor de vídeo, e por mim faz a distribuição. Mas tudo é quase simultâneo, vacilou num ponto na mesma hora pipoca do outro lado.

06. QUAL O CUSTO MÉDIO PARA O BEACH & BYTE FUNCIONAR?
Varia bastante, depende da etapa, se vai ser em HD, da quantidade de equipamento. Por exemplo, tem campeonato que só de excesso de bagagem com o nosso equipamento gastamos 50 mil reais. Mas uma produção de televisão decente sai por 1 milhão de reais, a pequena produção por volta de 20, 30 mil. Mas uma coisa é certa, quando a gente faz e acontece, o cliente não reclama.

07. E O 3D?
O 3D ao vivo vai demorar. Estava numa feira de broadcasting nos Estados Unidos e a SONY estava apresentando umas propostas. Mas o problema é que no surf é difícil, pois o ponto de fuga muda muito, uma hora está na frente, depois lá atrás, na esquerda, na direita, então tecnicamente o resultado disso é dar dor de cabeça para quem está vendo. Enquanto o 3D for visto com a ajuda de óculos não vale a pena, só vai valer mesmo quando tivermos aquelas TVs que transmitem a sensação 3D. Mas ainda está fora da realidade, se a produção em HD é cara, a de 3D é absurda.

08. COMO FOI PARA OS GRINGOS ACEITAREM ESTA INVENÇÃO BRASILEIRA?
Ah, uns caras torceram o nariz. Sempre tem gente preconceituosa que desconfia da sua idéia, não tem jeito. Depende mais da gente não ter aquela mania de se achar menor, de ser de um país de terceiro mundo, de que tudo que é de fora é melhor. Isso é coisa que a mídia bota na nossa cabeça, a gente não pode se deixar influenciar. Precisamos estudar sempre, não pode parar nunca. Nesse meio é pior do que ser médico, porque não temos uma experiência acumulada. Tudo o que se sabia de vídeo composto foi jogado no lixo, porque agora chegou o HD, aí depois tem o 3D e por aí vai. Já fiz um monte de curso este ano, no Brasil e lá fora. Quando acha que está sabendo muito, basta olhar para o lado que você vai ver um cara que sabe 10 vezes mais do que você.

09. CONEXÃO: QUAL É A MELHOR COMPANHIA PARA SE TRABALHAR?
Não tem melhor, tem a menos pior. Acho que a menos pior é nos Estados Unidos ou Japão, lá o pessoal não gosta de ouvir falar que o serviço deles é ruim, os caras botam 100 mega e não querem ouvir reclamação. Se bem que, para falar a verdade, parece até que a gente voltou às origens. A Portugal Telecom botou 100 megas em fibra ótica em cada praia durante a prova do WCT do ano passado. Eles fizeram das tripas o coração, e lembrando que três ondas seguidas destruíram tudo o que tinham feito em dias. Mesmo assim foram lá e refizeram tudo. E no Brasil, a gente sabe que não temos esse investimento de base e infra-estrutura. Aquele velho e cansado problema de politicagem, trabalhar mesmo que é bom...

10. COMO É ESTAR PRÓXIMO DO SURF E AINDA TOCANDO UMA TECNOLOGIA COMO ESSA?
É uma faca de dois legumes (risos). Você viaja muito, é bom porque conhece um monte de lugar, de gente e tal. As viagens da ASP não são viagens de negócios, rolam amizades, conversas, interações. Mas é ruim porque fica longe de sua casa, da família. O filho mais velho querendo que você viaje, o mais novo querendo que fique, aquela coisa... Mas no final das contas é bom, reclamar seria maluquice.

Querer é poder, sim!

A TECNOLOGIA JÁ EXISTE E MAIS CEDO DO QUE MUITA GENTE IMAGINA ESTAREMOS SURFANDO EM ONDAS ARTIFICIAIS. PODE SER NAQUELA PRAIA QUE ANTES NÃO SEGURAVA O SWELL, OU NUM “PARQUE DE SURF” BEM LONGE DO LITORAL.


Imagine surfar ondas perfeitas com até 8 pés de altura na face por mais de 90 metros em uma piscina que possui recifes artificiais controlados por computadores para se organizarem de forma a proporcionar surf de alta qualidade. “De 3 pés gordos para iniciantes até ondas que produzem tubos consistentes de 8 pés, com a baforada e tudo, para competições mundiais de surf. Já somos capazes de fazer e estamos trabalhando nisso”, garante Kerry Black, surfista e cientista neozelandês, proprietário da empresa ASR (Artificial Surfing Reefs). Com um time de mais de 20 cientistas e filiais nos Estados Unidos e na Índia, a ASR participou, durante a última década, de dezenas de projetos com recifes artificiais e piscinas que têm por objetivo produzirem as ondas com que todos os surfistas sonham.

Existem basicamente duas formas de criar ondas surfáveis: recifes artificiais ou piscinas. Segundo o Dr. Black, além de produzir ondas, os recifes possuem diferentes propósitos. “Os recifes da ASR podem servir para proteção costeira, fomentar a biologia marinha e, claro, para produzir ondas de sonho para o surf. Mas o recife não oferece um ambiente controlado como a piscina, e sim uma interação baseada em estudos que nos apontam que tipo de ondas eventualmente vai quebrar em determinado local com a aplicação da nossa tecnologia”, explica.

Com os resultados obtidos em Mount Maunganui e Opunake, na Nova Zelândia, Oil Piers, em Ventura, na Califórnia, Bournemouth, no sul da Inglaterra, entre diversas outras localidades ao redor do globo, a ASR vem consolidando como líder mundial na implementação de recifes artificiais.

O projeto de Mount Reef, como foi batizado o recife de Mount Maunganui, por exemplo, foi iniciado há nove anos, envolveu diversas instituições públicas e particulares e os gastos com a obra totalizam aproximadamente 2,5 milhões de reais. “Os recifes são absolutamente viáveis considerando o aspecto financeiro. Nós realizamos diversos estudos que demonstram que os recifes trazem entre vinte e setenta vezes o custo total do seu projeto de volta para a comunidade local, através de visitantes”, afirma David Neilson, diretor executivo do projeto do Mount Reef. “O Mount Reef nos trará mais de trinta vezes o seu próprio valor. Uma única competição com três dias de duração, que reúna cem surfistas, trará pelo menos 100 mil dólares (aproximadamente 180 mil reais) para a nossa cidade, considerando acomodação, alimentação e transporte de todos os atletas”, acrescenta David.

Apesar do valor do Mount Reef, os recifes podem custar menos de um milhão de dólares, incluindo desenho, a engenharia e a construção da bancada. “Um recife protege cerca de 600 metros de orla marinha, ou seja, ele não é mais caro do que outras medidas de proteção costeira. O dinheiro gasto é gasto da seguinte forma: aproximadamente 150 mil dólares para estudo e gerenciamento do projeto, 350 mil para o geotextil, incluindo costura e o transporte das bolsas, 150 mil para a areia e outros 350 mil para os gastos referentes à construção. Mas é evidente que cada projeto apresenta desafios e, portanto, custos diferentes”, conta o Dr. Black.

O recife de Mount Maunganui possui o formato da letra “A” e está localizado a 250 metros da praia, a 4,5 metros de profundidade e tendo sua parte mais rasa localizada a 0,4 metro da superfície, considerando a maré mais baixa que o local pode apresentar. O volume total do recife é de seis mil metros cúbicos. “O Mount Reef é uma versão menor da onda de Pipeline, no Hawaii. Com uma onda ultra-rápida de um lado da bancada e outra mais lenta do outro, dependendo da direção do swell”, explica Black, que utilizou maquetes em piscinas localizadas no laboratório da ASR para testar o formato ideal do recife e verificar que tipo de ondas o mesmo produziria.

Uma forte característica da tecnologia da ASR é a preocupação com o meio ambiente e possíveis impactos ambientais. “Fazemos questão de assegurar que todos os recifes instalados possam ser removidos caso seja necessário. Os recifes artificiais são comprovadamente benéficos para a natureza, considerando todos os aspectos possíveis. O respeito ao meio ambiente é sem dúvida a marca registrada dessa tecnologia”, diz o cientista.

O Mount Reef é formado por 24 bolsas de geotextil, produto criado por um tipo de poliéster conhecido como “Terrafix”, substância que já foi testada e aprovada na construção de outros recifes artificiais. Cada bolsa possui proporções distintas e todas foram inicialmente organizadas ainda em terra, para então serem rebocadas para o fundo do mar e presas por um tipo de âncora denominada “Manta Ray”. “Os resultados foram muito positivos. Ainda não concluímos o projeto. Temos todas as 24 bolsas posicionadas no fundo do mar, mas ainda temos que preencher 30% do volume total delas com areia. A esta altura, os resultados já são espetaculares: tivemos ondas cavadas e perfeitas com aproximadamente dois metros de altura na face e se deslocando por aproximadamente 50 metros. Isso é apenas o começo, porque esperamos ondas ainda melhores quando todo o projeto estiver concluído”, ressalta Black.

Outra iniciativa entre tantas que a ASR está conduzindo é o mega-projeto da marca Ron Jon, que está construindo o Ron Jon Surf Park, em Orlando, na Flórida. “Tivemos alguns atrasos e estamos esperando em virtude da crise financeira norte-americana”, explica Nick Behunin, co-fundador da ASR e um dos principais responsáveis pelo projeto. Os Surf Parks são significativamente mais caros do que os recifes artificiais. “É impossível determinar precisamente o custo de um projeto sem saber a localização e todos os detalhes que envolvem a construção, mas uma piscina grande, capaz de produzir ondas de qualidade para o surf competição, custa geralmente pelo menos 10 milhões de dólares (cerca de 18 milhões de reais)”, acrescenta.

Originalmente, o Ron Jon Surf Park deveria estar pronto no começo de 2009, mas com esse atraso o time da ASR não sabe ao certo quando o projeto será concluído. “Agora é uma questão financeira, pois precisamos de orçamento para desenvolver a nossa tecnologia a todo vapor. Estamos avaliando também outros lugares que poderão receber Surf Parks, como o Sul da Califórnia e Nova York, além de outras possibilidades”. Afirma Nick.

Um típico Surf Park, como o que a ASR está desenvolvendo para a Ron Jon, deverá possuir três piscinas: uma para iniciantes, outra para bodyboarders e uma para surfistas mais experientes. “Teremos ondas para todos os níveis de surf. Mas na piscina para surfistas experientes não serão permitidos iniciantes. Estes deverão primeiro aprimorar o surf na piscina de treino, para depois surfarem em ondas maiores. Mas mesmo para as pessoas que não desejam sequer entrar na água, os Surf Parks oferecerão restaurantes, lojas de todos os atrativos de um grande conglomerado de entretenimento”, garante Black.

Cada surfista deverá pegar cerca de 15 ondas durante uma sessão de 2 horas na piscina principal. “Uma sessão de 2 horas na piscina principal vai custar entre 50 e 60 dólares e na piscina para iniciantes cerca de 35. Mas estamos estabelecendo propostas para membros, o que garante um custo reduzido para quem deseja realizar o cadastro”, explica Nick. Estão sendo comercializadas reservas para membros do Ron Jon Surf Park, que possui inclusive uma lista de espera, considerando que já existem 4 mil pessoas interessadas nas 2 mil vagas que foram reservadas para membros.

Para organizar todo este crowd, serão formados grupos de 4 a 6 pessoas, que possuam, em média, o mesmo nível de habilidade sobre a prancha por sessão. “Após cada série de ondas, um atendente encaminha o grupo, que já estará esperando pela sua vez na sala denominada Liquid Lounge, até a entrada da piscina. Este atendente registra a sessão na pulseira que o surfista estará usando no pulso, o que possibilitará saber quantas ondas ele já surfou. Além disso, teremos registros instantâneos das ondas e as imagens serão exibidas em um telão localizado atrás da piscina”, diz Black. Ou seja, você pega as suas ondas, sai da piscina e vai se alimentar ou beber algo vendo as imagens da última bateria no telão.

Este sonho de qualquer surfista está se tornando realidade graças a três aspectos principais da tecnologia ASR: o Groundswell Wave System, a Wedge Pool e o Versareef. Existem sistemas que usam processos hidráulicos, pneumáticos ou por vácuo para criar ondas em piscinas. “Acontece que, resumidamente, todos estes necessitam de muita energia ou criam ondas com intervalos curtos demais para o surf. O Groundswell Wave System combina as tecnologias pneumáticas e por vácuo criar ondas como a natureza faz: com séries múltiplas e intervalos que geralmente variam entre 8 e 12 segundos”, conta Black.

O sistema não possui partes móveis que ficam submersas e praticamente não requer manutenção. “A altura das ondas, o ângulo do swell e todas as outras características são ajustáveis via computador, o que torna a possibilidade de experimentos ilimitada”, ressalta o cientista.

A Wedge Pool foi desenhada para maximizar a qualidade e o deslocamento das ondas. “Enquanto a maioria das piscinas fica mais ampla ao longo do trajeto que a onda percorre, e a onda por sua vez fica menor, a Wedge Pool fica mais estreita, comprimindo a energia da onda em um espaço menor e minimizando a perda de tamanho e força ao longo de todo o percurso”, garante Black.

Com o intuito de permitir que o Surf Park possa sempre oferecer uma experiência nova aos surfistas, o Versareef foi criado para proporcionar uma variedade de ondas. “Flutuante e ajustável, o Versareef fica suspenso no fundo da piscina por uma série de cabos controlados por computador e apoiado por reservatórios preenchidos com água. Ajustando o comprimento de cada cabo e o volume de cada reservatório, diferentes fundos são criados para produzirem ondas com características únicas. A ASR mapeou os recifes das 40 melhores ondas do mundo para ser capaz de reproduzi-las na piscina do Surf Park. O resultado é um reef mutante, que pode mudar para copiar de Trestles a Teahupoo em 15 minutos ou menos”, complementa Black.

Para testar o Surf Park e o desenvolvimento da sua tecnologia, a ASR conta com um time de surfistas profissionais, como os irmãos Cory e Shea Lopes e Damien Hobgood. “É muito importante para nós contarmos com um time de profissionais tão experiente e capacitado para evoluirmos o nosso trabalho. Em 10 anos, eu acredito que estaremos construindo reefs e piscinas em todos os continentes e eles serão grande parte do estilo de vida dos surfistas da próxima geração”, conclui Nick.
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NO BRASIL
O IPDRAM (Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento de Recifes Artificiais Multifuncionais) lida exclusivamente com o desenvolvimento de fundos artificiais e possui duas diretorias locais: uma em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, e outra em Búzios, no Rio de Janeiro, onde recifes já foram instalados, porém, não com o propósito de criar ondas.

Alguns anos atrás, a COPPE (Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a Fundação Rio-Águas assinaram um termo de compromisso que deu início ao projeto do primeiro “surfódromo brasileiro”, como ressaltam os documentos arquivados no site da universidade. Pouco se falou sobre o assunto e nenhuma novidade foi demonstrada durante praticamente os últimos 4 anos. Políticos cariocas assinaram um documento que deveria viabilizar a inclusão do recife artificial da praia da Macumba no orçamento municipal do Rio de Janeiro, o que não implica em patrocínio certo para o projeto, mas garante a possibilidade de pleitear o dinheiro público, mas nada aconteceu e as pessoas envolvidas na iniciativa na época não demonstraram interesse em falar sobre o assunto atualmente.
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LONGE DO IDEAL
Segundo os cientistas da ASR, nenhuma das piscinas que foram postas em operação até hoje chegou sequer perto do potencial oferecido pela tecnologia já existente. “A piscina da Malásia, a das Canárias e a Typhoon Lagoon, em Orlando, na Flórida, são bons exemplos de piscinas de ondas que não foram projetadas e construídas para criar boas ondas”, afirma Nick Behunin, parceiro do Dr. Black no sonho da onda artificial.
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A MELHOR ATÉ HOJE

Por outro lado, a melhor piscina que já existiu, foi a do Seagaia Ocean Dome, no Japão, mas que infelizmente foi fechada por não ter se viabilizado economicamente. Parte integrante do Sheraton Seagaia Resort, ela foi projetada pelo Mitsubishi Heavy Industrial Group e seu custo total atingiu a astronômica soma de 2 bilhões de dólares. Com 300 metros de comprimento e 100 de largura, coberta por um gigantesco teto retrátil, ela mantinha as condições climáticas sempre em padrões ideais e possuía capacidade para produzir ondas de até oito pés de altura, mas que perdiam qualidade ao passar dos seis pés. Para isso se utilizava 20 bombas gigantescas, que liberavam mil e oitocentas toneladas de água a cada onda. Construída em 1993, o número de visitantes atingiu seu pico em 1995, com 1,25 milhões de freqüentadores ao ano. Assim mesmo, desde o primeiro dia, até seu fechamento definitivo, em outubro de 2007, sua operação sempre foi deficitária. Fábio Gouveia chegou a vencer um campeonato lá em 1993.

MUITO ALÉM DO OURO

Tenho um amigo que, quando moleque, era o último a sair da água. Fissurado, surfava até a última gota de luz, o último raio de onda. Um dia, ele cresceu e virou deputado. Passou anos de carreira política longe do mar, com medo visceral de que descobrissem seu segredo mais sujo: ele era um surfista. Pouco tempo atrás, com a carreira madura, decidiu voltar a pegar onda, mas sem fazer muita onda da novidade. Deu comichão. Lembrei dele dias atrás, quando recebi uma mensagem avisando que o governo federal daria uma bolsa de R$ 15 mil mensais para atletas de alto rendimento, que estivessem ranqueados entre os dez melhores do mundo em seus esportes. A medida provisória seria enviada ao Congresso Nacional ainda este ano. Bernardo Bühring, o remetente, escreveu: “Será que isso vale para o surf?”.

A seis anos do maior evento esportivo da história do Brasil, os Jogos de 2016, eu já desconfiava da resposta. Mas achei saudável duvidar. Corri atrás e descobri que o já implantado projeto Bolsa-Atleta, em vigor desde 2004, vai ganhar o item Atleta de Ouro. O esboço da proposta inclui apenas atletas de modalidades olímpicas e paraolímpicas individuais que estejam ranqueados entre os dez primeiros e tenham chances reais de obter medalhas nos próximos Jogos Olímpicos ou Paraolímpicos, conforme critérios definidos pelas confederações.

Como o barão de Coubertin jamais subiu numa prancha, Jadson André e Adriano de Souza, nossos heróis no front, não devem ver a cor das 15 mil pratas. O texto de apresentação do projeto do “atleta de ouro” até diz que, dependendo da disponibilidade financeira, poderão ser atendidos atletas de modalidades não oficiais. Como disponibilidade financeira é palavra proibida no Brasil e o programa já existente ajuda apenas esportistas olímpicos de vários níveis, o mais provável mesmo é que os surfistas não vejam um tostão.

O pedagogo Pierre de Coubertin sonhava educar os jovens pelo desporto. Daí nasceu o maior evento esportivo de todos os tempos, os Jogos Olímpicos da era moderna. O surf, pelo menos na sua expressão natural, não tem muita pretensão pedagógica, num sentido formal da expressão. Pelo contrário, volta e meia pinta como arma da molecada contestadora, que sonha demolir os castelos de disciplina erguidos nos esportes olímpicos. Não sei se algum dia o surf vai entrar na redoma olímpica ─ e nem sei se isso é de fato uma boa idéia ─, mas deixo a polêmica para outro texto. Ainda assim, o prazer inventado por polinésios é um esporte, um esporte fascinante. Não faltam praticantes, admiradores, competições e adversários para legitimar uma bolsa de “atleta de ouro” para os ídolos brasileiros que lutam para estar entre os melhores.

Não culpo meu amigo deputado ou qualquer outro político pela eventual indiferença à velha prática polinésia. Já vi outros amigos executivos de empresas gigantes terem o mesmo comportamento. Um deles omitiu do chefe e de todos os colegas que passaria metade das férias dentro d’água, numa clássica surf trip com amigos de infância. “É uma precaução corporativa”, me revelou certa vez, com um sorriso envergonhado.

Mas o tempo certamente vai sepultar toda a vergonha de ser surfista. Era pior 20 anos atrás, bem pior. Basta ver o crowd de profissionais liberais bem-sucedidos que infesta as praias do Rio todo dia às 6 da matina. No meu prédio, um recanto familiar de classe média há pelo menos quatro vizinhos surfistas. Todos eles pais. Desde o início da cultura do surfista até hoje, lá se vão mais de 50 anos. Surgem os primeiros avós que dividem o line up com seus netos, como e comum na Austrália.

Outro dia, Gerry Lopez apareceu surfando uma bomba em Jaws num anúncio de meia página da comportada editoria de economia do jornalão Folha de S. Paulo. Tudo isso para vender o sofisticado relógio suíço Omega. Na época da publicação, corri atrás do mito para ouvir o que ele pensa dessa história de surf no mainstream.

Disse o mestre: “Os surfistas começaram a pegar onda porque era uma coisa diferente, que fazia com que fossem diferentes. Representava mais a liberdade que outros esportes. A identidade dos surfistas é única, o surf sempre esteve fora do mainstream... dentro de sua própria pegada. As, por ser um esporte atraente, ganhou popularidade até um ponto que se tornou parte do mainstream no mundo atual. Talvez alguns surfistas esperem que o esporte atinja o mesmo status de esportes como golfe e tênis, mas a maioria preferiria que fosse menos popular”. Vou mais longe: talvez, no futuro, haja até uma bancada de deputados surfistas no Congresso Nacional. Talvez haja bolsas-surfista aprovadas em lei. E talvez, por isso, a experiência do esporte não seja mais a mesma. Na verdade, não há caminho de volta. Será como diz o mestre Lopez, apenas uma “experiência diferente”.

Quiksilver Pro France 2010

O ATUAL CAMPEÃO MUNDIAL, MICK FANNING, AINDA NÃO HAVIA VENCIDO NENHUMA ETAPA ESTE ANO, MAS VOLTOU AO TOPO EM GRANDE ESTILO E COM UMA ATUAÇÃO HERÓICA NUMA COMPETIÇÃO QUE EXIGIU O MÁXIMO DOS MELHORES SURFISTAS DO MUNDO. EM CONDIÇÕES EXTREMAS NUNCA ANTES VISTAS EM HOSSEGOR, COM TUBOS PESADOS E ONDAS ACIMA DE 3 METROS EM CUL NUS BEACH, ELE DERRUBOU KELLY SLATER EM UMA FINAL ÉPICA PARA GARANTIR SEU TERCEIRO TÍTULO EM ÁGUAS FRANCESAS ─ CURIOSAMENTE, OS DOIS ANTERIORES FORAM CONQUISTADOS NOS ANOS EM QUE O AUSTRALIANO SAGROU-SE CAMPEÃO DO MUNDO, EM 2007 E 2009.


Foi a primeira vez que Mick derrotou Kelly numa final do WT. A determinação e o foco do australiano foram determinantes para deter o americano na final, que rolou em meio a fortes correntezas, sem canal e nenhum pico definido. Apesar do auxílio dos Jet skis para voltar ao outside, não foi fácil encontrar ondas boas e suportar séries furiosas na cabeça. O placar foi encerrado em 16.90 a 6.74 pontos para Fanning. Porém seu maior adversário foi mesmo o oceano. Antes de ser coroado, ele ainda passou um perrengue quando uma bomba, talvez a maior do dia, explodiu na sua frente, literalmente ejetando o surfista para fora do mar. “Aquela onda quase me matou. Kelly e eu estávamos conversando sobre como estava difícil se posicionar no pico. Ou você estava no lugar certo ou não estava. Tive a sorte de estar em dois momentos”, disse Fanning ainda ofegante.

Kelly Slater não se encontrou e sua melhor nota foi 3.57, além de ter passado um dos maiores sufocos da vida, segundo declarou. Enquanto a praia vibrava com a vitória do australiano, Slater tomou uma série na cabeça e, longe dos olhares do público e dos milhares de expectadores que acompanhavam pela internet e TV, ele sentiu na pele a fúria do oceano. “Achei que fosse apagar. Fiquei preso lá embaixo por duas ondas. Ainda bem que acabou”, desabafou Slater aliviado.

Apesar do fracasso na final, nas fases anteriores ele protagonizou alguns dos maiores espetáculos do campeonato. O ponto alto aconteceu na semifinal, quando ele arrancou a única nota 10 do evento com um tubo majestoso que beirou os limites do impossível. “A onda era realmente longa. Quando dropei ela ameaçou jogar o tubo, mas tive que esperar um pouco. Mantive a prancha no topo da onda e em seguida me agarrei na parede para perder velocidade. As quilhas se soltaram da parede e comecei a deslizar para baixo. Joguei meu peso para trás e as quilhas seguraram na parede novamente”, explicou Slater.

Depois de passar boa parte do ano na liderança do ranking, Jordy Smith perdeu o ritmo nas quartas de final e caiu diante do virtual campeão. O paulista Adriano de Souza e o potiguar Jadson André, únicos representantes brazucas depois do corte, não tiveram uma boa campanha. Enquanto Jadson terminou em nono lugar, Mineirinho finalizou em 25º, sem vencer nenhuma bateria.


TELÃO NA PRAÇA
Um telão gigante montado na Place de Landais exibiu 24 horas por dia os melhores momentos da competição e não deixou ninguém perder nenhum lance importante, além de contar com o recurso da super câmera lenta. Lá também foram exibidos o novo filme do australiano Julian Wilson, “Scratching the Surface”, e os melhores momentos do Eddie Aikau, que marcou época em dezembro de 2009.

O evento contou também com uma incrível estrutura móvel. Todos os dias a organização checou as condições nos melhores beach breaks da região em um raio de 80 km, incluindo Hossegor, Capbreton, Seignosse e Saint-Jean de Luz. Depois de a comissão técnica decidir onde seria o show, dezenas de caminhões começavam a movimentação e em menos de duas horas tudo estava pronto, algumas vezes no meio do nada, onde havia apenas dunas e o mar.

CAÇADORES DE RECOMPENSA

100 mil dólares mudariam o jeito como você surfa? Talvez já esteja mudando.
O que você faria por um milhão de dólares?
Comeria coco? Transaria com sua mãe? SUP em Teahupoo?
Só considerar já é humilhante, especialmente sem ninguém oferecendo a grana.
Recentemente, entretanto, o mundo do surf tem oferecido quantias consideráveis para surfistas irem um pouco além do convencional. Você pegaria uma onda possivelmente fatal por 50 mil dólares? Daria um aéreo que detonaria seu joelho? Que tal apostar na quantia de 100 mil dólares com todas suas filmagens originais?
É o tipo de dinheiro que pode mudar sua vida ─ mesmo se você não levá-lo.


UM AÉREO MALUCO ─ US$ 50.000
Flynn Novak está pirando. Se jogando de costas em cada seção cavada que encontra, rezando para completar a manobra que salvará sua carreira. Está tentando acertá-la há dez anos e, nesse, finalmente conseguiu (clique aqui para ver).

Com pouco patrocínio e uma conta bancária vazia, os vídeos caseiros de backflips são tudo o que lhe resta. Flynn postou-os primeiramente na competição Innersection, de Taylor Steele, mas, por uma casualidade, foi desclassificado. Postou-os então no site da Kuston Airstrike, com 50 mil dólares em jogo por um “aéreo maluco”. Mas ele está competindo contra uns talentos bizarros. Josh Kerr, Chippa Wilson, Mitch Coleborn. Esse é o novo espetáculo aéreo, rolando em todo e qualquer lugar ao mesmo tempo. E está ficando bem competitivo.

Desde o upload de Flynn, no entanto, poucas pessoas mandaram filmagens. “Freesurfers” são uma raça frágil. Esses fóruns online são muito delicados para a briga bárbara do WQS, mas também tendem a mexer com seus egos. Fotos são fáceis. Perfis em vídeo, sem problemas. Mas pau a pau, manobra versus manobra, está errado. Certo?

Aéreos são meio parecidos com breakdance. Sem espectadores, talvez nem existissem. Mas nessa era de freesurfers, expression sessions e replay instantâneo, peripécias aéreas são uma escolha legítima de carreira. Desta maneira, faz perfeito sentido uma empresa de calçados dar uma jaqueta esportiva feita de notas de 100 dólares a Dusty Payne pelo melhor aéreo reverse do ano.

Após o encerramento controverso do ano passado, a Kustom nomeou um grupo de especialistas — Joel Parkinson, o videomaker Kai Neville e o editor de revista Travis Ferré — para julgar os vídeos dos participantes de acordo com seus próprios critérios.

No momento, Flynn está certo que a jaqueta de dinheiro lhe servirá bem — ele provavelmente a deixará no primeiro banco por onde passar. Mas conforme o período de espera passa, as coisas ainda estão pairando pelo ar.


A MELHOR ONDA — US$ 50.000
Às vezes, Grant “Twiggy” Baker se pergunta se está passando um bom exemplo. Ele não se preocupava com isso antes de ganhar 50 mil dólares desafiando a morte na Melhor Onda do Ano, em Maverick’s, no ano passado. Mas dinheiro deixa as pessoas loucas. Agora ele precisa pensar nas crianças que estão assistindo.

É o seguinte: qualquer um que entra no surf de ondas grandes pela grana provavelmente merece ser afogado pelo oceano de qualquer maneira. A relação risco-recompensa nem existe e quem acredita mesmo na modalidade nem se importa com isso. Eles o fariam de qualquer jeito. A maioria está fazendo.

Isso que é legal a respeito do XXL. Na cerimônia de premiação anual em Orange County, o cheque gigantesco nunca impressiona muito após todas aquelas ondas sinistras no telão. Shane Dorian, Greg e Rusty Long, Ramon Navarro, Laird. Os mesmos nomes aparecem ano após ano. Sentam na mesma mesa como se fosse um lineup qualquer, em humilde reverência a seus amigos surfistas e ao poder do oceano. De Greg Noll em Waimea a Mike Parsons e Brad Gerlach em Cortes Bank, “a maior da história” sempre foi a melhor recompensa. Melhor do que qualquer foto em página dupla ou cerimônia de premiação, esses caras fazem isso para marcar a história.

E porque são loucos.

Quando “maior” ainda era o único critério para a grana, o processo de julgamento às vezes ficava um pouco estranho. Um conselho questionável formado por nerds de ondas grandes — editores de fotografia, jornalistas, pilotos de jet-ski e Mike Parsons — juntava-se ao redor das fotos com réguas e compassos para discutir metros e centímetros de morras em Belharra e lajes em Teahupoo. Mas desde a mudança para a “Melhor Onda”, juízes usam as mesmas ferramentas que os surfistas: culhões.

É muito melhor que apenas a maior onda”, diz Twiggy. “Mas eu realmente pensei que Dorian ia ganhar por causa disso”.

Se fossem um prato, filmes de ondas grandes seriam salada de batata. Novocaína pura. É como assistir às 500 Milhas de Indianápolis no seu laptop. Mostre logo as batidas, não? Uma seleção daquilo de melhor no ano — a maior série do maior dia no maior pico — e isso é melhor do que uma perseguição policial sangrenta.

Essa é uma premiação em que podemos soltar nossa maldosa natureza humana. Sentir o sangue escorrer pela cara. Hummmm, perigo.

A cada ano, um lunático sortudo recebe o suficiente para mandar seu jet-ski para a revisão e pagar algumas dívidas do cartão de crédito. 50 mil dólares vão embora rápido quando você ganha a vida se jogando em ondas de 100 pés. Enquanto isso, a “Vaca do Ano” leva uma placa que vale míseros 9,99 dólares. Também vai embora rápido.

Quando o espetáculo termina, os guerreiros de ondas grandes simplesmente voltam ao que são. Surfistas durangos ordinários, descendo arranha-céus em algum lugar a anos-luz de Orange County.

Nos maiores dias”, afirma Twiggy. “É só você e a onda. Eu não penso em dinheiro algum”.


MELHOR SEÇÃO DE VÍDEO
Josh Kerr saiu do Dream Tour para se concentrar em seu blog. Soa como maluquice, não? Mas é nesse ponto de esquisitice que as coisas chegaram.

Quando eu era mais novo, não prestávamos atenção nos resultados das pessoas no Tour”, lembra Kerr. “O que realmente importava eram as mais novas seções de vídeo. Eu não queria apenas fazer um vídeo biográfico depois dos 30 anos”.

Além de um blog ativo e um vídeo a estrear, Kerr tem alguns registros na competição da Airstrike e venceu uma rodada classificatória do projeto Innersection, de Taylor Steele. Ao invés de mais uma desanimadora rodada de 9º e 17º lugares, Kerr está consolidando um ano nas telas de computadores e prateleiras de filmes de surf. Levantando uma nova geração de Kerr-azy slides e Keer-upt flips. Não chame isso de marca registrada.

De todas as recompensas pendentes, Innersection é, provavelmente, a mais sofisticada. No lugar de um único momento de glória, Innersection demanda atenção plena de um surfista: três minutos de filmagens originais e bem editadas. Aéreos. Tubos. Manobras. Tamanho. Música. Estilo. Destinos. O pacote completo.

Quatro vezes por ano, algumas dúzias de surfistas profissionais postam seu melhor no site de Steele e — diferentemente do XXL e Kustom — deixam surfistas comuns definirem seus destinos.

Isso tem rendido resultados interessantes. O guerreiro de água fria canadense Peter Devries. Nate Tyler, natural do meio da costa californiana. O garoto perdido de Maui, Matt Meola. O aventureiro neozelandês Luke Cederman. “São caras que eu talvez nunca tivesse colocado num vídeo”, diz Steele. “Mas com certeza o merecem. E essa é a idéia”.

Só não vá chamar o projeto de American Idol do surf. O elenco de Innersection não é exatamente tão aberto quanto parece. De promessas como Craig Anderson e Clay Marzo a talentos já estabelecidos, como Cory Lopez e Ozzy Wright, as listas de Top 10 do Innersection já rejeitaram WCTeiros e freesurfers o suficiente para botar medo no coração dos tops. Trabalho duro distingue os classificados. Surfistas precisam achar um videomaker, juntar filmagens, escolher uma música e até fazer propaganda de suas seções. Isso constrói um currículo melhor do que só esperar que algum videomaker capte as melhores imagens.

Além da bolada de 100 mil dólares, no evento de Steele, surfistas estão competindo, aparentemente, por um lugar na história. De Momentum a Stranger Than Fiction, por muito tempo os filmes do californiano têm elevado o nível do surf performance. Agora ele está usando a conectividade da internet com motivação em DINHEIRO para alimentar sua programação.

Ou está simplesmente obrigando os surfistas a fazerem todo o trabalho por ele.

Não estamos obrigando ninguém a fazer nada”, diz Steele. “A grana está lá para levar. E para todos os outros, essa é uma chance de trabalhar e fazer parte de algo divertido e diferente. Até quem filma e assiste. A questão não é o dinheiro. É o surf”.

No lugar de se perguntar o que faria por um milhão de dólares, pergunte o que você faria se dinheiro não fosse problema. Surfaria o dia inteiro. Moraria na praia. Passaria o tempo todo com seus amigos e nunca trabalharia de novo.

No final, todos só querem continuar surfando. Todas essas recompensas, prêmios e competições não passam de uma desculpa para ficar na água. Justificativas para a nossa pequena “indústria”, para não termos que arranjar trabalhos de verdade ou colocar aspas na palavra freesurfer.

Certo, as apostas estão mais altas. Um bônus de 100 mil dólares no US Open. Uma premiação de 500 mil dólares no Rio. Um milhão de dólares na Tríplice Coroa. Ainda não é nada comparado a esportes “de verdade”, como golf e corrida de automóveis, mas, aos poucos, mais e mais pessoas estão ganhando a vida fazendo aquilo que amam.

E é assim que o gratuito é pago.