NO TOPO DO MUNDO


ELE FEZ HISTÓRIA AO COMANDAR O ATAQUE À PODEROSA ONDA DE
JAWS NA REMADA ─ E, APÓS SUA QUINTA INDICAÇÃO, FOI COROADO COM LOUVOR NA CATEGORIA PRINCIPAL DO BILLABONG XXL: ONDA DO ANO. CONHEÇA A TRAJETÓRIA DESTE BAIANO, QUE HÁ 15 ANOS DEIXOU O BRASIL PARA SEGUIR SEU SONHO E FOI RECOMPENSADO EM GRANDE ESTILO NO OSCAR DO SURF MUNDIAL.


São 20h30 do dia 07.02.2011, no North Shore de Oahu. A temporada havaiana está no auge. O mar não pára de bombar e o big rider Danilo Couto tem trabalhado duro em prol de um sonho que persegue há anos: vencer o Billabong XXL, o Oscar do surf de ondas grandes.

Sua esposa, Laura, uma loira bonita e simpática nascida no estado de Oregon, está chateada. Danilo mais uma vez quer arrumar as malas às pressas e partir com tudo para a ilha de Maui. A previsão de ondas gigantes acabara de se confirmar e os principais nomes do big surf estariam em Jaws na manhã seguinte.

Mas o surfista de 36 anos tem compromissos. Laura havia preparado um jantar familiar e a filha do casal, a irreverente Tiare, 6, iria dormir depois de ouvir as histórias do livro infantil lidas pelo pai. Danilo queria muito já estar no avião para dormir cedo em Maui e acordar 100% fisicamente. Mas a prioridade é a família. Tudo precisa estar em perfeita harmonia em sua casa para que a energia percorra suas veias e ele esteja pronto para mais um combate na arena de Jaws.

Depois de jantar, ele telefona para os companheiros e anuncia: “Está marcado. Amanhã é final de Copa do Mundo!”. Além de falar com os conterrâneos Marcio Freire e Yuri Soledade, ele convida Greg Long, Nathan Fletcher e Sion Milosky, que nunca haviam remado nas mandíbulas de Jaws.

Danilo era considerado um dos favoritos ao XXL com uma esquerda surfada no dia 16 de janeiro, mas ele sabia que iria ficar para trás no novo swell que já explodia no pico. Agora seria diferente. Ondas maiores e nomes consagrados na água. Até então, o line-up de Jaws era dividido apenas com os amigos, mas agora toda a mídia internacional estaria de olho no show.

A família de Danilo vai dormir. É hora de acessar a internet para comprar a passagem, arrumar a bagagem e tirar um leve cochilo até 2 da manhã. Cansado, ele encara uma hora de estrada do North Shore a Honolulu, onde iria embarcar no primeiro vôo para Maui, às 5 da manhã.


FINAL DE COPA DO MUNDO
No aeroporto, ele encontra Nathan e Sion completamente adrenalizados. Os olhos de Sion Milosky ─ que no dia 16 de março viria a falecer em Mavericks, na Califórnia ─ irradiavam de tanta energia. Acostumado a remar nas bombas de Jaws, Danilo estava tranqüilo. Seu comportamento destoava da dupla.

Em Maui, todos partem em direção à arena. Jaws está fumegando. O barulho das ondas é de arrepiar. Só os gladiadores mais poderosos confiam em seus braços para desafiar aquelas montanhas de água desprovidos da ajuda do jet ski. Como a direção do swell estava mais propícia para as direitas, Danilo já sabia onde a Copa do Mundo seria decidida. Onde o último e decisivo pênalti seria cobrado. Com Greg Long e o local Ian Walsh surfando de frontside, seria preciso muita audácia para roubar a cena naquele dia.

Na remada, o baiano estava em total sintonia com as esquerdas, mas ele tinha um novo desafio pela frente. Apesar de já ter despencado também de backside, ele ainda não havia descido uma ladeira tão íngreme. Seria o primeiro dia em que a direita seria surfada com tamanha pressão.

Antes da longa remada ao outside, ele e o amigo de infância Marcio Freire repetem uma cena que não cansa de impressionar quem acompanha as performances da dupla em Jaws. Os baianos descem o penhasco, vão até as pedras escorregadias do inside e esperam o momento certo para o salto na rasa bancada. A prancha é grande, pesada, e as espumas não param de vir. Todo cuidado é pouco. Depois do pulo, é hora de remar como nunca para não ser jogado de volta às pedras.


ONDA HISTÓRICA
Já no outside, Danilo esquenta as turbinas nas esquerdas. Enquanto isso, Greg Long e Ian Walsh investem nas direitas. Depois de pegar mais uma bomba, o baiano vê Greg surfar uma das maiores do dia. É hora de estender os limites e ir em busca do que ele vinha mentalizando ainda no avião. “Quero pegar uma direitona lá de fora, cavar no bowl e jogar pra dentro com tudo de grab rail”, matutava enquanto sobrevoava o arquipélago havaiano.

A onda dos sonhos vem. Danilo rema forte, está disposto a encarar aquela avalanche. O vento terral sopra mais forte do que nunca e segura vorazmente o big rider, mas ele não quer saber. Seus braços estão em plena forma e suportam um esforço extra. Como se fosse a última onda da sua vida, ele rema com uma energia impressionante e se joga no precipício aquático.

Aos berros, Nathan Fletcher compõe a trilha sonora. Além de amigo e ídolo, ele é uma espécie de amuleto de Danilo e esteve presente nos principais momentos do baiano no big surf. O californiano não poderia ficar de fora daquela cena inesquecível.

A prancha mágica 10’6”, shapeada por Jorge Vicente, parece um papel ao vento, uma pena flutuando. Mesmo com todo aquele tamanho e peso, ela dá a impressão de que não vai agüentar o drop em uma morra tão assustadora. Como um gladiador determinado a vencer uma batalha, um toureiro de primeira linha, Danilo luta para não perder o equilíbrio e se manter no curso a ser seguido. Aquele momento era único e ele não podia desperdiçá-lo.

Drop feito, é hora de cavar. Ele prepara a gunzeira e olha atentamente para o lip. O paredão infinito começa a despejar toda a sua ira e volta a ameaçar Danilo, mas ele sabe o melhor caminho para driblar aqueles jatos de água. O baiano crava a mão na borda da sua prancha amarela e encara o West Bowl, parte mais rasa da bancada. Tudo do mesmo jeito que ele havia imaginado no avião.

A espuma turbulenta tenta derrubá-lo por trás. Não tem jeito: Danilo está tomado e mais uma vez dá olé no touro enfurecido. Em êxtase, ele soca o ar e comemora. Onda histórica. No canal, é recebido pelo conterrâneo Juan Gomes, residente em Maui, que está no jet ski com um amigo taitiano: “Já era! Essa é a onda de US$ 50 mil! Não tem pra ninguém!”, grita Juan.

Danilo está no mundo da lua. Ele acabava de surfar a onda mais emocionante da sua vida. Já havia domado ondas muito maiores e mais tubulares, mas aquela era especial por ter sido na remada. Era o resultado de muito esforço com sessões de yoga, pedaladas em montanhas, natação em Waimea e muito, muito surf em qualquer condição de mar. Tudo para vencer o XXL, na remada, em Jaws.


PIONEIRISMO E “CALA-BOCA”
Desde 2007, Danilo e seus amigos e conterrâneos Marcio Freire e Yuri Soledade fazem um trabalho braçal nas volumosas e turbulentas ondas de Pe’ahi, nome de batismo do pico mundialmente conhecido como Jaws. Antes das tentativas insanas do trio, alguns surfistas já haviam remado no pico, inclusive o experiente big rider Eraldo Gueiros.

Porém, Couto e seus amigos marcaram o início de uma nova era quando passaram a desafiar esquerdas de até 20 pés havaianos. As sessions dos “Mad Dogs” ─ como os locais passaram a chamar os brasileiros insanos na remada ─ fizeram sucesso na internet. Mas foi no dia 16 de janeiro de 2011 que eles mostraram ao mundo que a remada em Jaws era muito mais séria do que se imaginava e despertaram a atenção dos principais big riders e jornalistas especializados do planeta.

Acompanhados do carioca Tiago Candelot e do local Francisco Porcella, os baianos fizeram uma apresentação inesquecível nas bombas de 20 a 25 pés e rapidamente foram parar no site Surfline. Autor do drop mais insano do dia, Danilo Couto estampou a capa da reportagem com uma esquerda sensacional. Era tudo o que faltava para abrir de vez os olhos de muitos surfistas de ondas grandes, talvez blindados por uma infeliz declaração de Laird Hamilton.

Provavelmente incomodado com a repercussão dos “Mad Dogs”, Hamilton menosprezou o surf na remada em Jaws, em entrevista ao Surfline, em outubro de 2010. “Algumas pessoas falam: ‘Tem uma galera dropando Pe’ahi!’. E eu digo: ‘Sim, mas não está nem quebrando!’. Eu conheço Pe’ahi, passei muito tempo lá fora analisando o pico e sei como a onda funciona. Você não rema lá tão fácil”, contestou Laird Hamilton.

A irônica declaração do havaiano deixou Danilo ainda mais sedento pelas morras de Pe’ahi. “Laird tem um talento incrível, uma sintonia perfeita com Jaws no tow-in, mas a verdade é que ele não conhece, tanto quanto a gente, as dificuldades e o prazer de remar ali. Ele nunca remou lá. As únicas quedas que ele deu foram de stand-up paddle, e em dias não tão grandes quanto os dias em que nós remamos”, revela o baiano.

No ano passado, Danilo tomou uma vaca cabulosa em Jaws depois de despencar numa bomba que provavelmente iria para a final do XXL 2010, na categoria de maior onda na remada. Levou uma seqüência de ondas na cabeça e foi varrido para as pedras. Aquilo serviu de lição para que Danilo mudasse seus treinamentos e também o quiver.

Uma conversa com o parceiro de tow-in Rodrigo Resende deixou claro o plano de Danilo para 2011. “Este ano eu quero remar, não interessa o lugar. Minha meta é vencer o XXL com uma onda surfada no braço”, anunciou o baiano. Com o novo objetivo, ele teria menos encontros com Rodrigo, com quem vem encarando as maiores bombas do planeta desde 1999.

Mas a parceria continua firme e forte. Danilo não pensa de forma alguma em deixar o amigo e ídolo. “Quando conheci Rodrigo, no outside de Waimea, rapidamente fizemos uma grande amizade. Ele foi a pessoa que mais me influenciou até hoje no big surf. Sempre foi muito tranqüilo, natural e um monstro quando o mar está em condições extremas. Talvez ele não tenha sido tão badalado pela mídia mundial, mas quem conhece seu talento e seus títulos sabe o verdadeiro valor que ele tem”, resume Couto.


ECONOMISTA? NÃO, EU SOU SURFISTA!
Nada foi fácil na vida desse guerreiro nascido em Salvador e criado no bairro da Barra. Sua carreira no surf sempre foi cercada de emoções. Conciliando o surf aos estudos, Danilo conseguiu evoluir e chegou a correr alguns campeonatos no Nordeste, mas disputar baterias definitivamente não era o seu forte, apesar de ter sido vice-campeão baiano e Top nordestino na categoria Mirim. “Eu não era esforçado. Não gostava de ficar naquela impregnação em ondas geralmente ruins, marcando adversários, fugindo de marcação...”.

O tempo foi passando e veio a faculdade de economia. Tudo caminhava para que Danilo começasse a deixar o surf de lado, até que uma viagem mudou de vez a sua vida. Em dezembro de 1996, aos 21 anos, Danilo decidiu estudar inglês na Califórnia, mas pediu aos pais para passar um mês no Hawaii antes. A idéia era visitar os amigos Yuri Soledade e Fabio Balboa na ilha de Maui, mas bastou um dia para ele perceber que ali seria o seu lugar nos próximos anos. “Peguei altas ondas e ainda ganhei US$ 40 ajudando a galera a fazer faxina. Perguntei ao Balboa: ‘É assim mesmo? Altas ondas e ainda dá pra fazer um dinheiro? To dentro!’”.

Com uma nova perspectiva sobre sua própria vida, ele parte para a Indonésia, explora muitos picos tubulares e volta ao Brasil para trancar a faculdade e renovar o visto norte-americano. Agora, ele iria com tudo ao Hawaii e seu destino seria o North Shore. No fundo, sua mãe já sabia que os estudos na Califórnia seriam deixados de lado. Seu filho sempre foi fissurado pelo surf e aquela trip tinha tudo para reacender a chama.

Não demorou muito para Danilo descobrir que ainda tinha espaço como surfista profissional. Logo em sua primeira temporada no North Shore, ele dividiu o line-up com vários atletas famosos mundialmente. Quando o mar subia de verdade, muitos deles puxavam o bico e alguns nem apareciam nas praias. Danilo estava sempre lá, dropando as bombas com muita atitude e disposição.


SUPERANDO DIFICULDADES
A primeira empresa a acreditar no atleta foi a Seaway, em 1999. Danilo passou por outras marcas, mas sempre teve de conciliar o surf ao trabalho para bancar as despesas em casa. Trabalhou como pedreiro, jardineiro, faxineiro, carpinteiro e muitas outras profissões que exigiram bastante esforço físico.

O big rider passou anos arriscando o pescoço em picos como Pipeline, Teahupoo, Jaws, Mavericks, Todos os Santos, Punta Lobos, Oregon, Waimea e outros lugares insanos. Enfrentou um momento muito difícil em 2008, quando um patrocinador anunciou o fim do contrato, alegando enfrentar uma crise financeira. “Sei que você me deu muito retorno de mídia, mas não temos como continuar. Inclusive não tenho como pagar o bônus que combinamos, pois seu retorno de mídia extrapolou o limite”, falou o empresário.

Era uma notícia bombástica para quem acabara de chegar ao Brasil motivado a renovar o contrato e com grandes planos. Desanimado, Danilo embarcou para Salvador e foi encarar mais uma pedreira. As fazendas da sua mãe no interior da Bahia estavam abandonadas e precisavam de alguém pra botar ordem na casa.

Como fez com seu braço forte em Jaws, o baiano tomou a frente, dominou a situação e passou meses no mato, lidando com trabalhadores rurais. Foi necessário muito jogo de cintura para administrar as fazendas de cacau e gado, mas Danilo nasceu para ser líder e nunca amarelou. Demitiu funcionários preguiçosos, espantou membros do Movimento Sem-Terra, dominou toda a área e deixou tudo em perfeita harmonia.

Mesmo afastado do oceano, ele retornou com muita vontade e conquistou, ao lado de seu parceiro Rodrigo Resente, o vice-campeonato no Mundial de Tow-In em Punta Lobos, no Chile. Aquele resultado deu um novo gás ao big rider e ele seguiu em busca do sonho de poder sustentar sua família através do surf.


LUZ NO FIM DO TUBO
Aos trancos e barrancos, driblou a angustiante falta de patrocínio com belíssimas performances nas ondas mais pesadas do mundo e esteve sempre na briga pelo prêmio XXL. Até que o jornalista Adrian Kojin assumiu a direção de marketing da O’Neill no Brasil e deu a Danilo o que lhe era de direito: uma oportunidade numa grande empresa de surfwear.

O time já contava com Raoni Monteiro e Franklin Serpa, ganhou um reforço de peso com a chegada do baiano casca-grossa. Hora de retribuir o apoio. Afinal, a melhor chance da sua vida não poderia ser desperdiçada. Danilo aumentou a dose de treinamentos e passou a trabalhar ainda mais duro em busca do XXL.

Suas performances em Jaws foram conquistando cada vez mais o respeito da mídia internacional e dos melhores big riders do planeta. Com a repercussão dos seus drops insanos, nomes como Shane Dorian e Greg Long passaram a enviar e-mails e mensagens para o seu celular. Queriam ficar na cola de Danilo no próximo swell.

Quando veio a última mega ondulação da temporada, no dia 15 de março, o baiano não titubeou e mandou o recado para Shane: “It’s on, dog!”. Empolgado como uma criança no parque, o havaiano voou para Maui e pegou uma morra grotesca. Venceu o XXL nas categorias Moster Paddle ─ sendo considerada a maior onda surfada na remada da história, com 57 pés ─ e Moster Tube.


O ADEUS DE SION
Depois de dividir o line-up com Dorian e ter sua prancha mágica 10’6” detonada nas pedras, Danilo pegou outra gunzeira e partiu para Mavericks, Califórnia, onde o swell chegaria com tudo no dia seguinte. Ele foi o único do seleto grupo casca-grossa a enfrentar as bombas nos dois picos.

Mav’s ficou marcada para sempre na memória de Couto. O havaiano Sion Milosky estava em dia de graça e reinava absoluto no outside, com uma atuação de gala nas ondas geladas e cabulosas. Seus olhos brilhavam, seu sorriso era imenso e transmitia uma imagem de missão cumprida.

Danilo contemplava sua atuação e conversava com ele sobre suas gunzeiras mágicas. Até que o havaiano viu uma série apontar no horizonte e interrompeu o assunto para remar na bomba. Sion nunca mais voltou...

Foi um choque em toda a comunidade do surf, principalmente nos big riders que encaram as ondas mais insanas no braço. Danilo conhecia Milosky havia pouco tempo, mas tinha uma profunda admiração por ele. Mais tarde, por intermédio de um amigo em comum, descobriu que a recíproca era verdadeira: Sion também se identificava bastante com a postura de Danilo.

Na cerimônia em homenagem ao havaiano, na ilha do Kauai, onde ficam os locais mais sinistros do arquipélago, Couto estava entre os amigos e parentes de Sion. Fez questão de pegar o microfone e contar a todos o momento mágico em que ele se foi. Suas palavras deram um clima especial à cerimônia e Danilo foi aplaudido.


A CONSAGRAÇÃO
E foi assim, novamente homenageando Sion, que o baiano levou o público ao delírio na tão esperada premiação do XXL em Los Angeles, Califórnia. Depois de muito nervosismo no The Grove Theater, a platéia veio abaixo ao ouvir o nome de Danilo ser anunciado como vencedor.

As lágrimas, aplausos e gritos tomam conta do espetáculo. Todos queriam ver o brasileiro levantar o cheque de US$ 50 mil. Nomes como Shane Dorian, Garrett McNamara e Greg Long já haviam manifestado publicamente uma torcida por Danilo. Ninguém tinha dúvidas de que aquela era a onda da temporada.

Emocionado, ele inicia seu discurso. Agradece aos amigos, parentes, patrocinadores e fãs. A cada frase finalizada, os gritos balançavam o teatro. É hora de fechar com chave de ouro. Com lindas palavras, ele dedica o prêmio a Sion Milosky e anuncia que parte do cheque terá como destino o fundo de doações criado para a família do havaiano. Generoso, ele também ofereceu 10% do prêmio ao shaper Jorge Vicente, fabricante das suas gunzeiras.

Com essa energia contagiante, o baiano conquistou o mundo e levou o Brasil ao topo do pódio do Billabong XXL pela primeira vez na categoria Ride of the Year. Danilo é um monstro, um gladiador feroz, mas, acima de tudo, é um ser humano com um coração fenomenal.

TUBARÕES: PROIBIR OU ALERTAR?


Pernambuco é a cidade com a maior média de incidentes envolvendo tubarões no Brasil — segundo o International Shark Attack File (ISAF), da Universidade da Flórida, entre 1931 e 2010 foram registrados 45 ataques em Pernambuco, 14 deles fatais. Na praia de Boa Viagem, que está na faixa de proibição do surf, ocorreram 7 mortes até hoje — a última em 2006.

A polêmica esquentou em fevereiro, depois que o CEMIT (Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões) cogitou estender a proibição da prática de surf até a praia de Itapuama. O problema é que até hoje não há ocorrências de ataques naquela praia, por isso os surfistas locais discordam da proibição. “A área da praia de Itapuama nunca teve ataque de tubarão. Mesmo no auge dos ataques em Pernambuco, as pessoas surfavam lá sem medo”, diz Clemente Coutinho, fotógrafo e surfista local.

O biólogo marinho Marcelo Spilzman, autor do livro Seres Marinhos Perigosos, acredita que proibir a prática do surf é a mesma coisa que proibir os banhistas de entrarem na água. “As pessoas devem ser alertadas, não impedidas. Proibir os surfistas pode acarretar em algo pior, como a prática do esporte em uma área sem salva-vidas”, diz Marcelo. Os números do ISAF mostram que a média mundial de ataques de tubarão é de 63,5 por ano e 51% das vítimas são surfistas.

Para Fabio Hazin, presidente do CEMIT e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, “o grau de risco a que o surfista está exposto é bem maior do que os banhistas”. Mas o pensamento do CEMIT vai além: “Proibir o surf protege os próprios surfistas, sem contar que os ataques têm conseqüências sócio-econômicas com impacto direto na atividade turística”, diz Fabio.

A proibição neste trecho do litoral pernambucano é uma prática que não acontece em outras praias do mundo que enfrentam o mesmo problema. Em Eastern Cape, onde ficam as alucinantes direitas de Jeffrey’s Bay, na África do Sul, a política é menos taxativa e o número de mortes é menor, mesmo com uma incidência maior de ataques. A praia exibe uma placa alertando a presença de tubarões (brancos, no caso) e quem quiser surfar pode ir por sua conta e risco. Nesta região da África do Sul já foram registrados 90 ataques desde 1992, 9 deles fatais.

Sobre a situação brasileira, Marcelo Spilzman explica que os ataques em Pernambuco começaram principalmente por causa da construção do Porto de Suape, que obstruiu bocas de rio onde os tubarões cabeça chata se reproduziam. Com isso eles passaram a se reproduzir na região da grande Recife, dividindo, literalmente, as mesmas ondas que os surfistas. “A proibição existe, mas as placas são de advertência e não de proibição. Se o cara vai surfar, ele é orientado pelo corpo de bombeiros. Se resistir, é preso pela polícia”, conta Clemente Coutinho.

Em um caso como o de Boa Viagem, é cabível compreender a proibição — até pela fraca assistência médica prestada nas praias. Mas a preocupação do momento é a extensão da proibição para praias onde sequer existem registros de ataques, o que impediria a pratica do surf em picos como Itapuama, um dos palcos do Circuito Pernambucano deste ano.

Até a publicação deste texto, o CEMIT garantiu que o surf não está proibido na área que vai até a praia de Itapuama, mas que um comitê especializado irá analisar esta possibilidade no próximo semestre.

Rip Curl Pro Bells Beach 2011


JOEL PARKINSON VENCEU E ATÉ MICK FANNING, SEU ADVE
RSÁRIO FINAL, COMEMOROU. OS DOIS FIZERAM A FESTA DOS AUSTRALIANOS NA PÁSCOA DURANTE O MAIS TRADICIONAL CAMPEONATO DE SURF DO MUNDO, O RIP CURL PRO BELL’S, EM BELL’S BEACH. O EVENTO MOSTROU QUE KELLY SLATER TEM ADVERSÁRIOS, COMO ADRIANO DE SOUZA. ISSO É MUITO INTERESSANTE PARA O SURF.


Sim, Parko venceu pela terceira vez em Bell’s. Focado. Entrava e saía do mar com a cara fechada, mesmo sem perder nenhuma bateria. Transmutou aquele famoso, às vezes mal compreendido, “estilo relax” em algo que sempre esperei aflorar num Joel pretendente a título. Foi agressivo, do começo ao fim do evento e em cada onda. Estava grunhindo quando Mineiro o ameaçou na semi. Confiante como nunca, bastava ver suas manobras. Bom trabalho de Luke ”25%” Egan, seu experiente técnico. A porcentagem no nome assinala quanto Egan leva do que Parko ganha ou perde. Cabe observação. Luke foi um dos poucos sujeitos a entender o “modus operandi” de Slater e, há muito tempo, aplicou no careca uma das derrotas só comparáveis à que rolou para Mineirinho nas quartas este ano em Bell’s. voltando. Quando Parkinson remou para tomar a primeira onda da bateria contra Fanning, o desfecho da final estava escrito. Dominou as séries com inteligência. Para corroborar com talento, treinos e configuração mental havia as direitas de Bell’s. O surf de Parko se encaixa ali de forma surpreendente. Trabalho com as bordas cravadas na água durante longas linhas. Talento ele sempre teve. Dessa vez não tremeu e mereceu. Até o 10 da última onda. Ponto final.


GOOFYS NAS QUARTAS
Mick Fanning, amigo de infância de Parko, vinha impressionando mais. Trajetória irretocável. Vide pontuação. Quatro ondas acima de 9 no evento. Esse fato dá ainda mais brilho à bateria de Jadson × Fanning nas quartas. Se Jadson acerta a arriscada manobra final daquela onda do floater absurdo, seu 8.30 seria algo acima de 9 e a conversa mudaria, mesmo com Mick acertando sua melhor manobra do evento (9.53) nessa dispita. Quando Jadson pegou uma das belas bombas da bateria, mesmo tendo dificuldade em acertar o “timing”, olhando a cena, Mick tremeu. Estava rezando para a bateria acabar. Jadson estava feliz com seu desempenho, com razão, mesmo perdendo. Aliás, ele e Owen foram os únicos goofys nas quartas. Parece fácil, mas não é. Surfar bem de costas para as direitas de Bell’s é coisa para Occy, Barton Lynch e fenômenos do tipo


HELL’S BELL’S
Mais uma onda na média esperada e Jordy teria protagonizado a bateria do evento contra Mick na semi. Porém, Bell’s pode ser infernal. Apesar de fazer 9.53 numa única manobra na junção, sua outra nota era 3.33, justamente quando Fanning marcou sua melhor marca no evento (9.70) para somar com 9.17, surfando em velocidades muito além dos outros. Mas Jordy havia vencido Chris Davidson nas quartas e torci contra só por isso. O carismático Davo errou uma finalização e acabou com sua bela participação. Estava mais explosivo e afiado, mesmo sem patrocínio. Porque será que ninguém patrocina esse cara? Jordy não encontrou seu ritmo em Bell’s, apesar de seu porte e surf condizentes com aquelas ondas. Por falar nisso, que ondas. Bell’s pôde comemorar seus 50 anos sediando eventos de surf lá mesmo, sem ter que correr para outros picos, como no ano passado. A única mudança em incríveis seis dias seguidos de ondas boas, para homens e mulheres, foram as desejáveis direitas da vizinha Winkipop só para eles.


MINEIRO CONSTRÓI SUA HISTÓRIA
As ondas estavam boas, overhead, clean e abrindo. Fico feliz em constatar que Mineiro, assim como Jadson, não são coadjuvantes. Estão entre os Tops por mérito. Pena Adriano ter sucumbido à sua própria cobrança por uma performance tão boa quanto contra Kelly na semi com Parko. Se bem que sua derrota se deu mais por conta das condições do mar do que pelo surf em si. Parko pegou a única onda com potencial real e mandou muito bem. Marcou 9 pontos. Depois, tanto ele como Mineiro não encontraram nada mais tão relevante.

Vamos ao ápice do evento, ao menos para a torcida brasileira. Mineiro 18.00 × 11.24 Slater. OK, o careca, fora lampejos de genialidade e algumas manobras que deram errado e ele fez parecer movimento diferenciado, não encontrou seu surf, fosse pela prancha, momento do mar ou sabe-se lá o quê. Não importa. Naquela quarta-de-final ele queria vencer e não pôde. Seu oponente era aquele mesmo cara que o infernizou antes de seu décimo título em Porto Rico. Talvez o único com capacidade de tirar Slater da trilha mental pela qual chega às suas vitórias. Põe daqui, tira dali, foi mais ou menos o que o próprio Slater declarou, depois de ter xingado muito, descontando sua ira na prancha e remoído a derrota para Adriano de Souza. Poucas vezes na história desses 20 anos no Tour e dez títulos mundiais, se é que houve alguma, Kelly foi para casa de Kombi. Aquela espinha na garganta desentalou, com direito a 9.33 para descer melhor. Mineiro está construindo sua história ainda na “Era Slater”. Participou da vitória do décimo título, aplicou-se uma Kombi. Logo mais ninguém terá possibilidade de algo assim no currículo. Tornar-se ídolo enquanto o “Deus do Surf” ainda está competindo pode fazer toda a diferença para a imagem do surf nos próximos anos.


RAONI, HEITOR, ALEJO E MEDINA
Gabriel Medina participou como convidado, pela segunda vez, mas acho que ainda não é hora dele encarar essa turma. Apesar de não conhecer a onda, Alejo Muniz foi muito bem, direto para o terceiro round. Perdeu para Jadson. A nona colocação no ranking garante um fôlego extra nas próximas etapas. Não é o caso de Heitor Alves (19°) e Raoni Monteiro (33°). No Rio de Janeiro, próxima parada do Tour, de 11 a 22 de maio, eles precisam dar um gás para ficar entre os Top 32 da ASP. Na etapa do Tahiti acontece a primeira rotação do ano no ranking.

Fácil de chegar, difícil de pegar


SEGUINDO PARA O SUL DE FLORIANÓPOLIS ENCONTRAMOS UM DOS MELHORES BEACH BREAKS DE SANTA CATARINA. COM FÁCIL ACESSO PARA A PRAIA E UM CLIMA PARADISÍACO, ESSE “SECRET” TEM SOFRIDO AS CONSEQÜÊNCIAS DO CRESCIMENTO DESORDENADO E DA SUPER LOTAÇÃO DE SURFISTAS NO OUTSIDE.



Com esquerdas e direitas, esse “pequeno-gigante” pedaço de praia proporciona um surf de altíssima qualidade quando entram fortes ondulações de sul. Para quem está curtindo na praia, o surf torna-se um espetáculo à parte, com alto nível profissional e ondas cinematográficas, deixando qualquer pessoa presa aos mágicos momentos de surf.


NO BOM CAMINHO
Com a explosão populacional na Ilha, o lado sul vem sofrendo forte impacto com diversas construções irregulares, alterando também a qualidade das ondas. Ainda bem que, de uns tempos pra cá, a galera local se uniu para proteger o pico com todas as forças. A idéia é preservar as direitas e conservar essa praia como um santuário, mantendo a cultura nativa e o respeito com os locais.

Para chegar no “santuário” é importante descobrir a lagoa escondida. Não é a da Conceição, essa é menor e você precisa atravessá-la para chegar ao pico certo. O acesso é fácil, porém de difícil localização. Mas, com uma dose de sorte e vibe positiva, o cara encontra. Depois é uma questão de saber como se posicionar lá dentro e se comportar para ter um dia feliz.

Sabendo chegar, sempre com respeito, qualquer um com certa habilidade pode desfrutar da onda e pegar tubos maravilhosos.


DICA: Fique esperto no drop. A onda é rápida, pesada e tubular. É importante ter cuidado na água com o localismo e procurar não atrapalhar ninguém.


QUANDO E COMO
A Ilha da Magia possui diversas ondas que podem proporcionar momentos de surf irados, claro que nem todas são tão perfeitas e tubulares como o pico em questão. Aliás, isso também é uma boa dica. Fique de olho e observe com paciência ao redor da onda principal. Muitas vezes é possível descobrir diversos bancos alternativos com ondas para fazer feliz qualquer surfista.

A melhor época de surf na Ilha é durante o outono. Nessa estação do ano o vento costuma soprar da terra pro mar, tornando ainda mais perfeitas as fortes ondulações de sul, mas o verão também proporciona bons momentos. Especialmente depois de uma noite de chuva que amanhece com aquele ventinho oeste. O ideal é surfar cedo, depois desse horário sempre rola vento forte e nem sempre é terral. No verão os finais de tarde têm mais chances de acontecer “lisinhos”.

Não vale a pena deixar sua prancha reserva no carro, mas é legal levar mais de uma nessa “missão”. Até porque, mesmo quando não está grande, existe uma correnteza forte e uma prancha maior ou com mais flutuação pode ajudar seu desempenho.

O lugar conta com uma infra-estrutura legal e você não precisa levar nem água nem lanchinho.

A praia também é legal nos dias de flat, já que é freqüentada por uma galera bonita e tem espaço bacana para um frescobol, futevôlei e outras atividades pra quem está fugindo dos lugares mais “modinha” da Ilha.

14 perguntas para... Brian Keaulana


“ANTES DE ANDAR EU JÁ NADAVA”, DIZ ELE SOBRE SUA VOCAÇÃO NATURAL PARA LIDAR COM O MAR E SITUAÇÕES DE PERIGO. AOS 49 ANOS, BRIAN NASCEU E CRESCEU NA FAMOSA PRAIA DE MAKAHA, LADO OESTE DA ILHA DE OAHU, BERÇO DO SURF NO HAWAII. “NAQUELA ÉPOCA NINGUÉM NEM PENSAVA EM SURFAR NO NORTH SHORE, QUE ERA CONSIDERADO UM LUGAR PERIGOSO E FORA DE CONTROLE. FOI EM MAKAHA QUE O SURF DE ONDAS GRANDES E AS COMPETIÇÕES COMEÇARAM DE FATO”, AFIRMA KEAULANA. ELE ESTEVE PELA PRIMEIRA VEZ NO BRASIL EM SETEMBRO DO ANO PASSADO, ONDE PARTICIPOU DO II EARTHWAVE FESTIVAL DE SURF ECOVIAS, EM SAN
TOS, NO LITORAL PAULISTA: “JÁ RODEI QUASE O MUNDO INTEIRO E DE LONGE ESSA FOI A MINHA MELHOR VIAGEM”. DE SUA CASA EM MAKAHA, BRIAN CONCEDEU A SEGUINTE ENTREVISTA POR E-MAIL PARA O BLOG.


01. COMO FOI SUA INFÂNCIA EM MAKAHA, SENDO FILHO DO LENDÁRIO BUFFALO KEAULANA?
Ele é uma pessoa muito especial. Não foi fácil para mim, nem para meus irmãos, viver à sombra do nosso pai e tentar seguir os passos dele. Mas crescer aqui foi muito bom. O engraçado é que como eu nunca havia saído de Makaha, achava que o restante do mundo era assim também. Cresci ao lado de caras como Greg Noll, que até hoje eu chamo de “tio Greg”, Buzzy Trent, George Downing. Eram os amigos do meu pai. Makaha era o quintal da minha casa, o visual da janela era incrível. Meu pai era um dos “beach boys” em Waikiki e trabalhava levando os turistas para andar de canoa, dava aulas de surf e tocava músicas em um life style incrível. Depois ele conseguiu um trabalho na prefeitura para cuidar da praia de Makaha. Na época não havia salva-vidas e quando alguém se afogava ele ia salvar, além de retirar todo o lixo da praia. Ele fez tantos resgates que o governador o colocou como salva-vidas da área toda. Com isso, ele pôde cuidar bem de nós, nunca deixou faltar nada em casa e sempre teve muitos amigos em volta. Fora isso, ele nos ensinou tudo sobre o oceano. Ele me jogava na correnteza e explicava como sair dela. Ensinou tudo sobre ondas, fundos de coral, mergulho, pesca. Nossos brinquedos eram barcos à vela, canoas, pranchas de surf, bodyboard.

02. ELE SURFAVA ONDAS GRANDES TAMBÉM?
Claro que sim, ele surfava em Makaha ondas tão grandes quanto em Waimea. Na real, quando Waimea está fechando, Makaha é o único lugar surfável na costa. Eu já surfei aqui na remada ondas de 60 pés que eu nunca vi em Waimea. Quando você pega uma onda em Waimea, surfa-a do raso para o fundo. Tem aquele dropão, vem a parede e depois a onda morre, pois fica fundo no meio da baía. Aqui em Makaha é diferente, você surfa do fundo para o raso e a onda fica cada vez mais intensa. Se você pega uma onda de 20 pés no outside, ela cresce para 25 a 30 pés e quando ela chega ao “bowl”, ela vem de um jeito querendo engolir você, é muito perigoso surfar aqui nos dias grandes. Quando a onda o pega ela o segura lá embaixo por muito mais tempo que em outros lugares.

03. INCLUSIVE TEVE AQUELA MÍTICA ONDA DO GREG NOLL, CONSIDERADA A MAIOR JÁ SURFADA NA REMADA EM MAKAHA.
Pois é, infelizmente ninguém registrou aquela onda. Eu era garotinho na época e me lembro que foi num dia muito grande mesmo. Somos muito amigos do Greg e até hoje meu pai sacaneia ele direto, dizendo que a cada ano que passa essa onda fica maior e maior (risos).

Eu diria que ela tinha pelo menos uns 30 pés havaianos, mas hoje em dia tem gente que falaria que tinha 50 a 60 pés. Eu me lembro que no dia a água estava varrendo a rua, o shore break estava enorme e as ondas fechavam a baía. Isso é muito raro. Quando as ondas vão até a rua e o canal de Makaha está fechando, pode acreditar que está gigantesco. Até hoje eu só vi esse canal fechar três vezes na minha vida, essa foi uma delas.

04. MAKAHA TEM FAMA DE SER UM LUGAR BARRA-PESADA, COM REGRAS PRÓPRIAS DE CONDUTA. COMO FUNCIONA ISSO?
Esse lado da ilha sempre teve essa reputação. Quando acontece alguma coisa, as pessoas não costumam chamar a polícia, preferem resolver por elas mesmas. É um povo meio agressivo e com bastante atitude, mas se você chegar aqui com respeito e humildade, será tratado de acordo. A real é que hoje em dia não vale a pena brigar, você não sabe quem pode estar armado. E com essa onda de vale-tudo no mundo inteiro, todo mundo sabe brigar.

05. VOLTA E MEIA SE OUVE FALAR DE BIG RIDERS EM BUSCA DA ONDA DE 100 PÉS. VOCÊ ACREDITA QUE ELAS EXISTEM?
Eu já vi ondas de 100 pés. Existem inclusive algumas fotos de ondas em Kaena Point estimadas em 100 pés. Antigamente tinha um farol lá com 60 pés de altura, que foi varrido por uma onda dessas. Nas fotos, você vê o farol e as ondas gigantes atrás. Mas para surfar essas ondas é preciso saber respeitar o oceano. As condições devem ser favoráveis, com boa formação e sem muita correnteza. Existem as horas certas, você tem que saber identificar essas situações. Eu acho possível se tiver o equipamento certo e a mente e o corpo preparados.

06. VOCÊ AINDA TRABALHA COMO SALVA-VIDAS?
Na verdade hoje estou apenas treinando os salva-vidas, principalmente os novatos. Inclusive, foi esse um dos motivos da minha ida ao Brasil. Fui convidado para dar um curso em Recife por intermédio do Lapo (Coutinho, juiz baiano que vive há anos no Hawaii), um grande amigo que morava em Makaha, verdadeiro “beach boy” (risos). Minha agenda é realmente cheia e atendi ao pedido dele primeiramente como amigo, mas depois pesquisei e descobri que Recife é considerado o lugar com mais ataques de tubarões do mundo. Percebi que era uma situação extrema e que iria valer a pena. Fui com o Halph Goto, chefe do Water Safety Division de Honolulu, e Victor Marçal, um excepcional waterman. Participaram do curso todos os salva-vidas que lidam com os ataques de tubarões, o corpo de bombeiros e alguns surfistas locais. Nós os ensinamos a trabalhar em equipe e a lidar com situações específicas. Foi uma semana intensa e acho que eles aprenderam muitas coisas.

07. QUAL A SITUAÇÃO MAIS COMPLICADA NUM SALVAMENTO E QUAL FOI O RESGATE MAIS DIFÍCIL QUE VOCÊ JÁ FEZ?
A pior coisa é você não estar preparado ou não ter treinado para um determinado tipo de situação. Por isso, planejamento e treino são fundamentais. Tem um resgate que até hoje não sai da minha cabeça. Foi em Makaha, antes da introdução dos jet-skis. Estava quase de noite e vi um cara gritando na água, o mar estava bem grande e mexido. Eu e a Rell Sun (falecida surfista havaiana) pulamos na água para salvá-lo, mas a correnteza era muito forte e o havia pegado. Eu estava a cerca de 20 metros e ele gritava desesperado para mim, mas não consegui chegar perto o suficiente para resgatá-lo. Depois de uma série grande, ele desapareceu e nunca mais o vimos. Até hoje eu ainda ouço a voz dele gritando e ainda me lembro do olhar dele. Essa é a pior parte dessa profissão, pois ninguém o treina para lidar com esse tipo de coisa. É preciso ter uma mente muito forte para ser salva-vidas, é muito difícil quando você perde alguém. Em compensação, salvar uma pessoa é uma recompensa grande. Lembro de um resgate que fiz em Yokohamas, quando um cara foi varrido por uma onda grande e ficou preso numa caverna por duas horas e meia. Alguém filmou esse resgate e depois pudemos usar o vídeo para educar outras pessoas sobre o que se deve fazer em situações parecidas.

08. COMO VOCÊ ANALISA A EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS DE RESGATE?
Nosso sistema de comunicação evoluiu muito, os rádios que temos hoje são muito bons. Também destaco o esquema de sempre trabalhar em equipe. É como um time de futebol, cada um tem a sua área para jogar, não adianta todo mundo correndo atrás da bola ao mesmo tempo. Claro que o jet-ski ajuda muito, mas você tem que sempre lembrar que é uma máquina e que o piloto precisa ter muita experiência no mar. Temos investido tanto nisso que a técnica de resgate com o trabalho em equipe fez com que tudo ficasse mais funcional.

09. E COMO É SEU TRABALHO EM HOLLYWOOD, COMO DUBLÊ?
Meu principal trabalho hoje é na indústria de filmes. Sou dublê e também diretor das cenas de ação. Geralmente existem os diretores principais e eu atuo numa segunda unidade, coordenando essas tomadas. Faço parte de um grupo chamado Stunts Unlimited, de apenas 50 profissionais, talvez os melhores do mundo, e sou o único havaiano. Nós fazemos de tudo, desde aquelas perseguições com carros, brigas, quedas de prédios, cenas na água, no fogo. Já fiz muitos filmes, “Water World”, “Run Down”, “Blue Crush”. Gosto muito desse trabalho, que é minha principal fonte de renda atualmente. Mas também tenho outros negócios. Sou sócio do Terry Ahui no Hawaiian Water Patrol, empresa que faz a segurança de todos os campeonatos de surf no Hawaii. Também tenho uma parte na C4 Waterman, uma fabricante de pranchas e remos de Stand Up, além de algumas outras coisas menores.

10. O QUE VOCÊ ACHA DESSA FEBRE MUNDIAL COM O STAND UP?
O grande lance é que tem muita gente praticando pela malhação. Uma hora de remada no SUP equivale a sete horas de remada no surf. Você malha mais e também trabalha o equilíbrio. Se eu fosse treinador, iria obrigar meus atletas a praticarem SUP. Outro fator que ajuda o crescimento é o fato de poder ser praticado também onde não tem onda. Estamos tentando fazer a nossa parte educando essas pessoas que não têm noção de surf, de reef, de correnteza. Também fazemos algumas clínicas ensinando técnicas de segurança, etc. Fiquei muito impressionado com o nível do SUP no Brasil, estão no mesmo nível dos havaianos. Vi o Haroldo (Ambrósio), o filho do Picuruta (Leco) e aquele outro rapaz, o Carlos (Bahia), estavam todos surfando muito bem. Quando eu cheguei ao campeonato em Santos, prometi que o campeão seria convidado para nosso evento de ondas grandes em Makaha. E o Picuruta acabou vencendo, o que achei ótimo. Ele é muito amigo do meu irmão, aliás, eles se parecem muito, principalmente pelo gosto por piadas e brincadeiras, então será legal receber o Picuruta aqui.

11. COMO FOI SUA EXPERIÊNCIA NO BRASIL?
Foi minha primeira vez no Brasil e foi totalmente diferente do que eu esperava. Estou acostumado a ouvir tanta coisa ruim sobre brasileiros no North Shore, que pra falar a verdade estava meio cabreiro, apesar de nunca ter tido nenhum problema com brasileiros, pelo contrário. Os poucos que conheço são bons amigos. Quando cheguei lá todas as pessoas que conheci me trataram excepcionalmente bem, exatamente com o mesmo “aloha feeling” que a minha família aqui no Hawaii. Eu me diverti muito no Brasil, você não faz idéia. Um dia, no Rio de Janeiro, fomos a um show de samba que foi alucinante. Ouvir aquela batida forte, aquela percussão é contagiante demais. Já fui para o Japão, Tahiti, Nova Zelândia, já rodei quase o mundo inteiro e de longe essa foi a minha melhor viagem.

12. VOCÊ PARTICIPOU DO RECORDE DE SURFISTAS NUMA MESMA ONDA BATIDO EM SANTOS?
Isso também foi alucinante. O Rico (de Souza) e o Picuruta tiveram muito trabalho para coordenar todo mundo com bandeiras, etc. No início foi meio difícil, mas depois acabou dando certo, fiquei amarradão em ter sido um dos 88 surfistas naquela onda. Foi bem divertido. Pretendo voltar no ano que vem para divulgar e ensinar um pouco da cultura havaiana no Brasil. Queremos ensinar o pessoal a surfar de tanden, canoas havaianas, Stand Up, Surfing e também tentar arrumar patrocínios ou empresas que possam doar equipamentos para os salva-vidas em Recife. Outro plano é tentar bater o recorde de maior número de surfistas em uma onda em Waikiki, na próxima Duke Fest, e criar uma competição saudável entre o Brasil e o Hawaii. Sei que não será fácil, pois em Santos havia 300 caras na água e apenas 88 conseguiram surfar a onda. Mas vamos tentar.

13. FALANDO NISSO, O BIG BOARD BUFFALO CLASSIC, DO SEU PAI, É UM DOS FESTIVAIS MAIS DIVERTIDOS DO SURF. COMO SURGIU A IDÉIA?
A idéia surgiu depois que meu pai navegou até o Tahiti no Hokulea, uma réplica das embarcações polinésias antigas. Ele foi apenas seguindo as estrelas e pôde meditar muito sobre a vida. Quando voltou, resolveu fazer esse evento para melhorar a comunidade. Tem música ao vivo na praia, comida, jogos e todo tipo de categoria de surf que se pode imaginar. São 16 categorias diferentes, desde surf de peito a tanden, paipo, canoas nas ondas, longboard, bully board. O evento é sempre alto-astral e isso meio que mudou a cara de toda a Costa Oeste. Já faz 30 anos que o evento acontece todos os anos e todo mundo adora. É como a olimpíada dos waterman (risos).

14. O QUE VOCÊ DIRIA PARA OS BRASILEIROS QUE QUEREM VIR PARA O HAWAII SURFAR?
Entendo bem como é isso, você vem de longe querendo pegar altas ondas, chega aqui faminto, querendo realizar o sonho de surfar no Hawaii. Mas chega aqui e encontra centenas de pessoas querendo a mesma coisa, aí fica difícil para todo mundo. Meu toque é lembrar que existem vários picos no North Shore que quase ninguém surfa e pode ser bem mais prazeroso do que ficar remando e esbarrando no crowd. Engraçado que um tempo atrás eu tive que filmar uma cena em Waimea e tinha uns 40 caras na água. A maioria era brasileira e eu pedi pra galera me aliviar apenas uma onda, em que quatro surfistas iriam descer juntos com umas pranchas antigas. Todos os brasileiros me ajudaram, o único cara que ficou reclamando foi um havaiano. Irônico, não é? Nossa vibe em Makaha sempre foi de ensinar e repassar nossa sabedoria, tudo que eu aprendi com o meu pai eu tento passar adiante. Essa é nossa meta, ficamos orgulhosos com isso e quem sabe podemos até aprender algo novo depois. Essa sempre foi a nossa maneira de ser, de nunca querer ser melhor que os outros, mas fazer os outros serem melhor que nós. É assim que se faz amigos, você ajuda alguém agora e lá na frente ele te ajuda também. Esse é o real espírito “Aloha”.

SINO CINQÜENTÃO


ESTE AO A ETAPA DE BELL'S BEACH, A MAIS TRADICIONAL DA AUSTRÁLIA, COMPLETARÁ 50 ANOS ─ UM EVENTO QUE SE TORNOU LENDÁRIO POR DEFINIR OS RUMOS DO SURF PROFISSIONAL.



O evento que começou como uma celebração do surf australiano na páscoa, hoje é parte da história do surf profissional no mundo inteiro. Quem nunca ouviu falar de Bell’s Beach? A praia que fica no estado de Victoria, na Austrália, acompanhou o nascimento do surf de competição desde 1961. Naquela páscoa aconteceu o primeiro Bell’s Beach Surf Classics, repleto de surfistas cabeludos na água e hippies australianos nas colinas ao redor da areia. Depois o surf começou a ganhar mais respeito e, na década de 1970, se tornou um esporte profissional. O evento deixou de ser uma mera tradição pascoal entre os “aussies” para colocar Bell’s no mapa do mundo do surf.

Este ano a competição completa 50 anos e a Rip Curl não podia deixar a data passar em branco. A patrocinadora do evento, que começou a fabricar suas roupas de borracha em Torquay, próxima ao pico, disponibilizou sua coleção completa de pôsteres e está produzindo um documentário sobre a história da competição.

Os pôsteres são uma viagem no tempo. Podemos lembrar de anos inesquecíveis ─ como a disputa gigantesca de 1981, com ondas de ate 8 pés, quando o australiano Simon Anderson levou o sino para casa; o vice-campeonato de Teco Padaratz, em 2000, contra o havaiano Sunny Garcia; ou ainda a vitória de Silvana Lima na etapa de 2009. Sem contar a lembrança estética do surf das antigas ─ desde o surf monoquilha dos anos 1970, passando pelos johns coloridos da década de 1980 até chegar ao Dream Tour.

Havaianos espertos


Todo mundo sabe que o Hawaii é o berço do surf e que lá rolam ondas grandes e poderosas. Mas nem todo mundo sabe que no arquipélago existem centenas de picos com ondas dos mais variados tipos e tamanhos. É um lugar abençoado pelos deuses do surf e os havaianos sabem aproveitar muito bem a dádiva que lhes foi concedida.

Surfistas do mundo inteiro, entre eles big riders, shortboarders, bodyboarders, longboarders e bodysurfers viajam para as Ilhas durante a temporada, pois sabem que lá encontrarão as condições idéias para o surf que praticam.

Os havaianos não se importam muito com a forma que vão surfar. Na cultura deles existe apenas uma modalidade... O surf! A maioria deles são adeptos de todos os tipos de pranchas, embora alguns sejam reconhecidos por terem mais sucesso como longboarders ou shortboarders, por exemplo. Mas faz parte do aprendizado dos nativos, que têm no surf um aspecto cultural muito forte, aprender a surfar com todos os tipos de prancha.

Em alguns lugares no mundo, principalmente no Brasil, as pessoas difundem um pouco as coisas. Ou seja, se você surfa de bodyboard, então você não é surfista, é bodyboarder. O mesmo acontece com o longboard. Chega a ser engraçado, mas no conceito da maioria da galera, o surf é dividido em: surf (que é o surf de pranchinha), o bodyboard e o longboard. Como assim? Quer dizer então que o longboard também não é surf? Claro que é, mas algumas pessoas só se dão conta quando são questionadas a respeito disso.

Alguns longboarders (leia-se surfistas) havaianos, como Bonga Perkins, Dino Miranda e Tellus Fix, entre tantos outros, são vistos constantemente surfando com diversos modelos de pranchas, inclusive sem elas, de peito. Alguns filmes de longboard mostram a facilidade que eles têm em usar outros modelos, sejam grandes ou muito pequenos, com bicos arredondados ou não e com uma, duas, três ou mais quilhas. Vendo esses filmes, é possível perceber que, para os havaianos, o que realmente importa é estar no oceano se divertindo. Bonga surfa qualquer mar com qualquer prancha. Para ele, surfar com um long, uma pranchinha ou um funboard, depende do seu estado de espírito. O longboard, seu brinquedo preferido, é mais usado para trabalhar, ou seja, para fazer imagens, treinar e competir. Quando quer extrapolar e ficar ainda mais fundo nos tubos, ele usa as pranchinhas convencionais e outras nem tanto. O fun ele usa para fazer um surf descontraído, para se divertir mesmo.

Poucos surfistas de outros países se destacam por surfar com vários tipos de prancha. Entre eles, os americanos Rob Machado e Joel Tudor esbanjam naturalidade ao surfar com os mais variados modelos. No Brasil, já tem uma galera que se deu conta que essas variações de pranchas são importantes para o bem do esporte e para o seu próprio surf, pois fazem com que o surfista passe a ver a onda por outros ângulos, permitindo uma leitura diferenciada da onda e conseqüentemente aumentando seu leque de abordagem nas manobras.

Entre os que mais são vistos variando os modelos de pranchas estão os longboarders guarujaenses Pardal e Roni Hipólito, pai e filho que têm contato direto com amigos e fabricantes de pranchas em Maui, que mandam seus protótipos para o Brasil a fim de que eles experimentem. Jimmy Lewis, shaper havaiano é um dos mais criativos fabricantes de lá. Ele faz tudo o que se pode imaginar para deslizar nas ondas. Aliás, Maui talvez seja o lugar onde os locais mais variam a forma de surfar e é lá que Laird Hamilton curte seus brinquedos. Uma das maneiras preferidas de pegar onda é com a Stand Up Board. As pranchas evoluíram bastante, com detalhes mais refinados de 9 a 12 pés para surfar ondas grandes. Há um tempo atrás rolou um campeonato de Stand Up em Makaha, organizado pelo local Mel Puù. Vários nomes de peso do surf havaianos prestigiaram o evento, entre eles Brian Keaulana, Titus Kinimaka, Dave Kalama e Bonga Perkins, que foi o campeão. É uma forma de surfar bastante divertida e já vem conquistando vários adeptos por aqui, entre eles o artista plástico Hilton Alves, que é visto surfando de todas as formas possíveis no Guarujá.

Enfim, longboard, fun, shortboard, surf de peito, stand up board, foil board ou bodyboard, seja lá qual for à forma que você prefere deslizar na onda, respeite quem surfa com uma prancha diferente da sua e procure experimentar outras também. Tudo é surf! Afinal, após uma boa session, a satisfação encontrada no sorriso de um shortboarder será a mesma vista no sorriso de um longboarder, ou de um bodyboarder e assim por diante. O que vale é estar lá! E os havaianos levam isso muito a sério... caras espertos!

DESCRUZANDO OS BRAÇOS

Tamanho da fonteNuma bela tarde de março deste ano, eu estava desfrutando de uma sessão de surf em Lefthanders, West Australia. Tudo estava tão perfeito, as ondas, o visual, o clima, que até tirei um sarro com um colega: “Pô, chama o prefeito que eu quero fazer uma reclamação. Diz pra ele que a água está muito clara e eu não estou achando o ponto certo da manobra! Pede pra ele dar uma escurecida nisso aí! Hahahahaha!”.

Brincadeiras à parte, na Austrália a escassez de água potável faz você se tocar que os tempos realmente mudaram, e que as conseqüências das alterações climáticas tendem a atingir todos nós.

Em meio a tantos pensamentos cheguei à conclusão de que não podemos mais fingir que não somos parte do problema. Não podemos ignorar os desastres ambientais que estão por mudar o mundo em que vivemos e surfamos.

Nossa existência como surfista está causando impacto também. Onde quer que formos para surfar, seja de carro, avião ou barco, deixamos pelo caminho um rastro de emissões poluentes e gasto de energia.

Quanto mais viajamos para surfar em nossos picos de sonho (coloque o seu favorito, ─ Mentawai/Maldivas/Tahiti), mais rápido eles tendem a desaparecer.

Com o crescimento do crowd, a indústria do surf também começa a produzir suas conseqüências. Podem reparar, cada novo lançamento da indústria do surf é altamente dependente dos derivados do petróleo. Pranchas, parafinas, decks, roupas de borracha e cordinhas estão longe de ser biodegradáveis. E quanto mais gente começa a surfar, mais surf-lixo vai se acumulando.

Sempre achei que surfistas eram ambientalistas natos, uma tribo que zelava pelo seu habitat. Somos os primeiros a sentir o que está acontecendo na água e na areia. Podemos nos considerar os verdadeiros fiscais dos oceanos. Será mesmo? O que estamos realmente fazendo além de reclamar?

Não deixar lixo na praia é básico demais para quem tem sua existência totalmente atrelada ao mar. Mas o que mais há para se fazer, se até o protetor solar que usamos põe em risco as bancadas de coral?

Como podemos contribuir? Bons exemplos não faltam. Como o músico/artista/surfista Ithaka, que transforma pranchas velhas em obras de arte na forma de belas esculturas, o pessoal da Surfrider Foundation que sempre alerta sobre novas agressões às praias mundiais. Mesmo assim, ainda podemos atuar mais. O exemplo deve partir da gente.

Fazer barcas já é um começo, você aumenta a eficiência do seu carro com alguém dentro e despeja menos gases tóxicos na atmosfera. Já existem empresas aéreas com aeronaves com turbinas com emissão reduzida de carbono.

Abrir a cabeça para novos materiais. Até quando a resina, o estireno e o poliuretano vão dar as cartas? Até quando deixarmos de insistir em usá-los. Deveríamos ser os precursores em exigir da indústria produtos que causem pouco ou nenhum impacto ambiental.

Se começarmos a exigir e apoiar produtos e serviços assim, estaremos impulsionando todo um novo segmento. Quem sabe com isso o surf não dá inicio a uma revolução ambiental?

Mande sua opinião para o blog dando sugestões do que nossa tribo pode fazer para amenizar (já nem digo mudar) o quadro que o planeta se encontra.

Pode ser qualquer coisa prática, de fácil aceitação em nosso dia-a-dia. Só não vale ficar de braço cruzado.

DIVISOR DE ÁGUAS ─ COM QUILHAS


O desempenho do baiano Danilo Couto e do havaiano Shane Dorian em Jaws, no Hawaii, inaugurou agora, no finalzinho da temporada havaiana 2010/11, uma nova categoria no esporte dos reis ─ o surf de ondas gigantes na remada. No universo cada vez mais popular do “big surf”, tínhamos o surf de ondas grandes na remada e, chamando um pouco mais de atenção, o tow-in em ondas gigantes. Agora, depois das duas últimas sessões em Jaws, em fevereiro e março deste ano, o surf de ondas gigantes na remada se materializou e deve disputar palmo a palmo a atenção mundial com o tow-in.

É imperativo registrar que o divisor de águas nesse novo e importante capítulo da história do surf moderno foi a onda de Danilo Couto, com todos os ingredientes a que o baiano tinha direito. A prancha parecia ter o tamanho certo e estava no pé, a onda brilhava em tom azul forte com reflexos prateados, um terral moderado deixava a parede lisa e, do início da remada até colocar os pés na prancha, a adrenalina explodiu no seu corpo com uma energia capaz de iluminar uma vila de pescadores à beira-mar durante uma hora.

Vâmo, vâmoo, vââmooo”, deve ter berrado mentalmente na hora de soltar as mãos das bordas e colocar os pés na prancha! Com a gunzeira pegando um ar no fundo e deixando apenas a pontinha da rabeta na água, o grito mental deve ter mudado para “Güenta, güeeentaaa... aahhh!”.

Bem, dali em diante, outra pequena descolada do fundo da prancha na água, o controle recuperado com a linda base que o Danilo sempre mostrou fazendo tow-in de costas pra onda em Jaes, duas rápidas seguradas na borda com a mão de fora e perfeito posicionamento no olho da onda, que ainda rodou harmoniosamente, toda vaidosa, se mostrando para o mundo inteiro ver.

Ninguém me contou, mas eu sei que vários fissurados em ondas grandes e gigantes mundo afora ficaram doidos, com uma penca de pensamentos instantâneos do tipo: “Porra, como é que eu não estava lá?” ou “Eu sempre pensei em surfar Jaws na remada. Eu deveria ter tentado antes” ou ainda “Não acredito nessa onda do Danilo! Vou monitorar a internet e to dentro no próximo swell”.

Esses pensamentos circularam nos dias seguintes ao 8 de fevereiro, dia do encontro das remadas do Danilo com as direitas de Jaws. Quando todos já se contentavam com a perspectiva de encarar Jaws na remada na próxima temporada 2011/12, a mandíbula se abriu mais uma vez no dia 15 de março com uma turma, ainda de madrugada, adrenalizada com a expectativa do desconhecido.

Em muitas situações, o “antes” mete mais medo do que o “agora”. Aquela hora e meia antes de clarear é difícil de controlar. Você se decidiu dias antes vendo a internet. O seu estado de espírito já não é mais o mesmo e os que te conhecem bem já notam a mudança no seu comportamento. Na noite anterior, geralmente rola uma comunhão com a gunzeira escolhida e, mesmo que seja a única, você olha pra ela de um jeito diferente, passa uma parafina mesmo que ela não precise, só para ter um motivo de estabelecer um contato físico. Limpa as bordas, o fundo, e até cochicha alguma coisa. Gunzeiras especiais têm vida, têm alma, e na noite anterior a uma manhã com previsão de mar nervoso, a alma da gun escolhida pulsa, quase dando pra ver. Você não dorme direito e, se pudesse escolher, iria das 10 da noite para as 4 e meia da manhã num piscar de olhos.

De manhã cedo, indo para o encontro, é difícil relaxar.

A minha gun de Waimea vai ser suficiente?” “Será que vai estar grande demais pra remar?” “O vento vai estar muito forte?” “A gun nova um pouco maior, mais larga, mais grossa e com quatro quilhas vai funcionar?” “Uso um colete salva-vidas ou não?” “Uso cordinha?”.

O grupo foi para a água e Shane Dorian se destacou. O cara tem lastro. Anos de performance espetaculares no Hawaii, tow-in em Teahupoo, aquela monstruosidade em Waimea, ao lado de Mark Healey, em dezembro de 2009.

Naquela manhã, Dorian estava mordido. Sonhava em surfar Jaws na remada havia um tempo, provavelmente inspirado pelas histórias do Danilo, Marcio Freire e Yuri Soledade indo para a esquerda, não acreditou quando soube do feito do Danilo nas direitas e ele não estava lá. Com uma gun 10’6” quatro quilhas, ele dropou uma bomba de uns 45 pés com uma técnica rara, mesmo entre os melhores. Primeiro, remou batendo os braços com força na água para compensar o vento forte que soprava contra. Experiência! Depois, assim que levantou na prancha, evitou que o terral forte levantasse o fundo pisando um pouco mais pra frente e, quando começou a descer a absurda ladeira, enfiou a mão de dentro na parede de água e inclinou um pouco o corpo para mudar a trajetória em direção ao canal. Experiência e reflexos rápidos! Chegando na base já foi cavando e jogando pra dentro daquele monstro rodando como se estivesse em cima de uma semigun em Off The Wall. Prancha boa e talento puro!

Morreu lá dentro, mas ganhou o respeito dos que estão vivos. Da temporada de 1973/74, quando o americano Jim Neece chegou ao Hawaii com uma gun 12 pés vomitando que queria surfar Kaena Point, até dois, três anos atrás, mais de 35 anos se passaram com a certeza de que não conseguiríamos remar em ondas com mais de 30 pés.

Fiquei um tempão cristalizado vendo a foto animal tirada pelo Bruno Lemos dessa onda do Shane Dorian e foi impossível não pensar: “Essa é a maior onda surfada na remada já registrada?”.

A’a Holaua e o tsunami


MAIS DO QUE VERDADE E VERACIDADE, LENDAS E MITOS SÃO AS FORÇAS PROPULSORAS DA TRIBO DAS ONDAS.



Há quase 150 anos no final da pré-história do surf de ondas grandes, um tsunami rugiu sobre a costa nordeste do Hawaii, crescendo até uma altura absurda para se lançar contra os morros e desfiladeiros de frente para a praia. Assim como surgiu, repentinamente mudou de direção, levando consigo para o mar tudo o que havia em seu caminho, inclusive um homem chamado A’a Holaua e sua pequena casa de madeira. Tsunamis ocorrem em séries, como as ondas normais do oceano; e, assim que a segunda enorme ondulação surgiu, Holaua arrancou uma placa lateral de sua casa, posicionou-se perto do ponto crítico e botou para baixo, surfando-a até chegar em terra firme.

A revista SURFER diz que o fato aconteceu em 2 de abril de 1862, na Big Island do Hawaii. O historiador Ben Finney afirma que foi em 1868, no Kauai. A verdade é que, no mundo do surf de ondas grandes, questões como onde e quando exatamente aconteceu o tsunâmico encontro de Holaua ─ se é que ele realmente aconteceu ─ não são tão importantes. Mas do que verdade e veracidade, lendas e mitos são as forças propulsoras aqui. Como qualquer outra pessoa, surfistas arregalam os olhos quando ouvem a história de Holaua. Mas eles também a endossam porque é uma bela versão amplificada de suas próprias histórias, ricas em desenvoltura e triunfo em um ambiente que a grande maioria das pessoas vê como assustador, perigoso e hostil.

A onda de Holaua, com seus elementos de espontaneidade e aventura, estilo e desafio, ajuda a explicar por que os big riders ─ e surfistas em geral ─ resistem a ter seu esporte classificado como “esporte”. O surf é muito mais uma questão de emoção do que de jogo, e essa noção transformou os surfistas em elitistas crônicos. “Nós estamos lá fora nos divertindo horrores”, diz um antigo dogma da filosofia do surf, “enquanto todo o resto de vocês está fazendo qualquer outra coisa”. Mas o surf pode ser visto como um estranho pela grande comunidade esportiva por aspectos mais diretos. Para começar, o surf de ondas grandes não tem um campo delimitado, como o gramado de um estádio de futebol. Não há regras escritas. Há poucas estatísticas e poucos recordes e os resultados e números são facilmente dissolvidos quando aplicados ao surf.

O surf de ondas gigantes tem uma relação particularmente estranha com o mundo dos números. Alguns dados são severos e utilitários: as medidas de uma prancha são precisas ao ponto de levar em conta cada terço de uma polegada; variações da maré, velocidade do vento e os intervalos de ondulações são monitorados passo a passo pelos surfistas de ondas grandes. Outros números são ilusórios ou decepcionantes. Um caldo de 20 segundos, por exemplo, não parece exatamente terrível. Mas, para o big rider preso no fundo da máquina de lavar roupas submarina, já sem fôlego e desprovido de sentidos, os intervalos entre um momento e outro ficam cada vez maiores até que o tempo parece abrir-se para o infinito. Normalmente, o pânico instala-se aos 30 segundos submersos, até mesmo em um expert. Aos 50 segundos, a maioria dos surfistas estará inconsciente.

Números e valores têm ainda menos significado quando surfistas avaliam e julgam o tamanho de uma onda. Uma onda de 20 pés, para uma pessoa comum, será avaliada por um big rider como uma onda de 10 ou 12 pés. Uma onda de 30 pés, terá 15 ou 18. Quarenta pés viram 20, ou, no máximo, 25. Cinqüenta continuam sendo 25. A idéia, em geral, é dar uma de bacana jogando o tamanho sempre para baixo — as ondas de 70 pés que são surfadas hoje em dia são normalmente descritas como de 30 ou 35 pés. Não que uma avaliação mais rigorosa e exata faria alguma diferença. Afinal de contas, “ondas não são medidas em pés”, como disse o big rider pioneiro Buzzy Trent, “mas em acréscimo de medo”.