FENÔMENO EM ASCENSÃO



Queria escrever só sobre o Medina. É, o Gabriel Medina. Eu, assim como muitas pessoas, tenho duas vozes predominantes na minha consciência. Uma que fica pensando em idéias diferentes e maneiras de melhorar os procedimentos que já estão em andamento. A outra, antagônica, vive fiscalizando e questionando o tempo todo a primeira. Depois do Mundial Pro Jr. na Austrália, agora em janeiro, a primeira voz disse: "Escreve sobre o Medina! O garoto quebrou tudo em 2009 e arrebentou na Austrália!". A outra rebateu: "Mas ele só tem 16 anos! É muito novo ainda". Aí começou o bate-boca: "E daí? O garoto é um fenômeno!". "É, mas quando você escreveu sobre alguém nesse blog, foi sobre o Fabio Gouveia, o Peterson Rosa, o Teco Padaratz... Ícones com anos de história!". "Meu irmão, se toca: até a mídia internacional, que durante 25 anos praticou aquele esporte anglo-saxão (falar mal de surfista brasileiro), agora tá endeusando essa nova geração e derramando elogios". Lá fui eu procurar textos e matérias na internet pra ver até onde isso era verdade. E me surpreendi.  Elogios e mais elogios para o Gabriel e para alguns dessa nova geração formada pelo Jadson André, Alejo Muniz, Wiggolly Dantas, Miguel Pupo, Jessé Mendes e cia. Escritos por australianos e americanos, li os mais variados comentários com justificativas sobre a força das manobras, a velocidade, a modernidade e... o estilo dos brasileiros! Caiu o último pilar da crítica internacional sobre o jeito brasileiro de surfar. Até pouco tempo, o estilo feio e a incapacidade dos brasileiros de conseguir bons resultados em ondas de linha eram um rótulo difícil de descolar da garrafa. Eu sou do tempo que jornalista australiano escrevia o seguinte título numa matéria sobre o Mundial Amador de 94 realizado no Brasil: "How can a country with strong cocaine habit become a surf national?". Saiu numa revista australiana, acredita? Agora, é isso o que você lê: "Em apenas 10 minutos, ele fechou a porta em cima do Dean Bower tão fortemente que dava para escutar o barulho, com dois aéreos em duas ondas consecutivas que lhe deram um 10 e um 9.57. Ondas surfadas com tanta fluidez e precisão que se qualquer um dos Top 45 estivesse vendo a transmissão teria vislumbrado o seu fim no circuito acontecendo ali mesmo. I'm not kidding. Medina was that good". O texto é de Nick Carroll para o site da revista australiana Surfing Life, durante o Mundial Pro Jr. na Austrália, mês passado. Nick não é um jornalista qualquer e surfa muito bem, não tanto como o irmão, mas é na escrita que ele se equipara em qualidade e credibilidade ao surf do ícone baixinho bicampeão mundial Tom Carroll. Outro comentário dele: "O clichê em cima dos brasileiros é assim ─ têm estilo feio, são conservadores, se esforçam para fluir e nunca pontuam acima de 8. Bem, alguma coisa me diz que todo mundo nos Eua, Austrália e Hawaii que ainda mantém esses preconceitos vai ter que comer o próprio fígado nessa conta. Em tudo o que vimos até agora no Mundial Junior, os garotos do Brasil são os melhores do mundo". Jed Smith, no site da Stab, escreveu: "Medina dropa mais uma, chuta as quilhas pra fora da onda por cima de uma sessão, emenda numa combinação de acelerada e rasgada no lip, outra acelerada e outro aéreo, agora double grab. Dez!". "Nesse momento, ele é um fenômeno", diz para mim o campeão mundial de 88 e agora técnico de surf, Barton Lynch. "E não foi apenas um pulo ginástico no qual ele fez um movimento, e sim uma combinação de tudo. Foi surf de verdade com aéreos". Foi impossível escolher um parágrafo do texto oficial do Quiksilver King of the Groms, considerado o Mundial sub-16, o qual Medina venceu em setembro, aterrorizando o mundo do surf com três notas 10 no dia final, sendo que duas foram na bateria final lhe dando o placar de 20 pontos em cima de 20 possíveis. O texto é longo e só tem elogios rasgados ao garoto que aprendeu a surfar em Maresias, SP. A última frase era assim: "O tempo vai dizer, mas por hoje o jovem brasileiro Gabriel Medina literalmente voou para os livros da história e mostrou ao mundo exatamente para onde o futuro do surf está indo". Quer mais uma? Nick Carroll, durante o Mundial na Austrália: "Hoje, num dos dias mais longos de toda a história do surf profissional Junior, Gabriel se tornou, provavelmente, o mais bem-sucedido surfista Junior desde que todo o conceito da palavra começou, 33 anos atrás". Essa foi uma das afirmações que mais chamou minha atenção, pois foi feita por um australiano da raiz de um país que criou e formentou por mais de três décadas a categoria Pro Jr.

Mas aí vai um toque: não se acomodem com os elogios e com o que vocês já conquistaram. Qualquer pessoa pode evoluir no que faz, sempre. Em atividades que exigem força, agilidade e reflexos rápidos, como o surf, pode-se evoluir mais quando se é novo. Tenho a convicção de que os surfistas mais talentosos podem evoluir seu desempenho na água numa taxa de 10 a 20% ao ano. Gabriel, com o seu "superman" saindo uns 40 cm para fora da onda, pode alcançar 1 metro ou mais e isso será notado. Os aéreos com mão, sem mão e os "reverses" também podem ficar mais altos, mais invertidos e com outras variações, como no skate. Algumas manobras que você faz de frente para a onda, poderá passar a fazer de costas para a onda. Mas cuidado ─ entender que você não deveria se acomodar é fácil. Difícil é encontrar motivação para evoluir 20% ao ano com tanto "oba oba" em cima. Esse toque, é lógico, serve para toda essa nova geração. Esses garotos são novos. Precisam sofrer um pouco e ter decepções para ficarem mais cascudos. Só elogio amolece. Junto com o aumento dos músculos e um pouco mais de peso, tudo isso aliado à experiência da estrada que eles têm pela frente, dá para visualizar no que vão se tornar.


E, no apagar das luzes deste texto, eis que vem do Mundial da ISA, na Nova Zelândia, a notícia que o Gabriel foi o surfista do evento, com a maior pontuação de bateria da história da ISA ─ 19.90 em possíveis 20 pontos ─ que o levou à medalha de ouro na principal categoria, a sub-18. A voz que estava tentando me convencer a escrever o texto todo só com o Gabriel disparou: "Aí, nego, não disse?".

COMO ESTÁ A SUA PRAIA?

“Limpa”, você pode dizer. Mas volte um pouco no tempo. Dez, quinze anos. O que é considerado limpo atualmente também seria há mais de uma década? Aquela latinha de cerveja jogada na calçada ─ que passa despercebida hoje em dia ─ também é poluição, não? Agora, se você respondeu que sua praia está, de fato, suja, a situação está pior ainda.

Mas poluição não é formada apenas por sacos plásticos e latas espalhados por aí. O esgoto, além de carregar toda essa sujeira para o oceano, leva matéria orgânica, que serve de fertilizante, desequilibrando a vida marinha local, do fitoplâncton aos peixes, tartarugas e outros animais. O despejo de metais pesados, que se acumulam na cadeia alimentar, e, principalmente, o derramamento de petróleo após acidentes, podem ser catastróficos para todo o meio ambiente, tanto na água quanto em terras costeiras. Além disso, a ocupação desordenada ─ construção de casas, hotéis e estradas ─ também colabora com a crescente poluição do litoral.

Essa ocupação excessiva, combinada à falta de saneamento, é a principal causa de poluição nas águas do litoral sul de São Sebastião, em São Paulo, por exemplo. Praias como Maresias, Baleia e Camburi costumavam ocupar os postos mais altos no ranking feito anualmente pela Folha de S. Paulo, com dados da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), das praias mais limpas do estado.

Mas, por conta da elevada taxa de construção de grandes condomínios e mansões, o nível de saneamento delas piorou, rebaixando-as na mais recente versão do ranking. Dos dez postos mais altos, sete são em Ubatuba e os outros três em Caraguatatuba ─ incluindo as das praias mais bem colocadas. De acordo com a prefeitura da cidade, isso ocorreu por conta das obras de saneamento que vêm sendo realizadas desde 2007 pelo programa Onda Limpa.

O programa da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) é o maior projeto de recuperação ambiental do litoral brasileiro. No total, serão investidos R$ 1,9 bilhão, sendo R$ 500 milhões no Litoral Norte Paulista e R$ 1,4 bilhão na Baixada Santista, onde a poluição é mais recorrente, por conta da maior concentração urbana. As praias mais sujas de todo o estado estão no Litoral Sul ─ Milionários e Gonzaguinha em São Vicente, e Perequê, no Guarujá.

Mas não é só em São Paulo que a poluição está deteriorando a qualidade da água do mar. Em outubro, por exemplo, aproximadamente 1,5 mil litros de petróleo foram derramados no abastecimento de uma embarcação no canal do Porto de Rio Grande, RS. Apenas quatro meses antes, um vazamento de quantidade parecida fora detectado pela Petrobras na Bacia de Campos, em Macaé, RJ.


Incidentes como esses são extremamente nocivos para todo o ambie
nte, e chamam a atenção da mídia e da população. Agora, todo o lixo sendo constantemente jogado na rua, esgoto derramado no mar e construções realizadas indevida e excessivamente também merecem a atenção do público. Resta a cada um fazer sua parte para, daqui a mais dez anos, não ter que olhar para praias cheias de lixo e surfar em águas impróprias ─ sem nem perceber que há algo errado nisso.


O QUE VOCÊ PODE FAZER

Cuidar das praias não é só dever do Estado ─ a própria Constituição brasileira diz que o governo e a sociedade devem colaborar na preservação da natureza. Por isso, confira algumas dicas da
ONG SOS Praias Brasil de como você, leitor, pode fazer a sua parte.

Abra a torneira somente quando for usar a água. Deixá-la correndo enquanto faz a barba, por exemplo, desperdiça cerca de 65 litros.
Numa área natural, não se tira nada além de fotografias; não se deixa nada além de pegadas; não se mata nada além do tempo.
Colabore em casa, na vizinhança, na escola. Participe de campanhas na comunidade e difunda suas idéias.
Mantenha-se atualizado ─ acompanhe sempre as notícias sobre o meio ambiente.
Sempre que possível, utilize produtos biodegradáveis.
Acompanhe o trabalho dos políticos. Cobre as propostas do seu candidato e denuncie quando na forem cumpridas.
Reveja seu estilo de vida. Pense num padrão condizente com um mundo sustentável.
Recicle. Veja se o seu bairro possui sistema de coleta seletiva e participe.
Vá um passo mais longe ─ filie-se a uma ONG local, participe das reuniões do Conselho de Meio Ambiente do seu município, audiências públicas e eventos sobre a área ambiental.
Lugar de lixo é no lixo. Mas isso todo mundo já sabe, não é?


A SUA PRAIA

Cada estado do Brasil disponibiliza a relação de balneabilidade de suas praias ao longo do litoral. Confira nos seguintes sites se a água do seu pico está em condições de banho ─ ou melhor, surf.


Rio Grande do Sul FepamFundação Estadual de Proteção Ambiental
Santa Catarina FatmaFundação do Meio Ambiente
Paraná SemaSecretaria de Estado do Meio Ambiente
São Paulo CetesbCompanhia Ambiental do Estado de São Paulo
Rio de Janeiro IneaInstituto Estadual do Meio Ambiente
Espírito Santo SeamaSecretaria de Estado do Meio Ambiente
Bahia SeiaSistema Estadual de Informações Ambientais
Pernambuco CPRHAgência Estadual de Meio Ambiente
Rio Grande do Norte IdemaInstituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente
Ceará SemaceSuperintendência Estadual do Meio Ambiente

Muito além do lineup


“Você mudou minha vida”, diz Belmiro Mendes, um dos mais respeitados surfistas da Ilha da Madeira. “Estou tão feliz por viajar com surfistas que fazem algo não somente para si mesmos”. Sua sincera confissão me chatearia muito se eu não estivesse tão incrivelmente exausto. Acabamos de aterrissar no porto tropical de São Miguel, na Ilha de Açores, e talvez não dormimos há dias. Tropeçando nesse jardim botânico de luxo, com nascentes e cachoeiras de água fresca, toda nossa equipe desmaia ali mesmo, na grama. A fadiga é o nosso travesseiro.

Fecho os olhos. Meio sonhando e meio acordado, observo a silhueta de uma gigantesca baleia Cachalote. Sim, eu sei que isso parece brega. O Dave com suas baleias. Eu suportarei as piadas. Mas depois de tudo pelo que passamos, ainda sonho com os cetáceos (mamíferos marinhos). Fecho os olhos e vejo baleias: os maiores cérebros do planeta Terra; mais de 80 anos de vida; grupos sociais que trabalham juntos para proteger os doentes e desenvolver os mais novos. Tudo isso, e ainda há culturas nesse planeta que as massacram. Por mais exausto que esteja, às vezes simplesmente não consigo dormir.


Um golfinho te olhará bem nos olhos. Nossa equipe passou por isso no primeiro dia da viagem, deslizando ao lado do nosso barco para observar as baleias da Ilha da Madeira, e nadando até um cardume de baleias curiosas que se juntou à nossa embarcação. O terror da caça terminou aqui. Substituído pelo crescente turismo de observação de baleias, do mesmo modo que aconteceu na Austrália. É uma maneira adequada para o grupo de surfistas escolhidos, artistas e ativistas, começar esta trip. Uma chance para sentir como realmente estamos conectados com estes mamíferos aquáticos. A próxima fase da nossa jornada é menos agradável.

Este é o terceiro ano que participo da assembléia anual da Comissão Baleeira Internacional (CBI), junto com representantes do grupo Surfistas Pelos Cetáceos (S4C). E por ser construído a partir de mentiras, serei bem claro: a convenção é uma fraude. Esta convenção carece de funcionamento. As nações baleeiras do mundo se reúnem para especificar os números destes grandes mamíferos que matarão por lucro, em nome da “pesquisa”. Eles se encontram atrás de portas fechadas. A mídia não é autorizada a entrar. E grupos como os nossos, com certeza, não são bem-vindos. Dê uma olhada na segurança ─ é bom saber que eles têm medo de nós. Bom saber que são capazes de sentir alguma coisa. Em um elevador de hotel, dois membros da nossa equipe testemunharam dois delegados da comissão baleeira do Japão acompanhados de um delegado da Nigéria. Agora, isto é estranho porque a Nigéria não tem costa nenhuma. Por que estariam ali?

Você está com este senhor?”, eles perguntaram ao representativo nigeriano.

Um estranho silêncio.

Os delegados japoneses desviam seus olhares. Todos saem no próximo andar.

De novo: falarei de forma simples. Enquanto mais nações não-baleeiras aparecem para votar no show de marionetes anual da CBI, nações baleeiras corruptas precisam de todos os votos que puderem comprar. Caça de baleias é um grande negócio ─ até na Nigéria.

Protestar nestas convenções não é algo que se possa curtir. Mas quantos horrores acontecem neste mundo meramente porque ninguém se voluntaria para pará-los? Caçar baleias não será um deles. Então estamos aqui. É reconfortante ter comigo outros indivíduos que pensam como eu, e com espíritos fortes. De artistas como Howie Cook e Chris Del Moro pintando murais de baleia e falando com grupos pela cidade, até toda a comunidade de surf reunindo-se para a pré-estréia de Minds In The Water, há um grupo dedicado de talentosas mentes a favor desta causa.

Acompanhamos a pré-estréia do documentário The Cove e ficamos impressionados com o filme. Segurávamos rádios. Protestamos na frente da convenção e conhecemos autoridades de parques e vida selvagem. É um redemoinho de atividade exaustivo. Não há tempo para surfar. Quando estas reuniões terminam, as nações baleeiras voltam a colher estes mamíferos aparentados do mar ─ quebrando até as orientações corruptas que estabeleceram para si mesmas. Mas mesmo no alto mar, eles não ficarão incontestados.

Se a inteligência é definida pela habilidade de viver em harmonia com o mundo à sua volta”, diz o capitão do Sea Shepherd, Paul Watson, “então os humanos são a espécie mais burra do mundo”. Watson, um verdadeiro guerreiro contra a indústria baleeira, estava conosco na Madeira também. Conforme as reuniões acabavam, ele retornava ao mar para enfrentar os baleeiros neste ato horripilante. Se aprendermos algo do seu exemplo, é que simplesmente aparecer por lá não está nem perto do suficiente. Passamos nossas noites discutindo táticas, mas também entendemos que isto não é uma guerra, mas sim uma jornada, uma discussão, uma trilha. E, claro, quando tudo acaba, nós tropeçamos cidade afora para a completa beleza de tudo, dançando até o nascer do sol nos porões escuros e esfumaçados da Ilha da Madeira... E quase perdendo nosso vôo para Açores, de onde fugimos para descomprimir da loucura de declarar guerra contra estas burocracias doentes. O vôo atrasa. Acabamos dormindo em uma sala de aeroporto e acordamos no paraíso.


Deitado na grama, ouço as ondas quebrando. O vento terral sussurra contra as palmeiras. Belmiro fala sobre seus planos para conscientizar a comunidade natal na Ilha da Madeira. Estou exausto, e não consigo dormir. Pegamos nossas pranchas e partimos para o mar.

Logo Howie está criando outro mural de baleias nas pedras. As garotas combinam uma expedição para observá-las ao cair da tarde. Belmiro, Del Moro e eu surfamos abaixo de cadeias montanhosas pré-históricas que desafiam noções de tempo. E naquela tarde estamos mais uma vez no mar, encontrando um grupo de Cachalotes. Dois adultos e um filhote flutuam até a superfície em águas cristalinas, respirando lentamente, e mal percebendo nossa chegada. Nossa equipe está em silêncio, admirados por seus simples tamanhos. Pelo ritmo gigantesco e constante de respiração. Criaturas que equilibram suas vidas entre socializar, cantarolar, caçar, reproduzir e surfar. Parece familiar? Se apenas pudéssemos alcançar a “vida em harmonia com o meio-ambiente”, seríamos dignos de vagar lado a lado com a nação dos cetáceos.

Retornamos à terra firme. Nossa jornada terminou, mas nos penduramos por mais alguns momentos. Há uma relação única entre surfistas e cetáceos, difícil de achar em qualquer outro lugar do mundo. Você consegue imaginar um membro de alguma tribo africana correndo lado a lado com um leão selvagem? De mitologias antigas às notícias espetaculares dos dias de hoje, contos de baleias resgatando humanos da morte certa sempre existiram. Agora temos a chance de devolver o favor.

Dizendo adeus, meus olhos se enchem de lágrimas. Eu choro muito, até em público. Por mim tudo bem. Saindo das ilhas sozinho, não estou tão sozinho. A comunidade do surf não vai deixar esta chacina passar incontestada. Este é o nosso momento da história. Vejo o futuro refletido nos olhos dos jovens surfistas em todo o mundo, e estou otimista. Apesar de nos sentirmos cansados, às vezes não conseguimos dormir.

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PELA VIDA

QUEM SÃO AS ONGS SEA SHEPHERD E S4C


A atitude mais extrema que pode ser adotada por uma organização não governamental é de caráter combativo. Quando apenas freqüentar cadeiras de comissões e congressos para defender uma causa já não tem mais sentido, algumas se levantam e entram em campo. A norte-americana Sea Shepherd, uma das entidades fiscalizadoras de ecossistemas marinhos mais ativistas, é um exemplo claro.

Com exatos trinta anos, a ONG foi fundada ─ e até hoje é dirigida ─ pelo ambientalista canadense Paul Watson. Ainda nos anos 80, ganhou notoriedade ao promover uma ação em que centenas de focas do Golfo de São Lourenço, no Canadá, foram pintadas de azul, para que suas peles perdessem o valor comercial e esses animais deixassem de ser alvo da caça humana predatória. Na década seguinte, Watson guiou uma equipe até o norte da Noruega, onde tramaram o afundamento de um navio baleeiro local. Alguns meses depois, os “piratas do bem” já estavam na ilha de Newfoundland, Canadá, atacando um navio de pesca cubano com bombas de fedor e cortando sua covarde rede de arrasto. Simultaneamente, ignoravam vozes de prisão e despistavam as embarcações do governo daquele país.

Essas são apenas algumas entre as inúmeras façanhas promovidas pela Sea Shepherd que, pela ousadia sem limites, já passou até por cima de leis para fazer valer a pena sua existência como organização independente.

E nem os vários dias que o capitão Watson passou atrás das grades foram capazes de inibir a inauguração da filial nacional. Depois de sete anos de atuação efetiva no pelotão de frente da Sea Shepherd internacional, os primos Daniel Vairo e Alexandre Castro finalmente abriram a versão brasileira da entidade, em 1999. “Temos total autonomia financeira e administrativa da matriz norte-americana”, garante Daniel, que nesse tempo já ajudou a salvar muitas vidas no mar. Em 2000, por exemplo, voluntários da Sea Shepherd Brasil coordenaram uma operação de resgate e salvamento de animais depois que 300 mil galões de óleo foram derramados acidentalmente na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.

Hoje, seu maior desafio é desvincular a imagem assassina que foi atribuída aos tubarões e acabar com a matança desenfreada desses animais pela costa brasileira. “No ano passado, no extremo sul do país, foram apreendidas 3,3 toneladas de barbatanas, o que daria em torno de 36 mil tubarões abatidos”, calcula Cristiano Pacheco, diretor jurídico voluntário da Sea Shepherd Brasil. Em tempo: o mercado asiático tem interesse nas nadadeiras de tubarões para fins culinários e farmacêuticos.

Já surfei perto dos tubarões em Puerto Escondido, e sei que eles não gostam de carne humana. Acontece que são bichos pré-históricos e curiosos, mas que têm importância fundamental na cadeia alimentar marinha”, finaliza Cristiano.

A Sea Shepherd Brasil parece mesmo ter aprendido a lição da irmã mais velha. Com ações ágeis e campanhas boladas conforme as necessidades, já obteve bons resultados. Em 2008, depois de ter aberto o primeiro processo do país contra a pesca predatória, a ONG conseguiu a condenação de uma empresa pesqueira do sul do país. Além disso, oferece cursos de salvamento de aves e animais marinhos em caso de acidentes, e constantemente articula debates sobre temas ambientais diverso. Uma dessas discussões levou, também em 2008, à criação do Santuário de Baleias e Golfinhos que proíbe a caça desses animais por todo o Atlântico entre o Brasil e a África.

Mas a Sea Shepherd não está sozinha. Em 2004, outra ONG de cunho ativista foi criada em defesa dos mesmos animais: a Surfers for Cetaceans (Surfistas pelos Cetáceos), ou S4C ─ cetáceos são mamíferos marinhos como o golfinho e a baleia. A iniciativa partiu do surfista Dave Rastovich, que nasceu na Nova Zelândia e foi criado na Austrália, bem próximo da vida marítima. Hoje, como um dos principais militantes da S4C, ele quer chamar a atenção de surfistas e da mídia especializada para comportamentos repugnantes que perduram nos oceanos, como a caça às baleias e a matança dos golfinhos. “A experiência de pegar ondas ao lado dos cetáceos me levou a pensar sobre a delicada relação que pode existir entre diferentes formas de vida”, explica Rasta.

Além dele, o artista Howie Cook e o surfista Chris Del Moro abraçaram a causa da S4C. E, juntos, os três vêm promovendo verdadeiras intervenções do bem pelos mares. “Estamos dispostos a espalhar o prazer de dividir as ondas com o ‘povo do mar’”, enfatiza Rasta, que entre outubro e novembro do ano passado, passou 36 dias remando pela costa australiana, numa viagem batizada de Transparent Sea (Mar Transparente). Ao todo, foram 700 km entre Byron Bay e Bondi Beach, à bordo de uma embarcação simples, com o objetivo de acompanhar a migração das baleias Jubartes para o sul do globo. De vez em quando, uma se enrosca em redes de pesca pelo caminho.

Em 2005, Rasta e a S4C participaram in loco da produção do documentário The Cove. Numa operação secreta, o filme conseguiu registrar a matança dos golfinhos de Taiji, no Japão. Mais de 2000 desses cetáceos são mortos anualmente nessa cerimônia sombria, um massacre que é justificado simplesmente pela “tradição”. The Cove estreou em julho do ano passado, no Sundance Festival, nos Estados Unidos, um dos mais importantes festivais do cinema independente. E ganhou o Prêmio da Audiência.

A S4C pode não ter afundado nenhum navio, mas, à sua maneira, também alerta para uma crueldade que infelizmente ainda é real.

Tsunami Diaries

É um documentário que narra a missão de três surfistas americanos ─ o videomaker Timmy Turner, o jornalista Matt George e o fotógrafo Dustin Humphreys ─ levando ajuda humanitária aos confins da Sumatra após o devastador tsunami de 2004, que matou mais de 300 mil pessoas. Timmy ficou conhecido após produzir o premiado filme "Second Thoughts" ─ que conta suas viagens pela Indonésia ao lado dos amigos à procura de isolamento e muito surf. Seu desprendimento e a busca pelo estilo de vida nômade surgiram como uma revelação para o surf americano ─ uma volta às raizes que encantou os yankees. Da noite para o dia, Timmy ganhou patrocínio e tornou-se conhecido e respeitado no mundo do surf. Como ele mesmo explica no início de "Tsunami Diaries", essa viagem ao epicentro da tragédia foi uma maneira de retribuir tudo que a Indonésia lhe deu. O DVD segue o grupo em suas navegações à procura de vilarejos dizimados pelo desastre natural, levando mantimentos, comida e tratamento médico a centenas de pessoas esquecidas pelo resto do mundo. Repleto de reflexões e emoção, o filme não é sobre surf ─ mas sim sobre como um grupo de surfistas pode se dedicar a ajudar desconhecidos e fazer a diferença, sem pedir nada em troca. "Tsunami Diaries" é a história de uma iniciativa nobre, solidária e altruísta.

O céu é o limite


Se há um lugar no mundo do surf onde a palavra localismo não existe, é em Cortes Bank. Situada à oeste da costa de San Diego, na Califórnia, a onda de Cortes só alcança o seu potencial máximo durante o inverno do hemisfério norte — o mesmo swell que atinge o Hawaii chega à Califórnia cerca de 48 horas depois. No verão, o gigante adormece e a mesma bancada vira um destino muito procurado para a pesca e o mergulho, devido aos diversos naufrágios que aconteceram na região. "Foi a mais perfeita onda que já surfei. É uma pista de Fórmula 1, sem nenhum defeito", afirma o brasileiro Carlos Burle sobre as faces lisas e longas de Cortes.

A bancada de Cortes é uma montanha submersa com cerca de 30 quilômetros de diâmetro e 1.200 metros de altura. Quando as ondulações que percorrem milhares de quilômetros atingem o pico, acontece uma espécie de "efeito tsunami": a água não tem para onde correr e a energia se transforma em uma enorme parede vertical de água. "Cortes é uma onda muito diferente de qualquer outra. Não há visão de terra, a única coisa que existe é uma bóia no meio do nada e é lá que você vai surfar", descreve Mike Parsons.


A VIAGEM
Para chegar ao pico, é preciso pegar um barco a motor que sai de San Diego, Dana Point ou de alguma marina da costa californiana. A viagem pode durar de seis a doze horas, dependendo do ponto de partida da embarcação. Quando as grandes ondulações se aproximam da região, é preciso ser rápido. A maioria dos surfistas viaja de noite para chegar a Cortes logo ao amanhecer. Mas antes de dar início à viagem, há uma passagem pela guarda costeira que deve autorizar a saída de todos os barcos e se certificar de que a tripulação tem algum conhecimento da região e está munida com todos os equipamentos necessários para a prática de tow-in.


A ONDA DE 100 PÉS
Em 19 de janeiro de 2001, um grupo de quatro pioneiros (Mike Parsons, Brad Gerlach, Kenny Collins e Peter Mel), unidos sob a alcunha de Projeto Netuno, embarcou numa expedição para surfar em Cortes Bank algumas das maiores e mais perfeitas ondas já registradas. As imagens da sessão épica trouxeram para os holofotesa pergunta que inquieta o mundo do surf e não quer calar: é possível surfar uma onda de 100 pés?

A marca foi estabelecida como um parâmetro extremo e virou a grande obsessão de surfistas, apreciadores e empresários. Um patrocinador ofereceu 1 milhão de dólares para o primeiro homem a realizar tal façanha. Nove anos depois, ninguém ainda chegou perto — a maior onda surfada até hoje foi estimada em 70 pés. Mas o sonho de encontrar a onda-limite move a busca e alimenta a alma dos big riders. Naquele 19 de janeiro, coube a Mike Parsons pegar a maior, uma morra de 66 pés que ratificou sua reputação como um dos mais atirados surfistas de ondas grandes.

A partir daquele dia, meteorologistas e surfistas começaram a apontar Cortes como sendo o lugar ideal para surfar a maior onda do planeta. Segundo Sean Collins, do Surfline, um dos mais respeitados sites de previsão de swell, "as ondas podem atingir de 90 a 95 pés em outros lugares, mas seria impossível de surfá-las. O único lugar possível de pegar essas ondas é em Cortes Bank, pois a profundidade e o reef perfeito podem segurar montanhas de água desse tamanho", analisa.

Para o big rider e campeão mundial de tow-in Garrett McNamara, é apenas uma questão de tempo para que o recorde de maior onda já surfada seja estabelecido em Cortes: "É a onda gigante mais lisa e incrível que já surfei. Com certeza, a maior onda do mundo vai ser surfada lá".

CALENDÁRIO 2011


M
ais um ano começou e, assim como você está roendo as unhas para acompanhar o World Tour, os Tops já estão ansiosos para o que vem por aí. Confira quais são as paradas e novidades da temporada 2011.

Como já é de costume, tudo começa em fevereiro na Austrália, no Quiksilver Pro Gold Coast. Lugar onde afobação e tensão pairam no ar, onde quem teve um ano ruim quer surfar bem, rookies querem provar porque estão aí e Slater sempre lança a velha e boa piada da aposentadoria. Ainda na terra dos cangurus, o próximo destino é a clássica direita de Bells Beach. Nos últimos tempos, a etapa da praia dos sinos, a mais antiga do Tour, deixou a desejar e a prova teve que ser mudada para picos vizinhos.

Saindo da Austrália, a terceira parada é no Brasil. Mas a novidade é que depois de 10 anos, a competição deixa de ser realizada em Santa Catarina e volta para o Rio de Janeiro, lugar onde Occy garantiu seu título mundial em 99. Em seguida, os Tops passam por Jeffrey’s Bay, África do Sul e Teahupoo, Tahiti.

Depois da rasa esquerda tahitiana a ASP divulgou uma possível etapa na Costa Oeste dos Estados Unidos. Se for confirmada, a nova escala acontece no começo de setembro e o WT passa a ter 11 e não mais 10 etapas como nos anos anteriores.

No final desse mesmo mês, rola o Hurley Pro Lower Trestles. Esse ano, em Trestles. Vai acontecer a primeira mudança entre surfistas do WT e do WQS, criando uma chance a mais para quem está na divisão de acesso se classificar para a elite ─ uma no meio e outra no final do ano.

Dando seqüência ao cronograma, o Quiksilver Pro France inaugura a perna européia. Normalmente é no velho continente que o possível campeão do ano começa a despontar ou amarelar. Depois da França, o destino são os canudos de Supertubos em Portugal.

Depois das pesadas morras portuguesas, o tradicional Rip Curl Pro Search será realizado em novembro em algum lugar do mundo. Em 2010, Kelly garantiu seu décimo título no Pro Search em Porto Rico, mas até agora nada se sabe sobre o local em que será realizado esse ano.

Para fechar, no dia 8 de dezembro começa a janela da última e mais esperada disputa do ano, o Billabong Pipe Masters no Hawaii, evento em que o francês Jeremy Flores terá que suar a lycra para defender o título.

Agora que você leu esse texto e deve ter ficado mais pilhado ainda, aproveite o resto do verão enquanto fevereiro não chega.

10 Perguntas para... Alejo Muniz


ALEJO MUNIZ JÁ CONQUISTOU O QUE MUITOS SURFISTAS PASSAM A VIDA SONHANDO EM ALCANÇAR, ISSO COM APENAS 20 ANOS. SEU ÚLTIMO GRANDE FEITO FOI CLASSIFICAR-SE PARA O WORLD TOUR 2011 AOS 45 DO SEGUNDO TEMPO, EM UM ANO RECHEADO DE MUDANÇAS E NOVIDADES NO REGULAMENTO DA ASP. ALÉM DA CLASSIFICAÇÃO, ALEJO, APONTADO COMO UMA DAS PRINCIPAIS ESPERANÇAS BRASILEIRAS DA NOVA GERAÇÃO, TROCOU DE PATROCINADOR. CONFIRA QUAIS SÃO SUAS EXPECTATIVAS PARA ESTE ANO QUE, PRINCIPALMENTE PARA ELE, PROMETE.



01.
COMO FOI O WQS EM 2010?

Cara, foi complicado, acho que essa é a palavra cera. Foi um ano difícil em pontos, ninguém sabia o que ia acontecer, tinha muita etapa junta da outra, etapa WQS prime junto com 6 estrelas. Eu estava o tempo todo na bolha, não sabia se entrava ou não, por isso esse ano foi bem duro mentalmente e fisicamente. Mas no final das contas foi incrível. Se não tivesse sido dessa maneira não teria todo esse gostinho (risos).

02. EM ALGUM MOMENTO VOCÊ CHEGOU A PENSAR QUE NÃO ENTRARIA NO WORLD TOUR?
Foi uma coisa que botei na minha cabeça desde o começo do ano. Falei: “Não, cara, esse ano eu vou entrar”, mas acabei saindo do Hawaii sem saber se tinha me classificado ou não.

03. COMO FOI ESPERAR O RESULTADO SENDO QUE VOCÊ DEPENDIA DE OUTROS?
Foi difícil. Pensei: “Não vou assistir o campeonato online, não vou entrar na internet, não quero saber de resultados. Só quero saber lá no final se entrei ou não”. Mas realmente foi difícil esperar o desfecho. Quando recebi a notícia fiquei nas nuvens, não caiu a ficha ainda, parece que é mentira. É tudo o que eu sonhei a minha vida inteira.

04. COMO VOCÊ FICOU SABENDO QUE ENTROU PARA O WORLD TOUR?
Quem me deu a notícia foi o Paulo Kid, meu técnico. No vôo saindo do Hawaii para o Brasil, acabei sentando nas primeiras poltronas e ele sentou lá no final. Na escala em Miami saí do avião e fiquei o esperando. De repente vem ele devagarzinho. Na minha cabeça pensei: “Pô, ele ta vindo tão devagar e a gente tem um vôo agora pro Brasil”. Ele parou na minha frente, olhou pra mim e falou: “E aí, tu já sabe?”. Olhei pra ele e penei: “Puta, perdi meu vôo, vou demorar pra caramba para chegar no Brasil, vou ter que passar a noite aqui em Miami”, mas perguntei, “Sei o quê?”. Aí ele abriu os braços e soltou: “Tu ta dentro!”. Cara, foi uma coisa que tanto eu, quanto ele, queríamos muito. Corri, abracei ele, agradeci, queria chorar, berrar, não sabia o que fazer.

05. QUAIS SÃO SUAS EXPECTATIVAS PARA ESTE ANO?
Vou te falar que ainda não tive tempo pra sentar e pensar. A única coisa que sei é que vou continuar correndo os WQS Primes. Mas o objetivo é sempre mais ou menos o mesmo. Me dar bem, passar baterias, tentar fazer o melhor trabalho possível. Minhas pranchas estão muito boas e estou me sentindo bem. Estou bem empolgado para esse ano, porque é um sonho realizado. Minha expectativa é a melhor, mas vai ser um ano de aprendizado pra mim.

06. QUAL ETAPA DO WT VOCÊ ESTÁ MAIS ANSIOSO?
Cara, espero bastante a primeira etapa na Austrália. Além de ser a primeira, ela rola naquela direitinha de Snapper Rocks, que é muito perfeita, ainda mais para mim que surfo de frente pra direita. Já fui quatro vezes pra Austrália, numa delas eu fiquei 6 meses lá, então Snapper é uma onda que não é tão nova pra mim, por isso minha expectativa é grande para esta etapa.

07. VOCÊ MUDOU SEUS TREINAMENTOS AGORA QUE ENTROU PARA O WT?
Meu treinamento vai continuar igual. Talvez eu mude um pouco as minhas pranchas, mas o foco é o mesmo, o estilo de surfar vai ser o mesmo. Vou buscar evoluir o máximo que eu puder.

08. COMO VOCÊ VÊ O TIME BRASILEIRO DO WORLD TOUR 2011?
Acho esse u time bem especial. Porque apesar de eu ser o único novato, o Mineiro vem destruindo todos os anos. O Jadson ganhou a etapa do Brasil ano passado sobre o Kelly. O Heitor destruiu o WQS, não teve pra ninguém, o cara estava entre os tops do ranking unificado sendo que nem correu o WT. E o Raoni já foi muitos anos do Tour, ele sabe o que tem que fazer e ganhou a última etapa em Sunset. Então, o que menos entende do processo sou eu, mas vou tentar aprender com eles, vai ser bem especial.

09. COMO FOI A TEMPORADA HAVAIANA?
Foi difícil, cara, foi tudo meio corrido. O mar ficou flat durante quase 15 dias, as pessoas não sabiam se ia ter campeonato, o que ia acontecer. Testei todas as pranchas que pude, surfei o máximo que consegui nos dias que tinham uma marola, mas foram dias bem tensos porque eu precisava de resultado e o mar não ajudava. Mas a vibe com a galera foi incrível. Eu estava com o meu irmão, que não pôde ir ano passado, ele assistiu todas as minhas baterias de perto. Estava com o meu técnico e um grupo que quando eu saía do mar parecia que estava cheio de seguranças. Chegaram até a brincar comigo: “Tá parecendo lutador de vale tudo, cheio de seguranças” (risos). Mas isso me ajudou bastante a manter a calma e me concentrar com o que eu tinha que fazer.

10. E O NOVO CONTRATO COM A NIKE 6.0?
Ainda é algo bem novo, faz pouco tempo que fechei com eles. Foi uma decisão bem profissional, porque o meu antigo patrocinador sempre me apoiou muito, não tenho do que reclamar, muito pelo contrário, só tenho que agradecer a eles. Mas é uma fase nova na minha vida, a escolha foi bem difícil, mas estou muito feliz. A oportunidade que estou tendo com a Nike 6.0 é uma coisa que nem podia imaginar. A estrutura que eles me deram no Hawaii, com certeza me deixou mais calmo e me ajudou muito a conseguir os bons resultados que me fizeram entrar no WT. Então espero poder ajudar a marca o máximo que eu puder, vim para somar. A Nike 6.0 está vindo para causar impacto dentro do surf e espero fazer parte disso.

DANÇA DAS CADEIRAS


Janeiro é sempre um mês movimentado nas internas do surf, e nesse ano não foi diferente. Inúmeros surfistas, Tops e freesurfers, tanto mulheres quanto homens, mudaram, acrescentaram ou acabaram ficando sem patrocinadores.

Entre os homens, os irmãos Hobgood ainda têm o adesivo da Globe colado em suas pranchas, mas agora eles só fazem parte do time de footwear da marca. Damien se junou ao aussie Bede Durbidge e tem a Fox como principal patrocinador. Já C.J., até agora, não assinou com nenhuma outra marca. O maior expoente do surf português, Tiago Pires, saiu do grupo Billabong (Billabong, Kustom e Vonzipper) e fechou contrato com a Quiksilver.

A mudança mais comentada foi a do australiano Julian Wilson. No seu ano de estréia no Tour, Julian trocou a Quiksilver e assinou com a marca que Jordy Smith dispensou, a Nike 6.0. Segundo fontes do mercado, seu contrato anual gira em torno de 1 milhão de dólares. Outro que também saiu da Quiksilver para a Nike 6.0 foi Alejo Muniz.

Agora, existem rumores de uma possível transição que pode dar mais o que falar do que a ida de Julian para a Nike. Nos bastidores dizem que o americano Dane Reynolds, atualmente da Quiksilver, está sendo assediado pela Hurley, RVCA e Analog.

No Brasil, Jean da Silva atual campeão nacional, fechou contrato com a Maresia.

A tetracampeã mundial Stephanie Gilmore saiu da Rip Curl e passou a fazer parte do Quiksilver for Girls. Isso mesmo, Quiksilver e não Roxy. A marca pretende que Steph seja uma espécie de embaixadora da sua linha feminina.

Ainda entre as meninas, Jessi Miley-Dyer saiu da Rip Curl e Rebecca Woods da Billabong, Laura Enever foi da Roxy ara a Nike 6.0 e Tyler Wright, irmã mais nova de Owen Wright, renovou por 5 anos com a Rip Curl.

A ONDA VODU


A ONDA É CASCA GROSSA

O pico representa um dos maiores desafios para qualquer big rider. Não somente por seu tamanho, mas por sua atmosfera e suas histórias aterrorizantes. "Combine água gelada com uma força oceânica jurássica no inside e a sensação constante do 'perigo branco' (tubarões) e você terá a mais apavorante e magnífica onda do planeta", exalta Evan Slater, editor da revista americana SURFING.

De fato, surfar Maverick's é uma das mais extremas e intensas experiências na vida de um surfista. Nos dias realmente gigantes, a onda vodu se transforma numa avalanche d'água, carregando tudo o que estiver pela frente e impossibilitando o surf de remada. As pedras espalhadas por todos os lados, as gélidas correntes furiosas, os ventos intensos (é preciso de uma roupa de borracha com 4 milímetros de espessura, botas, capacete e até luvas para não congelar) e as ondas que chegam a passar dos 60 pés causam enjôos nos mais bravos homens.


OS RISCOS
Muitos dos piores wipe-outs de que se tem registro foram vivenciados nesse insólito lugar. E nem todos tiveram um final feliz como o de Jay Moriarty, em 1994, que, apesar da queda cinematográfica, sobreviveu a furia de Maverick's, ao menos naquele dia. Alguns anos depois, o jovem surfista morreria praticando mergulho nas ilhas Maldivas.

A difusão do tow-in, a partir da década de 90, permitiu que os surfistas tivessem condições de desafiar swells cada vez maiores e mais pesados em Maverick's, em performances assistidas de camarote pelas platéias ensandecidas no despenhadeiro de Pillar Point. "O peso de uma onda dessas pode chegar a milhares de toneladas, ocasionando uma pressão absurda, fazendo o surfista dirigir sua prancha em uma velocidade de até 70 km/h", ressalta o brasileiro Carlos Burle.

As histórias comprovam que um caldo nessas águas pesadas é uma experiência casca-grossa. O parceiro de Burle, Eraldo Gueiros, lembra com orgulho de ter surfado Mavs, mas admite: é uma das ondas mais perigosas que existem. "As pedras, a água gelada e os tubarões apavoram qualquer um. E o caldo é como cair e bater no chão em alta velocidade. Você não penetra de primeira na água, que fica quase sólida".

De fato, quando se trata de ondas gigantes, não há como brigar contra a natureza do oceano, e cada momento parece durar uma eternidade. Vinte segundos submerso, quando você sabe que voltará à superfície, não parece muito tempo. Mas depois de 30 segundos embaixo d'água, o surfista normalmente entra em pânico e, mesmo se ele for um expert, aos 50 segundos estará inconsciente. Ainda há o risco de ficar preso a uma pedra pelo leash de sua prancha ou mesmo o de ser atingido pela prancha e desmaiar debaixo d'água, sem chances de lutar pela sua vida.


A MORTE DE MARK FOO
Em dezembro de 1994, um dia ensolarado, sem vento e com ondas que não passavam dos 20 pés, muitos dos melhores surfistas de ondas grandes se divertiam em Maverick's, que, apesar de não estar em seus maiores dias, trazia séries consistentes. A multidão assistia do despenhadeiro ao show dos big riders.

Mark Foo surfava pela primeira vez a onda, assim como Mike Parsons e Broke Little, e comentava com os amigos o quanto se sentia feliz por estar ali, mas que seria ideal se o mar ficasse um pouco maior. Após algumas horas de surf, Foo remou com Ken Bradshaw numa onda de 15 pés. Bradshaw desistiu e deixou o caminho livre para Foo. Depois de descer metade da onda, o surfista perdeu o equilíbrio e caiu. Parsons e Little vacaram a onda seguinte, desaparecendo na espuma branca e depois sendo encontrados em apuros nas pedras.

"Estávamos todos nos divertindo entre uma onda e outra. Não parecia haver perigo naquele dia", contou Parson, mais tarde. O complicado resgate dele e de Little concentrou a atenção de todos no mar, mas, passada a confusão, a falta de Foo foi notada. Já fazia cerca de uma hora que ele tinha surfado sua última onda. Evan Slater, então um dos mais atirados surfistas do lugar, encontrou um pedaço da sua prancha roxa e amarela de Foo perto da entrada do porto de Pillar Point e percebeu que havia alguma coisa de errada com Foo. Slater e Parsons ficaram desesperados, mas não imaginavam encontrar o surfista boiando, com os braços e as pernas abertos e um pedaço da sua inconfundível prancha ainda amarrado ao tornozelo. Parsons depois lembraria que, durante o seu caldo, tinha esbarrado em alguma coisa sólida embaixo da água ─ que provavelmente seria o corpo de Mark Foo.

No barco, uma equipe ainda tentou ressuscitar Mark Foo, que tinha se afogado. Tarde demais: Maverick's levara para sempre um dos mais respeitados surfistas de ondas gigantes. O acidente fatal chocou a comunidade do surf mundial e, pelos próximos anos, Maverick's, que havia sido denominada como a "onda vodu" pela revista americana SURFER dois anos antes do acidente, carregaria o estigma de maldita por um bom tempo.


A DESCOBERTA
Maverick's foi descoberta nos anos 60 por pescadores e surfistas viajantes, mas permaneceu com o título de "onda gigante insurfável" até a proeza de Jeff Clark, em fevereiro de 1975. Após anos observando e estudando as condições da onda, Clark, com apenas 17 anos, decidiu remar sozinho para o line-up de Maverick's. Mesmo sabendo que aquela atitude poderia lhe custar a vida, encarou cinco ondas históricas, a maior delas com 15 pés.

A partir daquele dia, e pelos próximos 15 anos, Clark desfrutaria praticamente sozinho do pico. Durante esse tempo, alguns surfistas de Santa Cruz até tentaram enfrentar a onda algumas vezes, mas todos acabavam sentados no canal assistindo o show de Clark. Na década de 90, quando Maverick's saiu do anonimato para as capas das revistas de surf, Clark perdeu a exclusividade de seu local favorito no mundo: "Maverick's costumava ser somente minha. Era o lugar onde eu buscava a paz, meditava sozinho. Levou algum tempo até me acustumar com a situação de diferentes energias dentro da água", confessou o pioneiro.


O PICO
Localizada a cerca de 1 quilômetro de Pillar Point, em Halfmoon Bay, na Califórnia, Maverick's começa como uma pequena ondulação atmosférica no norte do Oceano Pacífico, formada a partir de uma massa fria vinda do Ártico e outra massa quente originária do Pacífico ─ o que ocorre somente na temporada de outono/inverno do hemisfério norte, quando as grandes tempestades acontecem milhas adentro do oceano. A média é de apenas oito dias de ondas gigantes por ano. Por isso, além de ficar atento às previsões, o surfista tem de contar com a sorte para acertar em cheio.


68 PÉS!
O brasileiro Carlos Burle teve sorte e talento para surfar a maior onda de Maverick's. Em 21 de novembro de 2001, puxado por seu parceiro Eraldo Gueiros, ele desceu uma morra estimada em 68 pés e faturou o Billabong XXL, que anualmente premia a maior onda surfada da temporada.

"Incrível surfar uma onda com aquelas proporções, parecia que eu ia ser arremessado", lembra Burle ao falar de um dos momentos mais assustadores da sua carreia.

EMOÇÃO GARANTIDA


A
driano de Souza, Jadson André, Heitor Alves, Raoni Monteiro e Alejo Muniz. Bonito grupo para disputar a elite do surf mundial de competição em 2011. Firmeza absoluta! Todos pisam forte na prancha e dominam manobras aéreas, mistura indispensável para ganhar notas acima de 9. Apesar de o surf ser um esporte individual, sempre torcemos pelos brasileiros como se formassem um time. No início de 2010, tínhamos quatro brasileiros entre os 45 da elite. Com as mudanças no circuito, incluindo a diminuição de competidores no WT, em 2011 teremos cinco brasileiros entre os Top 32. Adriano de Souza e Jadson André cravaram suas posições entre os Top 16, engrossando as estatísticas a nosso favor nessa turma especial. Adriano, décimo no ranking 2010, está exatamente onde deveria estar ─ entre os dez melhores do mundo. Isso não é pouca coisa.

Se você acompanha o surf de competição e geral (WT, WQS, Pro Jr.), já viu vários competidores com surf no pé de altíssimo nível que não conseguem a tão sonhada classificação para o WT. O motivo é simples: não cabe todo mundo. Entre australianos, americanos, havaianos, brasileiros, sul-africanos e europeus, tem pelo menos 200 surfistas que arrebentam, mas na elite, para 2011, só cabem 32.

Adriano foi o mais jovem campeão mundial Pro Jr., aos 16 anos, arrebentou no WQS e se classificou para a elite em 2006, ficando em 20º no ranking. Em 2007 amargou o 28º lugar, descobrindo que a transição nem sempre é uma extensão imediata dos resultados no Pro Jr. E no WQS. Mas em 2008 ele aprendeu o jogo e terminou o ano em sétimo no ranking. Em 2009 foi o quinto entre os melhores e em 2010 terminou em décimo, confirmando seu status de Top 10 três anos seguidos. O paulista do Guarujá é forte psicologicamente, compete como poucos, é rápido, tem raça e geralmente tem boas pranchas. O estilo talvez seja seu único ponto fraco, principalmente quando movimenta a prancha para gerar velocidade ou bate o fundo para passar seções.

Jadson André foi vice-campeão mundial Pro Jr. Em 2009, na Austrália, terminou o WQS de 2009 em terceiro e estreou na elite em 2010 com uma vitória no Brasil em cima do monstro Kelly Slater. Ainda teve três nonos lugares, terminando o ano em 13º no ranking. Vamos combinar que foi uma excelente estréia para o potiguar de Natal. Na etapa brasileira, ele pegou a chave mais difícil e venceu um a um usando e abusando dos aéreos. O que muita gente não percebeu foi que ele conseguiu nesse evento algumas notas acima de 8 sem dar um aereozinho sequer. Mas a facilidade em voar o traiu nas etapas seguintes. Passou a dar o mesmo tipo de aéreo 360° em várias ondas e os juízes cansaram rápido. Acho até que houve intolerância da mídia internacional quanto a isso. Das duas uma: ou ninguém chegou para alertá-lo sobre o problema ou falaram e ele não quis ouvir. Se quiser um conselho, dou três: (1) misturar o surf de linha e de força com um ou outro aéreo apenas, (2) criar variações do aéreo 360° e (3) treinar aéreos de costas para a onda. Ele pode isso tudo.

Depois de dois anos na elite, Heitor Alves perdeu a vaga em 2009, mas quebrou tudo no ranking unificado em 2010. Venceu três etapas 6 estrelas e uma “Prime”. Os melhores do mundo contam nos dedos de uma mão os anos que tiveram quatro vitórias em eventos importantes no mesmo ano. Heitor é um surfista completo. Tem força, linha nos point breaks, sabe andar na marola como poucos, domina as manobras aéreas e tem estilo fluído. Tenho certeza de que os dois anos na elite, a batalha fora dela e quatro vitórias no mesmo ano amadureceram o cearense voador. Se me pedisse um conselho, eu diria para tomar cuidado com pranchas finas e soltas demais. Ele tem um pé grande e patadas fortes. Acho que se beneficiaria com pranchas um pouquinho mais duras e com mais volume. Em 2011 vai estar onde não deveria ter saído.

Raoni Monteiro merece um texto inteiro. Sempre fui fã do garoto de Saquarema e vi desde cedo talento e maturidade precoces típicos dos fenômenos que só aparecem de tempos em tempos. Poderia ter se lançado no Circuito Mundial mais cedo, mas quando o fez encantou a todos instantaneamente. Com um surf forte, moderno e estilo bonito, foi aceito por toda a comunidade internacional, de A a Z. A mídia, os competidores, os empresários do meio... todos reconheciam que Raoni tinha algo a mais e um futuro brilhante. Eu não era íntimo dele para saber o que aconteceu, mas alguma coisa desandou e ele perdeu a vaga na elite e o patrocínio. No fim de 2010, um final feliz de filme épico. Aquele tipo de “volta por cima” que não admite desperdício ─ fechou um patrocínio com uma marca internacional, teve um bom início no WQS e, depois de vários meses mornos, quando a classificação já parecia improvável, venceu a última etapa do ano, em Sunset Beach, faturou 20 mil dólares e se classificou para o WT em 2011! Dentro dos padrões atuais de idade, Raoni ganhou sua carreira de volta.

A única novidade do grupo é o argentino naturalizado brasileiro Alejo Muniz. Alejo cresceu no sul do país, onde desenvolveu um estilo “internacional”. A maior parte dos surfistas brasileiros talentosos consegue, depois de um tempo, desenvolver seu surf em ondas de linha, mas continua sendo especialista em ondas que exigem troca de direção rápida tipo “beach break” e carrega muitas vezes a tendência de manobrar no meio da parede, tanto nas cavadas como nas rasgadas. Alejo não. Ele vai na base da onda, dá uma cavada potente e se lança ao lip, tirando quase sempre mais da metade da prancha pra fora, empurrando bastante água com as quilhas, descendo fluído para a base novamente sem nenhuma engasgada, para começar tudo de novo. Parece a descrição do que muitos surfistas bons fazem, não é? A diferença é que Alejo parece só fazer isso. Nunca uma meia manobra. Sempre base/lip potente, com variações no lip de todo jeito ─ rasgadas, tamancadas, aéreos 360, kerrupt flips e, ultimamente, variações ainda sem nome. Em cima dessa característica tão valorizada ─ o Power surf base/lip associado à modernidade, o cara ainda tem um estilo lindo. E é novo ─ 20 anos! Uma covardia. Eu nem sei dos resultados dele, porque o título de “melhor estreante” da Tríplice Coroa Havaiana de 2009 pra mim é suficiente. Um conselho? Feche os ouvidos aos elogios. Elogio amolece. A crítica fortalece. De patrocínio e contrato novo, com uma marca que vai trabalhar forte a sua imagem e tendo conquistado a classificação no Hawaii, não falta motivação para começar o ano bem. Temos cinco motivos dos mais fortes para acompanhar o World Tour da ASP de 2011 como se fosse uma Copa do Mundo da Fifa. Vai ser emocionante.

OS 15 MOMENTOS QUE DEFINIRAM 2010


UM TÍTULO IDEAL PARA UMA RETROSPECTIVA DE 2010 SERIA “O PRIMEIRO ANO DO RESTO DAS NOSSAS VIDAS”, TOTALMENTE INSPIRADO NO FILME DO JOEL SCHUMACHER DE 1985. NUMA CENA, DOIS AMIGOS DE INFÂNCIA CONVERSAM, “SEMPRE PENSEI QUE SERÍAMOS AMIGOS PRA SEMPRE”, DIZ O PRIMEIRO.

“BEM, SUBITAMENTE O PRA SEMPRE FICOU MAIS CURTO”, RESPONDE O OUTRO
.
O FILME TRATA DUM ASSUNTO CARO AOS SURFISTAS, A BRUTAL CHEGAD
A À VIDA ADULTA. NESSE ANO QUE PASSOU, O SURFE PROFISSIONAL FINALMENTE CHEGOU A SUA MAIORIDADE COM A REPENTINA E SURPREENDENTE PERDA DO ANDY IRONS E A FORMA AMADORA E IRRESPONSÁVEL COMO A ASP E PATROCINADORES SE COMPORTARAM NA OCASIÃO. NADA FOI MAIS IMPACTANTE EM 2010.

NEM MESMO O ESPETACULAR DÉCIMO TÍTULO DO SLATER.

TALVEZ POR ISSO MESMO ELE PERMANEÇA EM CENA ─ ISSO É CONVERSA PRA MAIS TARDE. 2010 FOI A MAIOR VIRADA DA ASP DESDE A CRIA
ÇÃO DO WCT E OS TOP 44 EM 1992.

A INSTITUIÇÃO QUE APONTA A D
IREÇÃO DO SURFE PROFISSIONAL OUSOU COMO NUNCA ANTES, DIVIDIU AINDA MAIS SEU CIRCUITO EM CATEGORIAS (WORLD TOUR, STAR E PRIME EVENTS) E, SUPOSTAMENTE, UNIFICOU SEU RANKING.

SUPOSTAMENTE
PORQUE APENAS OS 32 (OPS, 34) PRIMEIROS PODEM SER CAMPEÕES MUNDIAS E O CERCO FECHA AINDA MAIS.


TAJ É O HOMEM A SER BATIDO
Não havia alma viva que duvidasse da capacidade do Taj Burrow vencer o circuito até abril.

De dezembro a março, Taj venceu o Pipe Masters batendo Slater na final, ganhou o primeiro evento do ano em que competiu, o Breaka Burleigh, WQS que tinha Fanning, Occy, Andy, Dusty e Owen entre os competidores e pra terminar, ou começar, coroou seu irresistível ritmo vitorioso fazendo uma final (e ganhando!) com Jordy Smith no Quik Pro da Gold Coast.

Tudo indicava que os anos como coadjuvante tinham chegado ao fim.

Indo mais pra frente, um terceiro em Bells, liderança tranqüila no ranking e a próxima etapa, Brasil ─ único país do mundo onde Taj tem três eventos no bolso.


UM ALLEY OOP DE PÉ QUEBRADO MUDA A HISTÓRIA
Dia nublado em Winkipop. A praia lotada espera ansiosa a bateria, Kelly Slater × Dusty Payne.

Corre o boato de que Slater quebrou o pé. Depois de perder para Jordy Smith na Gold Coast e fazer apenas a sexta melhor média da primeira fase em Bells, uma derrota para Dusty pode acelerar o processo de aposentadoria do maior surfista de todos os tempos.

Dusty abre com um 9.17 e passa o resto da bateria em busca duma nota baixa ─ Slater avança e sai d’água mancando.

Dois dias depois, ainda sob efeito de fortes analgésicos indicados por um amigo jogador profissional de rugby, Slater vai passando pelos seus adversários com sua 5’8” um a um até enfrentar um Mick Fanning destinado à vitória.

Quando tudo parecia resolvido, Kelly acerta um inacreditável e inesperado alley oop e muda a história do surfe profissional.

Gabriel Medina vence a categoria Junior com espetaculares aéreos em Bells ─ indo, somente ele, para a esquerda.


CAPITÃO NASCIMENTO NADA, JADSON É NOSSO HERÓI
Num ano em que os celebrados Dusty Payne, Pat Gudauskas, Matt Wilkinson, Adam Melling e Owen Wright são os novatos mais aguardados para surpreender a turma do andar de cima, Jadson André, dentre todos, é o único a vencer um evento em 2010. O sempre sorridente Jadson aterrissou consistentemente seus reverses até o final.

Passando por Dane Reynolds, restava apenas Kelly Slater para o sonho virar realidade. Ninguém apostava numa derrota do Careca depois dele ter virado uma bateria já liquidada contra um tarimbado Mineiro em 2009.

Não seria o inexperiente Jadson a pôr fim no jejum de 12 anos, ou seria?

Jadson provou com essa vitória que o circuito não pertencia apenas ao fechado grupo dos top 6 e, finalmente, a nova geração chegava pra ficar.

Slater percebe que não há refeição gratuita a caminho do décimo.

Estava aberta a corrida para revelação do ano.


CORTEM AS CABEÇAS!
Hora do primeiro e fatídico corte de 44 para 32. São degolados todos que não se encaixam nos novos critérios da ASP, curiosamente surfistas com mais de 30 anos, personalidade forte e surfe pouco criativo.

Adeus, Michael Campbell (que perdeu esquisito pro Adam Melling numa bateria que poderia mudar seu ano), adeus Marco Polo, Neco, Blake, Drew, Tanner, Ben Dunn, Dingo, Kekoa, Jay e Withs, foi bom enquanto durou, agora de volta ao calabouço do WQS.

Pat Gudauskas salva-se na última volta do ponteiro com um rodeo-clown muito mais parecido com um el-rollo dos anos 80 do que a manobra que Jordy completou em 2009.

Slater fez seu primeiro 10 do ano.

Manoa Drollet despacha duma vez só, Jordy e Taj, facilitando a vida do Careca ─ mal sabia ele quem o esperava na semifinal...


QUEM SEGURA JORDY?
Depois de quase amargar uma descida ao QS no seu primeiro ano entre os top 45, Jordy Smith vai subindo degrau por degrau o ranking da ASP.

Com um terceiro, um nono e um quinto, Jordy chegou em casa, Jeffrey’s Bay, na vice-liderança da corrida ao título.

Uma vitória em casa poderia levá-lo ao número 1 e ao seu inevitável destino de ser campeão mundial.

Com Sean Holmes fazendo o trabalho sujo de tirar KS e AI do seu caminho, Jordy levou a torcida à loucura na semifinal contra Bede ─ a virada mais espetacular desde... Jadson contra Bourez e Reynolds no evento anterior.

Um Taj conservador e inseguro fica em terceiro e continua na briga pelo seu tão almejado título mundial.

Slater, irritado, cai duas posições.

Jordy fica muito bem como dono do mundo, resta saber se agüenta o peso.


AVE, ANDY, OS QUE VÃO MORRER, TE SAÚDAM...
A fome estava lá, o surfe ainda tinha algum brilho de quem uma vez fôra o surfista mais temido do Tour, mas por algum motivo, Andy era apenas uma sombra do tricampeão que conhecemos. O ano sabático lhe fez bem, já não enlouquecia depois de cada derrota e, talvez por isso mesmo, aparentava apatia nas primeiras etapas.

Agora estávamos no Tahiti, seu lugar predileto. Foi no Tahiti que Andy surgiu avassalador para a ASP e seus companheiros.

Claro que Pipe era seu quintal, todos sabiam disso, mas Teahupoo era a sala de estar onde Andy recebia seus convidados com um caldeirão fervente de MEDO. Primeiro foi Fanning, depois Slater... o devoto C.J. nunca foi páreo para o infernal desejo de triunfo do velho e bom Andy.

A seqüência de vitoriosos era exuberante, Taj, Kelly, Jadson, Jordy e agora Andy estava de volta.

O circuito dos sonhos podia não ter ondas de sonho mas tinha uma autêntica e empolgante corrida ao título.


NOVO FORMATO, VELHO CONHECIDO.
Tudo que se sabe sobre esse evento é que o nível de surfe foi para o espaço.

Jordy, Dane e Owen fizeram até chover em Trestles.

Ondas que mais pareciam rampas, tamanho ideal para exibir a última palavra em surfe moderno e tempo suficiente para aproveitar o melhor que a mais divertida onda do Tour tinha para oferecer.

Evidentemente, Jordy não deixaria escapar a chance de fincar os dois pés no topo do ranking, nem Taj.

Bem, Slater teve a mesma idéia e vocês conhecem sua notória obsessão.

20 anos depois de ter causado assombro nesse mesmo lugar ao ganhar uma etapa do circuito americano, Slater ressurge como o mesmo predador de sempre e rejuvenesce duas décadas para desespero da concorrência.


SACA 3 × 2
Tiago Pires tem um início de ano fantástico.

Vence todas as baterias da primeira fase que disputa e escapa da degola.

Pelo caminho deixa um rastro de destruição que passa por Martinez, Taj, Mineiro e Slater (3 × 2 pro Saca!).

Na primeira etapa perde uma bateria polêmica contra o nome do circuito de 2010, Jordy Smith.

Saca não tem vida fácil, pega Fanning num final de tarde em Winkipop mexido, com séries demoradas ─ ele espera e a série vem alguns segundos depois de tocar a buzina.

Em J. Bay, perde pro Taj num erro milimétrico de escolha de onda. Vai na primeira da série e Taj surfa a onda do evento na onda de trás ─ TB faz a melhor média do evento.

Reafirma sua autoridade em ondas de qualidade, com Teahupoo, com um quinto.

Classifica-se entre os 32.


FANNING QUEBRA, OWEN TAMBÉM
O liquidificador francês funciona como nunca.

Jadson prova ao mundo que não é surfista de apenas uma manobra e arrasa com Wilko e Jeremy ─ este último num duelo de tubos incrível em que prevalece a técnica do potiguar de entubar de backside.

Taj perde para Dan Ross (13) e Jordy para Fanning (5) nas quartas.

Owen Wright quebra quantas pranchas encontra pela frente na tentativa inútil de mostrar ao que veio ─ nessa altura, depois do The Search em Supertubos 2009, todos já sabem.

Slater enfrenta Fanning (e perde) numa final sombria, ondas de 10 pés, correnteza, fechando.

Pouco importa, minutos antes o maldito Careca surfa seu segundo 10 do ano, ainda mais impressionante que o primeiro no Tahiti e deixa seu companheiro de circuito na indelicada situação de admitir que, sim, ele é de outro planeta.


STEPH
As mais belas pernas do Tour, ponto.

Por trás da cigana/hippiezinha sorridente brilha a estrela da mais letal competidora da história do surfe profissional.

Stephanie Gilmore detém todos os recordes que faltam ao maior de todos, King Kelly, campeã mais jovem, campeã no seu primeiro ano de Tour, campeã seguida, campeã, campeã, campeã, campeã...

Apesar de não ter o backside à altura do seu fantástico frontside (sem trocadilhos), Steph compensa seus pontos fracos com estratégias sempre perfeitas, do início ao fim. Pra direita, em ondas de qualidade, não tem competição e arrisco dizer que se houvesse meia dúzia de etapas em ondas como Bells ou Sunset com competição mista, ela fazia a malinha de mais da metade do contingente que se aventura no WQS.

Carissa apresenta-se mais versátil e ainda com o mesmo sorriso simpático pra cada vitória ou derrota.

Silvana tem de sobra o mais complicado de tudo, talento. Mas de alguma maneira não consegue transformar toda energia que tem para surfar em resultados.

Com a chegada do fenômeno Tyler Wright, o bicho vai pegar em 2011.


UM BRINDE PARA TRAVIS LOGIE
Em Portugal o espevitado sul-africano Travis Logie teve seu momento de glória nos 300 anos de Tour que parece resistir.

Primeiro amassou Dane Reynolds em Supertubos na segunda fase do Rip Curl Peniche Pro, deixando desolados milhares de fãs que clamavam por uma onda mais do Messias.

No dia seguinte, ainda quente da excitação de bater Dane, Logie faz a gentileza de tirar o homem que Slater considera mais perigoso da corrida ao título.

Todas as vezes que Fanning ganhou na França, levou o título no final do ano.

Taj perde pro Matt Wilkinson...

Sem Taj e Fanning, os portugueses têm o privilégio de ver Slater abandonar a má sorte que o perseguiu por 14 anos em Portugal e fazer a final dos sonhos de todo entusiasta, Jordy versus Kelly.

Hora do troco.

Slater* dá o xeque-mate.

*
Um alley oop na semifinal contra Davo arranca aplausos do próprio adversário, ainda dentro d’água...


A SEMANA MAIS INTENSA DE TODAS
Andy se foi.

Mal podíamos acreditar. Sozinho? Em Dallas? Por quê? Muito especula-se, pouco apura-se.

No terror da perda, todos nos calamos.

Já não há mais o que falar e nada que for dito pode mudar a tragédia que é perder um ídolo aos 32 anos, prestes a ser pai.

A ASP não sabe como reagir, a Billabong não sabe como reagir, seus amigos têm todos o mesmo olhar perdido.

Tanta coisa por fazer, tão pouco tempo...

E ainda temos um campeonato para terminar.

Dane, Jordy e Owen são uma vez mais os destaques, mas é Adriano de Souza o grande personagem do dia quando, contra tudo e contra todos, resolve competir a sério no grande momento de glória do Slater.

Uma silenciosa e apaixonada homenagem ao maior algoz do Kelly, Andy.

Slater finalmente enfrenta Taj, nas semis ─ e vence.

Em fila, durante o ano, foram Owen, Mick, Jordy e Taj, um a um.

Em Puerto Rico vem mais uma nota 10, desta vez menos pela técnica de sumir e mais pela capacidade de improvisar, de criar.

Nada mais interessa.

Ou não?


BACKDOOR MASTERS
Na sua última grande entrevista, Andy diz que sem Bruce, Dusty é seu grande companheiro no Tour e vai mais longe, diz que quando está inspirado, Dusty é capaz de tudo.

Com a corda no pescoço, Dusty Payne precisa varar pelo menos 3 baterias para se manter entre os top 32. Kiron Jabour e Saca foram suas primeiras vítimas.

Faz uma das 5 melhores baterias de 2010 contra Fanning e foi generosamente bem julgado.

Sem Pipeline quebrando por quase um mês, todo o Pipeline Masters em homenagem ao Andy Irons foi realizado no Backdoor.

Kieran Perrow e Jeremy Flores chegaram à final numa série inacreditável de viradas no último minuto.

Slater fez um 10.

Jeremy virou em cima de Kieran.

Pela primeira vez um europeu vence no Havaí.

Flores passa Adriano no ranking e quase o empurra pra fora dos top 10.

Owen chega até às quartas e rouba o rookie of the year do Jadson também no último minuto.

Slater ganha seu enésimo Surfer Poll, desta vez com a cerimônia lá mesmo no Havaí ─ Dane Reynolds rouba a cena com o discurso do ano.


ENCONTRO INADIÁVEL
Julian, Raoni, Heitor, Kerrzy e Alejo são os novatos da turma de 2011.

Comeram pedra para entrar no mais difícil ano da história da ASP.

Heitor, Raoni e Josh Kerr já estiveram por lá.

Raoni chegou cedo demais (2004), Kerrzy talvez um pouco tarde (2007), Heitor é um batalhador sério e concentrado.

Talento por talento talvez Raoni seja o melhor deles todos. O problema é que talento puro nunca foi suficiente para um título mundial.

Nem Slater, nem Curren, nem Andy, nem Carroll fiaram-se apenas no talento.

E vendo Alejo evoluindo como temos visto é de se esperar boas surpresas.

Julian Wilson tem o poder da mídia o empurrando e fez uma temporada havaiana brilhante mas, na minha opinião será Alejo que fará mais barulho.

Como diria o Pablo, ninguém é mais criança.


KING KELLY E SEU CORTEJO
O futuro do surfe profissional está nas mãos de um senhor de 40 anos de idade.

Apesar de toda fortuna que se gasta com os novos talentos como os alardeados 1.5 milhões de Verdinhas ao Jordy ou o milhãozinho do Julian Wilson, quem manda nessa joça e dita o ritmo é Slater.

Se hoje existe interesse nos campeonatos como jamais houve, a culpa é exclusiva do Careca.

É ele, e apenas ele, que todos querem desafiar, é ele que todos desejam destronar.

Sem Andy no circuito para afrontar Slater com desaforos dentro e fora d’água, resta saber quem vai se apresentar peitando o campeão dos campeões.

Mick é o que tem melhor retrospecto contra ele e pode vencê-lo em quase qualquer situação.

Parko tem fogo, falta-lhe a sorte.

Taj já mostrou que não tem fôlego para uma temporada inteira, a pressão pesa muito nos seus ombros.

Bede é um devorador de pecados, você erra e ele te engole, seria ele capaz de transformar-se num dominador? Não creio.

Mineiro não tem medo do lobo mau Slater, peca, no entanto, por não ser capaz de superá-lo em qualquer condição, Pipe ou França como Andy fazia e os dois sabem muito bem disso.

Owen Wright em todas credenciais para dar o passo à frente. Tem a frieza do Damien Hardman, a explosão e criatividade do Pottz, competitividade do Mark Richards, versatilidade do próprio Slater e entuba bem pros dois lados, falha que infelizmente Taj, Mick, Parko e Jordy tem em comum.

Dane ainda não despertou seu animal competitivo que dorme dentro dele e é pouco provável que se interesse no título tão cedo, mesmo assim é o único sujeito capaz de surpreender qualquer a qualquer momento.

Ninguém desconfia dos planos do Slater para 2011, mas algumas coisas são certas.

Ele estará na primeira etapa, e todos outros 3 Quik Pro e se tudo lhe correr bem... bem, vocês já conhecem essa história.