10 perguntas para... Claudia Gonçalves

Bela e extrovertida, ela surgiu ainda adolescente no surfe competitivo brasileiro, no Guarujá do início dos anos 2000. Poderia ter sido mais uma daquelas beldades precoces e efêmeras. Não foi. Claudinha tinha surfe no pé, como sua calma e graciosidade que desenvolveria nos tubos, e vontade de evoluir. Por isso buscou o mundo das ondas mais perfeitas. Por isso teve apoio de uma grande empresa para rodar esse mundo, como atleta e modelo. Por outro lado, ela sempre teve consciência de como é duro, no narcisista negócio do surfe, não ter nascido com os seus traços delicados, pele alva e cabelos loiros. A aquariana Claudia Gonçalves, 23 anos, quer um surfe feminino brasileiro melhor não só pra ela, mas também pras Titas, Silvanas e outros talentos. Fora d´água ela luta para difundir mais o surfe das meninas como editora da revista virtual Ehlas e futura jornalista, quem sabe, da TV. Direto do Hawaii ela fez um balanço de sua vida e sonhos.





01. Quando surgiu o convite para entrar na equipe da Oakley? Como é seu trabalho na empresa como surfista e modelo?
Faço parte da equipe Oakley há quase dez anos, e sou atleta exclusiva deles desde os 18 anos. Eles sempre me apoiaram desde o início da minha carreira. Meus objetivos principais sempre foram os pódios, títulos e bons resultados como surfista. Mas também sei que sempre foi muito importante a imagem que criei, vinculada ao meu talento. Sei que um surfista completo não é feito só dentro da água, mas fora também. Procuro aprimorar os dois lados: treino bastante para melhorar a qualidade do meu surfe, mas também dou muito valor aos estudos e a minha imagem como profissional.


02. Mesmo tendo um bom patrocínio, você manifesta indignação com a situação das surfistas brasileiras que não têm rosto e corpinho de modelo e sofreram com a falta de apoio e patrocínio. Esse foi o caso da Tita Tavares, por exemplo. Como vê a situação hoje, o problema ainda acontece?
Sempre demonstrei minha indignação com a falta de apoio para os talentos brasileiros, principalmente no surfe feminino. Mas reconheço também que há um despreparo dos atletas e dos investidores em diversos aspectos. Sei que não deve ser nada fácil uma pessoa surgir do nada, de uma comunidade carente, e virar ídolo nacional; não dá para exigir muita coisa de uma pessoa em uma situação dessa. Mas vejo muito poucos patrocinadores-investidores que se preocupam em fortalecer aspectos básicos da formação dessas jovens promessas.

No exterior, em primeiro lugar os patrocinadores apóiam os estudos. Os surfistas geralmente começam a correr o tour após terminarem o 2º grau completo. Eles costumam combinar a escola com viagens para aprimorar o surfe em ondas boas e pesadas. Desde crianças têm um suporte completo, desde correr os campeonatos mais importantes até fazer viagens dos sonhos, sem contar com os investimentos nas áreas de saúde, nutrição, condicionamento físico, equipamentos, viagens etc. Depois as pessoas perguntam o que falta para um brasileiro ser campeão mundial (do WCT). A minha resposta está aí!


03. Como sua carreira evoluiu? Como andam seus planos hoje, sonha com o WCT ou quer dedicar-se mais ao freesurf?
Fiz bons resultados no Brasil como amadora, fui bicampeã colegial, campeã paulista e também campeã brasileira. Mas senti que eu deveria expandir os meus horizontes, crescer e amadurecer de acordo com as oportunidades que foram surgindo. Tive a oportunidade de surfar ondas incríveis nas Maldivas, Tahiti, Indonésia, Fiji, Hawaii, Austrália, entre outros lugares... Mas apesar do sentimento único de surfar ondas tão perfeitas, sinto uma energia inexplicável quando entro em uma bateria, acho que está no meu sangue. Sem dúvida alguma ainda sonho com o WCT. Confesso que por um momento desencanei um pouco das competições, quis explorar um pouco mais os estudos (está no 3º ano de jornalismo na Unaerp, Guarujá) e as viagens, que sem eu perceber acabaram se tornando as minhas prioridades. Mas resolvi me focar no WQS em 2009. Quero ser uma atleta da elite do surfe mundial em breve.


04. Você levou uma vida bem itinerante, já morou em Maceió, Guarujá, Floripa, Guarujá de novo. Onde está vivendo hoje e qual o lugar que mais amou morar?
Sempre tive o pé na estrada. Mas isso é de família, meu pai é piloto de avião e desde criança morei em diversos lugares por conta da profissão dele. Hoje ele brinca comigo dizendo que eu já tenho mais horas de vôo do que ele (risos). Curti muito cada momento que tive nos lugares que morei, mas confesso que o lugar mais alucinante que eu vivi foi Maceió, na praia do Francês. Morei dez anos nesse lugar, toda a minha infância vivi saudável e livre, andando de cavalo, subindo em pé de manga, coqueiro, cajueiro, jogando bola na rua e pegando onda todos os dias. Essas são as lembranças mais felizes de toda a minha vida. Quero manter um laço eterno com esse lugar. Hoje passo a maior parte do tempo no Guarujá, onde tenho família. Adoro viver lá, perto de São Paulo, das ondas (ela ama as Pitangueiras) e ainda conheço todo mundo desde criança, sem contar que meu namorado também é de lá.


05. Você e Adriano Mineirinho estão juntos há vários anos, coisa rara em jovens no mundo do surfe pró. Quando começaram a namorar e como explica esse relacionamento tão duradouro?
Começamos a namorar super cedo, ele tinha 17 e eu 19, mas já nos conhecíamos há bastante tempo e sempre fomos bem amigos. Tenho certeza que nosso relacionamento dá certo por levarmos a mesma vida, é muito mais fácil de um entender o outro. Temos amigos em comum, lugares, desejos, sonhos. Somos pessoas diferentes, mas com os mesmos objetivos. Isso nos faz caminhar juntos, fortalecendo ainda mais a nossa aliança a cada dia.


06. O que mais admira no Mineiro e o que aprendeu com ele, dentro e fora d´água?
O que eu mais admiro no Adriano é a sua vontade de crescer e evoluir a cada dia. Tudo o que ele faz é pensando nos objetivos como surfista profissional. O surfe está em primeiro lugar e ele sempre deixou isso bem claro pra mim. Eu sabia que se quisesse fazer parte da vida dele eu estaria sempre depois do surfe. Isso me fez crescer muito e pensar da mesma maneira; como uma surfista profissional em primeiro lugar e depois nas outras coisas, como no namorado (risos). Aprendi e continuo aprendendo muita coisa com a determinação e força de vontade do Adriano, ele me estimula e me incentiva a ser uma verdadeira surfista, de corpo e alma.


07. Você já afirmou na mídia que é uma profissional bem regrada, que não fuma, bebe ou se joga na noite. O surfe pró-brasileiro conhece algumas histórias de surfistas talentosos que se perderam na night e drogas e brecaram suas carreiras. Por outro lado, isso não acontece com as meninas do surfe brasileiro, que parecem mais comportadas e conscientes que os homens. O que os prós brasileiros têm a aprender com vocês?
Não acho que isso depende do sexo masculino ou feminino. Às vezes penso que os surfistas em geral precisam ser mais regrados, ter mais horários, responsabilidades, foco e etc. Por outro lado, sei que não é nada fácil administrar a carreira, os horários de treino no surfe, natação, malhação e viagens. Mas acredito que essa é a hora de ganharmos nosso espaço, mostrarmos a verdadeira essência do nosso esporte, que já mudou e vem mudando ainda mais a cada dia. Muito diferente dos anos 70, quando éramos marginalizados, taxados como vagabundos. Hoje somos esportistas, saudáveis e privilegiados de poder viver fazendo o que mais amamos e recebendo para isso, mesmo que seja uma quantia bem diferente a dos outros esportes no mundo. Mas o mais importante é que somos felizes por fazer o que amamos!


08. Sua arte de entubar é elogiada por sua leveza, estilo e calma dentro dos tubos. Como e onde desenvolveu essa técnica?
Bom, aprendi a surfar em um lugar muito tubular, o Leprosário, na praia do Francês (Maceió), por isso sempre fui acostumada com ondas rápidas. Mas também tive muitas temporadas de Fernando de Noronha antes de conhecer outros lugares do mundo. Tive oportunidade de me aprimorar primeiro nos tubos do que nas manobras.


09. Você consegue levar uma vida boa com o salário que ganha no surfe? E as outras meninas, o surfe pró-brasileiro já é uma bela profissão ou pensa que o dinheiro ainda é curto em sua modalidade?
São poucas as meninas que conseguem viver bem só do surfe no Brasil. Dou graças a Deus que eu consigo. Mas me esforcei muito para chegar onde estou. Nunca quis ser apenas uma surfista profissional, sempre sonhei em estudar e trabalhar, independentemente de ser surfista. Mas as coisas tomaram outro rumo na minha vida. Eu escolhi o surfe como profissão, mas isso não me impediu de terminar o 2º grau na escola, cursar uma faculdade e estudar inglês. Acho que esses aspectos contam muito na hora de arrumar um bom patrocínio, pois acredito que as empresas procuram sempre um exemplo quase perfeito de atleta, o típico "Kelly Slater"; qual patrocinador não queria tê-lo na sua equipe?


10. Fale um pouco do seu trabalho na revista virtual Ehlas? Tem outros sonhos de trabalho no jornalismo das ondas?
Posso dizer que a revista Ehlas foi a minha maior realização como jornalista e surfista profissional, pois consegui reunir as minhas duas maiores paixões. Como jornalista tem sido uma ótima experiência para colocar em prática tudo o que eu aprendi e continuo aprendendo na faculdade. Como surfista, sempre sonhei com uma revista que mostrasse a nossa verdadeira identidade, nosso dia-a-dia, conquistas, batalhas, nosso charme, beleza e irreverência! Quando me surgiu a idéia de fazer uma revista, falei com a minha amiga e surfista profissional, Brigitte Mayer, da minha vontade em fazer alguma coisa para a nossa modalidade. Sabia que ela era a pessoa certa. Essa parceria se transformou na única revista especializada em surfe feminino no país hoje, juntamente com nossos sócios, Rick Werneck, Roberta Borges e Monika Mayer. Vou mentir se disser que eu quero para por aí; no futuro tenho vontade de trabalhar com o jornalismo esportivo televisivo, quero apresentar programas de esportes radicais, melhor ainda se for o surfe. Estou estudando para tentar unir a minha experiência como surfista com a faculdade de jornalismo, para fazer um trabalho completo! Mas o WCT está em primeiro plano.