KELLY EASTWOOD


"Every jackass thinks he knows what war is. Especially those who've never been in one. We like things nice and simple, good and evil, heroes and villains. There's always plenty of both. Most of the time, they are not who we think they are". (Bradley) ─ Flag of Our Fathers.


Sem nenhum motivo aparente acabo sempre associando as conquistas de Slater aos filmes do Clint Eastwood. Desde a famosa final em Huntington Beach, 1996, quando Kelly e Shane Beschen disputaram uma final que entrou para a história de forma meio vergonhosa ─ embora contundente.

Slater tinha três vitórias, Beschen ganhara duas e estavam ambos disputando o topo do ranking, sendo que Beschen tinha conseguido a tal primeira bateria perfeita da história da ASP, 30 pontos em 30 possíveis (ironicamente, o recorde anterior era do Slater), três notas 10 num mar clássico em Kirra, quando a primeira etapa do Tour ainda era da Billabong.

Diante de um público de 50 mil pessoas, Slater foi declaradamente desleal com Beschen, colocando-o numa interferência que mataria qualquer chance de reação do californiano naquela final. Foi um choque para a comunidade do surfe, que até então (e até hoje), considerava-se uma irmandade.

Slater não estava ali para fazer amigos. Estava ali para ganhar. Nada mais.

Aquela situação logo me remeteu ao meu filme predileto, Os imperdoáveis (Unforgiven, Clint Eastwood, 1992, EUA), no qual em uma das últimas cenas Gene Hackman interpreta o xerife canastrão que inferniza a vida do protagonista, vivido pelo próprio Eastwood.

Cercado, Little Bill (Hackman) tenta de todas as formas evitar o confronto com o pistoleiro Willian Munny (Clint). Finalmente dominado, Munny aponta seu rifle para a cabeça do xerife, que ainda tenta um último argumento: "Eu não mereço isso, eu estou construindo uma casa...".

Munny/Eastwood retruca sem pensar: "Merecer não tem nada com isso". E dispara.

Mas Huntington foi em 1996... 2011 é outra história. Ou não?


Prefiro usar agora a frase do outro magistral filme do Eastwood, A Conquista da Honra (Flag of Our Fathers, 2006, EUA).

Logo no início do filme, um veterano de guerra faz sua reflexão: "Qualquer idiota pensa saber o que é guerra. Especialmente aqueles que nunca estiveram em uma. Gostamos das coisas bem simples: bem e mal, heróis e vilões. Há sempre bastante de ambos. Na maior parte do tempo, eles não são quem achamos que são...".

Essa é a impressão que tenho do Slater: nunca temos certeza do que ele representa.

Claro que a primeira coisa que nos vem à cabeça é grandeza. Já vimos diversas facetas do camarada, torcemos por ele e contra ele durante todo esse tempo. Afinal 20 anos é suficiente para mudar de idéia mais de uma vez.

Ninguém domina tanto tempo um esporte, ou mesmo um simples ambiente de trabalho ou familiar sem alguma tirania. E a maior delas é provavelmente a vitória.

Slater nunca teve convicção de que alcançaria esse número formidável de vitórias e recordes no circuito ou fora dele ─ como esquecer que foi eleito 16 vezes o surfista mais popular do mundo segundo a revista Surfer ou seu triunfo (polêmico) no Eddie Aikau?

Onze títulos mundiais não é coisa que se planeje. Até Portugal, foram 70 finais e 48 vitórias, números que, sequer, fazem sentido quando comparados com outros surfistas.

Qualquer idiota julga saber o que é um circuito mundial de surfe profissional... Slater é hoje um veterano de guerra em ação.

Muito pouca gente consegue manter a lucidez sem se dobrar às armadilhas que pipocam no dia a dia de uma atmosfera como a do surfe profissional.

Os casos mais notórios de surfistas que não aguentaram o peso da idolatria são Tom Curren, Michael Peterson e, mais recentemente, Andy Irons.

Atrás de uma timidez atroz escondia-se Curren até onde foi possível. Foi um choque saber que o surfista exemplar que mais influenciou Slater no começo da carreira teve problemas com álcool.

Michael Peterson não teve a mesma sorte de Curren. Ainda mais arredio à exposição, MP enlouqueceu subitamente, alimentado pelos excessos ─ inclusive o de vitórias.

Ainda ainda está tão vivo na nossa memória que nos recusamos a pensar nele longe, mas a verdade é que Irons não teria ido embora tão prematuramente se continuasse o competidor mediano de 1999.

Uma vez que você experimenta vencer, nunca mais aceita outra coisa. De todos os riscos que Slater correu nesses 20 anos, o único que conseguiu pegá-lo foi o vício da vitória. E como todo bom viciado, Kelly Slater fará tudo pela próxima vitória.

Da mesma maneira que no futebol não existe gol feio ─ feio é não fazer gol ─, Slater continuará vencendo porque não sabe fazer outra coisa. Tentou golfe. Leva jeito mas não é o melhor. Azar do golfe, sorte do surfe.

Não poderia terminar este texto sem deixar de citar mais um trecho de filme dirigido e atuado por Clint Eastwood. Chama-se Josey Wales, O Fora da Lei (The Outlaw Josey Wales, 1976, EUA): "Lembre-se, quando tudo parecer perdido e você achar que não vai conseguir sair desta, você tem que ser mal. Digo, malvado mesmo, enlouquecidamente mal. Porque se você perder sua cabeça e desistir, você não sobrevive, nem vence. E as coisas são assim".

EVOLUÇÃO × EDUCAÇÃO



Espero estar errado, mas fiquei preocupado com uma antiga visão do futuro que, parece, chegou mesmo para ficar. Em algum momento lá atrás, nos anos 70, imaginei uma prancha com um motor embaixo, suficiente para melhorar a minha remada. Vários surfistas devem ter imaginado o mesmo. Cada um com o seu motivo. Se você surfasse regularmente um pico como Rincon, na Califórnia, depois da segunda ou terceira onda longa num dia com 4 a 6 pés, sonharia com um motorzinho desse. Caindo lá, eu já contei mais de 400 reamadas duplas, voltando do final de uma onda até o pico. Para surfar cinco ondas boas, duas mil remadas duplas (quatro mil braçadas, direita e esquerda). Em Haleiwa, no Hawaii, acima de 6 a 8 opes, a correnteza que te leva para baixo do pico é animal. Você rema a caída inteira, sem descanso. Ainda, tinha uma onda linda e mística no South Shore de Maui chamada Maalaea, apelidada de "trem de carga", que povoava a imaginação de todos por ser um pouco rápida demais para ser surfada. Num dia grande, era fácil imaginar um motorzinho no fundo da prancha pra te ajudar a fazer a onda toda.

Nada contra remar. Ao contrário ─ surfistas devem ter um dos mais desenvolvidos sistemas respiratórios e de circulação de sangue, entre as pessoas normais. Abre o apetite, desenvolve vários feixes de músculos e é uma parte importante do ritual do surf.

Quem me conhece ou acompanha os meus textos, sabe que eu sou um cara otimista e positivo. Também me considero "cabeça aberta", tentando perceber o mundo com uma visão 360 graus, mas a perspectiva de um cara sem educação ou meio truculento (ou os dois) em cima de uma prancha com um motor que proporciona uma remada três a quatro vezes mais rápida do que uma remada normal me assustou.

E é isso o que promete uma invenção patenteada recentemente sob o nome de WaveJet e prevista para entrar com tudo no mercado americano em 2012. Na época em que eu imaginei o tal motorzinho, o crowd não era tão nervoso. Dentro d'água, apenas as pranchinhas e uns poucos longboards. No meio dos anos 80, junto com o aparecimento dos bodyboards e pés de pato, o surf foi se popularizando e os longboards começaram a voltar com tudo. No início dos anos 90 apareceu o tow-in que, devagarzinho, não para de crescer. Precisando de menos vento que o windsurf, o kitesurf já disputa alguns picos e também se populariza mundo afora. Praticamente junto com o kite apareceu o stand-up paddle, ou simplesmente SUP, que experimenta um crescimento surpreendente para onde se olha.

Então, para quem começou a surfar nos anos 60 ou 70 do século XX, a primeira década do século XXI parece uma Torre de Babel aquática pronta para explodir em alguns lugares. Às vezes, quando a gente escreve, um pequeno exagero é necessário para chamar a atenção do leitor ou para deixar impresso de uma maneira mais contundente um argumento ou uma imagem. Pode até ser o meu caso aqui, mas visualize comigo ─ você perde a hora e acorda um pouquinho mais tarde do que o planejado numa manhã que prometia, desde o dia anterior, ondas de 4 a 6 pés, com séries maiores, e ótimas condições no seu pico favorito. Chega correndo na beira da água, com o cabelo desarrumado, como se tivesse caído da cama, dá uma raspadinha na parafina, nem se alonga e entra. Ainda tem pouca gente no pico. Uns dez surfistas de pranchinha, dois bodyboarders e um longboarder. Duas duplas de tow-in, que parecem ser principiantes, estão meio perto, no pico do lado. São 7 da manhã. Você faz valer a sua experiência e já pega logo duas ondas boas em meia hora, mas, quando termina a sua segunda onda, sai do lado de três surfistas entrando no canal. Olha para a areia e vê dois grupos ─ um com três surfistas de pranchinha e um longboarder se alongando e outro chegando com três surfistas carregando um remo e um SUP cada um. Você vira a cabeça para o horizonte e começa a remar, um pouco mais frenético. Você fica puto de ter ficado acordado até mais tarde na noite anterior e, num movimento masoquista, vira a cabeça de volta para a praia e olha na calçada dois carros chegando com pranchas em cima. Dá pra ver, mesmo de longe, que tem umas seis a oito pranchas, entre pranchinhas, longs e SUPs.

Mais uma dupla de tow-in vem chegando, enquanto um dos outros dois pilotos, por inexperiência, joga o seu parceiro no meio do pico onde você está. Dois caras berram, o piloto pede desculpa levantando a mão, mas tem que entrar perto da galera para resgatar o parceiro.  Você se posiciona lá fora e pensa, já meio pilhado: "A próxima que vier é minha". Olha para o horizonte em busca de uma série e nota uma brisa de vento vindo da esquerda, começando a mexer a superfície lisa do mar.

Quinze minutos depois o vento aperta, uma das duplas de tow-in vai embora, mas três kitesurfistas chegam para dividir o pico ao lado com as duas duplas que ficaram. Um deles vem lá de fora, uns 300 metros pra esquerda, entra na onda bem antes, joga o kite no vento e passa uma seção impossível com uma velocidade animal e mesmo saindo da onda uns 50 metros ao lado do pico onde você está, sem atrapalhar ninguém, aumenta a sensação de que cada onda está sendo caçada ferozmente.

Já tem uma hora que você está na água e ainda não "fez a cabeça". Olha para trás e suspira meio conformado com a visão de umas 30 pessoas boiando, umas sentadas e outras em pé, remo na mão. De repente, você olha para o canal e vê um surfista ajoelhado num longboard e dois surfistas em pé, cada um com um remo, os três entrando com os cabelos secos.  O seu olhar aperta e a testa franze em descrédito ─ eles não estão remando, mas se deslocam suavemente e silenciosamente na sua direção. Cada um tem uma pulseira escura, meio larga, com um visual futurístico e parece controlar alguma coisa com ela. Eles passam por fora e param meio longe, ainda mais longe do que os longboarders. Um deles começa a remar num balanço que nem parecia ser uma onda. Tem alguma coisa estranha, pois ele parece conseguir acompanhar a velocidade daquele balanço bem antes de virar uma onda. Nem um pranchão de 12 pés com 3 polegadas de espessura conseguiria fazer aquilo. A situação acima pode estar um pouco exagerada, mas não está muito longe de acontecer num futuro próximo.

Também, como sempre, tem o outro lado da moeda. Como é impossível voltar no tempo e frear a evolução das coisas, tem perspectivas interessantes que se abrem. Pessoas mais velhas que não conseguem remar direito serão beneficiadas. Crianças novas demais. Ou pessoas que simplesmente nunca tiveram aptidão para esforço físico poderão ter contato com as ondas, com o mar, lagoas e represas. Ainda, o desenvolvimento de motores com propulsão à bateria evitará mais queima de combustíveis fósseis.

A minha preocupação no primeiro parágrafo era baseada apenas na possível falta de educação dentro d'água que essa invenção pode proporcionar. Sem entender que, como todos dentro d'água, o proprietário de uma prancha que rema três ou quatro vezes mais deve esperar a sua vez, a presença de qualquer pessoa com uma prancha dessas no pico será um estorvo.

A PRIMEIRA VEZ DE DUKE NA AUSTRÁLIA


Manhã tranquila de uma sexta-feira, véspera do Natal de 1914, em Manly. Duke Kahanamoku chegara na Austrália no dia 14 de dezembro para uma série de exibições do seu estilo incomparável de nadar, estilo esse que tinha rendido uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Estocolmo em 1912 nos 100 metros, em cima das grandes estrelas australianas, Cecil Healy (que ficou em segundo) e Willian Longworth.

Duke foi recebido com muito entusiasmo pelo povo local que tinha, e ainda tem, enorme paixão por esportes aquáticos.

Todos os principais jornais australianos deram grande importância à visita do famoso havaiano que estava mudando a história da natação com movimentos ritmados dos seus enormes pés e mãos.

Outra coisa que deixava os australianos enlouquecidos de curiosidade era o surfe e nessa manhã do dia 24 Duke finalmente mostraria como enfrentar as ondas com uma prancha e retornar à praia majestosamente em pé, como escreveu Jack London certa vez, parecendo um Deus.

Não foi fácil.

Quando chegou na ilha continente, todos lhe pediram uma demonstração do esporte dos reis, mas Duke não tinha prancha.

Apesar da palavra surfing ser familiar aos australianos, o surfe que eles conheciam era o surfe de peito e uma forma rústica de dropar ondas com seus barcos salva-vidas.

Diversas tentativas de surfar como conhecemos hoje foram feitas, todas frustradas. Desta vez eles teriam uma chance, faltava apenas um detalhe: a prancha.

George Hudson, dono de uma madeireira em Sydney, doou uma placa sólida de uma espécie de pinho, cortou nas especificações que Kahanamoku tinha orientado e o havaiano finalizou o shape fazendo as bordas, colocando uma leve curva no bico e, reza a lenda, sutil concave na rabeta.

Estava pronta a primeira prancha feita na Austrália.

Pesava por volta de 45 quilos, quase o dobro das pranchas que Duke estava acostumado a surfar na sua casa em Waikiki.

A primeira surfada era tão aguardada por todos que foi disputada por organizadores e anfitriões de maneira feroz.  A data pedia solenidade.

Mar forte e ondas difíceis naquele dia 25, mesmo assim Duke entrou deitado e remando de uma maneira absolutamente nova, varou a arrebentação, virou a prancha e desceu algumas vezes ajoelhado para ir pegando o jeito da prancha nova.

Numa delas, para grande assombro, postou-se de pé como nas famosas fotos que rodaram o mundo no início do século.

O que mais os impressionava era a forma ágil como Duke, mesmo deitado, conseguia virar completamente sua pesada prancha quando chegava lá fora, remar junto das ondas e voltar até a praia sem esforço.

Não fazia nem 20 anos que os residentes de Manly tinham conquistado, à custa de vigorosos protestos segundo o jornal Sydney Morning Herald, o direito de ir à praia na hora que quisessem.

Uma das coisas que mais chamou atenção do Duke foi a quantidade de gente dentro d'água todos os dias em Manly, "Vocês têm mais gente dentro d'água aqui em um dia do que nós temos em Honolulu em mais de uma semana", confessou.  Isso tudo porque em 1895 um nativo de Vanuatu, Tommy Tana, resolveu dar um mergulho e voltou pra praia aproveitando a força da onda, nascia ali o surfe de peito na Austrália, ou como eles chamavam, Surf shooting.

Finalmente, no dia 10 de janeiro de 1915, Duke foi fazer sua grande demonstração na praia de Freshwater, milhares de pessoas presentes para testemunhar o grande Kahuna havaiano exibir sua arte milenar de correr ondas.

No meio da multidão, uma menina de 15 anos, Isobel Letham, estudante e nadadora do clube de Freshwater, foi a escolhida por Duke para uma rápida e improvisada aula de surfe.

Isobel, falecida em 1995, foi a primeira surfista da Austrália.

A Austrália hoje tem 13 títulos no World Tour da ASP e 700 vitórias nos circuitos mundiais, junior, mulheres, WQS e pranchão, um número assustador se comparado por exemplo ao Brasil que ainda nem chegou a 200.

Escrevo isso porque ontem, voltando de uma rápida e agradável caída na lendária North Narrabeen, parei na praia de Freshwater e fui ver a prancha do Duke de perto.

Lá estava ela, numa redoma de vidro, imponente, atemporal.

Talvez uma das pranchas mais importantes de toda a história do surfe moderno, eu estava encantado.

"Com licença, quem deixou você entrar? Essa área é limitada apenas a sócios do clube", uma voz feminina nos avisou aflita.

"Só queremos ver a prancha do Duke", ainda tentei explicar.

"Por favor, sejam rápidos".

Saí de lá indignado com o egoísmo da mocinha e com a mais absoluta prova de que a mensagem do Duke até hoje não foi assimilada nem compreendida pela maioria.

Duke compartilhou seu maior tesouro com a comunidade local lhes dando o surfe como herança.

O mínimo que podiam fazer era permitir que curiosos, como eu, ou quem quisesse conhecer um pouco da história do surfe na Austrália, pudesse admirar a pedra fundamental do surfe australiano.

A mocinha assustada que tão gentilmente nos afugentou da sala dos troféus do clube de Freshwater, devia ter orgulho e ficar até envaidecida de ter um brasileiro ali no seu pequeno clube para conhecer seu bem mais precioso.

Paulo Francis tinha razão quando escrevia que a ignorância é a maior das multinacionais.

Billabong Pipeline Masters

MAR, MEU NINHO


A música de surfe sempre foi associada aos sons estrangeiros que chegavam aos nossos ouvidos pelos sempre fascinantes filmes de surfe. Passamos por muitos ciclos diferentes, desde o jazz nos filmes do Bruce Brown, tocados com malícia e sensualidade pelo saxofone (às vezes flauta) do Bud Shank, até o hino indie do TV on the Radio.

Surfista nos anos 40 e 50 ouvia blues e jazz. Greg Noll diz que nos anos 60 se ouvia de tudo, menos aquelas musiquinhas irritantes que batizaram de surf music. Foi quando chegou a psicodelia no apagar das luzes da década e todo mundo caiu na farra.

Os anos 70 foram completamente rock n'roll! O primeiro filme de surfe brasileiro, Nas Ondas do Surfe (1978, Lívio Bruni Jr., Brasil), tinha a trilha sonora do conjunto A Cor do Som, do virtuoso guitarrista Armandinho, filho do lendário baiano e pioneiro. Osmar Macedo, do Trio Elétrico Dodô e Osmar.

Na década de 80, o new wave ditava literalmente o ritmo, enquanto nos anos 90 foi a hora do hardcore melódico entrar na roda ─ ou na moda.

Música eletrônica virou prato do dia nos 00 e ainda não saiu do iPod até hoje. Isso foi um resumo rápido, sem entrar muito nos detalhes que renderiam mais uma dúzia de textos cada.

Sou capaz de escrever sem parar sobre o London Calling, do The Clash (e Sandista!); ou do Low Life, do New Order; Caravanserai, do Santana; Moondance, do Van Morrison; Harvest, do Neil Young; Against the Grain, do Bad Religion; Burn, do Deep Purple; Meddle, do Pink Floyd. Mas não é o caso.

O que você ouve reflete muito do que você sente e ─ por que não? ─ como vai se comportar.

Samba nunca foi um gênero musical muito popular entre a surfistada, talvez pelo preconceito, ou absoluto desconhecimento da nossa música popular pela elite que pega onda.

Relacionamos o surfe muito mais com o som de um violãozinho ao estilo Jack Johnson do que com o choro da cuíca.

Aqui a porca torce o rabo. Adoro violãozinho e até aturo ouvir as baladinhas do havaiano 300 vezes em todo e qualquer canto que tenha um único e solitário surfista atrás do balcão, mas quem fala da nossa relação com o mar como pouquíssimos é Paulinho da Viola.

Ele é nosso poeta Greg Noll, o Curren do samba. Vejam que letra formidável que ele comete:

"Lobo do mar, timoneiro, / Me leve pro sol / Quero outro verão / Não quero mar de marola / Das praias da moda / Na rebentação / Quero mar alto, o mar grande..."

Substitua "timoneiro" por surfista. Perdemos a rima, ganhamos significado e identificação. A alma do homem do mar está lá, a intimidade com a situação, a solidão típica de quem se dedica com paixão a sua atividade. E ele continua:

"Prefiro ir à deriva / Me deixe que eu siga / Em qualquer direção / Se eu sou de um rio marinho / O mar é meu ninho / Meu leito e meu chão"

Pega onda, esse cara? Pode até não pegar, mas tem coração de surfista ─ ou temos nós, todos, uma alma de sambista.

Foi Paulinho da Viola quem compôs a sentença mais emblemática que já escreveram sobre surfe: "Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar".

Somos todos navegados, melhor dizendo, surfados, pelo mar. Paulinho é pescador e sabe que nossas atividades, surfe e pesca, são cercadas de mistério e imprevisibilidade, por mais que tentemos não somos donos do destino, no mar como na vida.

Você escolhe se quer cair num mar enorme e sabe dos riscos que corre, mas se nunca enfrentá-los, como vai descobrir se é capaz ou não?

Nos fascinamos com o simples fato de que um dia na praia pode trazer a mais suprema felicidade do nada. Ou, como diz Paulinho da Viola:

"Deus bem sabe o que faz
A onda que me carrega
Ela mesma que me traz"

Outro gigante da canção universal que escreveu como ninguém sobre o homem e o mar, Dorival Caymmi, avisa: "Quem vem pra beira do mar, nunca mais quer voltar".

CULTURA AMEAÇADA

Longboard é sinônimo de história, sendo a modalidade do surf que melhor representa o desprendimento e alegria que caracterizou os primórdios do esporte. Também é sinônimo de outros valores essenciais, como respeito, união e estilo, sempre baseados em classe e harmonia.

Isso tudo ainda é evidente, mas se o tempo pode ser benéfico para algumas coisas, também pode abrir um buraco enorme numa cultura. A massificação do longboard anda a passos largos, principalmente pela adesão da molecada e não há dúvidas que isso tem um lado positivo. Mas seria bom se os novos praticantes enxergassem os aspectos fundamentais de uma cultura que envolve atitudes singelas, mas extremamente expressivas. Sempre comento que longboard é surf, um esporte radical por natureza, mas para que sua raiz não se perca no meio de tanta pancada, é preciso muita atenção da nova geração. Digo atenção deles, porque não falta boa vontade aos antigos em procurar manter viva a elegância de tantos anos e passar isso adiante.

O maior problema talvez seja a forma como se vem surfando atualmente. Pranchas com muito rocker, finas e estreitas demais, contribuem para um surf de base aberta, obrigando o cara a matar milhares de baratas para conseguir alguma manobra na rabeta. A fluidez, estabilidade e harmonia ficam comprometidas e o noseriding vira aquele Deus nos acuda. É um tal de se rastejar até o bico, que dá nojo de ver. Felizmente tem uns moleques que são mestres quando o assunto é prancha grande. Os californianos são os que melhor parecem assimilar a história, embora pequem na camaradagem, muitas vezes achando que só eles sabem o que é surf de longboard. Mas que eles entendem do assunto, ninguém pode negar. Alex Knost, Joe Aaron e Tommy Witt são exemplos de garotos que conseguem absorver todos os fundamentos técnicos e históricos. Seguindo a mesma linha, aqui no Brasil, Marcelo Carbone e Alexandre Wholters são dois filhos natos do longboard, com vantagem de serem humildes e amigáveis, provando para seus contemporâneos gringos que surf decente também se faz fora d'água.

A falta de respeito com a história acaba gerando a descaracterização da cultura, colocando-a sob ameaça de extinção. Isso tudo é fomentado pela egotrip de alguns surfistas quando começam a deslanchar em cima dos seus pranchões. Muito marmanjo que andava morto no surf por não conseguir fluir com uma 6 pés, quando pega uma 9 pés e consegue alguma coisa, acha que está no céu e nem se liga se está fazendo surf de longboard ou simplesmente se está surfando com uma pranchinha alongada. Desde que ele mantenha o ego controlado, não tem nada demais. O pior é o moleque que era gordinho e desengonçado e por isso teve que aprender a surfar com um longboard. Passa um tempo e ele vai pegando o jeito, até começar a competir. Aí com 17/18 anos pensa que sabe tudo e sai ignorando a história e seus personagens, só porque ganhou umas bateriazinhas aqui, outras ali, fez umas viagens para o Hawaii que o pai bancou, mas nunca surfou Pipe ou Sunset de verdade. Isso soa como um escracho à alma de qualquer surfista de bom senso, principalmente para quem respeita a cultura do longboard.

Resgatar a história, unir-se em torno dessa paixão e divertir-se com classe é a melhor forma de manter viva nossa cultura, que abomina atitudes contrárias a essas. Isso é longboard, o que se tem visto por aí é balela!

A MELHOR MANEIRA DE ENFRENTAR O SOL


PARA QUEM COSTUMA FICAR DUAS OU TRÊS HORAS NO OUTSIDE DEBAIXO DO SOL, UMA BOA PROTEÇÃO DE PELE É INEVITÁVEL. FALAMOS COM PRÓS E ESPECIALISTAS PARA SABER O QUE USAR


Para fazer o que mais gosta, um surfista precisa apenas de uma prancha, uma bermuda e o mínimo de talento, certo? Errado. Um bom protetor solar é peça importantíssima na mala de uma surf trip.

A dermatologista Ligia Kogos indica os protetores à prova d’água, mas ressalta que os que contém zinco em sua fórmula são mais eficazes. “O óxido de zinco é um filtro físico. Ele é uma partícula que reflete a luz e que não arde os olhos. O zinco também tem uma ação calmante, que é bom para quem já está com a pele vermelha e irritada”.

Entre os surfistas, os protetores preferidos são os de bastão. “Uso protetor solar Vertra, aquele stick que é mais fácil de usar”, conta Jessé Mendes, surfista profissional de 22 anos. O fabricante do Vertra garante que o protetor tem proteção ultra-resistente à água e não precisa ser passado mais de uma vez ao dia.

A velha guarda segue outro caminho: “Sempre usei Hipoglós, sou dessa época”, afirma Fabio Gouveia. Apesar de não ser oficialmente um filtro solar, o Hipoglós é eficaz na proteção contra o sol. Além de conter óxido de zinco em sua fórmula, a pomada forma uma camada espessa sobre a pele que repele o sol. Porém a doutora Ligia lembra: “Mesmo passando o Hipoglós, é interessante passar também um filtro solar por baixo para fazer mais efeito”.

Uma opção híbrida entre o Hipoglós e os protetores, é o americano Zinka, um protetor à prova d’água que contém zinco em sua fórmula e também é vendido em bastões. Depois que estiver com o rosto bem protegido, não se esqueça de proteger o corpo. As lycras feitas com tecidos que protegem dos raios UV são ideais.

TEMPO DE MUDANÇAS


Dois de novembro último, feriado, um dia que começou com uma baita chuva no Rio de Janeiro, mas que foi se tornando uma agradável manhã de primavera. Peguei minha scooter e fui para o Barramares, na altura do Posto 4 da Barra da Tijuca, local que frequento há exatos 12 anos. Pois bem, há dias vi um palanque grande e bacana sendo montado e sabia que aquilo era e estrutura do BSP (Brasil Surf Pro), o Circuito Brasileiro de Surf Profissional. "Legal", pensei. Imaginei uma galera na praia, afinal, alguns dos melhores surfistas do país estariam ali competindo em busca do título nacional. Mas, para minha decepção, as areias em frente ao palanque ficaram às moscas.

Na verdade, não foi uma surpresa, pois já tem um tempo que eventos de surf, ao menos no Rio de Janeiro, não atraem aquela massa. Com exceção da etapa do World Tour, nada tira as pessoas de suas casas, afazeres ou o que quer que seja para dar uma vislumbrada no que há de melhor no surf do Brasil. E, para mim, aí é que está um dos problemas desta falta de atratividade dos eventos de surf atualmente. Os melhores surfistas do Brasil participam destes campeonatos? A resposta é não! O atual Circuito Brasileiro virou uma espécie de fuga para uma centena de jovens que não querem cair na real e se tocar de que não serão Medinas nem De Souzas. Eles não ganharão US$ 100 mil de prêmio, não serão conhecidos no mundo nem terão uma enorme legião de seguidores no Twitter.

O Circuito Brasileiro não tem os melhores do Brasil em suas etapas. Por quê? Simples, eles estão disputando o WT e alguns eventos 6 estrelas do QS. E quem corre o Brasil Surf Pro? Generalizando, uma galera que mal tem grana para se deslocar de sua casa para os locais dos campeonatos, que vive reclamando disso e aquilo, que não pensa no esporte como um todo e apenas quer manter o sonho de ser surfista profissional, mesmo que não receba nada para isso.

Amigo, se você não se sobressaiu até os 18 anos, esqueça, vá estudar, arrume um emprego e recomece sua vida. Isso pode ser doloroso, mas ao mesmo tempo lhe renderá dividendos quando você estiver com 45 anos, casado e for pai de família. Todos nós temos sonhos, e apenas um número bem pequeno da população consegue viver de algum trabalho relacionado a eles. Além disso, temos tantos campeonatos de surf atualmente, que para o leigo é tudo a mesma coisa. Exemplo: o Carlinhos, meu amigo de 70 anos de idade e praia, que já viu todos os campeonatos de surf possíveis realizados no Barramares, achava que o BSP era uma etapa do Estadual. Sem divulgação de jornal ou TV, seja ela aberta ou fechada, fica difícil saber que evento seria aquele, já que até novembro já rolaram uns 20 campeonatos naquele mesmo lugar este ano.

Indo um pouco mais longe, digo que a própria ASP South America logo sofrerá do mesmo mal que a Abrasp sofre hohe em dia. As inúmeras etapas do QS estão se tornando um produto sem sentido. E não adianta vir com o papo de que quanto mais etapas tiverem no Brasil mais surfistas teremos entre os Tops porque os dois últimos 6 estrelas que rolaram só foram bons para o Kolohe Andino, que venceu ambos.

Basicamente, a fórmula de disputa, principalmente do Circuito Brasileiro, está ultrapassada. E ninguém tem culpa. As coisas se esgotam. É preciso novas ideias, gente debatendo para que se chegue a um novo plano de sucesso. Eu particularmente penso que deveria acontecer apenas um grande evento, como eram os festivais de surf dos anos 80.  Seriam dez dias de muita festa, surf, moda, com inscrição ilimitada. Baterias de quatro surfistas até o final e uma premiação de no mínimo R$ 500 mil para o vencedor. Tenho certeza de que é mais viável angariar e depois gastar R$ 10 milhões para fazer um megaevento do que ficar promovendo cinco etapas em lugares em que a população local não passa de 50 mil pessoas. Imagine um novo OP Pro como foi o de 86, com quase 500 atletas competindo, unindo esporte, música e moda. Viagem minha? Talvez, mas, se eu fosse diretor de marketing da Coca-Cola, gastaria minha verba de verão num evento assim, totalmente direcionado para o meu público-alvo numa tacada só, fazendo diversas ações como festas, gincanas e shows. Isso é atrair o público, isso é motivar a mídia. E um prêmio de R$ 500 mil, meu caro, atrairia qualquer surfista de ponta. Está na hora de fazer uma mudança no formato do surf brasileiro. Com as Olimpíadas, vamos perder espaço, aliás, já estamos perdendo. O que temos de mais valioso é nosso estilo de vida, saudável, exótico e bonito. O surfista tem charme, chama a atenção. As competições, com o passar dos anos, foram apagando essa aura. Precisamos mudar isso. E acho que nos próprios eventos teríamos a oportunidade de reverter esse quadro. Precisamos de nossos melhores atletas competindo pra valer em nossas ondas. Sem isso, tudo continuará a ser apenas o ganha-pão de um bocado de surfistas com síndrome de "Peter Pan".

Consciência no Jet Ski


A CADA DIA O JET SKI TORNA-SE MAIS PRESENTE NO MUNDO DO SURF. COMEÇOU COM O TOW IN, ONDE ELE É FERRAMENTA FUNDAMENTAL, E DEPOIS COM O USO DAS MOTOS D'ÁGUA PARA LEVAR COMPETIDORES PARA O OUTSIDE. A POPULARIDADE É TANTA QUE HOJE EXISTE  UM USO EXCESSIVO E DESCONTROLADO DOS JETS. SERÁ QUE QUEM USA SABE O MAL QUE ELE CAUSA?


O jet ski é constantemente utilizado em campeonatos para agilizar a volta do surfista ao lineup. Além de poupar o esforço da remada para passar a arrebentação, ele torna a bateria mais competitiva pela chance de haver mais ondas surfadas. Mas o uso excessivo das máquinas polui a água do mar, prejudica a vida marinha e, até mesmo, a saúde do surfista. Por essas e outras que leis como as aplicadas nos EUA estão ganhando força.

O Golden Gate National Recreation Area (GGNRA), que controla as atividades na região costeira de São Francisco, Califórnia, não abriu exceção para o uso na 10ª etapa do World Tour, em Ocean Beach, e para o Big Wave World Tour, em Mavericks ─ está última mais discutível devido à inevitável necessidade do uso de jets para surfar a onda.

Segundo Howard Levitt, diretor de comunicação da GGNRA, os jet skis devem ser usados apenas em situações de emergência: "Temos um jet ski de resgate dos salva-vidas, as leis não nos permitem deixar que outra pessoa faça isso", diz. A preocupação com o meio ambiente é válida, de acordo com Annie Reisewitz, diretora da Strategic Ocean Solutions, da Flórida. "O impacto do jet ski é maior que o de barcos, porque eles circulam mais próximos à costa", afirma a especialista. Para ela, os motivos são o barulho e a emissão de poluentes no ar e no oceano, entre eles, o monóxido de carbono e hidrocarbonetos.

Além de poder causar a morte de animais marinhos, a constante poluição sonora e da água interrompe o descanso, diminui a atividade no habitat, reduz a taxa de reprodução e o tempo de vida, interfere nos costumes de locomoção e alimentação e altera o comportamento e a estrutura comunitária no fundo do mar.


REALIDADE BRASILEIRA
Para Elisabete Braga, professora de Oceanografia Química da USP, "os resíduos emitidos na queima de combustível liberam tintas tóxicas, prejudiciais à fauna e à flora e também aos surfistas". Os modelos com motor dois tempos são os mais poluentes ─ eles não queimam cerca de 30% do combustível, que vaza pelo escapamento. Nos Estados Unidos esse motor já é proibido. A US Environmental Protection Agency obriga as marcas a utilizar o quatro tempos com injeção eletrônica. "Ele consome menos e não usa óleo, então polui menos", comenta Alex Silva, gerente de produtos da Yamaha. "O combustível queima totalmente, igual ao de carro. Já o dois tempos, além do vazamento de combustível, faz muita fumaça, como uma moto antiga", completa.

Mesmo sem leis no Brasil, as marcas já optaram por trabalhar com o motor quatro tempos. A Kawasaki apresentou, no Salão Duas Rodas, neste mês, os modelos Ultra 300X e Ultra 300LX, ambos quatro tempos. Já a Yamaha vende os mesmos jets que são produzidos nos EUA e, segundo Benedito Alves, instrutor técnico da marca, pretende encerrar em até dois anos a fabricação dos modelos dois tempos.

Quando as condições demandam, o jet é uma ótima ferramenta. Mas para não poluir nosso parque de diversões, o oceano, é preciso que seu uso seja feito de maneira consciente e responsável.

FALHA INCALCULÁVEL

UM ERRO DE CÁLCULO DETECTADO POR UM INTERNAUTA SUPOSTAMENTE CHAMADO MARK, NO FÓRUMO DE UMA MATÉRIA DO SURFLINE.COM, JOGOU LUZES NA MAIOR IMBICADA DA HISTÓRIA DA ASSOCIATION OF SURFING PROFESSIONALS ─ ASP. NÃO FOSSE O FATO DE OWEN WRIGHT AINDA ESTAR NO EVENTO, NINGUÉM TERIA PERCEBIDO A FALHA. MAS, POR OBRA DO DESTINO, O CASO VEIO À TONA E KELLY SOLTOU A BOMBA NO TWITTER (SEMPRE ELE) ANTES DE A ASP SE MEXER. MESMO DEPOIS DA COROAÇÃO DO 11º TÍTULO, AINDA HAVIA A REMOTA CHANCE DE OWEN VIRAR O JOGO E KELLY TERIA QUE PASSAR MAIS UMA BATERIA PARA SER REALMENTE CAMPEÃO POR ANTECIPAÇÃO. CASO NÃO PASSASSE NENHUMA, NEM EM SAN FRANCISCO NEM EM PIPE, OWEN TERIA QUE VENCER OS DOIS EVENTOS E AINDA DERROTAR SLATER NUMA BATERIA TIRA-TEIMA, PROVAVELMENTE DEPOIS DO PIPE MASTER. NA ENTREVISTA ABAIXO O BRASILEIRO RENATO HICKEL, TOUR MANAGER DA ASP, EXPLICA MELHOR O QUE ACONTECEU E OS DESDOBRAMENTOS DO MAIOR ABACAXI QUE A ASP JÁ TEVE NAS MÃOS.




01. PARA QUEM AINDA NÃO ENTENDEU, O QUE EXATAMENTE ACONTECEU?
Foi o episódio mais difícil pelo qual já passei na ASP. Esse e a morte do Andy, ano passado. Há tempos colocamos a necessidade de mudanças no sistema que utilizamos para determinar o ranking. Estávamos reconfigurando tudo para funcionar de maneira precisa, mas isso leva tempo e já havíamos discutido a possibilidade de acontecer um erro como esse. Analisando mais detalhadamente, o caso não teria maiores consequências se o Owen tivesse perdido antes... Para quem vive o Circuito, os atletas, quem sabia das verdadeiras possibilidades, a coisa foi tratada como se fosse um problema menor. É um programa (software) complexo em que todas as regras e possibilidades são previstas. Os desempates eram quebrados pela posição no ranking, se isso não fosse possível rolaria o "surf off" (tira-teima). Mas o programador da ASP ainda não havia incluído a nova regra nas planilhas de Excel (que é manualmente atualizada). Quando rodávamos o ranking, o nono lugar dava a taça ao Kelly. A regra foi mudada em fevereiro, não fazia sentido dar o título ainda baseado no seed passado. Talvez isso tivesse que acontecer para que as coisas tomassem o caminho que gostaríamos. Os pragramas adquiridos agora, o Member Pro e Ranking Predictor, são atualizados a partir das notas digitadas pelos juízes. Acabando a bateria o ranking já está atualizado, como deveria ser há muito tempo.

02. COMO VOCÊ AVALIA O PREJUÍZO À IMAGEM DA ASP? AFINAL, A NOTÍCIA RODOU O MUNDO E SAIU NOS PRINCIPAIS MEIOS DE COMUNICAÇÃO.
É difícil de quantificar. Ao mesmo tempo em que manchou num ano alucinante que tivemos, tem o outro lado da moeda. A entidade reconheceu, admitiu o erro imediatamente e se manifestou. Desculpou-se perante os fãs e apresentou medidas imediatas para que isso nunca mais aconteça. Em longo prazo pode ser até que isso engrandeça a imagem da entidade no meio comporativo. Vamos dizer que a gente tenha um grande patrocinador. Ele pode questionar se vai fazer negócios com esses caras que não sabem calcular nem o próprio ranking, mas também pode ver assim: "Os caras foram honestos, fizeram uma cagada, mas assumiram o erro, deram as devidas explicações, arrumaram tudo da melhor maneira possível e tomaram medidas para que não aconteça mais".  Comparando com outros esportes, o escândalo da FIFA, a NBA parada, erros que tiraram vitórias de atletas como Senna e nunca foram reparados... Dentro do contexto global de erros e escândalos do mundo esportivo, o da ASP será considerado pequeno daqui a alguns anos. Dito isso, temos plena consciência de que para nós foi um erro monumental, gigantesco, porque a gente procura a perfeição e o ápice do Circuito é definir o campeão mundial. Um vacilo nesse processo obviamente mancha a imagem da ASP.

03. A SAÍDA DE BRODIE CARR, CEO DA ASP, FOI CONSEQUÊNCIA DISSO?
A saída dele aconteceria de qualquer forma no fim da temporada. A posição de CEO é ingrata. Entre atletas e eventos, que são os donos da ASP, é difícil agradar a todos. Mas a mesa usou esse episódio para definir a saída dele, por representar uma atitude diante do problema e dar-lhe a oportunidade de uma saída digna.

04. MUITA GENTE CRITÍCA A ASP PELA PERDA DOS DIREITOS DE TRANSMISSÃO DOS EVENTOS E PELO LENTO AUMENTO DAS PREMIAÇÕES, POR EXEMPLO. QUAL O LEGADO DE BRODIE?
Ele foi responsável pela expansão das fronteiras do surf profissional, chegando até a China, por exemplo. Atingiu novos mercados. Esteve diretamente envolvido no projeto que gerou o primeiro evento com US$ 1 milhão em premiação (Nova York) e unificou os escritórios regionais sob a mesma bandeira da ASP Internacional. A perda dos direitos de mídia não pode recair sobre ele, já que o CEO não vota. Foi uma decisão da mesa e se há alguém que pode levar a culpa são os próprios atletas, que se tivessem votado em contrário na época e fosse para o voto de minerva, dos diretores independentes, provavelmente isso não teria acontecido. As transmissões de TV e web são os principais filões de onde podemos gerar receita para a entidade. Até recuperarmos isso vamos continuar engatinhando. É difícil ir ao mercado vencer o patrocínio global para uma grande empresa sem ter o controle desse direito de mídia. Por isso, nesses seis anos, Brodie conseguiu alguns patrocínios, mas indiscutivelmente não conseguiu um patrocinador que fosse o "guarda-chuva" global. Quando a Swatch colocou uma proposta na mesa a primeira vez, foi vetada.

05. A PRESENÇA DE UM PRESIDENTE COMO WAYNE BARTHOLOMEW MUDARIA O ANDAMENTO DAS COISAS NA ASP?
Não, acho que não. O Rabbit saiu a princípio por livre e espontânea vontade, mas sabemos que acabaria saindo. Ele, como presidente, tinha um salário muito alto e trabalhava pouco. Evitava confrontos, tornando-se omisso, provavelmente por ter confrontado tanta coisa durante toda sua vida de surfista. A figura do presidente sempre foi uma figura não remunerada, mas quando a ASP foi para a Austrália ele foi eleito presidente e CEO. Quando viram que não funcionava o deixaram apenas como presidente, recebendo menos, claro, mas continuaram pagando. Mas acharam que aquele investimento não tinha retorno. Praticamente a única coisa que ele se envolvia era com regras, comitê técnico, formato... A presença dele ou de outro presidente não mudaria nada.

06. VOCÊ TAMBÉM CHEGOU A COLOCAR SEU CARGO À DISPOSIÇÃO?
Sim, decidi fazer isso por ser o procedimento normal numa empresa. Apesar de não ser diretamente minha responsabilidade, eu sou o Tour Manager (gerente). Sabia da situação delicada do Brodie e foi uma maneira de tentar dar uma força pra ele ficar. Para mim acabou sendo uma das coisas positivas disso tudo, pois negaram minha saída por unanimidade. Eu ofereci minha carta de resignação a todos os participantes da mesa e aos surfistas. Foi gratificante. Continuo recebendo e-mails dos surfistas, como o do Luke Egan (ex-Top) dizendo que espera que eu já tenha passado pela tempestade e que tenho total apoio dele e de todos os surfistas. Os Top 34 sabem como funciona o esquema do ranking e apreciam o meu trabalho. Diante do maior problema que enfrentei, tirando a morte do Andy, coloquei meu cargo em oferta e todo mundo negou. Sinto-me fortalecido perante a entidade. Eu estava sozinho, podia ter me negado a dar entrevista. Poderia ter esperado o Brodie chegar, mas achei que precisava tomar essa atitude. Alguém tinha que assumir e isso foi visto como um ato de bravura lá mesmo no evento.

RABBIT KEKAI ─ O eterno beachboy


"Rabbit Kekai é nosso link vivo com toda a história do surf moderno" (Longboard magazine, 1998).

Ele cresceu na época mais dourada, os anos 20/30 em que o Hawaii era uma ilha paradisíaca tranquila. Sua Waikiki tinha apenas 2 prédios de hotéis. Os poucos turistas ainda preferiam viver em vez de largarem-se no comodismo e artificialidade dos resorts de hoje. E viver era aproveitar as experiências mais intensas, nos palcos mais reais, a praia e o oceano. Para isso os turistas contratavam os beachboys. Os watermen ─ exímios nadadores, bodysurfers, caçadores, remadores (de canoas) e, claro, surfistas ─ que ganhavam a vida inserindo os hóspedes do Moana Hotel nas ondas e em passeios de canoas havaianas. E na areia havia ainda a música, a dança, os peixes assados ali mesmo, os mitos antigos contados de viva voz e romances com as mais belas turistas.

Albert Kekai nasce (11/11/1920) e cresce em Waikiki. Aprende a nadar na marra: seu tio, salva-vidas na praia de Publics, simplesmente o atira no "fundão" e ele precisa nadar uns 100 metros até a areia. Aos 5 anos inicia-se no surf em Queen's, numa enorme prancha de redwood (madeira de sequóia, secular árvore americana) de 16 pés, 45 quilos, sem quilha. E aos 10, ele cai nas graças do melhor tutor possível para quem sonhava ser um beachboy: o mito maior do surf e campeão olímpico de natação, Duke Kahanamoku. Com o mais nobre dos surfistas, o garoto, um mini punk encapetado, refina um pouco seus modos e aprende a dominar os segredos do esporte dos reis. Fora d'água o menino já é chamado de Rabbit (coelho), por sua velocidade. Dizem que fazia os 100 metros em 10 segundos cravados. Quando garoto, "eu jogava futebol americano, basquete, corria e surfava". Estudante na tradicional Kemahemaha High, a escola foi dura no início, pois ele só falava havaiano e era sacaneado pelos outros garotos. Uma professora especial, fluente no idioma das ilhas, o ajudou a aprender o inglês.

A vida pelas ondas. Mesmo com oferta de bolsa de estudos para a faculdade, por ser um grande atleta em várias modalidades, Rabbit escolheu a carreira/prazer de beachboy, no Moama Hotel, em cujos porões ficava o lendário Hui Nalu surfing club. Complementava seu salário trabalhando de caddy em clube de golfe, de pedreiro, estivador, fazendo pontas no cinema e arriscando nos jogos de azar. Tudo pelo surf. Tudo para ser um dos pioneiros a surfar o North Shore nos anos 30 junto de George Downing, Wally Froiseth, Woody Brown, entre outros. Notório contador de histórias, meio folclórico, ele garante que foi um dos pioneiros em Waimea e Pipelinem fato que os registros históricos não comprovam. "Greg Noll, Peter Cole e Van Dyke disseram que foram os primeiros em Waimea. Eu digo que eles foram os primeiros apenas a ter fotos deles registradas lá", afirmou Rabbit à Surfer Journal, e repetiu o mesmo sobre Pipe. Garante que esteve lá dentro bem antes de Mike Doyle e Phil Edwards quebrarem a barreira da onda mais temidadas ilhas.

Pai das manobras. Uma conquista, porém, parece ser mesmo de Rabiit. Com sua experiência em pranchas de redwood e balsa, 7 pés, bem menores que o tamanho padrão na épca, ele consegue mais mobilidade e começa a cortar as ondas em zig-zag, em vez de apenas deslizar. Inventa assim o cutback e o surf hotdog (os californianos dizem que o pioneiro foi Dewey Brewer), de manobras. Enquanto os outros apenas acompanhavam as paredes, Rabbit buscava a proximidade da espuma branca, da parte mais crítica da onda, descendo e subindo. Para manobrar, usava muitas vezes um dos pés mergulhados na água, como se fosse uma quilha. E, como não era apenas radical, sua classe lhe deu outra paternidade famosa, o nose riding, andar até o bico da prancha e sustentar-se ali com os dez dedos agarrando o bico. Assim nasceu o hang ten.

Na virada dos anos 30 para os 40, quando surgem as pranchas hot curl, menores e com rabeta em V (mas ainda sem quilhas), encaixando melhor nas paredes, Rabbit torna-se, incontestavelmente, o melhor surfista de sua época. Domina o esporte nas décadas de 40 e 50, vencendo duas vezes o campeonato mais importante de seu tempo, o Makaha World Surfing Championships. Ao mesmo tempo ele domina as corridas de canoas havaianas, batendo até o ainda em forma mito Duke, nos anos 40. As multi-habilidades de Rabbit Kekai lhe deram também o perigoso trabalho de mergulhador da marinha no Pacífico, em plena II Guerra Mundial. Sua função: desarmar bombas submarinas. De uma equipe de 10 homens, ele foi um dos quatro a sobreviver.

Mestre e referência. A classe e agressividade de Rabbit seria a inspiração essencial para uma outra leva de surfistas geniais, os californianos Phil Edwards, Matt Kivlin, Joe Quigg e Miki Dora. Construindo grande amizade com Rabbit, foi Matt quem fez a prancha mágica do havaiano, uma hot curl já com uma quilha que garantiu títulos em Makaha e no Internacional do Peru (outro grande evento da época).

Quando não estava competindo, Rabbit completou 40 anos como beachboy, ciceroneando gente famosa, entre elas estrelas do cinema como Gregory Peck, Kirk Douglas, Deborah Kerr, David Niven, Gary Cooper etc. E desde 1971, passou a trabalhar como Beach Marshall nas provas da Tríplice Coroa Havaiana de surf pró.

Ao longo das últimas 4 décadas, Rabbit Kekai seguiu fazendo da praia e do mar seu habitat fundamental, tornando-se o surfista com mais anos de água na história. Mais incrível ainda, ele segue surfando em alto nível, o que comprovam seus seguidos títulos ou boas colocações em campeonatos de veteranos (masters). Foi campeão americano em sua divisão em 1973, 1980, 1984 e 1988. E no 2000 U.S. Championships, duelando com surfistas quase 15 anos mais novos, ficou em 4º lugar na divisão legends com seus 79 anos. "A maioria das pessoas, quando chegam aos 80 anos, a coordenação simplesmente vai para o inferno. Não Rabbit. Ele ainda tem essa aura e estilo de Duke Kahanamoku em volta dele", revelou na Surfer Greg Noll, o Da Bull, mito das ondas gigantes.

Hoje, o pai de 4 filhos e avô Rabbit ainda vive na Waikiki da infância e viaja ao continente muitas vezes para encontrar Lynn, sua esposa de tantas décadas, uma professora em Palos Verdes, Califórnia.

O surf? Todos os anos ele dá nome e participa de um tradicional evento de longboard, o Toes On The Nose/Rabbit Kekai Longboard Classic, evento e confraternização cheia de alma disputado muitos anos na Costa Rica, hoje no Hawaii. Segue também como o instrutor mais requisitado em Baby Queen's. E ainda carrega a dignidade assimilada do mais nobre de todos, Duke: volta e meia Rabbit recicla um de seus incontestáveis troféus quando faltam taças em eventos de garotos nas ilhas. "As crianças têm que receber prêmios decentes".

O eterno beachboy sabe que o surf torna real a fábula de Peter Pan: "A água é tão boa, ela me mantém jovem enquanto meus amigos estão cada vez mais velhos. Eu digo a eles para entrarem na água. Ela nos acalma, tira o stress e nos traz de volta para a Terra".


Referência:
Surfline;
Legendary Surfers;
Liquid Salt;
Surfer;
The Encyclopedia of Surfing.

RipCurl Pro Search 2011


CALANDO A BOCA DE QUEM FALOU EM "SORTE DE INICIANTE" DEPOIS DA VITÓRIA NA FRANÇA, GABRIEL MEDINA VENCE O RIP CURL PRO SEARCH, NA CALIFÓRNIA, E FATURA SEU SEGUNDO TÍTULO NO WT EM QUATRO ETAPAS QUE DISPUTOU. A DÉCIMA PARADA DO TOUR TEVE AINDA A CONQUISTA DO 11º TÍTULO MUNDIAL DE KELLY SLATER E O MAIOR ERRO DA HISTÓRIA DA ASP.


Aos 17 anos e com duas vitórias em quatro etapas disputadas, Gabriel Medina provou ser completo, fazendo todo tipo de manobra contra qualquer tipo de surfista. Havia muita expectativa sobre as ondas em San Francisco. O evento começou, depois parou por três dias. A verdade é que, mesmo não sendo uma "Brastemp", as ondas de Ocean Beach foram benevolentes com os surfistas. Entre os brasileiros só Adriano de Souza, Medina e Alejo Muniz foram direto para o terceiro round. Miguel Pupo deixou Kai Otton sem pai nem mãe ao fazer a melhor soma do segundo round (16.43). Brett Simpson marcou a segunda contra o surf defasado, e mesmo assim eficiente, de Damien Hobgood. Kieren Perrow fez a terceira, contra Mick Fanning. Os tubos ajudaram, quem diria... Sim, em certos momentos o mar estava bonito, se você não fosse levado pela correnteza e a série viesse em sua bateira. Raoni Monteiro passou fácil por Dusty Payne. Jadson André lutou, mas não venceu Taylor Knox por apenas 0.03. Dane Reynolds mostrou que realmente não está nem aí para o Circuito. Tentou dar seu show, mas estava no palco errado, pelos motivos errados.


EU CALCULO, TU CALCULAS
Um erro homérico nas planilhas da ASP deu o título antecipadamente a seu impreterível dono. Parece que alguém está na bronca com Slater. Em 2010 seu décimo título foi ofuscado pela morte de Andy Irons. Um erro de cálculo em 2011 ganhou mais visibilidade que sua 11ª vitória no ASP World Tour.

Talvez até os deuses pensam que ele já passou da conta, ou será que a conta é que passou da hora? Depois de ser declarado campeão de 2011 com a nona colocação, Kelly teria que vencer mais uma bateria para garantir a quinta colocação e não depender da performance de Owen. Caso Slater não passasse mais nenhuma bateria, nem ali nem em Pipe, Owen teria que vencer os dois eventos para empatar geral e, numa bateria extra, tentaria roubar o caneco de 2011. Mas Kelly venceu a bateria da quarta fase, em que ninguém perde, contra Pupo e Medina (apesar do resultado novamente polêmico) e sagrou-se campeão, mais uma vez.


TOPS BALANÇAM
No terceiro round, Taj Burrow e Bede Durbidge sambaram contra Matt Wilkinson e Knox. Adriano quebrou sua prancha predileta, treinando no dia anterior, e perdeu para Kieren. Medina humilhou o pobre Fred Patacchia e Miguel venceu uma bateria apertada contra Adrian Buchan. Kelly venceu Daniel Ross e a comemoração começou, antes da hora. A competição não parou e Owen fez uma das melhores baterias da vida (17.54) para vencer Adam Melling. Raoni começou bem contra Alejo, que só virou no fim da disputa. Joel Parkinson passou e Jordy Smith dançou contra o mega-aéreo que avariou o pé de Patrick Gudauskas nos últimos minutos da bateria. Gudauskas venceu, mas não pôde mais surfar no evento.


KELLY FECHA A CONTA
Além de Alejo passar direto pelo round que ninguém perde, o destaque foi Kelly ser "novamente campeão" ao vencer Medina e Pupo, que tiveram as asinhas podadas pelo vento e mesmo assim deram trabalho. Mais uma vez Slater no pódio e o evento rolando. Muita gente acha chato ver a mesma história se repetir, mesmo que não exista outra. O cara ainda é imbatível. Mas aquela bateria contra nossos meninos foi interessante para comprovar que, no jogo deles, talvez fosse difícil Slater vencer. E agora, torcemos contra ou a favor do 12º? Sua permanência no Tour me parece importante para o esporte, mas até quando? O cara é doente. Tem 11 títulos mundiais e não cansa. Encontra pretextos e motivação para seguir competindo. Slater é um dos maiores atletas de todos os tempos. A razão disso, segundo ele, é manter a cabeça aberta para aprender com as novidades e buscar sempre a evolução. Enquanto isso alguns surfistas se mexem para tirar os beach breaks do Circuito e acabar com a rotação dos 32 no meio do ano. Nada disso é oficial, até agora. Sinto cheiro de aversão aos novos tempos de domínio da garotada.


O ATROPELO DE MEDINA
Para refrear os ânimos da nova geração, no 5º round, Taylor venceu Miguel. Joel, empolgado por não haver mais título em jogo, esculachou o desencontrado Owen. Já nas quartas doi ótimo ver Alejo superar Simpson, mas foi Medina que deixou claro: a mudança é inevitável. No dia 12 de outubro, Medina venceu seu primeiro WT, na França, seguindo trajetória parecida com a de San Francisco, Nas duas ocasiões caiu para a repescagem do round 5, se recuperou, venceu Kelly Slater nas quartas e Taylor Knox na semi. Na Europa, deixou para trás Julian Wilson na final. Nos EUA bateu Kelly no jogo dele, sem voar, pegando as melhores ondas logo no início da bateria e marcando o Slater até o fim. E não adianta dizer que Kelly estava desencanado. Perder para Medina, outra vez, deve ser insuportável para o "rei do surf". Na disputa do mais jovem contra o mais velho, Medina massacrou Taylor na semi, aplicando uma lição de surf progressivo. Na final o surfista brasileiro mais comentado do mundo derrotou, sem a menor cerimônia, por 16.50 × 10.90, o quarto do ranking mundial, Parko ─ que ficou feliz de não perder por mais.


RASGADA × SUPERMAN
Medina parece não ter medo de ninguém. Talvez até por constrangimento de derrotar ícones como Kelly ele declare que nem sabe como fez isso, diz que estava só se divertindo. Depois de voltar de aéreos bizarros diz que foi o melhor da vida, ou seja, está aprendendo, mesmo quando compete com monstros. Pensando bem o monstro é ele. Um ser capaz de transmutar o que pode parecer surf de criança em vitórias contra homens. Sua forma de dosar peripécias no ar com surf clássico faz muita gente tremer. Durante todo o evento seu backside foi demolidor e deixou o melhor surfista de todos os tempos muito a fim de uma revanche em Snapper ou Jeffreys. Sim, falta a Medina provar que é bom em outras ondas, mas isso é uma questão de tempo. Ele e sua geração estão transformando o WT. A ASP deve enfrentar uma crise de identidade diante da revolução pela qual o surf está passando. Durante muito tempo não surgiu um batalhão que confrontasse de verdade os Top 10, que mostrasse a possibilidade de uma real troca de guarda no Circuito. Isso só aconteceu agora, com a mudança no sistema de classificação e essa nova geração. Como julgar duas formas de surf tão distintas? Tubos são tubos, mas o que vale mais: a rasgada incomparável do Slater ou o superman do Medina? Já vimos cada uma dessas manobras renderem notas 10.

O JOGO


Hoje cedinho vi Adriano de Souza mancando aqui na frente do hotel. Um amigo apontou e disse: "Isso parece ser sério...". Balancei a cabeça, fechei os olhos e lembrei do que tinha acontecido no dia anterior.

Mineiro tinha ganho o mais espetacular evento dos últimos nem sei quantos anos. Um campeonato tão pleno de emoções que pode ser comparado, sem medo, com México 2006, Pipe 1995, J-Bay 2005, Kirra 1996, Tahiti 2005...

Se nós, brasileiros e europeus, não falarmos disso, ninguém vai falar. Um evento sublime em todos os sentidos, em especial pro homem que vi mancando hoje. Mineiro fez exatamente como Slater faz há tantos anos. Foi passando baterias sem chamar muita atenção e tinha uma lesão no joelho, o que me fez lembrar Bell's 2010.

A diferença é que Slater fazia um tremendo dramalhão cada vez que ia surfar naquela ocasião, usando até Belly, seu caddie, como apoio quando ia pra bateria. E o Mineiro... deu uma de mineiro.

A turma do andar de cima, americanos e australianos que regem o circo do surf profissional como uma orquestra de surdos manetas, nem percebeu. Ou nem se interessou pela lesão do brasileiro.

Em duas semanas, o mundo testemunhou o domínio vindo do Brasil como nunca houve. Sim, me recordo de 1994, duas vitórias seguidas do Brasil na França. Teco e Tatuí, ambos ganhando do Slater (como em 2011), Tatuí na terceira fase e Teco... Quem se esquece? Uma final eletrizante vencida pelo catarinense.

O tempo em 1994 era outro, e o que Medina e Mineiro fizeram na Europa reafirma o que foi feito em 1994, mas dessa vez com o apoio do resto do mundo. Medina renovou o contrato com a Rip Curl internacional por mais 5 anos, e mineiro tem o suporte da Oakley mundial desde que saiu da Hang Loose.

O dinheiro agora é outro, grana firme. Temos milhares de pessoas acompanhando o circuito ao vivo, enquanto nos anos 1990 quem assistia ao vivo tinha que sujar os pés de areia ou esperar dois meses as revistas com fotos e cobertura especializada.


MOVIMENTO PERPÉTUO ASSOCIATIVO
O subtítulo curioso é de uma canção da Deolinda, minha banda portuguesa predileta desta semana. A letra convoca todos a reagir contra algo que ninguém sabe o que é e sempre ao final de cada estrofe a cantora dá uma desculpa e vai fazer outra atividade que não merece compromisso. Mais ou menos como acontece na grande rede.

Existe sempre uma iminente revolução, prestes a estourar. E quando estamos cheios de vontade e decididos a levantar a voz... tem jogo na TV, campeonato de surfe, música no rádio, vídeo no YouTube ou chat pulando no Facebook. O único surfista do circuito que percebeu isso foi Adriano. Pode haver até outro surfista tão atento com os meios sociais como Twitter e Facebook, mas nenhum os utiliza tão bem.

Não há no mundo outro surfista deste nível tão solícito com seus fãs. Mineiro faz promoções, se oferece quase mensalmente para seus admiradores no twitcam e passa horas conversando sobre o que eles querem. Ele usa seu próprio dinheiro para alimentar o apetite dos fãs ─ isso não é uma estratégia do seu patrocinador.

É sabido que, hoje em dia, as marcas incentivam e até mesmo exigem que seus atletas mantenham certa interatividade com os torcedores, mas Mineiro está sozinho nesse mercado, por enquanto.

Adriano tem mais de 10 mil seguidores no Twitter e outros 10 mil no Facebook. Sozinho, já fala com mais gente todos os dias do que qualquer outro companheiro. Aliás, Adriano é o líder dessa nova geração que chega por todo lado. Sua obsessão pelo título mundial é de admirar.

Certa vez, mais de cinco anos atrás, numa viagem para G-Land, o jovem, que ainda nem tinha 20 anos, virou-se para o editor da revista Surf Portugal, João Valente, e disse: "Olha, sei que quase ninguém acredita no que vou dizer... Até você vai dizer que acredita, mas é da boca pra fora. Eu vou ser campeão mundial".

Na entrevista do Surf Adventures 2, ele repete a frase com a certeza dos grandes. Aquela derrota para Slater, em 2008, representou uma virada de página no comportamento do Adriano. A partir dali, Slater nunca mais teve vida fácil. Na bateria seguinte, Mineiro fez a mala do Careca.

Encontraram-se duas vezes no The Search de Porto Rico. Ali a festa era do 10º título... Num estalar de dedos, o jogo mudou. Em 2011, Slater ganhou todos, menos do Mineiro. E Mineiro, por outro lado, ganhou de todos, inclusive do Careca...

Rip Curl Pro Portugal 2011


DEPOIS DA FRANÇA, O TOUR SEGUIU PARA PORTUGAL, ONDE O RIP CURL PRO PENICHE ROLOU EM TEMPO RECORDE (DOIS DIAS E MEIO) E ONDAS ÉPICAS EM SUPERTUBOS. PARA COMPLETAR, ADRIANO DE SOUZA ENCHEU O BRASIL DE ORGULHO AO VENCER KELLY SLATER NA FINAL, FAZENDO UMA DOBRADINHA INÉDITA E HISTÓRICA COM MEDINA NA PERNA EUROPÉIA DO WT.


Finalmente um Supertubos de verdade. Nas outras duas edições a onda deu o ar da graça, mas dessa vez mostrou por que é conhecida como a Pipeline lusitana. Foram as melhores ondas do ano e o evento aconteceu em tempo recorde. Cinco somatórios acima dos 18 pontos.

Se na França os aéreos resolveram, em Peniche, Portugal, os tubos eram o caminho. Com exceção do campeão Mineiro, o time verde e amarelo se apagou. Jadson, Raoni, Alejo, Miguel e o convidado Bruno Santos não passaram nenhuma bateria e, assim como tantos outros, estavam decepcionados, não só por caírem fora do evento, mas por não poderem surfar aqueles tubos que levaram John Florence a marcar 19.53 no segundo round. Medina, que havia deixado Raoni e Tiago Pires a ver navios no 1º round, dançou feio no 3º contra Chris Davidson. Faltou adaptação. Normal, tinha o direito, ainda atordoado depois da vitória incontestável na França poucos dias antes. Kelly pareceu aliviado. Heitor Alves perdeu no 1º round, mas depois passou pelo traumatizado Tiago Pires para seguir em frente. Mineiro boiou geral no 1º round, mas se redimiu no 2º fazendo quase o dobro dos pontos sobre o wildcard Justin Mujica.


TERCEIRO ROUND
Incrível o número de atletas que perderam com a melhor nota da disputa. Brett Simpson pegou a melhor da bateria, mas saiu triste. Queria surfar mais. Taj entubou mais fundo e venceu. A terceira bateria do terceiro round foi uma das melhores do evento. Julian Wilson e Kai Otton pegaram 200 tubos e ficaram no toma lá dá cá, até que Julian saiu de uma caverna para marcar 9.70. Só não levou o primeiro 10 do evento porque os juízes sabiam que algo ainda mais espetacular do que aquele tubo estava para acontecer. Não é fácil perder uma bateria quando você soma 18.40. Foi exatamente o que aconteceu com o pobre Kai. Julian mereceu o melhor somatório da fase. O experiente Heitor não deu mole e fez justamente a lição de casa da aula que Medina cabulou. Venceu Josh Kerr por 0.07 nas poucas ondas disponíveis. O frustrado Jordy Smith, ainda fora de ritmo, perdeu para Fred Patacchia, mesmo fazendo uma nota 9, enquanto, para azar de Mick Fanning, Bede Durbidge fez o primeiro 10 do evento que terminaria com o maior número de notas acima dos 9 pontos. Mineirinho, fazendo justiça ao apelido, passou discretamente por Travis Logie numa disputa de poucas ondas. John Florence estava se sentindo em OTW ou Backdoor e deixou Owen para trás. O careca sorriu.


"NO LOOSER" COM BÔNUS
Taj, como sempre, deu seu show, na bateria que não vale nada. Heitor fez sua melhor bateria do evento, mas, além de Chris Davidson, havia o Kelly. Slater mandou 19.30 vendo o caminho livre rumo ao 11º título. Mineiro passou mais uma vez na base da raça. Joel Parko conseguiu desbancar Florence e Bourez com sua melhor atuação. Já na fase seguinte Julian venceu Davo nas poucas ondas disponíveis. Heitor despachou Hobgood e Michael venceu numa bela disputa com Patacchia. Bede saiu vitorioso na melhor briga do round contra o jovem Florence. Não adianta, quando as coisas apertam a experiência vale muito.


A ESCOLA DO KELLY
Eram tubos e mais tubos. Nas quartas Julian finalmente conseguiu convencer os juízes a soltarem seu 10, mas Taj foi melhor na média. Kelly não deu chance a Heitor, mais uma vez. Sua escolha de ondas e táticas é perfeita. Sua técnica de tubos continua fazendo escola e um dos melhores alunos é justamente o cara que mais o incomoda no Tour. Adriano de Souza. Mineiro venceu Bourez ao entubar fundo na melhor da série, acelerar dentro e sair lá na frente para fazer seu primeiro 10 em sete anos de Tour. Parcos foram os 0.07 a mais no placar final, porém, com um 10 na conta, foi o bastante para assombrar Kelly. Joel perdeu para Bede. O que dizer? Não é o ano de Parko ou é seu destino? Na primeira semifinal Kelly emplacou outra soma daquelas (19.50 × 16.87) com direito a nota 10. Mandou Taj, mais uma vez, pra casa. Tudo parecia acontecer muito rápido. Adriano, concentrado, despachou Bede e o confronto que todos queriam ver estava pronto. Apesar de fazer milagres Kelly parecia preocupado. Ele teme os aéreos de Medina, mas sabe lidar com isso. Mineiro é outra história. Dentro da cabeça sem cabelos estava a obstinação de Mineiro antes do 10º do Kelly em Porto Rico. Tweets e farpas no caminho, a derrota em Bell's e tudo mais que Mineiro fez para irritar o careca, como o desabafo na frente do público lá em Trestles. Era a hora da verdade. Bateria tensa. Mineiro foi lá e pegou a melhor da série. Saiu das profundezas de Supertubos como o próprio Kelly faria. Aquele 9 foi fatal. Mineiro dominou o line-up, estava seguro. Sem a prioridade ficou longe de Kelly e achou boas ondas. Com a prioridade, não forçou ao ponto de saírem no tapa. Tudo deu certo para Mineirinho vencer sua terceira etapa no Tour, dessa vez em ondas épicas.


VITÓRIA DUPLA
Mais importante que a vitória nas ondas foi a sova psicológica que Kelly tomou de seu rival no pódio. Kelly estava incomodado. Não conseguiu desfazer a cara de inconformado. Mineiro usou o microfone aberto ao mundo para declarar o que ninguém podia prever, muito menos Slater. "Esse troféu está em minhas mãos por conta desse cara aqui". O careca ficou ainda mais perdido quando Mineiro dobrou um joelho e reverenciou "O Rei", postado ao lado do troféu. Toda e qualquer mágoa que o público mundial pudesse ter contra algumas atitudes de Mineiro se dissiparam. Kelly não soube como responder, estava pelado de idéias. Levantou o braço de Adriano, balbuciou algo sobre o evento e assistiu assustado ao novo rei (ao menos nosso e de Portugal) ser coroado. Deve ser campeão pela 11ª vez em San Francisco, mas continuará para sempre pelado naquele pódio em Peniche. Salve Mineiro.



Foto 1: ASP
Foto 2: Stephanie Sayuri

Quiksilver Pro France 2011


O QUIKSILVER PRO FRANCE, PRIMEIRO EVENTO DA PERNA EUROPÉIA DO WORLD TOUR, FOI UM FESTIVAL DE AÉREOS COMANDADO PELO GAROTO PRODÍGIO GABRIEL MEDINA, QUE DERROTOU JULIAN WILSON NA FINAL E VENCEU DE FORMA IMPRESSIONANTE O SEGUNDO EVENTO QUE DISPUTOU NO TOUR.


Mick Fanning queria o bicampeonato e fulminou o primeiro round com um 9.37. Como Jadson André, ele foi entubando direto para a terceira fase do Quiksilver Pro em Hossegor, que começou com boas ondas, intermitentes por conta da maré, mas com potencial de ótimas notas. Nenhum dos outros brasileiros conseguiu isso ─ Heitor Alves não participou, se recuperando de uma contusão. No segundo round a degola começou. Joel Parkinson, enviado por Jadson para a repescagem, perdeu para o convidado Ramzi Boukhiam e ficou com aquela cara de paisagem ─ depois do terremoto, claro. De volta ao Tour, Dane Reynolds venceu Adriano de Souza. Mineiro caiu com uma prancha que parecia grande demais, enquanto Dane fez funcionar seu modelo minimalista com maestria. Joel era o terceiro e Mineiro, o quarto na corrida ao título mundial de 2011. As coisas começavam a complicar para quem não era Owen Wright, segundo, e Kelly Slater, primeirão do ranking. Alejo Muniz, com inteligência, despachou o frustrado John Florence.

Gabriel Medina parecia meio nervoso, cometendo erros que normalmente não faz. Superou Dusty Payne, mas ainda devia aquela atuação que todos esperavam. A tão esperada e adiada bateria entre Raoni Monteiro e Miguel Pupo acabou rolando sem muitas oportunidades. Raoni ficou irritado por ver Pupo obter as melhores ondas e notas.


OS TOPS DERAM MOLE
No terceiro round, Jeremy Flores venceu Kai Otton, mas machucou o tornozelo e saiu da prova. E aí Medina insistiu nas esquerdas e precisou apenas de um aéreo rodando de front com paulada na sequência para vencer de virada o pobre Bede Durbidge, nos últimos minutos. Como disse Slater depois de vencer Ramzi, aplicando o surf mais vistoso do round com sua epoxy 5'9" triquilha: "Antes eu olhava os caras mais velhos para aprender, agora aprendo com os mais novos". Isso é parte de sua alquimia, porém a fórmula depende de tantas outras coisas que não pode ser aplicada a outro quarentão qualquer. Taylor Kxox, na mesma faixa etária, já havia despachado Fanning mostrando que consistência e sorte também podem surtir efeito.

Que situação. Parko, Kerr, Fanning, Mineiro... os Tops dançaram e Slater só tinha Owen na alça de mira.

Jordy Smith estava de volta. Venceu Dane Reynolds e seu "surf-show-oito-oitenta-estilo-expression-session". Nem sempre funciona, aliás, quase nunca. Tanta gente querendo entrar e ele brincando de tentar sair. Caso se interessasse mesmo por essa história de WT poderia aprender com Alejo, que, fazendo a lição de casa nas direitas, venceu Jadson com boa diferença. Quando o evento recomeçou na maré certa, Julian venceu Pupo, que simplesmente não se encontrou com as ondas.

O mais interessante do 4º round foi o calor que Medina deu em Slater, vencedor com apenas 0.03 a mais. Adrian Buchan estava na bateria, mas ninguém viu. Alejo derrotou Jordy e Julian com o que tem de melhor. Consistência. Taj deu seu show com a melhor soma do round sobre Damien Hobgood e Owen. Na última bateria do quinto round, Julian mostrou que era candidato sério ao título.


A BRIGA ENTRE O NOVO E O DE SEMPRE
Nas quartas, o velho e bom Knox detonou o espartano Bourez num duelo tipo power contra power e depois os mágicos entraram em ação. A revanche contra Slater foi avassaladora. Medina usou a estratégia do careca ao sair surfando tudo o que aparecia. Quando os aéreos dão as melhores notas fica ainda mais fácil usar essa tática. Kelly esperava a série, paciente, ou conformado de que era impossível vencer "Medal" (como diz a imprensa gringa) no jogo dele. Com uma "paulada aéreo rodando de back", numa direita, Medina deixou Slater numa situação desconfortável. Slater se safou, mas suas quilhas pareciam grandes e suas ondas, pequenas. Gabriel mandou uma pá de cal no fim da bateria ao destruir uma onda como se estivesse num Pro Junior qualquer. Mandou Kelly novamente para a "kombi". Que revanche! Medina foi para a semi de forma impecável. Com a praia ainda em choque Alejo peitou Jordy. O brasileiro estava mais sólido e ativo, com aéreos mais dramáticos. Jordy resolveu se mexer. Mandou aéreo, manobrou forte e passou Alejo fazendo 8.03. Daí Taj boiou e Julian deu show.


NA SEMI, O MAIS JOVEM CONTRA O MAIS VELHO
Gabriel começou demolidor, voltando em aéreos altos, invertidos, pegando boas ondas, uma logo depois da outra. Estava naquela mesma sintonia de Imbituba, em que até o que dá errado dá certo. Taylor tentou esboçar uma reação, mas Medina estava impossível voltando em aéreos bizarros. As ondas estavam mesmo boas para isso e num desses aéreos rodando de front fez seu primeiro 10 perfeito no evento, segundo ele o mais irado que já mandou. Deixou Taylor precisando de 19.58. Que massacre. Medina, aos 17 anos, em seu segundo evento na elite, estava na final do WT e havia feito uma nota 10! Em seguida, Jordy não estava de brincadeira e abriu mostrando vontade em rasgadas agressivamente controladas e variadas. Julian demoliu uma direita para tomar a liderança e passar a régua.


A FINAL DOS NOVOS TEMPOS
A final entre Medina e Julian marcou o fim de uma era e o começo de outra. "Go Gaby", dizia uma faixa erguida pela galera na praia. Julian saiu na frente, mas Medina logo reverteu o resultado. Julian jogou aquele aéreo que a prancha roda e ele não (shove it ou sex change), voltou de base trocada, acertou e quase acertou um reverse. Numa direita maior mandou aéreo rodando sem grab e comemorou comedidamente. Medina precisava de apenas 7.68 para virar e estava demorando um pouco mais que o normal para pegar suas ondas. Gabriel foi muito inteligente ao não exagerar no reverse de abertura, fazer a onda com segurança até o inside e mandar um aéreo de front com grab, alto, com segurança. Levou 9.17 e fechou a bateria com a prioridade. Jogo perfeito. Gabriel venceu seu primeiro WT por 17.00 × 16.10, de virada. Nada poderia ser mais perfeito para ele. O mais novo ídolo do Tour é brasileiro. A briga pelo título não mudou muito. Slater continuou líder. A geração dos aéreos dominou na França.

PROBLEMAS AMBIENTAIS EM OCEAN BEACH


OCEAN BEACH, PALCO DA 10ª ETAPA DO TOUR, FICOU MAIS SUSCETÍVEL A EROSÕES APÓS O ÚLTIMO FENÔMENO EL NIÑO. A SURFRIDER FOUNDATION E O SAVE THE WAVES COALITION TÊM PROPOSTAS PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA.

Sede do Rip Curl Pro The Search, que acontece entre 1 e 12 de novembro, em Ocean Beach, em São Francisco, sobre constantes erosões devido ao aumento do nível do mar e à infraestrutura mal planejada. O pico é famoso por segurar swells de até 15 pés, mas depois dos furacões ocorridos no inverno de 2010, as ondas enormes desgastaram 15 metros da costa, destruíram parte da Great Highway e ameaçam o duto de esgoto que está localizado sob a avenida, em Sloat Boulevard.

Junto à comunidade, a Surfrider Foundation e o Save the Waves Coalition, ONGs influentes na defesa de ecossistemas e ambientes de surf, assumiram a resposabilidade de criar planos de curto e longo prazo. A desição partiu da California Coastal Commission, no dia 13 de junho. Como solução providencial, serão criadas barreiras com sacos cheios de areia para amenizar o impactodas ondas. Outra idéia é devolver a areia ao mar ─ sistema que menos agride o meio ambiente, porém, o mais caro.

"Mover a infraestrutura mais para dentro da terra é a melhor maneira de controlar o problema", diz Bill McLaughlin, coordenador do San Francisco Surfrider, que está desenvolvendo o plano de longo prazo que será finalizado até janeiro de 2012.

Além disso, "a barragem causa um potente eleito backwash que afeta a qualidade da onda, e a perda da área de praia altera a bancada de areia. Isso pode acabar com o surf de qualidade em Sloat", diz Katie Westfall, diretora ambiental do Save the Waves. No entanto, o norte de Ocean Beach, onde será realizado o The Search, não sobre o desgaste.

10 perguntas para... KEALA KENNELLY


NO FATÍDICO DIA DO SWELL GIGANTE EM TEAHUPOO, KEALA PEGOU TRÊS TUBOS E SAIU DE UM. O QUE NÃO ESPERAVA É QUE, NO DIA SEGUINTE DO SWELL, EM UMA ONDA DE 6 PÉS, ELA FICARIA COM O ROSTO DESFIGURADO DEPOIS DE SOFRER O MAIOR ACIDENTE DE SUA VIDA. A HAVAIANA NASCIDA EM KAUAI TEM 33 ANOS E É MUITO RESPEITADA NO MEIO DO BIG SURF: ELA SURFOU A MAIOR ONDA DE TOW IN FEMININO EM 2005, LÁ MESMO EM TEAHUPOO. HOJE, SEIS ANOS DEPOIS DO FEITO, ESTÁ SE RECUPERANDO DE UMA CIRURGIA QUE RECONSTITUIU SUA FACE E PRETENDE SE RECUPERAR DO SUSTO PARA VOLTAR A ENFRENTAR A BESTA TAITIANA.

1. VOCÊ PODE DESCREVER O QUÃO PESADO E BIZARRO TEAHUPOO ESTAVA NO ÚLTIMO SWELL?
Olha, é difícil descrever. Cada vez que revejo as imagens da sessão de tow in, eu não consigo acreditar nas ondas mutantes que apareceram naquele dia. Lá no line-up eu vi algumas loucuras de perto, como as bombas que o Bruce Irons e o Nathan Fletcher pegaram. Quando eu via aqueles caras soltando a corda e se comprometendo com aquelas ondas, eu respirava fundo, pois parecia que eles iriam morrer logo ali na minha frente.

2. QUE TIPOS DE ONDAS VOCÊ ESTAVA BUSCANDO? COMO VOCÊ FAZ ESSE TIPO DE SELEÇÃO QUANDO O OCEANO PARECE TÃO FURIOSO?
Eu estava buscando as médias, eu não queria nada como aquelas séries gigantescas, que pareciam ser morte na certa. Você realmente tem que ter fé no seu parceiro e confiar que ele ou ela vão te colocar no lugar certo e na hora certa. Eu tenho a sorte de ter tido excelentes pilotos em todos estes anos de tow in. Desde Raimana, Ikaika Kalama, Coco Nogales, Laird Hamilton, Sean Ordonez até meu piloto neste último swell, o Benjamin Sanchez. Ele me colocou em ondas incríveis, fiquei muito feliz.

3. QUANDO SURFA TEAHUPOO, QUAL É O SEU OBJETIVO? COMPLETAR A ONDA OU ENTUBAR O MAIS FUNDO QUE DER?
Meu objetivo é entugar sempre. Quanto mais fundo, melhor, no entanto você tem que ver o que é possível fazer. Eu fui engolida por algumas por ter ido fundo demais, mas peguei três tubos naquele dia e saí de um deles. Foi demais!

4. EM QUE MOMENTO VOCÊ TOMOU O CALDO TENEBROSO QUE TE LEVOU AOS CORAIS?
Tomei esta vaca dois dias depois da sessão de tow in. Foi durante a expression session em homenagem ao Andy Irons. As ondas tinham apenas seis pés. Não era nada demais. Em um minuto eu estava dentro de um tubo e no minuto seguinte eu senti meu rosto sendo esmagado no coral.

5. QUEM TE RESGATOU? O QUE PASSOU PELA SUA CABEÇA NO MOMENTO DO ACIDENTE?
O water patrol do campeonato me tirou d'água muito rápido. Eu estava triste, pois sabia que tinha batido meu rosto, mas eu pensava que deveria ser apenas um arranhão. Assim que saímos do line up eles me levaram direto para a tenda dos paramédicos. Eu comecei a reparar que as pessoas estavam me olhando assustadas, então me dei conta de que o acidente poderia ser sério. Eu estava com muita dor, cheia de sangue, então eles me deram morfina enquanto esperavam a ambulância. Eu não podia acreditar que depois de uma sessão de tow in, uma ondinha de 6 pés estava me levando ao hospital. Eu ficava dizendo: "Preciso ir ao hospital? Está tão feio assim?". Até que um dos médicos tirou uma foto com seu celular, e eu tomei um susto, era muito pior do que eu imaginava. Estava tão fundo, o osso estava aparecendo e o corte estava apenas há poucos milímetros do meu olho direito. Precisei sentar... Eu estava em choque.

6. E COMO FOI A OPERAÇÃO?
Os médicos do hospital de Papeete eram incríveis. Quando cheguei no Hawaii e fui examinada, os médicos diserram que o cirurgião do Tahiti tinha feito um trabalho ótimo ao juntar meu rosto novamente. A Mary, uma das médicas do evento, ficou ao meu lado o tempo todo, foi bom ter alguém comigo naquele momento. A dor era horrível, mas com a morfina consegui aguentar bem. Estou me recuperando e devo voltar para água antes do que você possa imaginar.

7. O QUE ESTÁ EXPERIÊNCIA TODA TE ENSINOU?
Nunca subestime Teahupoo, nem mesmo em dias pequenos. A onda que provocou todo este choque parecia ser bem simples...

8. VOCÊ ESTÁ COM MEDO DE VOLTAR A SURFAR LÁ?
Olha, não estou contando as horas para surfar Teahupoo. Eu penso que é inteligente você ter um medo saudável daquela onda. Dias menores podem ser mais perigosos, pois nós baixamos a guarda. Quando chegar a hora certa eu vou voltar para a minha onda favorita no mundo porque sei que nunca vou conseguir ficar longe dela.

9. COMO É SER UMA DAS POUCAS MULHERES QUE ENCARAM ESTAS CONDIÇÕES?
Teahupoo é uma onda muito especial para mim porque eu fui a primeira mulher a fazer tow in lá. Isso foi em 2005. É muito boa a sensação de fazer coisas que nenhuma outra mulher fez antes. Saber que eu inspiro outras mulheres me dá ainda mais confiança e força. Mas é difícil porque os homens que me inspiram estão surfando ondas que eu não pretendo surfar nunca. Eu preciso ser muito realista para saber até onde pretendo puxar meus limites.

10. COMO VOCÊ SE PREPARA, FISICAMENTE E MENTALMENTE, PARA ENCARAR ESSAS CONDIÇÕES DE ONDA?
A parte física você trabalha durante toda a sua vida. Eu surfo desde os meus 5 anos de idade, cresci no Hawaii, onde as ondas são maiores e mais desafiadoras que a maioria dos outros lugares. Só este fato já me dá bastante confiança. Agora, na parte mental, eu fico muito nervosa quando vejo um swell grande e quando tomo a decisão de reservar a passagem e ir. Eu passo o dia andando de um lado para outro dentro de casa. Agora, quando chego no lugar, eu tento manter o foco e a calma. Assim que seguro a corda, a decisão já foi feita, então não me estresso mais, só tento manter a concentração na minha performance.

O MONSTRO QUE DEFORMA HORIZONTES


Quem é surfista puxa o bico. Uns mais, outros menos. É o medo, que nos salva e condena. Dentro d'água, a explosão de adrenalina e cortisol que gera o estado de alerta normalmente só é controlada quando o surfista vive na chamada zona de conforto.

Cada um tem a sua, claro: Greg Long e Carlos Burles parecem estranhamente à vontade nos mares mais inóspitos do mundo. Água fria e turva, ondas de 30 pés, coral sangrento: a zona de conforto de quem surfa Maverick's é mais elástica.

Não só as estrelas têm essa vocação. Longe dos holofotes, todo mundo conhece pelo menos um louco que lida de maneira diferente com o medo. Não falo dos valentes, daqueles que gastam a garganta para divulgar feitos em ondas duvidosas. Os mais corajosos costumam ser pacatos, humildes e donos dos sorrisos mais largos da praia.

Mas, às vezes, nem toda coragem do mundo é suficiente. O mar tem o princípio mais atraente e assustador da vida: a imprevisibilidade. Quando tudo parece sob controle, uma onda inesperada sobe ao fundo e deforma o horizonte. Ninguém escapa. Nesse momento, a tal diferença entre homens e meninos desaparece. São todos vítimas, náufragos em suas pranchas.

O monstro de água que ninguém espera pode ser a tal "freak wave", também chamada de "rogue wave" (numa tradução livre, seria algo como onda aberração ou traiçoeira).

A literatura sempre foi farta em histórias de embarcações reviradas por ondas monstruosas. E, na cultura eternamente oral dos surfistas, não faltam relatos de ondas avassaladoras, que varrem baías inteiras sem deixar nada na superfície. No passado, a ciência não levava muito a sério as histórias de pescador, mas hoje o fenômeno vem sendo estudado por oceanógrafos de todo o mundo e é considerado uma possibilidade real, em qualquer tipo de mar.

O pesquisador Eloi Melo, agora na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), é um desses apaixonados pelo mar que avançou na ciência para tentar decifrar os velhos mistérios antes mitificados. O cara entende di riscado: é um dos responsáveis pela implantação do atual sistema de previsão de ondas do Waves e vive produzindo estudos.

Um deles varou a arrebentação das freak waves. Eloi se aprofundou no fenômeno a partir da observação do ondógrafo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que era parte do Programa de Informação Costeira on-line.

O proferror disseca detalhadamente o monstro da água. Primeiro, explica como chegar ao cálculo da freak wave. "Quando se diz que certo estado de mar tem ondas de dois metros, o que significa isso exatamente? Será que todas as ondas presentes no dia têm essa altura? É óbvio que não! Essa altura (conhecida tecnicamente como altura significativa) é uma altura "média" das ondas, que é usada para caracterizar um estado de mar. A altura significativa é definida como a média do terço superior das maiores ondas. Imagine um registro de 90 ondas, separe as 30 maiores e tire a média das suas alturas: esta é a altura "significativa". Portanto, é uma altura 'média', mas não de todas as ondas".

Na sequência, mostra por que o fenômeno não é tão raro quanto parece: "A questão é: num mar com altura significativa de dois metros, qual a chance de encontrar uma onda de quatro metros? A resposta para essa questão passa por um estudo estatístico das alturas de onda, e é aí que entra a idéia de uma freak wave: a estatística mostra que as chances de se encontrar uma onda com altura maior que duas vezes a altura significativa do dia deveria ser muito remota. Mas medições têm mostrado que no mundo real aparecem ondas assim com uma frequência maior do que a prevista pela teoria estatística. Eis aí a freak wave!".

Para o leitor apressado, a definição: freak waves sçao mais de duas vezes maiores que a altura significativa das ondas num determinado dia.

Da sala de aula para o mar, a coisa complica. Diversas vezes na vida, tive a sensação de ver uma onda completamente fora da curva média do swell daquele dia. Às vezes são vergalhões que arrastam quem estiver por perto para a zona de impacto e quebram pranchas. Mas não sei se foram genuínas freak waves. Vale não confundir com aquela onda da série que chamamos de "a maior do dia". É uma onda mais de duas vezes maior que as maiores do dia.

Se os novos estudos apontam para uma frequência maior que a esperada para as freak waves, faça as contas: você provavelmente entrou ─ ou um dia vai entrar ─ na estatística das vítimas do monstro traiçoeiro das águas. Basta ser surfista.