O PARAÍSO É O LIMITE


Hoje rolou uma épica sessão de tow-in,quando alguns dos maiores big riders do planeta tiveram suas performances insanas transmitidas pela primeira vez ao vivo, pela internet, em Teahupoo, talvez a onda mais fotogênica dos sete mares.

Esquerdas enormes, de 30 pés de face, volumosas, com lips quase do tamanho da própria onda, causam arrepios e admiração, numa mistura de medo e prazer que são marcas dos esportes de ação.

A sinergia de uma etapa do ASP World Tour e seu circo composto de diversos barcos e seus fotógrafos, cinegrafistas, numa onda especial, com um mega swell monirorado há dias, transformam aquele lugar num coliseu romano, onde os gladiadores lutam entre si e com as bestas, ansiosas para derrubá-los. E nós, na fernte de uma tela de computador, assistindo tudo, frenéticos com tamanha coragem e insanidade.

Os uhuuus de comemoração após os canudos por muitas vezes foram substituídos por ooohs de apreensão depois das horripilantes quedas. E alguns brasileiros foram protagonistas tanto das melhores ondas como das piores vacas num dia em que cair da prancha era flertar com a morte.

Vitor Faria, Felipe Cesarano e Maya Gabeira sentiram o peso das mandíbulas de Teahupoo. O experiente taitiano Raimana Van Bastolaer também. Inclusive não queria deixar ninguém surfar após quase ter sua vida ceifada na onda que o consagrou para o mundo, logo cedo. Quem viu as vacas sabe que foram tão marcantes quanto as ondas completadas. E, obviamente, este mágico e medonho dia foi o tema de algumas discussões nos fóruns dos sites especializados e nas praias mundo afora. Onde frequento não foi diferente e, pelo que me lembre, ninguém falou dos tubos de Everaldo Pato, Laurie Towner e Dylan Longbotton, mas das cenas de massacre que Maya, Faria e Cesarano sofreram. E me passou a impressão de que, mesmo essa galera já tendo enfrentado situações perigosas mundo afora, aquelas condições estavam além do que podiam, ao menos por enquanto.

Ontem, fiquei pensando no quanto é fácil julgar atitudes, rotulando as pessoas. Porém, sempre existe o outro lado da moeda e, nesse caso, liguei para meu amigo e vizinho Carlos Burle marcando um bate-papo na ânsia de descobrir a outra metade dessa pataca.

Com toda sua sabedoria, Burle não me questionou quando eu disse que Maya não tem o talento nato de uma ex-Top como Keala Kennelly para se jogar em ondas daquele tipo sem estar correndo sérios riscos. Mas ele me explicou que ela tem coragem e vontade, essenciais para se tornar um big rider, virtudes que nenhuma outra surfista mostrou ainda. Sim, falta-lhe a experiência, mas como conseguirá sem encarar situações únicas, que só podem ser vividas na prática?

Não existe treino para Maverick's, Jaws ou Teahupoo gigante. O surf não é como saltos de motocross freestyle, em que os pilotos podem treinar em pistas com espumas evitando acidentes fatais. Para evoluir, tem que dar a cara a tapa.

Concordamos que Maya não estava preparada para hoje. Não por ser mulher, ou por ter apenas 24 anos, ou por não ter tanto talento. Ela não estava preparada simplesmente porque não respeitou seus limites, por não estar à vontade com seu equipamento, por não estar em dia com o tow-in e até também por não ter uma grande técnica. E isso vai mudar sua maneira de encarar os próximos desafios.

É bastante válido gente como Maya, Cesarano, Pedro Scooby, Manga e outros estarem trilhando os passos de Burle, Eraldo, Pato, Resende, Romeu Bruno, Mancusi, caras que estão aí há anos, investindo, lutando contra o preconceito e tentando mostrar que surfar ondas gigantes é um segmento para pessoas conscientes e não para malucos. E o mais legal é ver como esses veteranos estão apoiando e ensinando a nova geração brasileira do big surf.

Continuo achando que certos nomes ainda não têm condições de se aventurar em loucuras como a que assisti nesse sábado. Mas também me convenci de que eles podem chegar lá, ainda mais se levarem a sério e respeitarem o oceano e seus limites. Laird Hamilton, Carlos Burle, Mike Parsons, todos grandes nomes do big surf mundial, estão aí, com mais de 40 anos, cada vez melhores. Eles continuam se dedicando com afinco ao preparo físico e psicológico, aprimorando os equipamentos e sabendo que o medo é o principal combustível para o sucesso.

Após o dia de hoje, tenho plena certeza de que a maneira de encarar a vida e a carreira mudou para todos esses jovens surfistas, que fazem uso de uma coragem e ímpeto para despencar literalmente de prédios esverdeados ruindo, os quais eu nunca teria coragem de dropar.

Sei que Maya, Cesarano e Vitor estarão novamente no outside se outro swell monstro aparecer em Teahupoo. Só que dessa vez mais conscientes do que pode acontecer. E certamente um pouquinho mais preparados do que antes. Como disse Burle: "Os brasileiros têm algo muito importante, que é a garra. Só que isso não é suficiente. É preciso levar a sério, estar preparado, sempre!". Sim, mas 90% preparado, porque 100% ninguém nunca estará.