THE DAY


A IDÉIA É SURFAR QUALQUER COISA QUE A MÃE NATUREZA MANDE EM MINHA DIREÇÃO”, DISSE SHANE DORIAN AO ME MOSTRAR, NA ÚLTIMA TEMPORADA HAVAIANA, SUA 11’7” NOVINHA. “TOW IN É DEMAIS, MAS NÃO HÁ NADA COMO DROPAR UMA BOMBA NO BRAÇO. O SURF DE REMADA ESTÁ ATRAVESSANDO UMA REVOLUÇÃO E QUERO ESTAR PREPARADO PARA ELA”.

MAL SABIA ELE QUE OS BRASILEIROS DANILO COUTO, YURI SOLEDADE, MARCIO FREIRE E RODRIGO RESENDE JÁ HAVIAM, DEZ ANOS ATRÁS, CHEGADO À MESMA CONCLUSÃO. NA ÉPOCA, O TOW IN ESTABELECIA-SE COMO A ÚNICA MANEIRA DE SURFAR CERTAS ONDAS E ENCARAR CONDIÇÕES MAIS EXTREMAS. MAS OS BRAZUCAS JÁ PENSAVAM EM DOMAR A ONDA MAIS PESADA DO MUNDO, JAWS, NO BRAÇO.

MUITOS LOCAIS JÁ HAVIAM CAÍDO NO MAR EM JAWS, EM DIAS MENORES, SEM JET SKI ─ MAS NINGUÉM PEGOU ONDA”, CONTA O BAIANO YURI SOLEDADE, RADICADO EM MAUI. “EU FUI O PRIMEIRO A SURFAR JAWS NA REMADA. EM 2001”. FOI O INÍCIO DE TUDO.

A GENTE AINDA TINHA IDÉIAS CONTRÁRIAS AO TOW IN”, CONTA DANILO COUTO. “POR ISSO NO ANO SEGUINTE FOMOS ATÉ MAUI COM UMA 12’ E UMA 11’4”, DISPOSTOS A SURFAR JAWS BEM CEDINHO, ANTES DO TOW IN WORLD CUP COMEÇAR. ACABOU NÃO ROLANDO
PARA NÓS NAQUELE ANO DE 2002, MAS NÃO ABANDONAMOS A IDÉIA”.


Cinco anos mais tarde, em 2007, uma nova oportunidade: o maior swell da temporada atingiu o North Shore em cheio, produzindo ondas de 25 a 30 pés. Enquanto isso, Danilo Couto e Marcio Freire surfaram, na remada, ondas de 15 a 18 pés em Jaws ─ maior mar pego no braço no pico até então. Devagar e sem fazer estardalhaços, esse seleto grupo de dedicados surfistas brasileiros foi desbravando um universo inexplorado e mortal, longe dos holofotes. Enquanto o mundo só olhava para Jaws quando o mar ultrapassava os 50 pés e os jets tomavam conta dos lineups ─ eles estavam lá toda vez que havia uma remota possibilidade de pegar a onda gigante mais sinistra do mundo, no braço.

Em 2008, Marcio, que também vive no Hawaii, surfou sozinho um mar de 20 pés ─ as imagens da queda bateram recorde de acessos no Youtube e acabaram por criar uma sessão separada no Billabong XXL Awards, a de maior onda na remada. O mundo começava a notar o pioneirismo brazuca em Maui.

No ano passado ─ um dos invernos mais constantes da história ─ novamente Danilo, Marcio e Yuri surfaram Jaws grande na remada, com mais de 20 pés. “Surfamos sozinhos, sem jet ski pra resgate, sem colete, sem produção, nem fotógrafo, só no feeling”, conta Danilo.

A sucessão de tentativas brasileiras nesses dez anos ─ frustradas ou não ─ culminou nesse inverno. “O Dia” finalmente chegou e nossos conterrâneos não decepcionaram. Duas semanas antes, no dia 16 de janeiro, Marcio Freire, Danilo Couto, Yuri Soledade e Andrea Moller já haviam surfado algumas das maiores ondas já vistas na remada. Mais do que isso, redefiniram os limites do surfável. Tanto que duas semanas depois, no dia 8 de fevereiro, um swell maior ainda atingiu Jaws e desta vez, seguindo o caminho trilhado pelos destemidos brazucas, alguns dos maiores nomes do big surf apareceram para tentar a sorte ─ imagine ─ na remada. Entre eles Mark Healey, Ian Walsh e Sion Milowski.

Depois de vermos as imagens dos brasileiros, tínhamos que tentar também”, explicou o havaiano Ian Walsh. “Nunca teria me aventurado aqui na remada se não tivesse visto as imagens de Danilo, Yuri e Marcio se jogando em janeiro”.

Mas não teve jeito. Os brasileiros dominaram a épica sessão, que teve as maiores ondas já surfadas na remada em toda a história. Danilo Couto inclusive completou um drop suicida para a direita ─ antes considerada “off limits” para qualquer um que não fosse assistido por um jet ski. A onda é apontada como favorita para levar o prêmio Billabong XXL.

E o que falar da destemida Andrea Moller? Mesmo depois de tomar algumas séries na cabeça e ser arrastada para o inside, ela voltou ao pico e dropou uma onda de responsa ─ a primeira mulher no mundo a fazê-lo no pico. “Andrea é guerreira”, conta Yuri. “Nunca vi uma mulher tão determinada e corajosa”.

Na ocasião em que encontrei Shane Dorian no North Shore, ele afirmou que os brasileiros eram os surfistas de ondas grandes mais dedicados do mundo. Shane pode adicionar “pioneiros” à sua afirmação.

Pois nesse dia histórico, agora chamado de “The Day”, foram brasileiros que desbravaram esse universo inóspito e perigoso ─ mostrando o caminho a ser seguido.

Como disse um empolgado Danilo ao telefone logo após a histórica sessão, “essa era nossa missão, uma missão quase impossível. E já sabemos: missão dada é missão cumprida. Os brasileiros fincaram a faca na caveira de Jaws!”.