Alguns poucos surfistas na história foram apelidados assim: “Sultão da Velocidade”. Alguns poucos merecem esse título (o último foi Rob Machado), mas o protótipo original chama-se Terry Fitzgerald, notável fera dos anos 70 e “um dos primeiros estilistas das ondas”*. Local de Narrabeen, pico ao norte de Sydney, Austrália, o garotão cabeludo cobria largas áreas da face das ondas com inesperadas linhas e ainda transformava em velocidade cada cantinho do oceano. Tradução? Ele ia aonde poucos tinham ido numa onda e fazia isso com uma mistura única de radicalidade e abandono, num estilo fluido e excêntrico; os joelhos dobrados distantes um do outro, os braços estendidos retos simetricamente desde os ombros. As manobras eram iniciadas através dos quadris e pélvis, com os joelhos, ombros e cabeça vindos em seguida em perfeita sincronização.
E pensar que quando criança, aos 10 anos, uma osteomelite, doença degenerativa nos ossos, quase lhe custou à perna esquerda, embaixo do joelho. Uma série de enxertos de ossos salvou seu membro. Terry era o mais jovem, mas não menos talentoso que seus compatriotas que chocaram o mundo com um surf mais agressivo na metade dos anos 70 (Michael Peterson, Pete Townend, Wayne Bartholomew, etc.).
Outro fato importante: ele semeou “multi surfistas” em seu país. Foi tanto um mestre nas ondas grandes no Hawaii, como um caçador de secret spots paradisíacos, shaper e empresário (criou a famosa Hot Buttered). E, culto e articulado, ainda conseguia traduzir a mágica do surf em belos artigos para revistas especializadas.
Visionário, Fitzgerald sabia onde devia estar para evoluir. Por isso mudou-se para Kirra quando tinha 19 anos (1969) para aprender com mestres do shape e das ondas aussies, como o mago construtor, Bob McTavish e os futuros mitos, Michael Peterson e Pete Townend, entre outros. Logo voltou para Sydney, onde fundou a HB, em 1970. No mesmo ano hipnotizou a comunidade das ondas ao desenhar as mais variadas linhas em Sunset. Esse desempenho brilhou no clássico filme Morning of the Earth. E Terry ainda aproveitou para se aprofundar na arte das pranchas com o lendário Dick Brewer, que o convidou para conhecer sua casa e oficina de shape em Kauai. Isso resultou numa grande colaboração de design que incluiu Reno Abellira, San Hawk and Owl Chapman. Surgiram as modernas bases como a “v” espiral (um concave duplo básico) e wings.
De volta à sua Narrabeen, Terry trabalhou os novos designs com os surfistas e shapers mais quentes do pedaço, feras como Simon Anderson, Col Smith, Derek Hynd, Steve Wilson, Greg Day, Greg Webber, entre outros. Suas pranchas, em geral estreitas, vigorosas e experimentais (como as monoquilhas acrescidas de duas canaletas laterais, como se fossem mini quilhas), ainda eram verdadeiras peças de arte moderna psicodélicas: os loucos e belos desenhos com spray feitos por Martin Worthington, de golfinho a entardeceres mágicos. Foi ele ainda o primeiro surfista pró a ter um quiver, com pranchas para diferentes condições de ondas, algo raríssimo na época.
A carreira competitiva de Terry, mesmo com belas vitórias (campeão australiano em 1975, vencedor de eventos do mundial no Hawaii e Indonésia), não o seduziu muito. O chamado da onda perfeita e outros interesses o apanharam cedo. Foi um dos primeiros a desbravar Grajagan, junto de Gerry Lopez, em 1973; depois, Sumbawa.
No início dos anos 80, sua empresa espalhou-se pela Inglaterra, EUA, Japão e Tahiti, onde ele apoiou muitos jovens promissores como Vetea David. Terry seria ainda um dos responsáveis pela revitalização do circuito júnior de seu país, que voltou a ser uma fábrica de revelar talentos.
Hoje, Terry Fitzgerald, que perdeu o filho caçula, Liam, falecido há seis anos em um trágico acidente, segue vivendo em Narrabeen, com a esposa, Pauline (com quem se casou aos 21 anos, em 1971). Ele curte a carreira dos filhos, Joel e Kye, que cavam lá embaixo e aceleram o máximo que podem honrando o pai, o legítimo e eterno Sultão da Velocidade. O cara que produzia tanto barulho, visual e faísca na água que era como se o estilo mais potente do rock da época, o heavy metal, se materializasse nas ondas. “Se surfistas pudessem ser bandas de rock, Fitz era o Led Zeppelin!“, afirmou Drew Kampion.
*O apelido supersônico de Terry é obra do célebre jornalista australiano, Phil Jarratt, ao assistir sua fantástica exibição nas longas direitas de Jeffrey’s Bay, em 1977.