Passada a comoção, a emoção e as homenagens, restam os fatos. Andy Irons morreu num quarto de hotel sozinho. Fato. Mas quem permitiu que isso acontecesse? A ASP? Seus patrocinadores? Os organizadores do campeonato em Porto Rico? A companhia aérea, as aeromoças? Os funcionários dos hotéis onde ele se hospedou em Porto Rico e em Dallas? A segurança dos aeroportos? Seus adversários, amigos, companheiros de equipe? Sua família? Seus irmãos de coração do Kauai? O próprio Andy?
Todos têm maior ou menor responsabilidade nessa verdadeira crônica de uma morte anunciada. Tudo bem que Andy não era nenhum santo. Seu envolvimento com drogas não era segredo. Mas o fato é que esse mega-atleta, três vezes campeão do mundo, ídolo carismático pra milhões de surfistas mundo afora, caminhou lentamente na direção da morte sem que aqueles que o cercavam e que poderiam ter interrompido essa maratona macabra dessem um basta e salvassem sua vida.
Dengue, a aparente vilã dessa história, é uma doença de comunicação compulsória. Isso significa que ao menor sintoma é preciso comunicar imediatamente hospital e governo. Isso no mundo inteiro. Se houvesse suspeita de dengue, algum médico teria diagnosticado e esse comunicado existiria. Mas não importa se Irons morreu de dengue, por um coquetel de drogas legais prescritas, de overdose, ou tudo junto. O que mais me chamou a atenção foi que ele ficou dias trancado num quarto de hotel em Porto Rico e não apareceu pra competir nas duas baterias que o aguardavam. Teoricamente passando mal. E, mesmo doente, partiu. Sozinho. Pra morrer num quarto de hotel de outra cidade, fazendo escala a caminho de casa. Ele não foi medicado no hotel? Ninguém chamou um médico? Como o deixaram partir? Como pode essa saga toda acontecer nas barbas do surf mundial e ninguém se mexer pra impedir? Onde está o bom-senso? Onde estavam as pessoas razoáveis? Os que gostam e se importam? Ninguém pra dar uma força numa hora dessas? Alooou...
Nada parecido teria acontecido com um cara como Kelly Slater. Ele nunca daria esse mole. Por mais doente que estivesse, o desfecho teria sido outro. As pessoas que giram em torno do dez vezes campeão do mundo têm bem mais neurônios e teriam agido num piscar de olhos.
Andy Irons é fruto do seu meio. No Kauai ser forte e estúpido ganha mais pontos do que ser inteligente. E sensibilidade é coisa de fresco. Todo mundo sabe que o Wolfpack não passa de um bando de desocupados, bêbados, verdadeira gangue. A relação desses fora da lei com os ídolos havaianos é simbiótica e parasitária. Os caras oferecem proteção (leia-se ondas em Pipeline etc.), um pseudo-patriotismo havaiano, e em troca giram na órbita das glórias conquistadas pelos ídolos, levando uma vantagem aqui e ali.
Esse texto já mudou três vezes. Primeiro eu ia falar sobre o Dane Reynolds. Fiquei encantado com as suas entrevistas, com sua naturalidade, com o fato de ter lido bons livros e ouvir boa música. E também com seu blog. Sem falar, claro, no principal ─ o surf estratosférico de vanguarda. Mas, quando passei os olhos pelo texto do Bruce Irons, postado em agosto no blog, o tema mudou. Fiquei tão impressionado com sua estupidez, seu horizonte mínimo, com a conversa desconexa cheia de bobagens, com as armas atirando, com os samoas bêbados em volta, que pensei em escrever um contraponto entre dois estilos de surfistas opostos. Dane e Bruce. Mas aí o telefone tocou e chegou o absurdo da notícia da morte do Andy. A vida é mais importante do que a morte, eu sei. Mas certas mortes, pelo que nos ensinam, nos ajudam a entender e preservar vidas. A do Andy entra nessa categoria. Fico imaginando quantos não estão com a consciência pesada agora. Falando nisso, onde estava a matilha?