“Pule de dez” ou “favas contadas”, não importa a expressão. O mítico décimo título mundial de Kelly Slater saiu. E, apesar de ter sido um pouco abafado pela inesperada e prematura morte de Andy Irons, seu maior rival, o barulho pela conquista do americano foi enorme no mundo inteiro, em quase todos os grandes veículos de comunicação. Afinal, o surfista local da Flórida tornou-se o maior detentor de títulos mundiais, numa única categoria, de todos os tempos.
Disputado nas direitas de Middles, em Porto Rico ─ país que Slater freqüenta desde 1988 e considera sua “segunda casa” ─, o Rip Curl Pro Search contou com boas ondas, apesar de não ter rolado condições de gala em nenhum dos quatro dias de evento. Slater se aproveitou bem do conhecimento do pico e dominou as ações surfando de forma relaxada e executando manobras de altíssimo nível. A espetacular forma do número 1 do mundo, aos 38 anos, sugere que uma eventual tentativa de defender a coroa em 2011 não deve ser descartada.
A única bateria em que ele chegou a ser ameaçado foi na quarta rodada (onde não há eliminação), quando foi dominado por Adriano de Souza. Mas numa interferência de bloqueio, meio que forçada por Slater, o brasileiro teve uma de suas médias dividida ao meio, entregando de lambuja ao dono da festa a passagem direta às quartas de final. Aliás, Adriano mostrou-se recuperado da má fase vista em suas últimas atuações no Tour. Confiante e concentrado, arriscou manobras que não vinha mostrando, como belos aéreos nas primeiras seções da onda, e acabou sendo o ator coadjuvante no final feliz de Slater ao perder a bateria que deu o décimo título mundial ao americano.
Parecia até que as duas ondas de que Mineiro abriu mão, as primeiras surfadas por Kelly e que definiram o resultado (notas 9 e 9,87), foram uma compensação pelo deslize na véspera, que rendeu duras críticas por parte de Slater ao comportamento agressivo do brasileiro durante o confronto. Sacramentando o resultado, ainda na água Kelly recebeu os entusiasmados cumprimentos de Jordy Smith, o único Top que ainda podia atrapalhar seus planos, do próprio Adriano e de Michel Bourez, adversário de Smith na bateria seguinte. Esperado na praia por uma multidão enlouquecida, Kelly foi levado nos ombros dos amigos enrolado na bandeira americana, se contendo para ao cair em lágrimas. No palanque, durante a entrevista para a transmissão via internet, não agüentou e chorou copiosamente, dedicando a conquista a Andy Irons e sua família, além de sua mãe e irmãos. Ao lado da namorada, Kalani, pareceu mais calmo e começou a curtir o momento de êxtase.
Depois de dar mais entrevistas e receber os apertos de mãos e tapas nas costas de todos que puderam chegar a ele, entrou atrasado na água para enfrentar Taj Burrow na semifinal. Parecia desconectado com a competição durante metade da bateria, até que surfou duas ondas na casa dos 8 pontos, deixando Burrow furioso com mais uma derrota para o rival. Taj saiu socando a prancha, mostrando que realmente não é muito equilibrado emocionalmente.
O adversário de Kelly na final foi o osso duro de roer Bede Durbidge. Mas, passada a euforia do título, Slater resolveu aumentar seu recorde de vitórias no Circuito e despachou o australiano com extrema facilidade, com direito até a uma nota 10. Após o pódio, ouviu muitas perguntas sobre seu futuro. A resposta parece indefinida. Como das outras vezes, a dúvida segue entre parar no auge e descansar curtindo a vida de freesurfer e celebridade, ou se reinventar novamente, encarando novos desafios tentando superar uma geração talentosa, representada principalmente por Jordy Smith e Dane Reynolds, e que certamente está redefinindo os parâmetros do surf.
Aposentado ou não, o certo é que Kelly estará no Pipeline Masters deste ano e na Gold Coast australiana em março do ano que vem, prestigiando o evento inaugural do Tour promovido por seu patrocinador. Talvez sejam as duas últimas oportunidades de assistir ao fenomenal surfista, hoje conhecido como o maior campeão mundial da história. Quem puder deve aproveitar, pois os últimos 20 anos foram generosos aos que acompanharam sua carreira. Apesar de que, no fundo, acho que a mosca da vitória continua ali, perturbando os ouvidos do americano e instigando Slater a escrever mais páginas no livro de recordes da ASP.
UM CICLO QUE SE ENCERRA
A coisa toda parece um roteiro de filme épico. Fred Hemmings venceu um campeonato mundial em Porto Rico em 1968, teoricamente o primeiro com toda a galera da época. Aquilo foi o marco da mudança da era do long para as pranchinhas.
O mesmo Fred, hoje senador dos EUA pelo Hawaii, foi um dos fundadores da IPS, além de idealizador e promotor da Tríplice Coroa Havaiana. Kelly Slater chega à marca absurda de dez títulos em Porto Rico, que nunca mais havia sediado um mundial. Slater cresceu surfando os picos da região noroeste de Porto Rico, mas na época em que Lewis Graves, pai de Dylan (vencedor da triagem) levava o jovem floridiano para surfar, era bem difícil chegar à Middles. Na verdade o careca havia surfado muito pouco ali. Por falar nisso, a bateria dele com Dylan foi um marco para o surf local. Dylan surfou muito, dominando os tubos e manobrando com coragem. Ao saírem do mar a festa foi geral, mas Dylan, que mesmo perdendo parecia ter vencido o evento, recebeu toda a atenção. Uma demonstração de respeito e alegria que nunca vi antes. Até Slater ficou impressionado.
Na bateria que deu o título a Slater, Adriano Mineirinho achou que a segunda onda seria apenas um tubo curto. Slater disfarçou, fez tudo para dar a entender que queria a onda de trás, e só remou quando não havia ais tempo para Adriano. Kelly explicou depois que percebeu toda a água da série escoando pela bancada e notou que aquele fluxo, aliado à direção da onda fariam ela encavalar no inside. Coisas de gênio. O resultado todo mundo viu na segunda seção de tubo que lhe rendeu nota 9,87. Mineiro ficou tão furioso por ter deixado a onda que pegou suas três pranchas e foi para casa andando, numa longa caminhada. Na decisão, Bede Durbidge não teve chance alguma contra Slater. O australiano boa gente chegou a bater palmas no outside depois de ver uma das ondas do adversário, que nunca havia vencido uma etapa The Search.