Sentado à mesa da cabine de comando de sua enorme embarcação, o tenente da marinha inglesa James King, da esquadra do capitão Cook, pensava na violenta viagem até Sandwich Islands, nome dado pelo famoso capitão ao arquipélago havaiano. Agora eles estavam ancorados em uma linda baía de uma das ilhas, de frente para as montanhas mais cheias de vegetação que já tinha visto. Chovia e fazia sol com uma freqüência intrigante. Algumas pequenas cachoeiras escorriam de alguns trechos bem altos das montanhas, com o branco forte cortando o verde de cima até embaixo.
O outono, naquele final de outubro de 1776, deixava os dias um pouco mais frescos. Olhando pela escotilha, ele viu, de longe, três pontinhos flutuando perto da costa. De repente, um dos pontinhos sumiu no meio da arrebentação. Pareciam nativos em cima de pequenas canoas individuais. O tenente subiu no convés, chamou dois marinheiros e colocou um bote na água. Ele queria ver aquilo, respirar um ar fresco e dar uma nadada.
Chegando perto, eles se entreolharam meio surpresos. Não eram canoas. Os nativos estavam flutuando, cada um em cima de um grande pedaço de madeira parecido com a prancha que tinham no navio e usavam para mergulhar no mar.
Veio uma série e um dos nativos ficou de joelhos e começou a remar junto com a ondulação. Para o espanto dos três, ficou em pé e desceu reto a onda em direção à areia, se equilibrando na espuma branca. O mais cabeludo dos três veio na última e maior da série. Ele parecia bem mais habilidoso e, logo que o pesado pedaço de madeira começou a deslizar, levantou ainda um pouco agachado e começou a inclinar o corpo para a direita, fazendo a prancha mudar levemente a trajetória em direção ao canal. A descida do nativo cabeludo foi meio radical. Pelo menos aos olhos dos marinheiros. Enquanto ele descia meio angulado, buscando fugir do pico mais alto da onda, ela crescia atrás dele, como se os dois movimentos contrários estivessem perfeitamente coordenados. Quando terminou a descida, a onda tinha ficado um pouco maior do que ele, mas aquela prancha enorme corria solta cortando a parede de água.
A cena era impressionante. Quando velejava a favor do vento, o tenente sempre tentava fazer com que a grande embarcação deslizasse em alto-mar, pegando carona nas grandes ondulações. Quando conseguiam, todos os envolvidos diretamente na tarefa entoavam cânticos criados por eles: “Yesss, we go fast, we’re the best... Our ship flies, under the sky!”. Mas aquilo que o cabeludo nativo estava fazendo parecia ainda mais emocionante. A onda ia quebrando harmoniosamente em direção ao canal e ele cortando a parede em cima da prancha com os braços ajudando no equilíbrio.
Quando terminou a onda, a uns 10 metros do bote dos ingleses, o nativo se ajoelhou novamente na prancha, começou a remar para fora, em direção à arrebentação, e berrou sorrindo: “Aloha, kanaka nunui moku” (“Bem-vindo, homem da grande embarcação”)! O tenente não entendeu exatamente o nativo, mas sentiu que era uma saudação e respondeu de imediato, em tom alto: “Good on you, fellow, you’re bloody good on that!”.
O cabeludo era um príncipe e se chamava Kaleakala. Seu pai, Kamehameha, era o rei da ilha e era chamado por todos de “Mua kulu kalepa”, o “primeiro a dercer ondas”. Os outros dois na água eram primos do príncipe. Os três saíram do mar ao entardecer morrendo de fome e, enquanto corriam pela a aldeia, berravam de alegria: “Keia La loa’a lual... Keia la loa’a luau!” (“Hoje tem luau... Hoje tem luau!”).
A grande festa para comemorar o nascimento de uma neta do rei já tinha começado. Dessa vez, Kalani, irmão mais velho de Kaleakala, que organizava os luaus da família real, inovara: além de um grande porco envolto em folhas de bananeira, enterrado um palmo na terra, com pedras incandescentes substituindo suas entranhas e cozinhando lentamente desde a manhã, eles teriam também um javali enorme que ele mesmo tinha caçado na base do vulcão e enterrado ao lado do porco.
O rei estava sentado sozinho, de frente para uma grande fogueira. Os três chegaram correndo, beliscando as mulheres que enfeitavam a festa com plantas e flores, e foram direto se aquecer perto da fogueira, ao lado do rei. Kamehameha tinha um carinho especial pelo filho mais novo e pelos dois sobrinhos. Eles eram os únicos da enorme família real com coragem e habilidade suficientes para deslizar sobre as ondas e lidar com as correntezas dos dias maiores. Os únicos da família e de todo o arquipélago que levavam adiante a paixão do grande rei.
Já aquecidos pela fogueira, os três falavam do mar naquela tarde, quando de repente Kaleakala pediu ao rei, que beirava os 80 anos de idade e era forte como um javali: “Makua, há’ina hana hou mo’olelo mua loa la he’e nalu” (“Pai, conta novamente a história do primeiro dia deslizando ondas”). “Ah, meu filho, já se passaram umas 800 luas (uns 66 anos). Eu era mais novo do que vocês e adorava brincar no rio que corta a nossa aldeia. Depois de dias chovendo sem parar, o rio estava alto e muito forte. Eu escorreguei na margem e fui arrastado junto com galhos de árvores, plantas, frutas... Eu sabia nadar, mas a correnteza era muito forte em direção ao mar e em pouco tempo eu já estava longe da aldeia. Eu tentava me manter acima d’água quando vi, flutuando perto de mim, o que parecia ser um pedaço de parede de uma de nossas casas, feito de folhas secas de coqueiro com galhos finos de árvores amarrados por cipó. Pulei em cima e, como flutuavam bem, fiquei ali alguns segundos recuperando o meu fôlego, quando vi o rio chegando no mar. A visão que tive me apavorou”.
Nessa hora, os três já tinham até esquecido a fome. O rei continuou: “O mar estava gigante. Eu brincava muito na nossa praia, mas nunca tinha visto as espumas fortes daquele jeito. Por instinto, fui virando meu flutuador de costas para o mar e comecei a bater os pés e a remar com os braços contra a correnteza. Na boca do rio, perto do encontro com o mar, uma seqüência de ondas que não saíam do lugar ajudou a frear o meu flutuador, mas ele imbicou e afundei um pouco para trás do flutuador e a frente saiu da água. A última onda da seqüência me segurou e eu comecei a deslizar com ela, vendo a água passar com força embaixo de mim, sem sair do lugar. Entendi que tinha que me manter equilibrado para não perder a onda e ser arrastado. A margem estava a uns 10 metros de distância. Novamente por instinto, afundei um pouco mais a perna esquerda na água e o meu flutuador foi cortando a onda para a esquerda. Quando cheguei ao lado da margem, me ajoelhei, fiquei em pé me equilibrando por um instante e me joguei, agarrando na areia fofa da praia. De pé, acompanhei o meu flutuador fugindo para o mar, enquanto eu lembrava aquele rápido momento deslizando a onda do rio de pé no meu flutuador”.
Os três nem respiravam. “Duas luas depois, com o meu primo mais velho, pensando no flutuador e nas nossas canoas, talhamos dois troncos três vezes o nosso tamanho para deslizar nas espumas da nossa praia. Mas o meu primo tinha um pouco de medo do mar e nem tentou. Três luas depois eu fiquei em pé, deslizando uma espuma até a areia. Foi a melhor sensação da minha juventude. Melhor do que caçar javali. Como eu era o príncipe herdeiro, alguns da aldeia vinham me ver deslizar ondas, mas ninguém admitia tentar, achando que seria uma atividade exclusiva da família real. Deslizei ondas sozinho por mais de 500 luas, até que você nasceu e, em menos de 60 luas, eu finalmente tinha alguém para deslizar ondas junto comigo. Seus primos vieram depois. Agora já somos quatro, em todo o nosso reino”.
Naquele momento, James King jantava com seus imediatos na sua cabine, bebendo um dos melhores vinhos que tinha a bordo. Ele não conseguia parar de pensar no que tinha visto naquela tarde. Se estivesse ouvindo a história do rei e feito as contas no seu calendário cristão, saberia o ano em que alguém deslizou uma onda em pé pela primeira vez: 1710. Para nós, hoje, foi há exatos 300 anos.