LISA ANDERSEN ─ a rainha mãe

“Quando está em forma, ela está entre os melhores surfistas lá fora” (Tom Carroll, sem distinguir sexo, no Guia da ASP, 1993).

“Ela é a primeira mulher a se tornar uma celebridade do surf e conseguir um domínio que fez os porcos chauvinistas calarem a boca e prestarem atenção” (Martha Sherrill, Outside, novembro de 1996).

A fórmula da perfeição. A atração hipnótica do sorrido tímido iluminado e olhos oceânicos profundos. O choque de uma mulher surfando com velocidade, força e linha. Provando que era possível surfar bem, como um homem. Os bottom-turns e cutbacks redondos, as batidas, cabelos loiros, olhos azuis e vigoroso spray marinho a se espalhar e se fundir em uma só surfista. Bela e fera, Lisa Andersen é a maior surfista de todos os tempos.

O enredo de novela. Cinderela das ondas, Lisa sofreu com uma família infernal e precisou fugir de casa para viver das ondas. Logo foi apontada como a melhor surfista do planeta, mas só provaria isso anos depois, quando se tornou mãe. E ela seria ainda a razão do surf feminino crescer e se tornar um negócio milionário.


O INFERNO
08/03/1969. Lisa Andersen nasce em Long Island, Nova Iorque, mas é criada nas colinas de Fork Union, Virginia. Ali já desafia os garotos: é a única guria no time de baseball masculino da cidade. Aos 13 anos, muda-se para Ormond Beach, Flórida. Encontra um refúgio (dos pais que só brigam) e companhia no skate e surf. No mar, única menina, imita o estilo dos locais e é agressiva com eles. Os rapazes a chamam de “Trouble” (Problema), mas a protegem. Em casa, seu pai e mãe são contra o surf, coisa de drogados e vagabundos para eles. Aos 15 anos, Lisa vê o pai destruir sua prancha: pisa em cima e arranca as quilhas. Um ano depois (1985), ela foge de casa deixando um bilhete: “Mãe, vou embora para ser campeã mundial de surf”. Parte não só pelas ondas. “Meus pais só brigavam e se divorciaram. Escolhi ficar com meu pai, mas ele disse que não me queria”, revelaria na Outside.


A LUTA
Lisa empenha as economias do trabalho como garçonete e atravessa o país num vôo para Los Angeles. Logo está em Huntington Beach. Sua rotina é surfar, trabalhar em restaurantes e morar com um jovem shaper, amigo da Flórida. Sofre com o assédio dele e decide ir embora. Passa a dormir onde é possível: embaixo de bancos de Newport Beach ou em casas vazias que invade de madrugada. Muda de casa toda noite: tem medo e a paranóia de ser descoberta pelo FBI.

Certa manhã, Ian Cairns, o ex-legend australiano que comandava a NSSA (Liga Escolar-amadora de Surf dos EUA), a encontra dormindo em posição fetal embaixo da mesa, no palanque de um campeonato. Lisa pede que ele a deixe correr um evento. Mesmo sem autorização dos pais ou boletim da escola, Ian cede. E cederia nos 8 meses seguintes, quando a menina domina o circuito da NSSA: ganha 35 troféus e se classifica para o Mundial Amador da Inglaterra (no ano seguinte, fica em 3°). “Foi como se ela tivesse um estilo completamente formado desde a primeira vez em que ficou de pé. Como se surfar viesse naturalmente para ela como a dança para Baryshikov. Ela é surpreendentemente exata. Você não vê braços, joelhos e cotovelos voando. Nada está fora do lugar” (Nick Carroll, na Surfing).

Lisa fica um ano enviando recortes de jornais com seus resultados para a mãe, sem revelar onde vivia.


PROTEÇÃO
A coragem e talento de Lisa a fazem ser respeitada e adotada pelos surfistas mais velhos. Mais que adotá-la, o californiano Dave Parmenter ─ ex-pró famoso pelo estilo belo e veloz ─ se transforma no homem mais importante de sua vida. De 1987 a 1991, Dave é o mentor, shaper, companheiro de surf, motorista, treinador e amante que ajuda muito a refinar o surf de Lisa. Mas eles brigam demais e acabam se separando.

Sem Dave, Lisa apóia-se na amizade de outros surfistas do Tour, em especial o ex-bicampeão, o australiano Tom Carroll. “Ele sempre estava lá pra mim, no surf e fora da água. Me respeitava, não me tratava como mais uma das garotas”, afirma na Surfing.

1987. Todos apontam Lisa como a futura campeã mundial. Em seu ano de estréia, termina como 12a do Tour mundial e como rookie of the year. Mas ela pecaria anos por falta de foco no circuito todo. Termina o Tour de 1988 em 10o lugar, 7o em 89, 4o em 1990, 7o em 1991, ano em que fecha com a Quiksilver, e 4o em 92.


A FORÇA DA MATERNIDADE

Julho de 1992. Após rabear o juiz brasileiro Renato Hickel, em Jeffrey’s Bay, iniciam um romance secreto. Descobertos, Lisa fica magoada por acusarem-na de dormir com ele para ganhar boas notas. Hickel deixa o surf feminino por causa disso. No final do ano, fica grávida. Casam-se em março de 1993 e Erica nasce em 1o de agosto.

1994. Antes dispersa e frágil emocionalmente nos campeonatos, Erica transforma Lisa. Nesse ano ela vence três eventos (Ilhas Reunião, US Open, Biarritz), domina a temporada, mas treinando em Florianópolis, suas costas arrebentam completamente: duas hérnias de disco. Desiste do campeonato seguinte, no Hawaii e aposta tudo no último, na Austrália. Em terra aussie, precisa vencer uma bateria para não perder o título para Pauline Menczer. Suporta as dores e consegue bater a local Yvonne Rogencamp. Lisa vencia seu dramático primeiro título mundial, graças, segundo ela, à sua filha. “Erica me distraiu de todas as minhas distrações. Agora eu tenho uma vida. E isso torna a vida mais fácil”.

1995. Ela vence de novo três campeonatos e fatura o bi. Em 1996, o casamento com Hickel termina (“ela perdeu todo o interesse por mim desde que Erica nasceu”) e faz uma histórica capa na Surfer (primeira de uma mulher em 15 anos), com uma legenda corajosa e verdadeira endereçada a muitos surfistas machos: “Lisa Andersen surfs better than you”. Lisa é tricampeã em 96 e traz um tetra arrasador (5 vitórias) no ano seguinte.

Os anos de domínio de Lisa Andersen significaram a explosão de novas meninas na água e do mercado da surfwear delas. Garota propaganda da Roxy (linha girl da Quiksilver), Lisa ajudou a desenhar um board short para as meninas que virou febre, e monopolizou os vídeos e anúncios nas revistas. “Lisa Andersen exemplificou uma nova espécie de modelos femininos que surfam como homens, mas que aparentam, em cada pedacinho, uma mulher. Embora não exista nada de feminista na sua filosofia pessoal, Lisa se tornou a rainha para a geração de meninas que a seguiram” (Surfer, agosto de 2005.)

O sucesso, porém, não mudou seu jeito distante e fechado; uma enigmática superstar avessa à fama e badalação da mídia.

A partir de 1998, ela se afasta do Tour por novos problemas nas costas e para ter um filho em 2001, Mason (com o paisagista neozelandês, Paul Osbaldiston, de quem se separaria depois). Ensaia retornos em 2000 e 2002, mas deixa mesmo o circuito.

A australiana Layne Beachley a sucede, com um incrível hexacampeonato mundial. Todavia, Layne jamais consegue superar o carisma e inspiração de Lisa, a rainha que teve a coragem e determinação de dar o grande salto na carreira num momento que significa o fim para a maioria: ser mãe.

Mãe, musa e mito que mantém o mesmo sorriso e luz de menina que fugiu de casa para viver das ondas.



Lisa casou-se pela terceira vez, segue nas ondas com seu surf camp para meninas, como embaixadora da Roxy e teve sua biografia, “Fearlessness” escrita por Nick Carroll.