Este filme foi resultado de um daqueles raros acidentes históricos ─ e de muita ralação. Eu não conhecia o diretor, que não conhecia os produtores, que não conheciam o redator ─ e que não havia grana nem pra comprar a câmera mais ralé do mercado. Mas, após mais de dois anos de e-mails e telefonemas, quando nos demos conta, estávamos todos no Rio de Janeiro preste a começar a rodar um filme que, de certa forma, mudou a vida de todos os envolvidos no projeto.
Em 2002, quando era editor na revista Surfing, fui ao Brasil cobrir o WCT, que naquele ano foi em Saquarema. Além de escrever sobre o campeonato, acabei fazendo uma matéria com o Favela Surf Clube. Subi o morro do Cantagalo, conversei com os professores, acompanhei o concerto de pranchas e as aulas de surf pros moleques do morro lá no Arpoador.
A matéria saiu na Surfing em 2003 e, em julho do mesmo ano, na revista Surfer’s Path. O diretor de cinema Justin Mitchell, surfista, mas cuja especialidade é documentário de música e vídeo clips, acabou comprando (segundo ele, meio que sem querer) aquela edição da Surfer’s Path. No mesmo dia ele me telefonou: “Cara, quero fazer um filme sobre o Favela Surf Clube. Quer me ajudar?” Por alguma razão, e apesar de não saber nem ligar uma câmera, topei na hora.
Após dois anos pesquisando e buscando recursos, finalmente, em 2005, começamos a rodar. Decidimos que faríamos um filme baseado na estética de Endless Summer, mas dentro de um contexto radicalmente diferente das praias paradisíacas de Bruce Brown. Aliamos a esse princípio a necessidade de uma narrativa contundente, mas sem caminho ou direção específicos. Ou seja, a idéia era passar o tempo na praia e no morro, e mostrar a vida exatamente como ela é. A versão final trata do cotidiano de dois grandes amigos, Fábio e Naamã, de 13 anos.
Tanto na praia como no morro, eles estão sempre juntos. Naamã tem uma família estruturada (pai, mãe, irmãs), enquanto Fábio perdeu o pai para o tráfico. O objetivo de ambos é ser um grande surfista e, de repente, sair do morro algum dia. Sob a tutela de Rogério, instrutor do Favela Surf Clube, os dois vão tentar a sorte no esporte. Será que vai dar?
Além do surf, Rio Breaks mostra a comunidade como um local onde a vida simplesmente acontece. Assim como na casa confortável de bairro classe média, lá também come-se, bebe-se, joga-se videogame, sonha-se com um futuro melhor. Crianças brincam. Parece uma coisa meio banal e óbvia, mas acho que não é.
De um modo geral, dá pra dizer que tiroteios e o tráfico formam a narrativa quase única sobre a vida no morro, um espaço dominado pelo estigma e pela violência. O discurso do “nós” versus o “outro” é rigorosamente predominante. Mas nossa experiência foi diferente disso. Descobrimos que existem narrativas paralelas e alternativas ao discurso tipicamente usado pela mídia. A história do Favela Surf Clube mostra exatamente isso.
Rogério e os demais instrutores são verdadeiros heróis, capazes de mudar a vida dos moleques do morro. E, como disse no início, mudaram a nossa também. Sabemos, por exemplo, que fazer filme no morro é dificílimo. Mas também sabemos que a vida no Cantagalo, dependendo do dia e, se tiver onda, pode ser muito mais Endless Summer do que Tropa de Elite.
Essa humanidade que nos conecta, esse desejo de pegar onda é, talvez, o maior trunfo do filme, que foi lançado pela Pródigo durante o Festival do Rio, no início de outubro, e depois veiculado no Sundance Channel nos Estados Unidos. Espero que você goste.