Quiksilver Pro Australia 2011


TODO INÍCIO DE TEMPORADA GERA EXPECTATIVAS. EM SNAPPER ROCKS, AUSTRÁLIA, HAVIA ALGO MAIS. A PRINCIPAL QUESTÃO DO QUIKSILVER PRO ERA SABER O QUE FARIA O DECACAMPEÃO MUNDIAL KELLY SLATER. EXTRAORDINÁRIO, ELE VENCEU OUTRA VEZ.



Algumas manobras em sua bateria de estréia foram suficientes para deixar claro que Slater ainda é o rei intocável do surf moderno. Depois, por motivos diversos, caiu de produção. Culpa da prancha, que veio a trocar, da condição esquisita do mar. Estava se sentindo mal. Virose? Na real parece que seu estado mental passa por mudanças. Mesmo passeando até a fase do “no loosers” (em que três atletas competem o vencedor segue direto para um round depois que os outros dois perdedores, competem novamente para ver quem segue no evento), em que, fora da normalidade, perdeu, cometeu erros inusitados para seu padrão de surf e não conseguiu produzir médias acima do patamar em que seus adversários estavam trabalhando. Depois do quinto round, quando passou por apenas 0.30 pontos por Adrian Buchan, aplicou mais uma lição de como vencer. Atropelou Dusty Payne e seu novo companheiro de equipe, o paciente Tiago Pires, para chegar à final contra Taj Burrow.


TAJ ERA O CARA EM SNAPER
Numa época de transição do WT, Taj iniciou o ano com ânimo renovado, mais power em suas rasgadas e a ressurreição de seu repertório “new school”. Com o novo critério de julgamento, essa é justamente a fórmula que vai funcionar este ano. Venceu uma etapa do QS só para aquecer. Com eventos em Bell’s, Brasil, J-Bay e Teahupoo pela frente, um título mundial é totalmente possível. Parece bacana, mas essa era a previsão do Power Rankings do Surfline em 2010, quando Taj venceu essa mesma etapa. Vale acrescentar que sua volta de manobras arriscadas beira a perfeição. Aqueles 0.12 pontos sobre Adriano Mineirinho que o levaram à semifinal ainda estão travados na garganta de muita gente. Mas a derrota diante da inteligência de Slater (mais que o próprio surf do careca) na final que era sua pode causar efeitos devastadores no ano de Taj. Johnny Gannon, seu técnico, terá trabalho para desentalar esse espinho de sua garganta.

A bateria perdida por Mineirinho, dura de engolir, vai ser digerida no embalo de outras ondas pelo brasileiro. A de Taj pode matá-lo engasgado.

Sabe aquele discurso minuciosamente despretensioso, de bom menino, estou me divertindo e tal? Quando Taj saiu perplexo da pesada derrota na final, sumiu para dar porrada na prancha, na parede e talvez em seu pobre ego combalido. Normal. É isso que a maioria faz quando perde. Na expression session em que Alejo Muniz deu show, Taj e Joel Parkinson só faltaram sair na porrada pela disputa das ondas. Isso é diversão? São de matar esses depoimentos “profissionalmente corretos” que tentam alterar a dimensão do que está realmente acontecendo na jaula dos leões.


SOBRE ESTRATÉGIAS, ONDAS E PRANCHAS
A vitória de Dusty Payne sobre Mick Fanning por 0.77, o 3º round (!) dá uma idéia de quanto a escolha de ondas foi primordial em vários momentos em que havia poucas com qualidade. Ah, o gélido Fanning também teve seu momento de explosão ─ fora das vistas do mundo, claro. Muitas ondas começaram com um cutback, coisa estranha pra Snapper que na maré (extra) baixa parecia ideal para a prática de rafting. Correnteza de louco. A derrota de Raoni Monteiro, no 2º round, foi em grande parte por conta do mar, assim como Jadson André que, com ondas melhores como as de Tiago, poderia ter vencido o português. Tudo bem, Tiago (que parecia um “Slater cover” por causa da careca e do logo no bico da prancha) estava realmente inspirado, mesmo quando fez uma linha repetitiva, até apanhar de Slater na semi. Mostrou que se pode também, sem aéreos o outras modernidades em cima de uma prancha normal, garantir bons resultados, especialmente esperando as boas da série. Heitor Alves também sofreu com a escolha de ondas contra Matt Wilkinson e não encontrou espaço para verticalizar e atacar o lip como manda o figurino. Aliás, “Wilko” foi a expressão maior de que um surf diferenciado pela prancha escolhida pode gerar bons frutos. Pena que, no caso dele, perder-se no caminho faz parte do roteiro.”Viajei tentando fazer curvas esquisitas. Fui idiota. Falei em fazer baterias inteligentes a semana toda e acabei enfiando o pé na boca”. Para dizer a verdade achei a prancha dele horrível. Mas ele e outros, como Michel Bourez, e seus carvings poderosos, apresentaram um display de pranchinhas pequenas e de bico mais largo desenvolvidas para ondas menores. Acredito cada vez mais num trabalho como o de Slater, que está montando um quiver para cada onda do Tour. O problema é que nem todo mundo entende tanto assim de pranchas.

Microtubos são tubos. Que o digam Slater, Jordy Smith, Mineiro e Parko, que deu um show de colocação para infelicidade de Kai Otton. O de Brett Simpson não foi micro e parecia até aquele Snapper que esperávamos. Esse menino está realmente dentro dos padrões exigidos para viver na elite. Exemplo de surf eficiente. Nem tão power, mas cirúrgico. Bem pensado e expressivo. Interessante reparar o número de baterias em que a diferença entre vitória e derrota não passou de um pontinho. Estratégia pesou muito. Basta ver a virada de Jordy contra Alejo, depois de tentar 14 ondas no inside, sem a prioridade. Tudo bem, dois juízes não deram a virada, como Luli Pereira (a meu ver um dos melhores da ASP), mas os outros deam. Slater venceu a final com duas ondas na casa dos 5 pontos. Precisa dizer mais?


A REGRA É CLARA, ÀS VEZES BURRA
Em Snapper ninguém foi salvo por grandes aéreos ou manobras mirabolantes. Wilko, Josh Kerr e mais alguns até tentaram, inclusive Alejo, no momento errado. Aquele aéreo rodando contra Jordy estava programado como primeira ou última manobra. Jogou no meio do caminho, num lugar complicado. Se voltasse não teria ficado na adrenalina que lhe rendeu a interferência no fim da bateria. Sim, foi interferência. Alejo, que dominou a bateria, não sabia ainda a nota da última onda que daria a virada a Jordy e tinha a prioridade. O sul-africano entrou na onda, cinco segundos depois a sirene tocou. A bateria acabou. Alejo entrou na onda de Jordy depois disso. Se não há bateria não pode haver prioridade. Foi isso. Mas sua estratégia, no geral, funcionou muito bem, mesmo não pegando os melhores momentos do mar. Se Jordy entrasse em mais uma onda teria cometido interferência. Apenas 15 ondas podem ser surfadas por cada atleta nas baterias de 30 minutos. Essa regra parece ultrapassada. Jordy teve que usar as 15 permitidas.


MAIS É MENOS
O WT 2011 terá mais etapas esse ano, 11, isso porque a ASP não conseguiu fechar outras que pretendia. Nem por isso a qualidade das ondas está garantida. Nova Iorque e Rio de Janeiro, por exemplo, ainda terão que convencer de que valem o ingresso. A escolha dessas locações (e algumas outras etapas Prime, mais pela premiação que pela qualidade) parece ter mais a ver com estratégias comerciais de que com aquele tal “Dream Tour”. Preferia assistir a menos e melhores ondas, como G-Land ou Fiji. Dificilmente uma ondulação dura mais que três dias, em qualquer lugar do mundo. A chance de que mais de uma ondulação consistente ocorra dentro da janela de dez dias, normalmente estipulada para cada evento, depende de muita solte. O novo formato de competição da ASP, que cortou de 48 para 36 o número de atletas na corrida ao título mundial, considerava a necessidade de diminuir o tempo de competição para que essa rolasse em ondas melhores, com os melhores do mundo. Perfeito. A tese funcionaria bem caso não colocassem os rounds de “no loosers”, que estendem o tempo de evento. São 51 baterias. No fim das contas, especialmente em picos como Snapper, que depende de maré e não funciona o dia todo, falta(rá) tempo.

Para agravar a situação vale lembrar que, como em Snapper, em Bell’s, Rio de Janeiro e no Somewhere as meninas competem no mesmo lugar dentro do mesmo prazo de espera. Ou seja, há menos tempo ainda. O risco mostrou-se verdadeiro na primeira etapa. Normalmente tentam colocar os homens nos melhores momentos do mar. Previsão climática e de ondas é algo inexato e, para sorte delas, ficaram com várias das boas direitas de Snapper. Muitas baterias, incluindo infelizmente as finais masculinas, poderiam ter rolado em ondas bem melhores.


DE VOLTA AO CARECA
Logo depois de ser levado nos braços do povo até o palanque, onde receberia seu 46º título em etapas do Mundial, Slater comentou meio displicente sua vitória, ao vivo na web. Ecoou mais como intimação. Traduzindo, ele disse: “Será que ninguém entendeu ainda como se vence isso aqui?”. Continuar nesse jogo deve ser pedreira, mas ele parece ter encontrado, outra vez, um jeito de permanecer no modo “matador”: “Se entro num campeonato quero vencer. Estou só tentando curtir isso. Estou tentando chegar a um ponto em que fico focado, mas não estressado. Não gosto do estresse da competição. Coloco muita pressão em mim mesmo. Quero tentar e chegar a um ponto em que possa competir relaxado”. Se ele conseguir isso, como delineou em Snapper, danou-se. Com 72.500 pontos no World Ranking, só sai se quiser. E foi correr o Prime de Margaret River, só para garantir a posição.

Há detalhes que não devem ser esquecidos. Ele sabe que, por vários motivos, ainda tem que estar lá. Vive em função da vitória, desde sempre. Talvez não saiba existir de outro jeito. Sua participação como acionista na empresa que o patrocina deve fazer parte do mix de motivação que o leva a continuar no jogo. Por outro lado, antevê o futuro do esporte, que ainda há de sentir sua falta. Para ou continua? Tudo leva a crer que segue em frente. Por motivos diferentes. O Quik Pro deve ter consolidado sua estratégia de vida no médio prazo. Pode-se dizer que agora se trata de quem pode ou não vencê-lo. Algo que irrita e gera admiração na mesma medida.