ERIC REBIÉRE E BENJAMIN SANCHIS DESAFIAM TUBOS DE MAIS DE 20 PÉS EM MULLAGHMORE HEAD, NA IRLANDA, DESBRAVANDO MAIS UMA FRONTEIRA DO SURF DE ONDAS GRANDES NO BILLABONG ADVENTURE DIVISION ─ PROJETO QUE TEM COMO OBJETIVO ENCONTRAR AS ONDAS MAIS PESADAS E SINISTRAS DA EUROPA.
Com sua história ancestral repleta de mistérios e conflitos, a Irlanda é normalmente conhecida por ser o berço do U2, uma das bandas de pop rock mais influentes das últimas décadas; do IRA (Irish Republican Army), ou Exército Republicano Irlandês, grupo paramilitar cujos atos terroristas chocaram o mundo entre as décadas de 60 e 90; do genial escritor, poeta e dramaturgo Oscar Wilde, autor de “O Retrato de Dorian Gray” (1980); ou ainda pela famosa cerveja preta Guinness e o licor Bailey’s (aquele docinho, que as gatas adoram). O que pouca gente sabe é que a terra do povo celta, conquistada no passado pelos vikings, também pode entrar na lista de interesses de um grupo bem diferente e underground: o dos surfistas de ondas grandes. Nas condições certas, a costa oeste da ilha (a Irlanda é uma das ilhas britânicas e a terceira maior ilha da Europa), virada para o Atlântico Norte, oferece ondas poderosas, num ambiente hostil que poucos estão habilitados e dispostos a encarar. O franco-brasileiro Eric Rebiére, carioca de Cabo Frio naturalizado francês, comprovou pertencer a esse seleto grupo. No começo de fevereiro, ele e seu parceiro de tow-in, o francês Benjamin Sanchis, escreveram seus nomes na história ao surfarem bombas descomunais de 20 a 30 pés em Mullaghmore Head, na costa noroeste, as maiores já registradas no pico. De quebra a dupla faturou o primeiro campeonato de ondas grandes promovido pela Irish Surf Recue, em parceria com a Billabong e Monster Energy.
Bicampeão europeu profissional e Top do ASP World Tour em 2003, Rebiére vem há alguns anos se dedicando ao big surf e foi recentemente contratado pela Billabong para se juntar a nomes como Shane Dorian, Manoa Drollet, Grant “Twiggy” Baker, Greg Long e Laurie Towner na Billabong Adventure Division, projeto da marca que tem como objetivo encontrar e desbravar as ondas mais pesadas e sinistras da Europa. “Ter o Eric como parceiro é uma honra e um privilégio. Além de ser um talentoso e destemido big rider, ele também é um expert em analisar os mapas de previsão dos picos da Europa, o que é fundamental para o sucesso desse tipo de empreitada. Essa nossa primeira viagem em dupla para desbravar o litoral da Irlanda foi surreal!”, comenta Sancho. Esse é realmente um ponto decisivo. A precisão na análise dos mapas meteorológicos e o conhecimento da geografia do local e suas variáveis fazem a diferença quando se trata de estar no lugar certo na hora certa caçando ondulações gigantes, raras e temperamentais.
ESPERA RECOMPENSADA
A viagem para a Irlanda já rondava os pensamentos de Eric e Sancho havia dois anos. Em muitas ocasiões eles chegaram perto de embarcar, mas na última hora as previsões não se confirmavam. Dessa vez, depois de analisar os mapas e ver a aproximação de um swell monstruoso de cerca de 30 pés, decidiram partir em menos de 24 horas. A trip foi organizada pelo manager da Adventure Division da Billabong na França, François Liet. Eric e Sancho voltavam de outra viagem quando começaram a planejar a ida à Irlanda. “Fazia uma semana que estávamos rodando pelas estradinhas que cortam as montanhas da Galícia em busca de novas ondas. Durante a volta para a França, paramos para descansar num hotel de beira de estrada a 100 km de Burgos. Sancho foi direto para a internet olhar o swell, pois já sabíamos que seria uma semana épica na Europa, com um rastro de swell de 18 a 30 pés expandindo da Islândia até as Ilhas Canárias. Poucas vezes vimos isso”, ressalta Eric. O grupo chegou à França no dia seguinte e tinha apenas algumas horas em casa antes de começar os preparativos para cair no mundo novamente. Morando na França a mais de dez anos e casado, ele viaja com a esposa e a filha de 7 meses do casal inspirado em outra família de surfistas viajantes. “Quando recebi a visita do Pato e sua família, no final do ano passado, gravando o programa ‘Nalu pelo Mundo’, pensamos em ir para a Irlanda. Mas na ocasião não tínhamos jet ski e não rolou”, lembra. Dessa vez eles tinham quatro jets à disposição, hotel, carro reservados e partiram em direção ao aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. “Assim que chegamos em Dublin, na Irlanda, já começou a adrenalina. Sancho não dava sossego dizendo que pegaríamos os tubos da vida. Eu, que tinha estourado o tímpano uma semana antes, estava ainda mais eufórico do que ele. Sabia que se houvesse mesmo as bombas de 30 pés de que ele tanto falava, uma hora ou outra ficaria profundo demais no tubo”.
MULLAH’D SEJA LOUVADA
Na manhã seguinte o grupo, que agora contava também com outros surfistas, como Andrew Cotton, Gabe Davies e Richie Fitzgerald (pioneiros em Mullaghmore), foi com dois jet skis ao encontro de duas bancadas da região, G-Spot e St Patrick’s, mas o swell estava muito grande e as condições não eram boas. “Uma hora depois tivemos que ir embora porque um dos jets estava pifando. No caminho de volta vimos Mullaghmore Head e parecia enorme mesmo de longe, a cerca de 1 km. Sancho nos deixou no porto e foi até lá checar. Cinco minutos depois ele voltou empolgado como uma criança, dizendo que tínhamos que ir para lá”, relata o fotógrafo Bastien Bonnarme.
Depois de viajar distancias continentais pelo oceano em águas profundas, a ondulação triplica de tamanho quando bate na rasa laje de Mullah’d, como o pico é chamado pelos locais. “A primeira impressão que tivemos lá fora não parecia tão grande, uns 8 pés, mas ela ia aumentando de tamanho à medida que ia entrando no inside e chegou a 15 pés. Algumas ondas eram muito difíceis de ler, poderiam emburacar mais pra frente ou mais pra trás. Começamos com cautela, mas no último dia estávamos puxando tudo pra dentro e entubando fundo”, diz Eric. Segundo ele, a temperatura, que variava entre 2 e 10 graus, nem era tão fria. Mesmo assim exigiu que usassem roupa de borracha, botas, luvas e gorro. Pior para Bonnarme, que lutou contra as correntes, a falta de mobilidade e quase perdeu a melhor parte de seu trabalho. “Eu estava empolgado e pedia ao Eric para me colocar cada vez mais embaixo do pico. De repente, fui surpreendido por uma série e quando tentei afundar para passar por baixo da onda, a roupa me segurou e levei na cabeça. Em um segundo, perdi meus pés de pato e senti estourar o leash que prende a caixa estanque ao meu braço. Fui sacudido como uma meia numa máquina de lavar e quando subi, graças ao wetsuit, entrei em pânico quando não vi meu equipamento por perto. Fiquei louco porque lá estavam as melhores fotos da session e da viagem. Mas não demorou para Benjamin gritar dizendo que havia encontrado pulei em cima dele de tanta alegria”, relata Bastien.
Segundo o fotógrafo, durante os três dias que durou o swell, o entrosamento de Eric e Sancho nas imensas esquerdas tubulares, que chegaram a 30 pés no ápice da ondulação, evoluiu nitidamente e culminou com a vitória da dupla no campeonato local, que teve participação de 22 dos melhores surfistas de ondas grandes da Irlanda e Europa. O evento contou com três barcos de apoio e foi acompanhado por centenas de espectadores maravilhados com o espetáculo da natureza na orla da pacata cidade. “Saímos da Irlanda felizes e com a sensação de missão cumprida. Levamos conosco o gostinho dos tubos grandes, da tradicional cerveja preta e espessa e nem tanto do bacon no café da manhã. Além da certeza de que um dia vamos voltar”, resume Eric.
Bastien reforça que ainda existem muitas ondas para serem desbravadas na Irlanda. “É um país incrível com ondas épicas. Existem muitas bancadas desconhecidas, mas é preciso estar disposto a pagar o preço de surfar com vento, chuva e um frio de doer. Estou curioso para saber o que essa dupla vai aprontar depois dessa. A trip foi um sucesso absoluto e certamente quero estar com eles nas próximas aventuras”.