“Caraca, a onda abriu pros dois lados!”, exclamou meu camarada Herick Alonso.
Na hora pensei a mesma coisa. Não pude evitar. Foi puro instinto.
Acabávamos de ligar a televisão e ver as imagens da destruição causada pelo terremoto que atingiu o Japão ontem. E nossa primeira reação ao ver a série tsunâmica chegando à costa não foi de solidariedade às milhares de vítimas da tragédia ─ mas sim de que a onda poderia, teoricamente, ser surfada.
Mais tarde refleti sobre nossa postura egoísta perante as cenas de absoluta destruição. Fiquei envergonhado.
Como pudemos pensar em surf num momento daqueles? Como pudemos nos imaginar descendo até a base daquele rolo compressor, imponente e perfeito ─ justamente a mesma onda que tirou a vida de tanta gente? As novas imagens e relatos que inundavam a net e a TV só fizeram aumentar o sentimento de culpa. Mas estou seguro de que não fui o único. Aposto que qualquer surfista teve pensamentos semelhantes ao deparar-se com as imagens do tsunami.
Então fica a pergunta: por que nós, surfistas, somos assim? Por que nos deixamos consumir por essa paixão (ou obsessão?) ao ponto de colocarmos o surf antes de tudo ─ inclusive à frente de uma das maiores tragédias na história da humanidade.
Sempre fui um ferrenho defensor da nossa cega obsessão. “Surf antes de tudo!” sempre foi o lema. Para mim, quem não compreendia o amor incondicional e infinito de um surfista pelo surf, ou nunca tinha descido uma onda, ou era um otário.
Mas se pararmos para pensar, veremos que essa doutrina que tanto nos caracteriza nem sempre é positiva. A reação às imagens do tsunami é apenas um exemplo. Pense em tudo que você já fez ─ e sacrificou ─ pelo surf. Suas economias, empregos, relacionamentos, amizades, vivências.
Assim como eu, aposto que a maioria dos surfistas considera os sacrifícios válidos. Se tivesse que escolher entre tudo que deixei para trás e o surf, não mudaria nada. Porém temos que reconhecer que nossas escolhas em prol dessa paixão são muitas vezes egoístas e nocivas ─ a nós mesmos e às pessoas ao nosso redor.
Mas que o tsunami abriu pros dois lados, abriu...