Billabong Pro Santa Catarina 2010

COM MUITA PERSONALIDADE, JADSON ANDRÉ FAZ HISTÓRIA AO DERROTAR KELLY SLATER NA DECISÃO DO BILLABONG PRO SANTA CATARINA, TERCEIRA ETAPA DO ASP WORLD TOUR 2010, DISPUTADA DE 23 A 29 DE ABRIL NA PRAIA DA VILA, IMBITUBA. COM A CONQUISTA, JADSON ASSUMIU A QUARTA POSIÇÃO NO RANKING E QUEBROU DOIS TABUS: É O PRIMEIRO SURFISTA DO PAÍS A VENCER ESTE EVENTO E ACABOU COM O JEJUM DE 12 ANOS SEM VITÓRIA DE UM BRASILEIRO EM CASA.



Seguindo a lógica do efeito borboleta, também chamado pelos cientistas de teoria do caos – princípio segundo o qual um pequeno evento pode ter conseqüências imprevisíveis, pois resulta num desfecho determinado por ações interligadas de forma quase aleatória –, a derrota de Jadson André em sua bateria de estréia no Billabong Pro Santa Catarina (vencida por Neco Padaratz com Adriano de Souza em segundo) pode ter sido crucial para a histórica conquista do campeonato pelo potiguar. Se tivesse vencido na primeira rodada, Jadson teria desencadeado uma trajetória diferente na competição, que poderia terminar de outra maneira. Quem sabe? Tudo isso é mera especulação, claro. Neste caso, o efeito borboleta em questão tem outro sentido. Quem explica é o próprio Jadson, numa entrevista logo depois de massacrar Slater na Vila: “Não falei isso pra ninguém, mas tive um momento muito espiritual antes de entrar na primeira bateria. Eu estava na área dos competidores e uma borboleta pousou no meu braço, ficou ali por uns dez segundo, depois voou. Na hora eu pensei: ‘Será que isso é um sinal de que vai acontecer alguma coisa boa pra mim neste evento?’”. A resposta só veio seis dias depois, e confirmou a intuição de Jadson.

Com apenas 20 anos de idade, dono de uma personalidade forte e determinação de sobra, o carismático potiguar superou o imbatível Slater dando ao nove vezes campeão mundial uma boa dose de seu próprio veneno: um coquetel que inclui a frieza necessária para saber jogar a pressão para o adversário e coragem para arriscar tudo nos momentos cruciais. Fórmula essa que só os campeões possuem – e Slater sabe disso melhor do que ninguém. Talvez por isso o americano tenha tentado devolver de bate pronto a pressão, dizendo que Jadson só é uma ameaça em condições como as encontradas na praia da Vila e eventualmente nos outros fundos de areia do Tour. “Ele é praticamente invencível nestas condições e derrubou seus adversários um a um. Mas vamos ver se consegue manter o nível de atuação em ondas como Teahupoo e Pipeline”, alfinetou Slater, no alto de seus 38 anos, deixando escapar nas entrelinhas o incômodo causado pela derrota para um estreante, e ainda por cima brasileiro.

A vitória de Jadson André em Imbituba é relevante em vários aspectos. Ele foi o primeiro brasileiro a vencer essa etapa do ASP World Tour, realizada desde 2003; foi o primeiro estreante a vencer uma etapa depois de Bobby Martinez, em 2006 no Tahiti; o fato de ter derrotado Kelly Slater, que vinha embalado pela vitória em Bell’s Beach e defendia o título na Vila, além de estar focado na busca pelo deca, é ainda mais impressionante – apenas Teco Padaratz tinha vencido Slater numa final do Tour, há 16 anos, na França. O potiguar acabou ainda com o jejum de vitórias brasileiras em casa – a última era do paranaense Peterson Rosa em 1998, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro (RJ). Mas o principal mérito de Jadson foi ter vencido uma etapa extremamente estratégica: primeiro porque, sendo realista, o Brasil é justamente uma das arenas que ele tinha chances de se dar bem; e segundo porque o colocou numa excelente posição no ranking, considerando que o número de integrantes na elite será reduzido de 45 para 32 atletas a partir do quinto desafio do ano, o Billabong Pro Teahupoo, de 23 de agosto a 3 de setembro no Tahiti. E, mais que isso tudo, Jadson deu um tapa na cara da opinião pública especializada internacional, fazendo em sua terceira participação no Circuito Mundial o que ainda não fizeram as atuais “promessas” do ASP World Tour, como Dane Reynolds, Jordy Smith e Cia. Com variado repertório de manobras e um ataque aéreo impecável, ele mostrou ao mundo que chegou para ficar.

Sua trajetória até o título começou com a derrota para Neco Padaratz na primeira fase. Depois passou pelo aussie Drew Courtney na repescagem e pelo americano Damien Hobgood, campeão na Vila em 2005, na terceira rodada, sempre com somatórios acima de 14 pontos; nas oitavas de final, contra o aussie Luke Munro, Jadson deu show ao somar notas 8.50 e 8.33 e ainda descartar 8.20 e 8.10. Nas quartas, o local de Ponta Negra conseguiu uma virada eletrizante nos minutos finais contra o taitiano Michel Bourez. E na semifinal ele confirmou sua força ao virar contra o americano Dane Reynolds num duelo de gigantes, em que mostrou atitude ao virar novamente no último minuto com uma nota 9.

Já Slater estreou perdendo para o português Tiago Pires. Na repescagem passou sem sustos pelo campeão brasileiro e convidado Messias Felix, do Ceará. Na seqüência, despachou o conterrâneo Tanner Gudauskas e depois superou o aussie Chris Davidson. Nas quartas, Slater tirou o sul-africano Jordy Smith e na semi foi a vez de mandar o aussie Owen Wright pra casa. A final rolou em ondas de 1 metro, com formação regular, numa quinta-feira de sol e bom público na praia da Vila. A expectativa da torcida foi aumentando à medida que Jadson ia passando as baterias e, na hora da decisão, era como se fosse o Maracanã lotado em final de Copa do Mundo. Jadson, que quase seguiu carreira como jogador de futebol, soube canalizar essa energia a seu favor e começou ditando o ritmo da bateria. Na primeira onda ele mandou uma batida, um aéreo rodando incrível, mais uma rasgada e um aéreo chutando a rabeta para ganhar 8 pontos. Depois o potiguar veio numa direita com fortes batidas de backside, somando 6.40 pontos. Slater tentou reagir, mas precisava de 7.91 e o máximo que conseguiu foi 7.50 na última tentativa. Pela vitória, Jadson faturou US$ 50 mil dólares e 10 mil pontos no ranking, que o levaram do 13º lugar para a quarta posição, ao lado do atual campeão mundial Mick Fanning. Já Slater passou a liderar a corrida pelo título mundial, fato que não ocorria desde 2008. “É muito bom estar no topo do ranking novamente. Com certeza estou numa excelente posição para as próximas duas etapas, em J-Bay e Teahupoo”, disse o surfista, que já venceu nos dois lugares.

Durante a premiação, a organização do Billabong Pro Santa Catarina prestou uma homenagem à família Ronchi devido ao assassinato do jornalista Edson Ronchi, figura marcante do surf brasileiro, no começo de abril em Florianópolis. Ciente do ocorrido, Slater ofereceu seu troféu e a camisa de lycra a Icaro e Cícero, filhos de Lêdo, comovendo a todos os presentes com seu gesto. Jadson também lembrou da tragédia e estendeu a homenagem póstuma a uma tia e à mãe de Luis Henrique, seu Manager, falecidas na mesma semana que Lêdo.

As palavras de Adriano de Souza, melhor brasileiro no Tour nos últimos aos e parceiro de equipe e de viagem de Jadson, resumem o alcance do feito protagonizado pelo jovem potiguar: “Essa vitória não foi uma surpresa pra mim. Acompanho o Jadson desde os 12 anos e sabia do seu potencial. Ele ganhou do melhor. Psicologicamente, o Jadson tem muito mais que 20 anos, além de um excelente preparo físico. É o começo de uma nova era para o surf brasileiro”, sentenciou Mineiro. Com seu efeito borboleta, o mais novo campeão do Tour, Jadson André, literalmente instaurou o caos entre os Tops dominantes do World Tour. Sendo ou não um fato isolado, as conseqüências a longo prazo tendem a ser as melhores possíveis.

BRASILEIROS NA PROVA
Além dos quatro integrantes brasileiros no Tour (Mineiro, Jadson, Neco e Marco Polo), outros três surfistas brazucas disputaram a competição em Imbituba este ano. Messias Felix, campeão Brasileiro, e Tânio Barreto, campeão Catarinense, ganharam convites da organização. E Ricardo dos Santos venceu a triagem promovida pela Billabong um dia antes do início da prova. No entanto, apenas Neco estreou com vitória, superando Jadson e Mineirinho na primeira rodada. Na repescagem, Tânio foi eliminado sem dificuldades pelo então líder do ranking, Taj Burrow. O mesmo ocorreu com Ricardinho na bateria seguinte, derrotado pelo campeão mundial Mick Fanning, carrasco de Neco na rodada seguinte. Messias ficou na repescagem, vítima de Slater. E Marco Polo sucumbiu diante do havaiano Fred Patacchia também na repescagem, terminando mais um evento sem passar nenhuma bateria. Já Adriano de Souza passou na segunda fase pelo aussie Blake Thorthon e depois escovou Patrick Gudauskas na terceira fase, mas caiu diante de Dane Reynolds nas oitavas de final, finalizando a prova na nona posição.


PASSANDO A TESOURA NOS TOPS
Após a quinta etapa do ASP World Tour, no Tahiti, o grupo de elite será reduzido de 45 para 32 atletas, que irão disputar o título mundial nas cinco provas da segunda metade de 2010. O número de competidores nas etapas também cairá de 48 atletas para um novo formato de 36 surfistas – os 32 com mais quatro convidados. Para o ano que vem, serão mantidos os 22 primeiros colocados no ranking final do Dream Tour 2010, com o ranking mundial unificado (ASP World Ranking) classificando mais dez surfistas para a elite de 2011.