Se você fosse pago para viajar o mundo apenas para surfar ondas perfeitas e produzir imagens, largaria a vida que todo surfista sonha para voltar ao mundo cão das competições? A maioria, provavelmente, não. Só que Junior Faria, 22, nunca foi de seguir a maioria. Aos 20 anos, com apoio da maior surfwear brasileira e enorme potencial, decidiu largar as competições. Nesses dois anos, viajou o mundo, experimentou equipamentos alternativos e caiu de cabeça na fotografia e escrita. Terminou seu filme (intitulado “Eu mesmo faria”) e, é claro, acumulou muita milhagem em ondas perfeitas. Quando sua imagem de freesurfer começava a ganhar peso, Junior deu outra guinada: em 2010, volta com tudo ao Circuito Mundial para brigar por um lugar entre os melhores do mundo.
É, em 2008.
Na nossa realidade, do Brasil, você chega bem mais longe competindo do que como freesurfer. Eu vi que fazendo um trabalho excelente como freesurfer, eu estaria amarradão, fazendo de coração como sempre fiz. Mas, de repente, não chegaria onde eu quero. Se tivesse nascido na Califórnia, por exemplo, eu poderia ser um dos melhores do mundo sem competir. Mas como eu nasci no Brasil, tenho que estar competindo para ser considerado um dos melhores do mundo.
Em qualquer lugar é assim, não adianta.
Claro que é importante. Algumas pessoas podem até não ligar, mas elas ouvem. Eles podem não deixar interferir, mas todo mundo ouve, não tem jeito. Acho que com o tempo você vai aprendendo a filtrar certas coisas. Eu ainda tenho dificuldade em saber se a pessoa falou aquilo porque está querendo me ver bem, ou se realmente não está falando de coração. Eu me preocupo bastante com o que as pessoas dizem porque é legal ter uma opinião de fora. Principalmente das pessoas de quem eu gosto e que gostam de mim.
Tenho uma relação super legal com meus patrocinadores, graças a Deus. Desde que entrei na Hang Loose, fui super bem-recebido, consegui trabalhar com todo mundo numa boa, o pessoal é nota 10. Mas esse lance de parar de competir e voltar, de que faço o que quero, não é bem assim. Claro que é a minha vontade, mas o timing das coisas vem dos caras. Se em 2008 eles tivessem falado que não cabia um freesurfer na equipe, eu não tinha virado freesurfer, óbvio que não. Mas joguei limpo na hora, falei o que queria, os caras entenderam e no momento tinha espaço, então rolou. Como agora. Eu cheguei e comentei. Também não vem de ontem, isso vem se estendendo por um bom tempo. Eu comentei com meu técnico, com o pessoal que trabalha comigo, perguntei o que eles achavam e o pessoal falou que achava que era um momento legal de fazer isso. E deu certo para este ano.
Cara, acho que a coisa mais importante foi eu ter tomado conta do que faço, de ter assumido a rédea. Porque quando você é amador, você vai com o bolo, não dá. Você chega em um nível em que a competição é o único caminho. Tem gente que consegue fazer isso até o fim da carreira, porque realmente tem a vocação. Mas tem gente que tem este lado de freesurf e alma, que não bate com a competição. Só que continua indo porque não consegue se desvincular por vários motivos ─ interesses de patrocinadores e às vezes até coragem mesmo. Mas para mim, estes dois anos foram legais porque além de ter tomado conta e ter mais segurança do que quero fazer, foi bom para descobrir várias coisas do surf. Quando você faz o negócio do mesmo jeito por tantos anos, você fecha, cara.
Viajar para pegar onda é algo que não dá para fazer direito competindo. Experimentar prancha é uma coisa que não rolava. Porque você tem que treinar, então não vai surfar duas semanas de fish antes de um campeonato. O seu técnico vai te matar e você vai se sentir culpado, porque enquanto tem 196 caras treinando todos os dias, você está só de fish ou longboard. E para mim foi isso, essa liberdade de fazer por amor, de coração, experimentar um monte de coisas. Eu já falei para mim mesmo que não vou parar nunca mais, não importa. Claro, vou levar o meu treino como sempre levei, tanto nesses dois anos, como em todos os anos da minha vida, mas tem certas coisas que eu não largo a mão mais. Experimentar e manter a mente criativa, focando no surf. Uma coisa muito importante que eu descobri nesses dois anos foi a criatividade. Pode não transparecer diretamente no surf, mas ser mais criativo e experimentar mais coisas é algo que está comigo.
Exatamente. Áreas que eu já tinha bastante interesse, mas que você não consegue desenvolver porque a competição é 110%. Por mais interesse que eu tenha, desde sempre, você não consegue desenvolver da mesma maneira. E a partir do momento que você tira a competição do foco o tempo todo, você consegue ir para vários lados.
É. O circuito está igual, são as mesmas coisas, mesmo tempo de bateria. Pode ter mudado o critério, mas é o mesmo inferno que sempre foi (risos). Então ou você vai, ou vai. Estou voltando a competir para entrar no WT. Tenho um plano na cabeça, objetivos e metas para cumprir. Claro que você vai ajustando conforme a situação vai acontecendo, mas é só isso.
Eu sempre fui fã de tênis, acompanhando na medida do possível. Acho bem legal o ranking deles, achei irado o surf ter unificado o ranking, como a ATP (Associação dos Tenistas Profissionais) faz. Claro que, com o número de atletas reduzido ficou mais difícil para quem está na minha situação, que vai começar do zero de novo. Mas todo ano, vai entrar e vai sair gente. Então, teoricamente, você tem as mesmas chances. Agora a peneira é ainda menor, mas todo ano vai renovar. Tem dois jeitos de ver, o lado bom e o ruim. Eu prefiro ver desta maneira, da melhor possível.
Não, eu nem tenho essa pretensão de achar que eu vou entrar em um ano. Nunca, nunca mesmo. Se acontecer, nossa, vai ser um milagre. Mas é um plano de dois a três anos. Eu não quero ficar me desgastando dez anos nessa porra. Tem gente que faz e você tem que tirar o chapéu para esses caras, é sinistro. Eu não vou estar explorando 100% do que eu posso fazer se ficar dez anos no WQS. Tenho na minha cabeça que eu vou ficar tentando. Se não deu certo até lá, vejo quais são as chances reais de eu entrar. Se ainda tiver chances boas, beleza. Se eu ver que estou desgastado, vou partir para outra. Porque eu me liguei que o surf de competição é uma parte muito pequena do universo que é o surf. Então você ficar desgastando uma vida inteira, botando tudo que você tem nisso, não parece muito interessante para mim.
Cara, eu não sei, porque eu nunca caí com eles. Mas o que eu imagino é que com certeza os caras devem intimidar numa bateria. Desde criança vejo o cara e filme, o ídolo. Ele (Slater) está acostumado a ser o centro das atenções de qualquer lugar que vai. Se eu que me preocupo em estar com os meus amigos, com a minha namorada, a minha família e abraçar bastante coisa, imagina um cara desses, que se focou a vida inteira? O cara nem liga mais para a mãe. Ou então o cara é sozinho. Eu tenho essa impressão, você olha e dá até pena. Eu quero um dia olhar para trás e dizer: “Putz, foi do caralho”.
Eu não quero ter três títulos mundiais. Eu não quero ser o Kelly Slater, quero olhar para trás um dia e falar: “Eu realmente fiz tudo, tive uma carreira legal pra caramba, fiz tudo o que foi legal fazer”. Não quero ficar com uma coisa na minha cabeça, achando que deveria ter feito algo.
Eu acho que foi acontecendo mesmo. Hoje eu acho super legal. Foi acontecendo primeiro pela Hang Loose, com o blog e essa loucura. Fui escrevendo, um post aqui, um post ali, os amigos comentando que era legal e foi indo assim. Não é algo que eu tenho desde criança, de fazer diário. Eu sempre tive interesse por fotografia, filme, texto. Eu leio muito, sempre tenho que estar lendo alguma coisa. E eu não conseguia prestar atenção nisso porque o foco na competição é muito grande. E isso foi meio a salvação para mim, achei muito legal fotografar, pegar a câmera. Escrever foi assim também. Aí o patrocinador vem e fala para escrever para ele. É mais um incentivo e você continua nessa batida. Gosto de passar o que está rolando e tal, acho que é importante para o todo.
O que eu acho legal é que a galera está buscando muito mais se expressar e mostrar a opinião de cada um, não o que o patrocinador quer, ou que o juiz quer ver. Você está fazendo uma foto, se expressando ali da maneira mais artística porque você realmente acredita naquilo, não vai fazer um trabalho porco só para conseguir um espaço. Mas eu vejo assim: você entra numa surf shop e não tem uma prancha para vender, nem parafina, nem leash. Ao mesmo tempo que isso existe na nossa realidade ─ e existe muito ─ também tem um lado artístico pra caramba. Gente que fotografa, que pinta, que shapea, que se preocupa com o surf, que leva a coisa de coração. O lado mais comercial domina, mas também existe esse surf arte ─ não sei se é legal chamar de surf arte ─ mas esse lado do surf de coração mesmo que tem bastante gente fazendo. E estou falando do Brasil mesmo, porque lá fora isso acontece bastante. Mas aqui no Brasil eu fico amarradão quando vejo isso. Mesmo marcas de roupas, por exemplo. Tem algumas marcas aí que não se preocupam em meter um logo do mundo nas costas, fazem um negócio bonito, de agradar o cara que vai estar do lado dele no outside. O fotógrafo que, ao invés de fotografar só o profissional, fotografa o amigo dele ─ se está bonito, ele quer captar.
Eu acho que falta muita água salgada para os caras, acho que é isso que falta. Não tem como. Falta surfar e cair no mar, ter coração de surfista. Tudo bem, a gente tem que entender que o surf está com um tamanho que não adianta só ter surfistas fazendo negócios. Mas é importante o cara ter o coração no negócio, ou pelo menos de se preocupar em ter um surfista de verdade que vai trazer isso ao lado. Mata qualquer um ver essas marcas aí em alambrado de futebol. Isso aí mata a gente, cara, fala sério.
Eu penso, e dá medo (risos). Sendo surfista profissional, olhar para frente dá um medo da porra, é foda, cara. Quando eu olho assim, já penso: “o que eu vou fazer?”.
Você vê nomes como Martin Potter, Luke Egan, caras que foram grandes no surf e que hoje estão completamente inseridos, só que trabalhando de outra maneira. Maneiro pra caramba. No Brasil a gente também tem isso, tem vários exemplos de atletas que eram profissionais e hoje estão trabalhando, mas ainda é meio tenebroso. Eu penso assim: prefiro viver 100% aqui e agora, não vou ter lá na frente. Se eu ficar metade aqui e metade pensando no que eu vou fazer, me preparando lá para frente, não vou ter nem um nem outro. Se eu for um grande atleta, eu vou ter mais chances de ser bem-sucedido quando a minha carreira terminar.
É. Estou falando a longo prazo mesmo. Não daqui a cinco anos, mas quinze, vinte anos, de quando a minha carreira realmente terminar, quando não tiver mais condições de estar high-performance. Vamos pegar o exemplo do Fabinho (Gouveia). O cara é o maior do Brasil. Tem vários outros nomes, mas ele é o maior. E a carreira dele não acabou, está longe de acabar. Ele parou de competir, beleza, mas o cara ainda surfa muito. Tem um monte de coisas para oferecer para o patrocinador. Ele é um cara que sempre vai passar uma mensagem legal. Claro que, gradativamente, a carreira vai tomando outro rumo. Mas ele é um surfista profissional. Eu penso depois do Fia, o que eu vou fazer depois. Se eu fosse o Fia, estava sossegado (risos), o cara é incrível. Se eu chegar pertinho do mestre, está tudo ótimo já.
A galera que eu gosto, que está sempre comigo, gostou pra caramba. Se você for pensar em cada um contra quem você tem que competir, vai ficar maluco. A galera gostou porque a gente vai estar viajando junto de novo, dividindo essa loucura. E eu também fiquei amarradão. Se eu não estivesse junto com os amigos, eu não pensaria tão seriamente em voltar. Ter uma companhia legal para o circuito é fundamental.
O que mais ficou para mim foi tomar as rédeas. Claro, sem ser egocêntrico, “eu quero fazer só o que eu quero fazer”. Dentro do profissionalismo, tem que ser ético, ser honesto com o que você está fazendo. Se não está mais dando certo, então seja honesto. Se você acha que pode ser um freesurfer melhor do que competidor, seja um freesurfer então. Você acha que pode ser um competidor melhor que freesurfer, então vá com tudo. Eu deixei isso bem claro para mim nesses dois anos. Não quero ser competidor, não quero ser freesurfer, eu quero ser surfista profissional. O que eu faço e deixo de fazer é o do direcionamento que estou dando para a coisa. O cara que não competiu entende isso muito melhor.