Na teoria, o surf é baseado em fatos concretos: os movimentos coordenados do surfista, a medida precisa de cada prancha, a forma da bancada de coral, força e direção do vento. Tudo isso existe, não é fruto da nossa imaginação. Entretanto ainda há vários fatores relacionados ao surfe que não poderíamos dizer o mesmo: as mirabolantes histórias de trips incríveis, as quais os fatos nem sempre batem com a verdadeira versão, a famosa "sabedoria" adquirida após tantos anos em contato com o mar. Essa é a verdadeira fonte de inspiração para tantas histórias não tão "reais" quanto parecem.
Hoje em dia a gíria popular é o famoso "K.ô". Existem duas palavras chaves: o quase e o se. "Se o vento virasse... quase saí daquele tubo" e por aí vai. As lendas de surfistas ainda não se consagraram como as dos nossos amigos pescadores mas em compensação no quesito imaginação não estamos muito longe. Mitos vivem na memória de quem escuta aquelas histórias maravilhosas que só os surfistas sabem contar e só um ser da mesma espécie consegue captar. Histórias que ao serem contadas são automaticamente imaginadas pelo ouvinte e projetadas como um sonho. Todas cativantes, longas e interessantes demais para não acreditar.
O mundo do surfe é cheio de mitos, mais do que qualquer outra atividade humana. Não se sabe ao certo quem começou, mas na minha opinião este costume veio da época hippie, a qual a emoção e o verdadeiro espírito do surfe ainda existiam e valiam mais que qualquer coisa. Na real, o mito desafia o fato. Normalmente as grandes histórias místicas evitam explicações factuais e nem todas são tão legais quanto uma bela lorota surfística. Quando mais novo, eu costumava ouvir histórias de um surfista da época do Píer de Ipanema. Este grande surfista costumava contar fatos mirabolantes sobre suas viagens incríveis e sobre seu super amigos com apelidos hilários. Uma clássica era sobre um grande swell no sul do país, há muito tempo atrás. "O flat predominava no Rio por mais de dois meses. Mas eu já acompanhava um bom swell no sul do Brasil mas que com certeza traria uma corrente forte e água muito fria." ─ o surfista previu. "Eu e mais quatro amigos entramos no meu fusca, colocamos umas pranchas dentro e dirigimos do RJ até o sul do país. Durante uma semana pegamos altas ondas e não tiramos a roupa de borracha nem para dormir devido ao frio que reinava no lugar".
Isso é uma coisa impossível de acontecer mas poderia até ser verdade pensando na maneira espetacular que ele contava suas aventuras. Este experiente surfista criava em nós, dúvidas maiores que a nossa compreensão e espírito. Quem de nós duvidaria de tanta convicção? Assim ele nos preparou para vida de histórias do mundo do surf com ninguém mais poderia.
A sociedade moderna sempre se baseou em livros para obter a verdade. Mas nem sempre foi assim. O maior dos mitos do surf é a sua própria criação ou descoberta. Os polinésios, supostamente os criadores/investidores/pioneiros do ato de deslizar sobre ondas não tinham linguagem escrita. Então acreditavam no poder da palavra oral. Suas fábulas de grandes embarcações, temporais e swells gigantescos se desenrolaram com o tempo até que alguém as escreveu e o mito nasceu. Anos depois muitos já acreditam que surfistas adoram se torturar contando casos extraordinários sobre aquele mar clássico de ontem. Quem já não deu uma "aumentadinha" sobre aquele mar, ou aquela vaca que virou um quase aéreo com a mão na borda? Aquela viagem de barco que seu camarada não pode ir porque tinha que trabalhar. "Pô tava melhor que G-Land na temporada passada, mas a câmera naõ funcionou, eu juro!". Se você não fizer, alguém contará por você. Você estava lá, ficou a olhar aquele pico maravilhoso flat, mas reparou em cada detalhe para poder contar exatamente como era e fazer sua lenda soar verídica.