TOW IN: Evolução ou ameaça?

"Tem graveto hoje?". Esta é uma expressão usada pelos towsurfers quando conversam entre si, a fim de saber se tem alguém pegando onda na remada, principalmente quando as ondas atingem a casa dos 2 metros na praia de Maresias, litoral norte de São Paulo. Nestas condições, é praticamente certa no outside a presença de um grupo que cresce a cada temporada, as duplas de tow in. E se os "gravetos" estiverem na água, que fiquem bem espertos para não virar palitinhos de dente.


Além de abrir os horizontes para uma nova e radical modalidade, a crescente popularização do surf rebocado ─ ou tow in ─, que surgiu no início dos anos 90 no Hawaii e ganhou o mundo, também trouxe conseqüências indesejadas e, recentemente, despertou a necessidade de adaptações na legislação brasileira.

A razão é simples: independente da discussão entre puristas (que são contra o uso de máquinas no surf) e os aficionados praticantes, o tow in é ilegal, basicamente porque a Marinha proíbe o uso de moto aquática (jet-ski) a menos de 200 metros da faixa de areia da praia (lei Normam 03), onde normalmente fica a linha de arrebentação. E mesmo que as ondas estejam além dessa distância, sempre existe a possibilidade de haver surfistas de remada.

O problema é que a lei não está sendo respeitada, e o número de jet-skis no outside de Maresias não pára de aumentar, inclusive em ondas médias e pequenas. "Houve dias em que havia mais de 15 jets na água. Se já não existe respeito no crowd comum, imagine neste cenário, em que muitos ali nem estão preparados para pilotar um jet-ski", afirma Danilo Godoy, tenente do Corpo de Bombeiros e comandante do Salvamar de São Sebastião.

Segundo o site californiano Tow Surfer, a principal causa de acidentes no tow in é justamente a inexperiência do condutor, responsável por 61% dos registros, seguida por excesso de velocidade (50%) e falta de atenção do piloto (42%) ─ alguns acidentes acontecem por mais de uma causa.
Todos concordam que algo precisa ser feito, tanto para regulamentar o tow in como para encontrar um entendimento entre as partes conflitantes. Ilegal ou não, em Maresias (e em algumas praias de Santa Catarina e Rio de Janeiro) o tow in é uma realidade.


PROCURANDO SOLUÇÕES
Para chegar a um consenso, algumas reuniões foram feitas entre a Confederação Brasileira de Tow In, as associações locais e o Corpo de Bombeiros de Maresias para debater o assunto. As opiniões ainda divergem e nada está definido, mas alguns caminhos já começaram a ser traçados.
A primeira providência é organizar o esporte internamente, por meio de associações que tenham na confederação brasileira um padrão de conduta como referência. Depois, montar uma proposta de lei, norteada pelas regras da confederação, que regulamente a prática do tow in em águas brasileiras.

No caso específico de Maresias, Romeu Bruno, vice-presidente da Confederação Brasileira e um dos pioneiros da modalidade no Brasil, propõe a criação de um espaço permanente (de 500 a 900 metros) e exclusivo para a prática do tow in, delimitado por bóias e marcações na areia. "É mais facíl controlar a boiada dentro do curral", argumenta Bruno. "As bóias seriam usadas somente nos dias em que as condições fossem favoráveis tanto para a remada como para tow in. O Corpo de Bombeiros, com auxílio das associações locais, definiria os dias em que o tow in ficaria restrito às bóias. E nos dias menores o tow in ficaria proibido", diz o ex-salva-vidas, que durante 12 anos trabalhou nas praias do North Shore de Oahu.

Ele também defende que os towsurfers devam ser habilitados pela Marinha para pilotar jet-skis (Arrais amador) e que possuam cursos de salvamento aquático, RCP (Reanimação Cardiopulmonar), primeiros-socorros, além de curso de tow in reconhecido pela Confederação Brasileira.

Com apoio do vicentino Daniks Fischer, presidente da Associação Paulista de Tow in, e do deputado federal William Woo, Bruno articula no Congresso a regulamentação do esporte em nível nacional. Mas os municípios também podem apresentar um projeto de lei propondo uma mudança na legislação.

É isso que a Associação de Surf de Reboque de Maresias está buscando. Com pouco mais de um ano de existência e 19 duplas associadas, "ela foi criada para organizar a modalidade na região e garantir que a prática seja feita de maneira consciente e responsável", enfatiza Rony Figueiredo, presidente da entidade.

Para ele, duas providências são necessárias para que o primeiro passo seja dado nesse sentido: a regularização da prática do tow in perante a Marinha e a fiscalização da atividade por parte dos bombeiros, que ganhariam poder de polícia e assim poderiam coibir as irregularidades com multa e apreensão dos jet-skis. "Nossa principal preocupação é garantir a segurança de todos os freqüentadores da praia. Para isso, é fundamental que existam regras e fiscalização. Imagine como seria uma rodovia cheia de motoristas despreparados, sem habilitação e sem nenhum policial para fiscalizar. Nosso lema é 'jet na água, bombeiro na areia'. Se houver surfistas de remada, não rola tow in", completa.

A associação também pretende destinar uma parte da verba arrecadada com as mensalidades dos membros para o Corpo de Bombeiros, que poderá investir em novos recursos e equipamentos. "A questão das bóias ficaria condicionada às condições específicas do momento em questão ─ se for dia de semana, fim de semana, feriado ─ e ao tamanho do mar ─ acima de 2,5 metros nem precisaria-se de bóia, pois quase ninguém cai na remada. Mas a decisão ficaria a cargo dos bombeiros", finaliza Figueiredo.


UM PROBLEMA MUNDIAL
A idéia de fechar uma área para os towsurfers não foi bem aceita pela comunidade local, segundo Alex Leco, presidente da Associação de Surf de Maresias.

Embora pessoalmente ele considere uma solução viável, acha que o assunto ainda precisa ser mais discutido para que todos os detalhes sejam bem esclarecidos. "A questão ainda é muito recente e necessita de mais debate para que as idéias se ajustem. Primeiro tem que haver a mudança na lei, para que depois seja definido como será praticado.

E seja qual for o desfecho, certamente vai gerar insatisfação de algum lado", avalia Leco. Freqüentador assíduo de Maresias e towsurfer respeitado mundialmente, o big rider Sylvio Mancusi considera a questão mais simples do que parece: "O que falta é bom senso da parte de alguns praticantes. Tow in é para quando as ondas superam os 2,5 metros em Maresias. No Hawaii, virou lei e todos respeitam: quando há surfistas, não rola tow in".

Ele explica que o problema é mundial. "Na Austrália e Califórnia rola a mesma situação. Moss Landing, em Santa Cruz, é uma onda tipo Maresias, onde Peter Mel, Flea e a galera que surfa Mavericks treinam tow in. E rola o mesmo conflito entre caras que usam jets quando há gente remando", comenta Mancusi.

Para o tenente Godoy, surfista desde a infância, a prioridade será sempre a segurança. "O papel dos bombeiros é cumprir a lei e zelar pela integridade de banhistas e freqüentadores da praia. O esporte é novo e nossa legislação é antiga; esse é o primeiro ponto a ser ajustado. Quanto mais debate houver, melhor. E o principal: tow in é para condições extremas; isso tem que pesar nas decisões", conclui.


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COMO FUNCIONA LÁ FORA
Diz Dim Howe, chefe de operações dos salva-vidas e do Honolulu Ocean Safety: "O tow in em ondas grandes é um esporte que mistura elementos do surf e navegação. É imperativo que os towsurfers respeitem e acatem todas as regras, não apenas pela segurança deles e dos outros, mas para garantir a permanência e a boa reputação do esporte perante a sociedade e o Estado. Em lugares como Califórnia e África do Sul, existem várias restrições à prática do tow in, sendo que em alguns locais nesses países ela é proibida. Na Austrália e no Hawaii, as leis que regem a prática do tow in são bem parecidas.


Regras básicas:
praticar tow in somente em condições extremas;
no Hawaii, só é permitido mediante a autorização oficial do National Weather Service (NWS), em ondas acima de 8 metros;
não deve haver surfistas de remada na área escolhida. Manter-se pelo menos 200 metros de distância de outras pessoas ou embarcações;
os pilotos e as máquinas dever ser devidamente registrados e habilitados nas entidades competentes de cada país;
• pilotos devem possuir habilitação, cursos de primeiros-socorros e de técnicas avançadas de tow-in, entre outros;
puxar apenas um surfista por vez e levar no jet-ski todos os equipamentos de segurança disponíveis, como prancha de resgate, corda, kit de primeiros-socorros, ferramentas, rádios de comunicação, entre outros.


Fonte: Towsurf Australia e Division of Boating and Ocean Recreation from Hawaii.