"Não é grande coisa, amanhã já vai estar ultrapassado", me disse Bernardo, pelo skype. Ele acabava de voltar da estréia mundial do novo filme de Kai Neville, Lost Atlas, que aconteceu na Califórnia durante o Nike US Open, e me passava suas impressões sobre o suposto novo clássico instantâneo do celeiro Poor Specimen.
Torci o nariz quando ouvi seu veredito: eu havia encomendado o DVD um dia antes pela internet. Além da decepção de ─ a essa altura da minha vida surfística ─ ser levado pela hype e gastar U$ 35 (+ frete) num vídeo apenas razoável, fiquei matutando sobre a frase do Bernardo. "Amanhã já vai estar ultrapassado" está virando regra no surf.
Parece que foi ontem que assisti à estréia de Trilogy, boquiaberto com a performance de Andy, Parko e Taj. O ano era 2007 e ninguém na face da terra tinha um surf mais moderno do que eles. Hoje, Taj e Parko são veteranos ─ não por tempo prestado no Tour, mas em questão de performance mesmo. Andy também seria.
Dane Reynolds e Jordy Smith tomaram seus postos como os surfistas mais criativos, radicais e modernos do mundo.
Mas, peraí... E a geração de Medina, Pupo, Jessé, Kolohe, Kiron e John John? Não são eles a nova cara do surf moderno? Nesse ritmo, em quanto tempo será Dane considerado um veterano ultrapassado?
"Mas e o Kelly, que ganha tudo quase quarentão?", pode perguntar o leitor mais astuto. Bem, Kelly é um caso à parte. O cara é um freak e, certamente, não se encaixa nos padrões de qualquer atleta, surfista ou não.
O fato é que a evolução do surf de alta performance é tão rápida atualmente que, antes mesmo dos 30, grandes surfistas já são considerados velhos.
Realisticamente, porém, essa valorização exacerbada da alta performance pouco importa para o surfista comum. Para quem não compete ou é avaliado nesses padrões, um rótulo atrelado estritamente a um repertório de manobras não significa muita coisa.
Dias depois, recebi um pacote pelo correio que só confirmou isso.
Não era o Lost Atlas, mas sim um magnífico livro que celebra um dos mais importantes surfistas da história, o australiano Peter Troy. To The Four Corners Of The World ─ The Lost Journals of Peter Troy (Flying Pineapple Media, 2010) é um apanhado dos diários e cartas escritos por Troy durante muitas de suas explorações pelo mundo.
Para quem não sabe, o australiano foi um dos primeiros a surfar Bell's (dizem que ele abriu a trilha para o pico nos anos 50), descobriu Nias, em 1975 e introduziu o surf moderno ao Rio de Janeiro, em 1964 ─ entre tantas outras façanhas dignas de menção.
As aventuras de Troy, ocorridas décadas atrás, não poderiam ser mais atuais. Sua busca foi, em essência, a mesma de qualquer surfista de hoje, grommet ou old school.
Ao ler sua descrição sobre a descoberta de Nias, por exemplo, fui tomado por uma vontade incontrolável de estar lá, ao lado de Troy, Kevin Lovett e John Geisel (que o acompanharam na empreitada). Esqueça a malária (que 9 meses depois tirou a vida de Geisel) e todas as dificuldades de ficar acampado e isolado por semanas a fio no meio da selva da Sumatra (em 1975!). Elas são reduzidas a meras marolas quando comparadas ao êxtase de descobrir e surfar sozinho uma das ondas mais perfeitas do planeta.
O apelo de se jogar no desconhecido em busca dos próprios limites será sempre atual. A aventura, a exploração e a recompensa são infinitamente mais importantes para a alma de um surfista do que alcançar um novo patamar em performance. Partir em busca de um ideal "velho" é muito mais moderno do que tentar surfar como o Medina.
Por isso, vou voltar ao livro de Troy. Lost Atlas pode esperar.