A máquina dos sonhos


No filme Mulher Nota 10, dois adolescentes resolvem montar uma máquina para produzir a mulher ideal. Com recortes de revista, vão colando as imagens: rosto de uma, perna de outra, até que, mágica! De dentro da geringonça, aparece a irresistível Kelly Le Brook a seu dispor. Vamos imaginar que você quisesse o mesmo para uma onda perfeita. Como faria? Com várias e longas sessões tubulare, localizada numa ilha paradisíaca, com água quente, quebrando uma igual à outra? Se esse é o seu sonho, acorde. Essa onda existe.

Os livros de memórias dos três surf camps de G-Land são bastande elucidativos. Quem assistiu ao filme Summer II deve se lembrar de Pat O'Connell, o garoto loiro e magrinho arrepiando as ondas em vários picos do planeta. Pois são desse viajado surfista as seguintes palavras em um dos livros: "Esta onda pode ser o tubo mais longo de sua vida ou o pior caldo. A velocidade dentro do tubo lembra uma montanha russa em queda livre". O tricampeão mundial Tom Carroll também rabiscou algo. Vejamos: "É a melhor onda que você vai surfar em sua vida". Sacou?


1 É POUCO, 2 É BOM, 3 É DEMAIS!
A onda de G-Land pode ser dividida em três sessões principais. A primeira delas é Kong, que quebra um pouco mais cheia antes de emparedar de vez em Money's Tree, a segunda e a mais manobrável. O filé mignon, no entanto, é mesmo a última, Speedies. Rápida e incrívelmente tubular, nessa seção a onda lança placas inteiras bem à frente. Para completá-la, é preciso acelerar com tudo sem medo de colocar para dentro. O tubo, álias, é definitivamente o melhor caminho para evitar a afiada bancada de corais — que, de tão rasa, faz com que Speedies só possa ser surfada na maré alta. De maio a outubro, vai ser difícil não achar boas ondas, pois qualquer balanço surfável de 3 pés em Bali significa 5 pés em G-Land, que está aberta a qualquer ondulação do oceano Índico.

Por estar situada em um parque nacional, a paisagem local é selvagem e exatamente como se imagina um paraíso de surf no meio da Indonésia: uma praia deserta, águas cristalinas e ondas perfeitas. Sendo uma onda famosa, ela também atrai atletas famosos do mundo todo. É comum encontrar alguns surfistas profissionais dentro da água. Relaxe e seja paciente: em G-Land sempre sobra onda.


TIGRES E TSUNAMIS
Os bangalôs de G-Land são de palafitas. Isso por causa de um tsunami de alguns anos atrás que arrastou tudo floresta adentro. Aliás, a floresta que envolve G-Land é tema de tabus. Corre a lenda que tigres costumam rondar os bangalôs à noite, mas até hoje nenhum ataque foi registrado. Há outros animais perigosos na área, como tubarões e cobras marinhas, que também não costumam incomodar. Não se pode dizer o mesmo dos ratos. O ideal é embrulhar a comida em sacos plásticos e pendurar — ainda assim, se eles estiverem mesmo a fim do seu rango, farão de tudo para alcançá-lo.


A DESCOBERTA
A descoberta de G-Land lembra algumas cenas do livro Diários de Motocicleta, de Che Guevara, que Walter Salles imortalizou no cinema. Em 1972, dois garotos californianos de 20 anos, cansados de surfar Uluwatu, resolveram descobrir novas fronteiras. Foi tudo meio por acaso. O avião que fazia a rota aérea Jacarta-Bali sobrevoava os vulcões, mas um dia teve que ser desviado para o oceano Índico devido a uma tempestade.

A 30 mil pés de altitude, Bob Laverty vislumbrou linhas perfeitas na costa de Java correndo sozinhas. Convenceu o seu parceiro, Bill Boyum, e lá foram os dois em suas motocicletas, com bagagem e pranchas na garupa. Após entraves burocráticos e aventuras, eles chegaram à Reserva Florestal de Plengkunk, no leste de Java. Ali estava pequeno, e hoje famoso vilarejo de pescadores chamado Gradjagan. De lá, atravessaram de canoa a lagoa que os separava da outra margem, andaram pela floresta tropical e acamparam na mata para, no dia seguinte, acordarem esfregando os olhos e se beliscando, sem acreditar no que viam. Na frente deles, correndo pela bancada de corais, um swell de 6 a 8 pés quebrava perfeito, sem parar, como uma máquina de sonhos.

VIAJAR É PRECISO


FILME DA CARREIRA DO FREESURFER E BIG RIDER CATARINENSE EVERALDO “PATO” TEIXEIRA, “NALU” MISTURA FICÇÃO, SONHO E REALIDADE PARA RETRATAR A HISTÓRIA DE UM CASAL (PATO E SUA ESPOSA FABIANA) QUE VIAJA O MUNDO EM BUSCA DE AVENTURA, CULTURA, NOVAS AMIZADES E, CLARO, ONDAS PERFEITAS, GRANDES E TUBULARES.



Foi por nunca ter desistido dos seus sonhos que Everaldo “Pato” Teixeira hoje leva uma vida invejável, retratada de forma excepcional em “Nalu”.

Se comparado ao primeiro filme de Pato (“Psicopato”, de 2002, dirigido por Rafael Mellin), “Nalu” pode causar certa estranheza aos simpatizantes do clássico roteiro de vídeos de surf ─ que oferece muita ação, cortes secos e poucas falas, tudo embalado por punk rock e hardcore melódico em no máximo 30 ou 40 minutos de duração.

A nova produção da Mellin Vídeos sobre este carismático freesurfer vai bem mais além. A principal diferença está no próprio protagonista: pouco tempo depois de concluir seu primeiro filme, Pato se casou com a paulista Fabiana Nigol e juntos saíram pelo mundo. Aos 34 anos, ele agora é o zeloso e responsável pai da pequena Isabelle Nalu, de 4 anos. Mas nem por isso deixou de lado a vida itinerante e cheia de emoções, em que o foco é surfar as maiores e melhores ondas do mundo.

Com 55 minutos de duração, “Nalu” (que significa “ondas” em havaiano) retrata essa história sob uma narrativa bastante original ─ não vou contar qual é para não estragar a surpresa. O maior mérito do filme é justamente sua linguagem leve, universal e inspiradora, capaz de cativar desde os surfistas mais fissurados até as pessoas comuns, valorizando coisas simples da vida como amor, amizade e diversão. “Nosso objetivo era fazer um filme que pudesse se comunicar com mais pessoas além dos surfistas. Desde o início vi no projeto a oportunidade de usar o surf pra falar com um público mais variado, usando o romance e a narrativa de ficção para tratar de um assunto que eu gosto tanto, que é viajar e surfar. A intenção era tratar o surf de uma maneira mais ampla, menos específica tecnicamente, mas sem deixar cair o nível de performance e ação”, explica Rafael Mellin, diretor de “Nalu” (e também de “Psicopato”).

As mais de 100 horas de imagens que resultaram no filme foram captadas durante três anos nos quatro cantos do mundo, trabalho feito praticamente por uma só pessoa, Fabiana. “Logo depois que nos casamos, caímos na estrada. O Pato já tinha vontade de fazer outro filme e, para não ficar de bobeira enquanto ele surfava, comecei a filmar. Com o tempo as imagens foram evoluindo, melhoramos nossos equipamentos e quando vimos, já tínhamos material de qualidade para dar início ao projeto”, conta Fabiana.

O roteiro inicial previa registrar o desempenho de Pato em alguns dos principais picos do mundo, como Hawaii, Califórnia, Tahiti, Austrália e Indonésia. Segundo Pato e Fabiana, um dos pontos altos dessa trajetória foi a primeira vez que ele fez tow-in em Teahupoo, num dia de ondas gigantes em 2004. “Era algo que queríamos muito que acontecesse, fizemos uma boa preparação e, quando rolou, nem conseguimos dormir à noite de tanta felicidade e adrenalina”, lembra Fabiana. “O filme até podia ter saído um pouco antes, mas eu sempre queria tentar pegar um swell maior, ter uma performance melhor”, continua Pato.

Em meados de 2006, as filmagens foram interrompidas por um presente do destino: Fabiana estava grávida. Foi a deixa para começar o processo de produção do filme, que atravessou 2007 e terminou no meio de 2008. Vale destacar o cuidado da equipe com a trilha sonora, que foi escolhida a dedo e traz bandas como Bettie Sveert, Angels & Airwaves, Jaymay, Nação Zumbi, Kassin + 2, Subtle, Trevor Keith e Thalma de Freitas.

A coisa mais gratificante para nós foi ter conseguido manter vivo esse projeto por mais de três anos, enfrentando todas as dificuldades que surgiram sem deixar a chama apagar. A conclusão desse filme é uma vitória e sua mensagem vai além do surf. Apesar de eu ser um surfista profissional, nossa vida é muito mais do que isso. É feita de pessoas, de lugares especiais, de amizades, de paixão e é disso que ‘Nalu’ trata”, conclui Pato.

LONGEVIDADE NO SURF


Já parou para pensar até quando pretende surfar? A maioria de nós certamente responde: a vida inteira, ou pelo menos enquanto tivermos condições físicas para isso. Claro, a parte física é importante, mas há de chegar a hora em que o cara vai precisar de um equipamento que lhe proporcione melhores condições para continuar no mar. É aí que o bom e velho longboard entra em cena.

Apesar dos pranchões terem a simpatia da garotada, pelos designs modernos que oferecem enorme variedade de manobras, ninguém pode negar que a prancha ideal para a galera mais “avançadinha” na idade, ainda é o longboard. A remada que o pranchão oferece, e conseqüentemente, um melhor posicionamento no pico, já são motivos suficientes para ajudar a combater os efeitos da idade. Melhorando esses dois aspectos, as chances de pegar boas ondas aumentam consideravelmente.

Porém, se você é daqueles shortboarders que não dão o braço a torcer por pensar que os pranchões são muito grandes e impossíveis de manobrar, é bom conversar com alguns shapers brasileiros mestres na arte de fazer longboards super manobráveis, sem perder a essência do nose riding. Entre alguns desses mestres estão Neco Carbone, Delton Menezes, Luís Juquinha, Almir Salazar, Rico de Souza e Cláudio Pastor. Eles colocam verdadeiros foguetes nos pés de surfistas de todas as idades que fazem coisas impressionantes nas ondas.

Segundo Neco, alguns detalhes são responsáveis por essas facilidades na hora de surfar com uma prancha acima de nove pés: “O longboard deve ter algumas semelhanças com uma prancha pequena. O outline da rabeta, ou seja, a espessura e o formato da borda, aliado à curva de rabeta... seria como uma pranchinha alongada... Dessa forma, a prancha, sendo leve, não terá nenhuma limitação para fazer um lip/base agressivo”. Isso ainda é mais verdade pela multiplicidade de configurações possíveis na colocação da(s) quilha(s). se ainda não se convenceu comece a reparar em alguns surfistas que usam esses protótipos, principalmente nos caras que passaram dos 40 anos e continuam dando canseira na nova geração.

Amaro Matos é um bom exemplo de surfista que veio da pranchinha e hoje é considerado um dos melhores longboarders do mundo. É impressionante a facilidade com que ele desfere manobras radicais com seu pranchão. Batidas retas, tubos profundos e aéreos fazem parte do seu vasto repertório. Talvez seja o surfista ideal para convencer alguém a rever conceitos. No momento em que esse texto foi escrito Amaro estava a caminho de Puerto Escondido, para participar de um campeonato de longboard. Aliás, outro exemplo dessa linhagem é o Picuruta, que também está em Puerto. Mas esse surfa bem com qualquer coisa. Podemos citar também o quase quarentão e local de Saquarema Jeremias da Silva, o Mica, que está sempre se atirando nas cracas que bombam atrás da laje, em Itaúna, contrariando aqueles que pensam que longboard só serve para ondas pequenas e cheias.

Outros cinqüentões e sessentões, também dão show de vitalidade. Afonso Freitas, 76 anos, pai do campeão Marcelo Freitas, pega altas ondas até hoje na praia da Macumba, no Rio de Janeiro. Além dele, chamam a atenção pela performance e idade, a família Mansur. Elias, Wady e Fuad, os coroas esbanjam estilo e técnica, mostrando que quando estão em cima de um longboard, os cabelos brancos (ou a falta deles), não passa de detalhe.

Se você ainda acha que longboard é coisa para velho... bom, até certo ponto está certo. Mas se já sente dificuldade para surfar de pranchinha, por causa da falta de remada, crowd, fraqueza nas pernas, dificuldade de equilíbrio... acredite, nessas condições, não tem nada melhor que um long para rejuvenescer um surfista. Como disse Amaro certa vez: “Longboard, é o início e o fim de todo surfista!”.

Billabong Rio Pro 2011


DEPOIS DE UMA SEMANA DE ESPERA, A TERCEIRA ETAPA DO ASP WORLD 2011 COMEÇOU NAS ESQUERDAS DO ARPOADOR E TERMINOU NA BARRA DA TIJUCA, NO RETORNO DA PROVA AO RIO DE JANEIRO. COM PREMIAÇÃO RECORDE DE US$ 500 MIL, O BILLABONG RIO PRO FOI ENCERRADO COM A MEMORÁVEL VITÓRIA DE ADRIANO DE SOUZA. DE QUEBRA, "MINEIRINHO" ASSUMIU A LIDERANÇA DO RANKING MUNDIAL, FATO INÉDITO NA HISTÓRIA DA ASP.



A santa trindade decidiu bem. Daniel Friedman, diretor de prova no Rio, o juiz chefe e Kieren Perrow, representante dos atletas, levaram as disputas para o "Arpex". As esquerdas rolaram de péssimas a muito boas. a maré e o vento, que variou muito, modificavam ondas e cenário, que a bem da verdade é um dos mais lindos para um evento de surf no Brasil. Finalmente os Tops e convidados entraram em ação. Dos brasileiros só Jadson André, numa boa escolha de ondas e alta velocidade, foi direto para o terceiro round. Um tubo inesperado do Daniel Ross mandou Mineiro pra repescagem. Taj Burrow mandou um aéreo de backside comentado pela garotada o resto do dia, além de obter a maior soma da fase (16.33). Kelly, que prometia um show depois do mega-alley oop executado nos treinos, fez um 9, mas por comparação que por genialidade. Essa foi sua melhor nota em todo o evento. Na mesma bateria Peterson Crisanto, convidado por seu patrocinador, fez a pior soma do evento (3.48). Dias depois venceria a Expression Session, levando US$ 5 mil de prêmio.


ARPEX, MENOR E MAIS ALINHADO
De volta à zona sul do Rio, CJ Hobgood superou o jovem Julian Wilson. Ele e Mineirinho fizeram os maiores somatórios, acima dos 16 pontos, do 2º round. Mineirinho cometeu muitos erros, mas acertou duas boas para despachar Ricardinho dos Santos, outro convidado. Raoni Monteiro venceu sua primeira bateria do ano contra Tiago Pires, numa disputa de poucas ondas. Em condições nada empolgantes Igor Morais dançou frente ao perigoso Bede Durbidge. Michel Bourez passou raspando pelo local Simão Romão, vindo das triagens. Alejo, pela primeira vez, não apresentou aquela atitude que apresentou em campeonatos anteriores. Reclamou das ondas, como se elas fossem culpadas de tudo que deu errado para ele contra Adam Melling. Estranhei.


NO 3º ROUND A BARRA PESOU
De volta ao palco principal na Barra. Raoni soube lidar com o fundo de areia que possibilitava duas manobras por onda e, sem medo algum, venceu Fanning. Bourez, numa bateria quase perfeita, ao fazer 9.7 logo de cara, deixou Jadson em situação complicada. Em duas manobras rápidas no lip marcou mais 9.4, e jogou uma pá de cal sobre a esperança do público e do defensor do título da prova em 2010. Adriano fez um surf objetivo, escolheu sempre as maiores e esse seria seu caminho certeiro. Josh Kerr resolveu tudo na base de aéreos e deixou o desanimado Jordy para trás por décimos. Os ídolos estavam caindo. De repente, Joel finalmente estava surfando e atropelou Perrow da mesma maneira que Jeremy Flores não deu atenção a Melling. Heitor Alves tentou usar sua velocidade, mas Damien Hobgood foi esperto na escolha de ondas e tirou o brasileiro do páreo. Heitor tem que ir com mais calma e tática nas próximas etapas. O duro é gerenciar a assombração do corte no meio da temporada. As pauladas de Taj fizeram mais sucesso que os tubinhos de Cory Lopez. O australiano já venceu três etapas no Brasil e acelerava rumo ao pódio sem piscar.


FORA DA NORMALIDADE
Bobby Martinez, mesmo sem saber, tinha uma bela torcida. Acelerou a onda toda para virar a bateria contra Slater num aéreo de backside, levando 7.5 numa só manobra. Slater tentou detê-lo numa rara direita e, se tivesse finalizado melhor, talvez conseguisse os 4 décimos que lhe faltaram. Talvez os juízes esperassem mais, como o público.Cada vez mais temos baterias decididas por décimos de pontos. Isso reflete o nível de surf apresentado e nem sempre comprova as teorias conspiratórias levantadas por muita gente. Voltando. Slater ficou mal. Klaus Kaiser, na locução, o chamou de volta à praia por três vezes. Mas ele ficou surfando na área de competição. Mesmo sem atrapalhar, foi uma demonstração de uma hora e meia de falta de profissionalismo nada condizente com o KS10. Estrelismo? Falta de coragem para encarar a entrevista e enfrentar os fãs? Sei lá. Slater disse depois que Martinez estava mais motivado (logo, ele não). Que ainda não havia surfado sozinho no Rio e quis aproveitar. A ASP o multou em US$ 5 mil — US$ 500 por onda surfada.


NO LOOSERS 2
No 4º round, Owen teve o brilho que esperamos dele e apagou Michel e Raoni. Josh fez outra expression session e venceu voando, novamente. Mineiro e Bede foram outra vez para repescagem. Parko estava entrando no ritmo e venceu Jeremy e Bobby. Taj fez sua melhor soma do evento (18.40). Assustador, destruiu Damien e Ross. Pode até ser cruel, mas gostaria de assistir a uma etapa sem esses rounds em que ninguém é eliminado. O tempo utilizado acaba comprometendo um cronograma que, supostamente, diminuiu o número de competidores na elite para aproveitar os melhores momentos das ondulações que duram, em geral, três dias.


MINEIRO SOBE AO PALCO
Já nas quartas de final, Adriano e Owen saíram do mar antes das notas. Mineiro subiu na área VIP, separado pela faixa de areia e a cerca que servia de dique para conter a maré de gente. As notas foram pipocando no monitor e Mineiro explodiu comemorando com o público ao perceber que Owen não tinha virado a bateria com o aéreo. Bede passou por Josh e Taj não parava de fazer ótimas médias, parecia dono do evento e atropelou Matinez. Na primeira semifinal, Taj estava naquele estado mental e sintonia com as ondas que deixou Jeremy sem pai nem mãe. Estava na final. Mineiro soube lidar melhor com as mudanças de humor das ondas. Mandou aéreo na direita e seqüência de pauladas na esquerda para ultrapassar Bede. Chegou à final por um caminho bem mais trabalhoso que o do Taj.


FINAL, DOCE FINAL
Mineiro perdeu por um "milimicro" (18.94 × 19.06) a melhor bateria da primeira etapa, na Gold Coast, contra Taj, no 5º round. Ano passado seu parceiro de equipe, Jadson, venceu o mesmo Slater para quem Adriano perdeu a final em Imbituba, em 2009. As ondas estavam demorando, cada vez mais fora da bancada. Traiçoeiras. Taj surfou dentro da normalidade uma onda de 7 pontos, mas, difrente de outras baterias, caiu na finalização. Foi um sinal da pressão que aquele povo na areia exercia sobre ele. Mineiro respondeu. Esperou a nota no outside, ao lado oponente. Comemorou berrando na orelha dele, mesmo que a diferença de um ponto não fosse lá essas coisas, mas isso abalou Taj de vez. Não a nota, mas a comemoração do Mineiro que ecoava na praia. O australiano tentou outra fora da série, não funcionou. Daí em diante as maiores fecharam-se para ele. Mineiro, mais bem colocado, acelerou inteligentemente numa maior e mais extensa. Encaixou suas curvas para desferir manobras bem conectadas e vibrou. As séries pararam. O tempo também. A tensão na praia foi aumentando até que tudo explodiu em êxtase. Mineiro campeão. É campeão, é campeão, entoava a galera. Mineiro era o Brasil e havia vencido a Copa. Seu nome foi cantado em uníssono como num campo de futebol, numa das comemorações mais emocionantes que já vi.

Num evento em que a organização torna quase virtual a presença das estrelas do surf de tanto protegê-los da imprensa e do público (às vezes com razão), foi bom ver Mineiro descer do palco e ser abraçado pela multidão. Na premiação, ao lado do desolado, inconsolável e perplexo Taj, Mineiro ajoelhou e agradeceu o fervoroso público. "Agradeço ao Pinga (seu empresário e amigo desde o começo da carreira) por me fazer acreditar que esse momento era possível", disse Adriano. Acredite, Mineiro, você agora é o primeiro do mundo e colocou mais surf na cabeça e no coração de muitos brasileiros.

TORTURA


Quem pensa que o surfista que mora em frente à praia pode surfar todo dia, a qualquer momento, naquela hora especial, pode tirar o cavalinho da chuva, porque a realidade é bem diferente.

Moro de cara para a areia do Meio da Barra, no Rio de Janeiro, tenho uma vista e tanto de quase 6 quilômetros de ondas, sinto o vento da minha varanda e tenho surfado pouquíssimo ultimamente. O motivo? Oras, infelizmente estar na água não me dá o maldito (ou bendito) fruto para pôr comida em minha mesa.

São inúmeros os motivos que fazem esse desencontro. O primeiro, com certeza, é a qualidade das ondas brasileiras. Se na previsão meteoro lógica o mar estiver com pinta de que vai amanhecer clássico dá até pra pensar na possibilidade de acordar às 5 da matina, mesmo no frio do inverno, e ir surfar, contando certamente com a bronca da mulher, que vai falar um monte porque a acordou cedo com o maior barulho. Mas como aqui na terrinha isso é uma raridade, pois conciliar vento, swell, maré, fundo e altura corretas é como acertar na loteria, o provável mesmo é que você durma até as 7 e comece a sua rotina diária para sair rumo ao trabalho, pelo menos sem tomar esporro.

Outro motivo que desanima é o chato vento que teima em soprar com mais força após as 10 horas. Porque, se o vento ficasse calmo, daria até para pensar em não almoçar e tentar surfar umas quatro ondas em 30 minutos, tempo estimado para tomar um banho a jato e voltar pro
trampo, caso ele seja perto de sua casa (o que é ideal se você for surfista, pois morar em frente à praia e trabalhar nos cafundéis de Judas vai praticamente zerar as chances de uma queda). Perde-se uma refeição, mas como a balança deve estar acusando alguns quilos a mais devido à falta de exercício, a dieta em prol desta boa causa acaba ajudando no contexto geral.

Caso a sorte (diga-se de passagem, de alguns) apareça e as condições fiquem ideais, existe outro empecilho, o crowd. É impressionante como quando você está com pouco tempo disponível para surfar, simplesmente as ondas te esquecem. Aquele moleque vagabundo, bronzeado, com o cabelo claro de tanto sol, que fica na praia até as 3 da tarde, pega uma atrás da outra, sem esforço, enquanto você que tá cheio de pressa e no pico ou não consegue entrar na onda por causa
da remada atrasada e vira bóia ou cai da prancha naquela da série que o mesmo moleque te liberou porque sua cara de choro está muito evidente.

Pior ainda é quando a reunião marcada há tantos dias cai justamente naquela fase em que o centro de alta pressão tropical está para ser empurrado pela frente fria, ocasionando assim o terral que todos surfistas sonham, e as ondas verdes, com cerca de 4 pés, estão ali, como uma gostosa fazendo streap tease, querendo ser tocada e você, cheio de desejo, não pode satisfazer tanta sedução, já que o negócio que vai te ajudar a pagar mais um mês de despesas não pode ser adiado.

Sobra o final de tarde, geralmente o ponto de encontro daqueles trabalhadores que por algum nobre destino conseguem chegar às 5 e meia na praia, poucos minutos antes de o sol se pôr, e brigar com o moleque que ficou até as 3, fez um lanchinho, tirou uma soneca e voltou cheio de disposição, pelas últimas ondas visíveis. Os mais tarados ficam até a Lua surgir no horizonte, porque ficar em pé, mesmo sem ver nada, já vale alguma coisa (bendito o horário de verão, que aumenta as chances de surfar mais umas três ondas).

Imagine o surfista que tem filhos pequenos. Este pode dar adeus ao surf. Além do trabalho, esse atarefado ser ainda tem, com absoluta razão, que ajudar sua esposa com os rebentos. Se os moleques forem pra escola cedo, a queda na madrugada então vai pro saco.

Espere, será então que trabalhar não vale a pena? Se for possível juntar a grana e convencer a mulher de que sua vida vai ruir caso você não faça a surf trip anual nas férias, cada hora que deixou de surfar em frente de casa pode ser reconquistada nas ondas perfeitas que desfrutará naquele pico exótico que estampa as revistas de surf. Bem verdade que essas ondas que aparecem nas fotos não quebram sempre, mas no geral, só a emoção de ver, mesmo uma marola mexida, e poder surfá-la sem nada te impedindo já serve pra agüentar outros 11 meses de angústia, sempre vendo o que não pode tocar.



Moral da história: você, garoto ou sortudo que ainda não precisa ralar, aproveite o quanto pode, porque o tempo é cruel. O mar tá ruim? Dane-se, vá surfar! Acha que amanhã vai estar melhor... Errado, vá agora! Não desperdice seu valioso tempo de praia, porque a sopa vai acabar! E quando chegar a sua hora, o que valerá são as lembranças dos dias de vagabundo.

TEMPO DEMAIS


Reencontrei uma revista antiga, janeiro de 2008, Mick Fanning na capa, recém conquistado seu primeiro título mundial. Tenho por hábito ler o editorial logo que abro a revista. Editoriais são uma espécie de termômetro do que você vai encontrar lá dentro.

Bons editoriais falam de coisas bobas que fazem parte do cotidiano do leitor comum e mal se referem ao conteúdo da revista ─ pra isso já temos o índice.

Desde que comecei a ler com interesse essa correspondência do editor com o leitor, pouca gente chegou perto do Steve Hawk, editor da Surfer nos anos 90.

Ultimamente aqui no Brasil, editores sem muito recurso usam tão valioso espaço para apenas auto-celebrar a própria publicação, infantil e inocente como a satisfação de um aluno de 11 anos ao entregar o primeiro número do jornal da classe ao professor.

Enumerar os assuntos que o leitor vai encontrar dentro da revista é tratar o leitor como imbecil, levá-lo pela mão apontando para as dificuldades de fazer uma revista mensal é subestimar violentamente a capacidade cognitiva do seu público alvo.

Falava eu do primeiro título do Mick Fanning e desviei do assunto.

O tradicional Tracks, jornal que virou revista australiana, trazia tudo sobre o primeiro título mundial do Fanning e o editor Sean Doherty, autor de meia dúzia de bons livros sobre surfe e surfistas, como a biografia do Michael Peterson, escrevia com otimismo sobre o suposto primeiro (para ele) de uma série de quatro títulos do Eugene.

A euforia do título ter voltado para a Austrália depois de 8 anos (desde Occy em 99) era tanta, que toda aquela edição indicava que havia de fato um renascimento do espírito campeão australiano, que seria naturalmente seguido por Parko e Taj, e mais uma vez apostando no suposto enfraquecimento do Careca e Andy na corrida ao caneco.

Achei curioso e parei pra pensar nos números. Fanning foi campeão pela primeira vez com a mesma idade que Mark Richards, o grande campeão australiano, se aposentava do surf profissional: 26 anos.

Fanning, o fenômeno, só não era mais velho do que dois dos 17 campeões mundiais. Occy e Derek Ho, uma façanha um pouco tardia, pensei eu.

Tinha toda razão a revista em celebrar o feito, afinal de contas Slater e Irons tornaram o título em si numa coisa meio ordinária, a ser realizada a toda hora, Irons com seus três títulos e Slater, então com 8.

A latinha avermelhada de felicidade do Fanning com seus cabelos dourados estampava a capa e as pequenas manchetes provocavam o leitor: A entrevista, A festa, A análise, A conquista, veja tudo lá dentro.

Em 2008, Slater competiu em velocidade cruzeiro, nem tomou conhecimento da retomada australiana e Fanning, na ressaca do seu triunfo, terminou apenas em oitavo lugar, atrás do Mineiro e Ace Buchan.

2009 foi a vez do Slater descansar e Parko tinha o título nas mãos até o meio do ano.

Fanning, 28 aninhos, despertou do seu torpor e atropelou todo mundo na caça do seu segundo título.

Com 28 anos, Slater já tinha se afastado das competições com seis coroas na sacola e sequer aparecia no ranking nos últimos dois anos.

Eis o que quero dizer: tirando Jordy e Mineiro (eventualmente Owen ou Dane num surto) não há ninguém no Tour com menos de 30 anos que ameace o décimo primeiro do Careca.

E cá entre nós, isso é ao mesmo tempo lamentável e fascinante.

Lamentável porque revela o quão frágeis são os adversários do KS10 diante de tamanha excelência e fascinante porque torcemos todos sempre pelos mais fracos, estejam eles onde estiverem.

Nesse ano, 2011, Fanning completa seu décimo ano no circuito entre os 34 (antes 44), Parko seu 11º e Taj vai para sua 14º temporada, isso sem contar os anos de WQS.

É tempo demais na expectativa.

Pouca gente agüenta a pressão que é não vencer.

Por mais que se propague o discurso que acima de tudo está a diversão e a sorte de poder ganhar a vida pegando onda, por trás disso tudo tem uma montanha de frustração que come essa gente por dentro.

Taj Burrow mesmo, que agora desfruta de mais um momento exuberante na sua carreira, como foi no início do ano passado e em 2007, ano da redenção do Fanning, já viu seu mundo esmagado pela conquista alheia.

Quando se chega ao nível de disputar o topo do ranking, qualquer resultado é pífio senão o primeiro.

O afastamento momentâneo do Mineiro dos Top 5 e o fato de, tão novo, já ser um veterano no circuito pode funcionar ao seu favor.

Afinal de contas, Mineiro tem apenas 24 anos.

Me afastei novamente do assunto, refletindo sobre as possibilidades que se criam quando se remexe no passado olhando pro futuro.

O que parecia tão certo em 2007, apenas 4 anos atrás, domínio australiano, declínio do Slater e uma nova era anunciada, não passava de um soluço.

O Careca não vai a lugar algum tão cedo, tudo indica. Em 2012 ele completa 40 anos e o desafio de ganhar o circuito com essa idade pode ser uma grande motivação...

A ORIGEM DAS SUPERTEMPESTADES


PARA EXPLICAR COMO FUNCIONA O PROCESSO QUE GERA OS GROUNDSWELLS, CONVIDAMOS O PROF. ELOI MELO, PH.D. EM CIÊNCIAS OCEÂNICAS PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, SAN DIEGO (EUA), MESTRE EM ENGENHARIA OCEÂNICA PELA COPPE/UFRJ E, DESDE 1989, COORDENADOR DO LABORATÓRIO DE HIDRÁULICA MARÍTIMA (LAHIMAR) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC).



O primeiro aspecto a considerar é que as ondas são resultado da ação do vento sobre a superfície do mar. O mecanismo físico de geração de ondas pelo vento é bastante complexo e envolve uma complicada transferência de energia na interface entre dois fluidos: o ar e a água. Como resultado, as ondas dentro de uma tempestade no meio do oceano, por exemplo, serão igualmente complexas, irregulares e desorganizadas, muito diferentes das ondas perfeitas que os surfistas sonham. Como a natureza consegue organizar essa confusão?

Uma vez geradas, as ondas adquirem vida própria e são capazes de se propagar ou viajar pela superfície do oceano transportando a energia do vento. É exatamente durante essa viagem que entra em cena o incrível fenômeno de dispersão, capaz de separar ondas de períodos diferentes tornando o mar muito mais organizado. Sabe-se que no oceano profundo, as ondas são capazes de percorrer distancias de milhares de quilômetros até encontrar uma praia e quebrar, despejando a energia transportada de tão longe numa estreita faixa de mar junto à praia: a zona de arrebentação, onde estão os surfistas. Para dar uma idéia das distâncias envolvidas, um famoso trabalho científico, feito há 50 anos, mostrou que ondas geradas por tempestades ao largo da Nova Zelândia iam quebrar, muitos dias depois, na costa da Califórnia, a mais de 10 mil km de distância. De forma simplificada, quanto mais ‘velha’ ou viajada foi uma ondulação, mais organizada ela será.


Normalmente esse tipo de ondulação apresenta períodos longos, de 14 a 20 segundos, cristas igualmente longas e séries bem marcadas. Mas isso é apenas parte da história. Para que esse swell quebre perfeito é necessário que a costa onde ele vai incidir tenha condições favoráveis. Na verdade, para chegar à praia as ondas têm de passar sobre a plataforma continental, um prolongamento do continente que adentra o mar e que tem relevo próprio, invisível para quem está na praia, mas que afeta as ondas que passam sobre ele. Vários fenômenos interessantes ocorrem nessa etapa final da vida das ondas. Resumindo, podemos imaginar que o relevo da plataforma continental junto com outras feições da linha de costa (como a existência de ilhas e pontões, por exemplo) vai efetivamente modelar o swell.

Pelo menos mais um ingrediente ainda é necessário para que as ondas quebrem perfeitas: o vento local. Para deixar as ondas lisas e ‘penteadas’, o vento deve ser terral, caso contrário ele vai invariavelmente gerar ondinhas ou ‘carneirinhos’ (como alguns chamam) que vão se sobrepor ao swell e bagunçar as condições para o surf. Assim, fica fácil entender por que os meses de outono são normalmente tão favoráveis ao surf na costa sul/sudeste do Brasil. Nesse período, as ‘tempestades’ que geram as ondulações tendem a ocorrer em latitudes mais altas do Atlântico Sul, ou seja, mais longe da costa brasileira. Como viajam mais tempo, as ondulações do outono são mais organizadas. O vento também tende a ser mais brando do que em outras épocas do ano
”.

BASTA SER SURFISTA


Outro dia fui surfar no Castelinho, em Ipanema, um pico que eu adoro. As ondas são fortes, meio fechadas, mas perfeitas pra se aprender a entubar. Foi a minha escola. Como morei ali muitos anos, tenho uma relação afetiva com o lugar. Ficava eu, Rosaldo, Leal e Coelho botando pilha pra ver quem ia dropar na fechadeira da série e jogar pra dentro. Me lembrei dessa brincadeira enquanto corria ofegante pelo calçadão na direção do pico. Dava pra ver que o fundo estava ruim porque as ondas fechavam inclementes. “mas se o meu instinto estiver certo...” eu pensava. “Quando o swell tá de leste, as esquerdas correm alinhadas com cara de point break”. E foi esse o cenário que eu encontrei. Infelizmente Rosaldo, Coelho e Leal não estavam caindo. Acho que nem freqüentam mais o pico. Tinha só três caras no outside, mas eu não conhecia nenhum deles. O mar tava liso e as ondas explodiam na areia rasa. Tubos secos. Me belisca...

Peguei uma. Peguei duas. Peguei três. Três tubos. Não estava acreditando nesse final de tarde sem ninguém. Na quarta, uma fechadona gigante da série, virei a prancha e remei com um sorriso no rosto, como se ainda pudesse ouvir os brothers botando pilha. “Vai!!! Não pode amarelar!!! Bota pra dentro!!!”. Fui, não amarelei, botei pra dentro. E corri até ela explodir e me deixar que nem bife a milanesa numa máquina de lavar. Mas quando eu subi, a prancha tava partida em dois pedaços. Saí desconsolado. E fiquei olhando as ondas perfeitas até o anoitecer. Voltei me arrastando pra casa num misto de tristeza e orgulho.

Cumpri com meu papel de botar pra baixo e a prancha quebrou. Só se molha quem sai na chuva. Só quebra a prancha quem se joga. Mas o engraçado foi perceber que não era bem isso que as pessoas enxergavam quando me viam caminhando com a prancha partida debaixo do braço. Percebi as mais diferentes reações. Uma senhora me olhou de cima a baixo com cara de reprovação, como quem diz: “Você não tem mais idade pra essas coisas. Veja só o que aprontou”. Na seqüência, um ambulante afirmou meio rindo: “Essa prancha deve ser muito fraca, ao tem quase onda...”, como se eu fosse o maior bundão da parada. Dois gringos apontaram na minha direção e comentavam algo rindo. Não ouvi as palavras, mas posso bem imaginar...

Ninguém viu meus tubos. Ninguém nem sabe que eu sei surfar. Eles só enxergaram o fracassado que levou uma bela lição da natureza. Mas surfista não pensa assim. Só os leigos. Surfista sabe que pra se quebrar uma prancha é preciso uma manobra radical ou uma situação limite. Ou uma onda Power, como a do Castelinho. Nesse contexto, a prancha quebrada passa a ser quase um troféu. Testemunha de sua coragem, de que pagou pra ver. Ninguém tem prazer em ver sua prancha se despedaçando, mas surfista algum volta pra casa se sentindo menor porque a prancha foi pro beleléu. Faz parte. A gente ama aquele toco mágico de fibra, mas sabe que não pode se apegar. Um dia ela parte, literalmente.

Minha história mais desastrosa com prancha foi em Bali, na década de 90. Outside Corner sem uma alma no pico. Julio entrou primeiro, Gui na seqüência. E eu, maravilhado com a luz, com as ondas, com o astral de surfar tubos incríveis com mais dois apenas, dei mole e pulei na hora errada. A água foi desaparecendo debaixo da minha prancha até ela encalhar completamente no coral. Segurei na borda para tentar sair daquela situação miserável e a força da água amassou meus dedos na pedra. Quando finalmente me livrei daquela zona do agrião, estava todo sangrando e com o fundo da minha prancha como se tivesse sido mordida por um tubarão. Cheguei no outside e levantei as mãos pra mostrar o sangue escorrendo. E depois mostrei o fundo da prancha. Os caras ficaram atônitos, não acreditaram no estrago.

Mas o mar tava tão bom que nem liguei. O problema é que as “dentadas” no fundo deixaram a prancha bem lenta. E pra piorar, na terceira onda uma parte do fundo desencapou levando a quilha esquerda. Caraça! Voltei pro pico e mostrei o novo estrago. Metade da prancha estava na espuma de poliuretano e ela agora só tinha duas quilhas. Os caras ficaram chocados. Continuei surfando assim mesmo, fazendo milagre pra ela não derrapar. Qualquer coisa menos sair do mar. Mas aquele não era mesmo meu dia. Os deuses de Bali já tinham dado seu veredicto, eu é que me fingia de desentendido. Até que não teve mais jeito. Dropei e na cavada a prancha partiu ao meio. Senti a prancha se dividindo debaixo dos meus pés. O bico se afastando da rabeta. Minha perna abrindo. Bizarro! Nadei, paguei aquele pecado básico pra sair do mar pela bancada e ouvi, de cima do penhasco, a zoação dos balineses, que urravam. Mas diferente dos leigos de Ipanema, a molecada riu comigo e não de mim. Sabem que mais cedo ou mais tarde também pagarão seus pecados. Afinal, basta ser surfista que essas coisas acontecem.

AYRTON E EU


Depois de um ano e meio morando no Hawaii, surfando ondas de sonho, e um ano e meio morando em Saquarema, fazendo pranchas com o Betão e também surfando ondas de sonho, voltei ao Rio de Janeiro, com 22 anos de idade, para morar novamente com minha mãe. Meu pai, oftalmologista famoso na época, me convenceu a fazer vestibular para medicina, depois de três anos desconectado de qualquer tipo de estudo acadêmico. Quando lembro disso, acho inacreditável. Após começar a surfar de maneira apaixonada, aos 14 anos, num paraíso chamado Arpoador; fazer pranchas, aos 16 anos, e ganhar o meu dinheirinho; viajar para o Peru por dois meses e meio, aos 17 anos; continuar a fazer pranchas e a ganhar minha grana; voltar ao Peru, aos 18 anos, e no final daquele ano (1973), ir morar no Hawaii, aos 19, emendando depois com Saquarema, aos 21 anos, como é que fui parar num cursinho noturno de pré-vestibular, em Copacabana, cheio de estudantes que fumavam cigarro na sala de aula, por um semestre inteiro?

Não sei o que deu em mim, mas quando passei em uma das últimas opções de faculdade, longe do Rio, acordei para a realidade. A minha realidade. Eu queria tentar viver do surf. Ou pelo menos viver surfando o máximo que pudesse. Já ganhava dinheiro fazendo pranchas desde os 16 anos, mas meu pai sempre me ajudou. Agora, não mais. Minha recusa definitiva em fazer medicina estabeleceu nosso acordo: ele não me ajudaria mais financeiramente. Meu pai era legal comigo, e aquela foi sua última tentativa para me convencer a seguir a carreira dele. Não lembro de ter sentido medo com a afirmação dele: “Já que você quer viver do seu jeito, faça por onde, se sustente!”. Eu tinha descoberto, desde os 16 anos, que consertando prancha, shapeando, laminando ou fazendo a prancha inteira, ganharia dinheiro. Percebi, em minhas primeiras viagens, que também podia fazer isso no exterior. E fiz. No Peru, verão de 72, só consegui ficar dois meses e meio porque consertei pranchas num canto da casa onde morava. Com 800 soles (uns R$ 150, na época) emprestados pelo Bruja, um amigo peruano, para comprar resina, fiz dinheiro suficiente para viver bem por um mês e meio, depois que acabou a grana que tinha levado do Brasil.

No Hawaii, de 73 a 75m fui um degrau acima e, além de consertar pranchas também laminava numa oficina improvisada, na garagem da casa onde morava, em Sunset Point. Entre uma e outra viagem, eu já tinha ganhado salário mensal durante mais de um ano para ser “piloto de testes” das pranchas JL/Haty Surfboards, entre 72 e 73. Consertar, laminar e shapear pranchas eram tarefas físicas trocadas por dinheiro. Ser piloto de testes de uma marca de pranchas e ganhar por isso era a situação mais próxima de uma revolução que ainda iria acontecer no surf. Em agosto de 1976, Pedro Paulo Lopes, o Pepê, e seu grande amigo Cauli Rodrigues apareceram no Waimea 5000, etapa brasileira do Circuito Mundial, no Arpoador (RJ), com um JB grande, do Jornal do Brasil, estampado no bico. Acredito ter sido o primeiro patrocínio de surf do país e um dos primeiros do mundo. Pelo que fiquei sabendo na época, Pepê e Cauli ganharam passagens e ajuda de custo para competir. Pepe venceu o evento. No ano seguinte, apareceram outros poucos ícones cariocas com logotipos em suas pranchas. Rico de Souza, com a TV Globo, Daniel Friedman, com a Brahma, Otávio Pacheco, com o Guaraná Antarctica. Todos com o mesmo tipo de acordo. Era uma revolução. Ganhar passagens e ajuda de custo para viagens não era salário mensal, mas era a primeira vez que surfistas estavam ganhando alguma coisa concreta para surfar. Expor uma marca nas pranchas e nas camisetas, e em troca viajar para competir. No embalo, lógico, surfar ondas de sonho. Comecei a procurar o meu patrocínio. Em 1978, Jajá, representante gente boa da Gledson, no Rio, me levou a São Paulo para falar com o Júlio Nascimento, gerente de marketing desta famosa marca fabricante de roupas para jovens e adultos jovens. Chegamos a uma ante-sala cheia de troféus, e o Jajá sumiu pela empresa. Coloquei minha prancha atrás da porta e sentei ao lado de um garoto mais novo que eu, com um fichário desses pretos, de colégio, no colo. Olhei os troféus e notei que eles só patrocinavam esportes de motor. Eu também sabia que tinham contratado uns skatistas. Acho que era o Luis Roberto “Formiga”, o Jun Hashimoto e o Jofa, que mais tarde se tornaria um dos melhores pilotos de vôo-livre do mundo, conhecido como Nenê Rotor. Eu poderia ser o primeiro surfista deles.

Vestia um “blazer” preto de veludo liso, que a Rádio Globo 860 AM tinha comprado pra mim, quando fui competir na África do Sul, em 76, patrocinado por eles. Em meu colo, um desses “books” grande de couro preto, que as modelos usam, cheio de reportagens minhas em revistas e jornais. O garoto sentado ao meu lado quebrou o gelo e pediu para ver meu book, perguntando o que eu fazia. Eu pedi o fichário dele e o contraste chamou a minha atenção. Ele folheava as páginas grandes do meu book, cheias de fotos minhas, coloridas, das revistas Pop, Manchete Esportiva, O Cruzeiro, do Jornal do Brasil, do jornal O Globo. Alguns poucos resultados e títulos, pois não tínhamos campeonatos em quantidade, nem muita mídia explorando o lado folclórico do surf. O fichário dele era mais “pobrinho”. Não tinha nem foto em preto e branco. Só pequenos recortes de jornais com uma repetição irritante de títulos e feitos expressivos: “Senna não perde uma corrida há 8 meses!”, “Prodígio do kart, Ayrton Senna é destaque na Europa!”. Quando ele foi chamado, eu nem tinha visto tudo, mas não precisava. Era tudo igual. Ele se levantou e disse: “Boa sorte!”. Eu levantei o rosto e respondi: “Pra você também!”.

ESTRELAS DE VOLTA A GUANABARA


DEZ ANOS DEPOIS, A ETAPA BRASILEIRA DO TOUR MUNDIAL VOLTA A UM DOS PRINCIPAIS PALCOS DA HISTÓRIA DO SURF BRASILEIRO.



O Rio de Janeiro é parte fundamental da história do surf no Brasil, uma legítima surf city no mundo. Tudo começou nos anos 1970, com os festivais de surf em Saquarema, disputado apenas por brasileiros. Depois, de 1976 a 1982 (com exceção de 1979), os eventos mundiais aportaram na cidade maravilhosa e viraram febre. O cenário era mítico: Arpoador lotado, Tops arrebentando nas ondas, lindas mulheres na areia e a cultura praia mais rica e bem difundida do país vivendo intensamente o boom do surf. Eram os tempos do Waimea 5000, a etapa internacional patrocinada pela surf shop Waimea. Pepê Lopes, Daniel Friedmann, Carlos Mudinho e Cauli Rodrigues comandavam o time brasileiro que respirava os históricos verões cariocas.

O Tour esqueceu do Brasil entre 1982 a 1985 e só voltou em 1986, quando o país criou a Associação Brasileira de Surf Profissional e as disputas passaram a ser realizadas em Santa Catarina.

Só em 1992 a etapa que fez história na década de 70 voltou a ser realizada no Rio de Janeiro, mas desta vez nas areias da Barra da Tijuca. A elite do surf se reuniu uma vez por ano no Rio até 2001, quando o evento teve mudanças na organização e voltou a ser sediado em Santa Catarina.

Hoje, 10 anos depois, os olhos do mundo do surf se voltam novamente para a farofa carioca. O Billabong Pro Rio está confirmado para os dias 11 a 22 de maio ─ e pela primeira vez o Brasil sediará, ao mesmo tempo, uma etapa do mundial masculino e feminino.

O bom de voltar ao Rio é que temos uma onda mais próxima da areia, boa para assistir, e a cidade faz parte da realidade dos meios de comunicação do Brasil”, afirma Julio Adler. “No sul o acesso da grande imprensa era mais complicado. No Rio, se o Luciano Huck quiser entrar ao vivo no campeonato, ele consegue”.

Outra novidade é que o evento terá duas sedes que funcionarão dependendo das condições do mar (sem contar a série de eventos e festas realizados paralelamente ao campeonato). “Teremos uma sede principal na Barra da Tijuca, com 1250 metros quadrados de estrutura, e uma secundária no Arpoador, com 350 metros quadrados”, diz Xandi Fontes, que, em parceria com o ex-surfista profissional Teco Padaratz e a GEO Eventos, está organizando a etapa.

Na Barra o circo será montado no Posto 4: “É a praia com mais consistência de ondas no Rio, e o Arpoador é a onda com mais qualidade”, analisa Xandi, que está sonhando com um Arpex de gala. “A volta do mundial ao Rio trará mais visibilidade e quem vai sair ganhando são os atletas”, completa.

Não há duvidas de que, se a ondulação entrar com força e o Arpex funcionar, teremos uma etapa clássica, boa para relembrar os tradicionais Waimea 5000, vividos intensamente por um dos surfistas que começaram a dar os primeiros passos do esporte no país: Daniel Friedmann. “Este WT tem a força de gerar aquela atração que tínhamos naquela época”, diz o vencedor do Waimea 5000 de 1977. “A presença dos Tops no Rio vai ser muito importante para gerar frutos da cidade”.

A premiação oferecida é a segunda maior do Tour: US$ 500 mil ─ perdendo apenas para a etapa novaiorquina, que oferecerá US$ 1 milhão em premiação. Aqui no Brasil o vencedor levará sozinho US$ 100 mil. Já entre as mulheres, a premiação total é a maior: US$ 120 mil.

Ao mesmo tempo em que os valores altos e a grande organização deixaram o circo mais disputado e atraente, Julio Adler diz que “o WT é uma grande festa que hoje não tem a interação com os atletas como na época do Waimea 5000, por exemplo”. Agregar surfistas e público era uma virtude. “Geralmente o cara sentava na areia ao lado do Slater. Hoje são várias áreas VIP e os surfistas são como estrelas de rock, saem da água para o carro”.