Isso tudo foi lá por meados da década de 70.
Costumávamos sair bem cedinho do Guarujá, madrugada mesmo, para surfar “nas Praias”. “As Praias” eram todas as praias compreendidas entre Bertioga e Maresias. Atravessávamos o canal de Bertioga pela balsa e de lá pra frente íamos pela praia mesmo, já que até Boracéia não havia estrada, nem de terra. Só havia estradas de terra em trechinhos que passavam por detrás dos morros que separavam as praias. Portanto, na ansiedade por ondas, era lenha forte nas praias, na água rasa do mar e varando riachos sem aliviar o pé. Turma descabelada, farra, gargalhada, rock tocando ─ especialmente o Led Zeppelin; e o papo era onda ou mulher, nada mais interessava. Nenhum banhista perdido pra atropelar. Os carros, de tanta ferrugem, não duravam mais que dois anos, sendo que a partir do primeiro já era necessária a vacina contra tétano pra entrar nos coitados.
O primeiro point a ser checado era o canto esquerdo de São Lourenço. Caso ali não estivesse bom, tocávamos para o canto direito de Itaguaré. Lindo canto, em que se vê as ondas de lado e é fácil varar até o pico. Direita longa. O vento sul, que mela as outras praias, lá pega meio contra.
Nesse dia de outono de 1976 o mar estava grande, grandaço ─ mar que hoje costumam entrar de tow-in ─ e fomos direto para a Baleia, que então era o único caminho para acessarmos Camburi. Nessa barca estavam dois carros: o meu Fuscão e a Brasília do meu irmão Bernardo. Junto conosco estavam o Caio Meleca, o Xuxa, o Dado e mais uns amigos que agora, infelizmente, não me recordo quem.
Nada de conseguirmos varar a Baleia, pois estava realmente enorme e fechando. Seria uma luta danada pra no fim só levar onda na cabeça. Voltamos pros carros e fomos pra Camburi. Tentamos pela correnteza do canto esquerdo, mas ninguém conseguiu varar, nem mesmo o Xuxa, que era ─ e ainda é ─ o melhor surfista entre nós. Estávamos mordidos. Um baita mar e nada de onda. Resolvemos olhar a Praia Preta e a caminho vimos o Bananas quebrando. (Nota: até então, esse point não era point e muito menos tinha nome).
Olhamos, olhamos. Eu tinha acabado de voltar de Punta Hermosa, no Peru, portanto, estava acostumado com pedras e nem aí com elas. O Xuxa era macaco velho e já havia surfado Hawaii, Bali e o caramba. O Caio não refugava nada. O meu irmão, se eu entrasse entrava também, e vice-versa. Resolvermos nos jogar e nos jogamos. Entramos pelas pedras no canto esquerdo, meio perto do pico. Era só esperar a série passar, pular na água e remar rápido enviesado pro fundo, indo pra direita pra escapar de tomar a série na cabeça. Eu estava com minha Tatto Gubbins 7 pés e 2, swallow, verdinha da cor do mar. Surfamos feito loucos aquelas esquerdonas meio gordas e pesadas ─ ótimas para dar um bottom-turn esticado de backside, lá longe no flat da onda, fazendo uma curvona fortaça de trincar as pernas, sentindo o abdômen duro, virando a cabeça para ver como está a onda e estudar para onde ir. Ondas perfeitas para a minha prancha peruana. O swell era de leste e sabíamos que a série vinha quando víamos quebrar ondas no canto esquerdo das Ilhas. Dali era só dar um certo tempo que as bichonas chegavam. Elas vinham como uma família de baleias, com poderosas boconas abertas para nos engolir. Cordinha? Leash? A minha eu deixara no Peru, pois não pretendia mais usá-la. Os outros não sei se usaram.
A prioridade da onda era de quem estivesse no pico há mais tempo. E assim surfamos e cansamos, abrimos o bico e saímos para descansar. Descobrimos no costão uma plantaçãozinha de bananas. Catamos uns cachos, comemos e relaxamos. Voltamos para o mar; menos o Caio Meleca, que ficou comendo bananas atrás de bananas, num fluxo contínuo goela abaixo, acocorado nas pedras feito um chimpanzé.
Surfamos, surfamos, e quando saímos do mar nos assustamos com a tremenda quantidade de cascas de banana ao redor do Caio. Ele, sozinho, havia comido um cacho inteiro e ressonava largado nas pedras quentes. Bermuda aberta na cintura, um urso de barriga estufada e cara de feliz, saciado. Alguns gritos na orelha bastaram para acorda-lo.
Dali voltamos para o Guarujá, e à noite, no centrinho, em frente ao cinema, comentando animados com os amigos sobre o novo pico que havíamos descoberto. Um de nós, não sei quem, chutou: “è o Bananas Point! É o pico das bananas!”
E assim ficou batizado o pico. Não foi por causa desse canto de pedras ser curvo, feito o formato de uma banana, nem nada, mas sim por aquele monte de bananas deliciosas que comemos e que graciosamente nos deram forças para surfar um baita mar.
Portanto, amigos, desejo-lhes boas ondas e bons mares no Bananas. Aquele pico nasceu bem nascido, tem boa alma, pois um bom grupo de amigos num bom dia, o batizou.