12 perguntas para... Felipe Cesarano

Você provavelmente já ouviu falar de Felipe Cesarano. Especialmente após a última temporada havaiana ─ onde o carioca atacou Waimea sem medo e dropou uma das maiores ondas já pegas por um brasileiro na remada. Mas mesmo antes do fatídico dia em The Bay, o carioca de 23 anos já construíra uma reputação de surfista destemido, quase inconseqüente. E apesar de sua atitude na água passar essa impressão ─ ele realmente se coloca em situações absurdamente extremas e perigosas ─ em terra, o “Gordo” é uma das figuras mais engraçadas, tranqüilas e descontraídas do surf brasileiro. Direto do Hawaii, uma entrevista divertida e reveladora com o cara que chamam de Gordo.



01. VOCÊ SURGIU NA MÍDIA COMO UM CARA QUE BOTA PRA BAIXO, MAS NUNCA DESTACOU-SE NAS COMPETIÇÕES. VOCÊ NÃO COMPETIA QUANDO ERA MOLEQUE?
Eu corri de Grommet até Junior. Mas no Junior eu já estava quase abandonando, comecei a viajar mais. Amadorzinho, já fui vice-campeão carioca duas vezes. Mas só ganhava campeonato em Niterói. Perdia tudo, mas em Niterói fui hexa-campeão.

02. VOCÊ SABIA DESDE MOLEQUE QUE QUERIA SER SURFISTA PROFISSIONAL?
Corria campeonato só para ter aquela camisa de competidor e andar de skate e tirar onda. Uns três anos atrás, quando eu fechei com a Rusty, comecei a levar mais a sério. Era aquele período de “ou faz faculdade, ou começa a ajudar em casa”. No ano limite de “ou entrar na faculdade, ou viver uma vida normal”, consegui ganhar um dinheirinho melhor e ajudar em casa.

03. VOCÊ NÃO ESTÁ CORRENDO O WQS INTEIRO. COMO VOCÊ VÊ SEU PAPEL NA RUSTY?
Pó, freesurf. O meu objetivo, na real, é pegar onda grande. Estou indo no que eu posso, na remada. Nunca peguei onda gigantesca, mas gosto de tubo. Então Pipeline eu pego, Teahupoo eu pego. Agora estou com Jet Ski junto com o (Pedro) Manga, então a gente está aprendendo. O meu objetivo é pegar um Teahupoo gigante. Se virar um mar que nem aquele do Shane Dorian, foda-se, a gente quer pegar, e vamo com tudo. É seguir o Fun, o Burle, o Eraldo, os caras fizeram meio que este caminho, sacou? Porque dá retorno para a marca. Se você for competidor, para aparecer na mídia tem que ganhar o campeonato. O cara fica em terceiro e não aparece quase nada. Se fizer uma viagem bem feita, com fotógrafo, lugar maneiro, vai sair página dupla, capa, matéria.

04. SUA GERAÇÃO TEM UMA ATITUDE BEM DIFERENTE EM RELAÇÃO AO TRABALHO. VOCÊS BUSCAM MUITO MAIS, TÊM UMA NOÇÃO MUITO MAIOR DO QUE PRECISAM FAZER PARA DAR RETORNO. OU SEJA, VOCÊ NÃO VAI PARA O TAHITI PEGAR ONDA, VOCÊ VAI COM FOTÓGRAFO. E QUANDO SAI NA FOTO, JÁ ESTÁ EM CONTATO COM TODAS AS MÍDIAS. QUAL É A IMPORTÂNCIA DISSO, E POR QUE VOCÊ É TÃO LIGADO NISSO?
É o que sempre falo de mim, do Ricardinho (dos Santos), do Jê (Vargas) e do Marco (Giorgi). A gente nunca foi moleque que desde os 10 anos era promessa, com patrocínio desde novo. Agora está todo mundo patrocinado, mas isso não aconteceu há tanto tempo atrás. Muita gente que era talento e promessa e o caralho, acha que só porque surfa muito vai se dar bem. Esse cara não deu valor, já perdeu patrocínio, sumiu. Acho que conseguir a parada em cima da hora, na idade de ser homem, de ter que viver disso ou procurar outro caminho, ajudou muito a levar tudo mais a sério. E já passei várias roubadas, desde os 15 anos eu viajo direto e ninguém ouviu falar de mim. É porque eu estava lá, sozinho, sem fotógrafo, sem nada. Eu queria pegar tubo e foda-se todo mundo. Só que aí, mermão, no final do mês não cai o meu dinheiro, aí eu tenho que trabalhar, entendeu? A teoria é surf, mas para poder viver disso e continuar tendo essa vida, tem que fazer a outra parte também.

05. O QUE A GENTE TEM VISTO NOS ÚLTIMOS DOIS, TRÊS ANOS É VOCÊ INDO PARA TEAHUPOO, PARA O HAWAII E PARA PUERTO. ESTE É MAIS OU MENOS O PLANO? O QUE 2010 RESERVA PARA VOCÊ?
Para mim, se o mundo se resumisse a quatro lugares estava bom: Hawaii, Tahiti, México e Indonésia. É porque esses são os lugares que eu quero estar, porque eu gosto de surfar de uma forma independente. Por mais que seja um lugar marcado, pegar uma bomba em Pipeline vai sair, vai dar retorno. Pegar um Teahupoo gigante vai dar retorno, por mais que já seja meio óbvio. Este ano vou voltar para o Tahiti, mas antes quero ficar um pouco no Rio para fazer umas lajes com o Manga, esperar um swell para pegar umas ondas quadradas. Aí depois eu vou para o Tahiti e Austrália, vou ficar com um cara da Rusty que faz tow-in, o Paul Morgan. A gente vai tentar pegar algumas direitas sinistras. Vou ficar lá um tempo, aí se estiver muito no final da temporada, vou direto pro Hawaii. Essa é a minha idéia.

06. VOCÊ FALOU DE TEAHUPOO GRANDE, PIPE GRANDE. VOCÊ GOSTA DESSE TIPO DE MAR, OU FAZ PORQUE SABE QUE É ISSO QUE VAI TE BOTAR NA REVISTA?
Gosto cara. É o seguinte, ninguém rema numa onda acima de 8 pés em Teahupoo só por causa da foto, porque senão trava. Vai lá querendo, mas trava, não vai. Tem que gostar. Mas lógico que, pô, ta no final de tarde, chovendo, vem uma bomba de 10 pés que nem você nunca viu na vida, não tem ninguém na praia... tu pensa duas vezes. De repente tu vai. Eu já fui em umas que foda-se, mas com o fotógrafo ali ajuda a instigar. Mas não é porque tem o fotógrafo que o cara vai, senão todo mundo iria. Não é nem para sair em lugar nenhum, é para ver a foto depois, ficar rindo.

07. VOCÊ SE VÊ EVOLUINDO PARA DAQUI A CINCO, DEZ ANOS ESTAR SURFANDO JAWS, ALGUMA COISA ASSIM?
A gente comprou um Jet no objetivo de aprender, é claro. Mas nosso maior objetivo mesmo é pegar Teahupoo gigante. Não gigante, mas Teahupoo grande, além daqueles tubões e lajes na Austrália. Mas eu quero surfar Jaws. E não precisa ser daqui a cinco anos não. Na hora que ele falar “Vamo embora que eu te puxo” é só soltar a corda e sobreviver.

08. VOCÊ ALGUMA VEZ FICOU COM MEDO NO MAR?
Lógico, o meu apelido é big rider medroso (risos).

09. E COMO VOCÊ LIDA COM O MEDO?
Acho que é mais uma briga interior. Tipo esses dias, quando caímos em Waimea, estava meio pequeno. Mas não é que eu amarelei numa onda, mas não fui em uma que dava para ter ido. E quando a maior do dia veio, eu estava lá atrás do pico, sabia que não dava para completar, mas fui, tomei o maior vacão. É da minha cabeça. Uma onda que eu peguei em Pipe grandona, ela veio de Banzai, e quando entrou no 1° reef minha perna tremeu de medo e eu caí, fiquei putão. Falei que na próxima eu ia até a areia, e fui. Nem deu tubo, mas ali podia rodar qualquer coisa que eu ia estar igual.

10. O QUE PENSA NO MOMENTO QUE O MERCADO BRASILEIRO ATRAVESSA, ONDE UM CARA QUE QUER APENAS CORRER ATRÁS DE ONDA BOA, COMO VOCÊ, TEM UM ESPAÇO?
Acho isso maneiro. Porque o surf é surf, né. Até pros mais competitivos, antes da competição veio o surf. E tudo é uma parte. Tem competição, tem onda grande, tem freesurf, tem os aerialistas, tem tudo. É o que complementa o surf. O cara abre uma revista e vê uma onda perfeita ─ ele vai gostar tanto quanto ler sobre um campeonato. Acho que é um conjunto.

11. ONDE VOCÊ SE VÊ DAQUI A DEZ, VINTE ANOS?
Vinte anos, acho que eu me vejo sentado na Prainha, barrigudo, contando história. Mas daqui a dez anos posso estar no auge, não sei ainda. É porque eu sou meio vagabundo, sabe, não treino muito. Surfar, surfo todo dia, toda hora. Mas treino ainda não sigo muito à risca. Mas em dez anos estarei com 32, 33 anos, e se eu estiver bem preparado e continuar neste ciclo, acho que vou estar no auge, bem equipado, com mais experiência.

12. PARA FINALIZAR, TÁ TODO MUNDO COMENTANDO A ONDA QUE VOCÊ E YAN GUIMARÃES PEGARAM EM WAIMEA EM JANEIRO, UMA DAS MAIORES NA REMADA JÁ SURFADA POR UM BRASILEIRO. CONTE UM POUCO DO QUE ROLOU ANTES E DEPOIS DESSA BOMBA.
Como já tinha dado uns 3 ou 4 Waimeas gigantes e no último (no dia de Natal) eu quase morri afogado, nesse swell eu estava meio que relaxado já, por dois motivos: já sabia o que iria encontrar lá fora e não estava disposto a passar outro perrengue daquele. Pensei comigo mesmo que iria entrar e pegar algumas intermediarias, sem me arriscar muito, mas a história foi completamente diferente (risos).

Nem saí de casa muito cedo, lembro que já era quase 9h e eu ainda estava no Foodland, quando liguei pro Fun e ele me disse que tava gigante, só tinha 3 caras na água e até uma dupla fazendo tow-in. Fiquei apavorado, imagina entrar lá e ser varrido por uma bomba fechando só com mais 3 ou 4 caras? Tenso, nem o swell do Eddie marcou tão grande. Aí o Fun entrou e 30 minutos depois eu entrei com o Yan e a Maya.

Lá fora vinham umas séries monstras, fechando a baía geral e ninguém remava. Na real o Fun remou com força em umas gigantes, mas não conseguiu entrar. Sei lá, a dimensão da onda é tão grande que fica muito difícil saber onde é o lugar certo. Eu tive muita sorte, pois quando remei para minha foi muito mais um ato suicida do que pensado. Mas graças a Deus eu estava no lugar perfeito, um metro mais pra dentro e eu seria arremessado. Quando a série entrou no horizonte, ela correu mais pro meio da baía com aquele aspecto de fechadeira ─ uma muralha negra na minha frente. Foi quando o Yan falou: “quem pegar essa vira herói”. Nem dei bola e sai remando pra não tomar na cabeça, assim como todos na água. Mas de repente pensei “opa, herói?”. Gostei da idéia, virei minha prancha e remei com tudo, mas com tudo mesmo, pois sabia que teria que entrar bem nela, senão ia me fuder. A onda começou a armar e armar parecia que eu ia ficar pra trás, mas aí dei mais uma remada e fui com tudo, foi tanta adrenalina que nem lembro de muita coisa. A altura que me encontrava quando fiquei em pé na prancha foi algo que nunca vi na vida. A velocidade e demora do drop até chegar na base também, foi algo inédito pra mim. Nisso ainda olho para cima e vejo o Yan (Guimarães) vindo voando junto e pensei: “Meu Deus, esse moleque é maluco”, aí segurei a porrada e depois caí. Já levantei gritando amarradão, todo mundo levantando os braços, e nessa eu já sabia que tinha sido uma das gigantes.

Cheguei lá fora e todos os caras mais velhos vieram falar com a gente, foi irado, acho que conseguimos nosso lugarzinho lá no outside agora. Depois desse inverno, que valeu por umas 5 temporadas, pude ter a certeza que realmente é isso que quero fazer pelo resto da minha vida.