MAIS DO QUE VERDADE E VERACIDADE, LENDAS E MITOS SÃO AS FORÇAS PROPULSORAS DA TRIBO DAS ONDAS.
Há quase 150 anos no final da pré-história do surf de ondas grandes, um tsunami rugiu sobre a costa nordeste do Hawaii, crescendo até uma altura absurda para se lançar contra os morros e desfiladeiros de frente para a praia. Assim como surgiu, repentinamente mudou de direção, levando consigo para o mar tudo o que havia em seu caminho, inclusive um homem chamado A’a Holaua e sua pequena casa de madeira. Tsunamis ocorrem em séries, como as ondas normais do oceano; e, assim que a segunda enorme ondulação surgiu, Holaua arrancou uma placa lateral de sua casa, posicionou-se perto do ponto crítico e botou para baixo, surfando-a até chegar em terra firme.
A revista SURFER diz que o fato aconteceu em 2 de abril de 1862, na Big Island do Hawaii. O historiador Ben Finney afirma que foi em 1868, no Kauai. A verdade é que, no mundo do surf de ondas grandes, questões como onde e quando exatamente aconteceu o tsunâmico encontro de Holaua ─ se é que ele realmente aconteceu ─ não são tão importantes. Mas do que verdade e veracidade, lendas e mitos são as forças propulsoras aqui. Como qualquer outra pessoa, surfistas arregalam os olhos quando ouvem a história de Holaua. Mas eles também a endossam porque é uma bela versão amplificada de suas próprias histórias, ricas em desenvoltura e triunfo em um ambiente que a grande maioria das pessoas vê como assustador, perigoso e hostil.
A onda de Holaua, com seus elementos de espontaneidade e aventura, estilo e desafio, ajuda a explicar por que os big riders ─ e surfistas em geral ─ resistem a ter seu esporte classificado como “esporte”. O surf é muito mais uma questão de emoção do que de jogo, e essa noção transformou os surfistas em elitistas crônicos. “Nós estamos lá fora nos divertindo horrores”, diz um antigo dogma da filosofia do surf, “enquanto todo o resto de vocês está fazendo qualquer outra coisa”. Mas o surf pode ser visto como um estranho pela grande comunidade esportiva por aspectos mais diretos. Para começar, o surf de ondas grandes não tem um campo delimitado, como o gramado de um estádio de futebol. Não há regras escritas. Há poucas estatísticas e poucos recordes e os resultados e números são facilmente dissolvidos quando aplicados ao surf.
O surf de ondas gigantes tem uma relação particularmente estranha com o mundo dos números. Alguns dados são severos e utilitários: as medidas de uma prancha são precisas ao ponto de levar em conta cada terço de uma polegada; variações da maré, velocidade do vento e os intervalos de ondulações são monitorados passo a passo pelos surfistas de ondas grandes. Outros números são ilusórios ou decepcionantes. Um caldo de 20 segundos, por exemplo, não parece exatamente terrível. Mas, para o big rider preso no fundo da máquina de lavar roupas submarina, já sem fôlego e desprovido de sentidos, os intervalos entre um momento e outro ficam cada vez maiores até que o tempo parece abrir-se para o infinito. Normalmente, o pânico instala-se aos 30 segundos submersos, até mesmo em um expert. Aos 50 segundos, a maioria dos surfistas estará inconsciente.
Números e valores têm ainda menos significado quando surfistas avaliam e julgam o tamanho de uma onda. Uma onda de 20 pés, para uma pessoa comum, será avaliada por um big rider como uma onda de 10 ou 12 pés. Uma onda de 30 pés, terá 15 ou 18. Quarenta pés viram 20, ou, no máximo, 25. Cinqüenta continuam sendo 25. A idéia, em geral, é dar uma de bacana jogando o tamanho sempre para baixo — as ondas de 70 pés que são surfadas hoje em dia são normalmente descritas como de 30 ou 35 pés. Não que uma avaliação mais rigorosa e exata faria alguma diferença. Afinal de contas, “ondas não são medidas em pés”, como disse o big rider pioneiro Buzzy Trent, “mas em acréscimo de medo”.