GENRO DO CURREN


ELE VEM DO TITANZINHO, ELA DE BIARRITZ. MUNDOS OPOSTOS, REALIDADES DISTANTES. FOI O SURF QUEM APROXIMOU ANDRÉ SILVA DE LEE ANN, FILHA DO TRICAMPEÃO MUNDIAL TOM CURREN, UMA DAS MAIORES FIGURAS DA HISTÓRIA DO ESPORTE.



O momento de conhecer o sogro dificilmente é agradável. Porque, afinal de contas, que pai faz questão de saber quem está, diga-se, levando sua filha para jantar?

Mas o que acontece quando você já sabe quem o sogrão é? E, ainda por cima, quando ele é se ídolo ─ uma das maiores lendas da história do surf?

Difícil imaginar. Para a maioria das pessoas, pelo menos.

O cearense André Silva, porém, sabe exatamente como é estar nessa situação. Ao começar a namorar a francesa Lee Ann Curren, ele sabia que o tal momento ─ o Dia D ─ chegaria.

Espere. Lee Ann Curren? O mesmo Curren do sobrenome do primeiro campeão mundial americano? Do rei do estilo, a lenda viva, o surfista que desenhou ─ e ainda desenha ─ as mais belas linhas em uma onda?

Sim.

Há pouco mais de dois anos, em Durban, na África do Sul, André Silva saiu pela primeira vez com a filha de Tom Curren. Até hoje, os dois estão juntos.


CASAL INCOMUM
Cada um deles vem de um contexto completamente diferente. Lee Ann, hoje com 21 anos, cresceu em Biarritz, França, com a mãe. Já André, 27, vem da comunidade do Titanzinho ─ celeiro de talentos em Fortaleza, CE. Mas o surf os levou aos mesmos lugares do mundo e, eventualmente, um ao outro. Aparentemente, não poderiam estar mais felizes ─ não desgrudam, mesmo durante a entrevista.

Se, por um lado, os dois vieram de ambientes diferentes, por outro lado, suas personalidades assemelham-se. “É bom ter alguém com quem você consegue se identificar, tanto no esporte quanto na vida pessoal. A gente se dá super bem, raramente brigamos. Quando acontece, é por alguma razão boba. Conversamos um pouco e já resolvemos. Mas não tem stress e isso acaba facilitando muito nas viagens. Um sempre ajuda o outro no que precisar”.

Quando não estão viajando para disputar campeonatos ou pegar ondas perfeitas, estão em Biarritz na casa de Lee Ann, ou no Ceará, com a família de André. Nos dois primeiros anos do namoro, foi André quem passou o fim de ano na França. “O primeiro (Natal) foi divertido, novidade, neve. Mas o segundo já nem tanto, é muito frio. Em uns 25 dias, surfei umas três vezes”, conta o cearense, ainda assim com um sorriso no rosto. Na terceira temporada de festas, durante a virada de 2010 para 2011, portanto, foi a vez de Lee Ann ficar no Brasil.

Aqui, ela pôde treinar para tentar se reclassificar para o WT em 2012, já que está fora da temporada 2011. “Tive uma lesão no ano passado, então vou tentar lutar pelo wildcard”, lembra Lee Ann, apesar de saber que dificilmente conseguirá a vaga por lesões, já que várias garotas também se machucaram durante o ano. “Será uma grande surpresa se eu ficar no WT”.

André conta que ficou impressionado ao chegar na Europa para conhecer a família de Lee Ann. “Quando você não conhece a cultura de outro país, generaliza tudo. Falavam que europeu, principalmente o francês, é muito fechado. Mas, convivendo nesses dois invernos que passei com a família da Lee Ann, descobri que o pessoal é muito gente boa. Me receberam bem, conversaram, faziam brincadeiras. É muito semelhante ao povo brasileiro. Mesmo antes de conhecer a Lee Ann, eu já tinha mais afinidade com a França do que com outros países da Europa”.

Já do outro lado, por parte da família de Lee Ann, nunca houve qualquer tipo de resistência por ela namorar um brasileiro. “Na minha família, há muitas nacionalidades”, afirma a francesa. “Meu pai é americano, minha mãe é francesa, metade dos meus primos são da Argélia, outro primo é da Austrália e meu irmão é meio panamense. Não ligo, é a minha família, todo mundo gosta de viajar e conhecer culturas diferentes. Minha avó, por exemplo, adora o André”, continua.

Mas e o sogro? Afinal, como é conhecer ─ e conviver ─ com uma das maiores lendas do surf? Segundo André, Tom Curren é “daquele jeito que a gente sabe. Caladão, na dele, mas tranqüilo. Já tinha visto algumas vezes e conversado rapidamente, mas foi estranho conhecê-lo como namorado da Lee Ann. Fiquei um pouco apreensivo”. O brasileiro afirma que os dois ainda não conviveram o suficiente para se conhecerem bem ─ não passaram semanas ou meses juntos, como com a família da mãe de Lee Ann ─ pois Tom mora na Califórnia. Mesmo assim, já tiveram algumas sessions familiares, com os três surfando juntos. “Às vezes fico meio perdido, porque ao mesmo tempo ele é surfista profissional, como eu, e, por outro lado, o sogro. Então não sei se o trato como brother, que viaja e compete junto, ou como o pai da minha namorada. Mas é uma relação tranqüila”. Curren até já pediu ao genro que falasse mais português, para que ele pudesse aprender a língua.

Já Lee Ann é mais breve ao descrever a personalidade do pai. “Ele é old school”. Ela conta que, na primeira vez que o casal o visitou, Tom não quis que eles dormissem no mesmo quarto. Ela disse, então, que eles já viajavam juntos fazia tempo. Mas, mesmo assim, o pai não cedeu. Não completamente, pelo menos. “Não, Lee Ann, não tenho nada a ver com isso. Podem ficar no mesmo quarto, mas deixem as portas abertas”.


DOCUMENTANDO
As diferenças da realidade do casal ficaram claras quando a francesa visitou pela primeira vez a casa de André. Lee Ann viajou para Fortaleza com o simples intuito de conhecer a família do namorado. Porém, ao presenciar a dura realidade de uma favela brasileira, ficou impressionada. Crianças órfãs, pais presos, crime, drogas, prostituição. Jovens vendo o surf como única alternativa a uma vida indesejável ─ e nomes como Pablo Paulino, Tita Tavares, Fábio Silva e o próprio André servindo de exemplo.

Durante uma sessão de surf, André e Lee Ann tiveram coincidentemente, a mesma idéia ─ produzir um documentário para tentar ajudar a comunidade. “Pensei que poderia conseguir um patrocínio, para dar uma força. Para a gente é mais fácil, porque estamos sempre viajando e já conhecemos as marcas”, conta o cearense.

O plano estava de pé, mas Lee Ann partiria para a França em apenas dois dias. Os dois assistiram ao show do artista Manu Chao na Praia do Futuro, ao lado do Titanzinho e no dia seguinte, André levou a namorada ao aeroporto. Após deixá-la, retornou à comunidade e passou o resto do dia filmando. Foram as primeiras imagens do documentário Titan Kids.

Em seguida, na França, editaram o primeiro trailer do filme juntos. Mostraram-no a um conhecido da mãe de Lee Ann. Além de ter trabalhado com cinema ─ fornecendo ao casal equipamento para a filmagem ─ ele era um bom amigo da banda Manu Chao. Semanas após começarem o projeto e assistirem juntos ao show do artista no Brasil, André e Lee Ann tinham os direitos para usar qualquer uma de suas músicas no documentário.

Em janeiro, os dois retornaram ao Ceará antes de ir para o campeonato de Fernando de Noronha. Finalizaram as filmagens e entrevistas e Lee Ann editou, sozinha, a versão final. Segundo André, surf é apenas o contexto do projeto. “Na verdade, acho que tem pouco surf. Tem mais a história e o dia a dia das pessoas de lá. As dificuldades e sonhos da molecada. E ele foi feito pensando na nova geração do Titanzinho, focamos mais nos jovens e nas crianças”.

Mais tarde, Lee Ann realizou uma mostra do filme em Biarritz. Ou melhor, duas seguidas, na mesma noite, de tanta gente que havia querendo assistir. Antes de lançar o filme oficialmente, entretanto, o casal está tentando fechar uma parceria com algum canal de TV.

Além disso, os dois fundaram uma ONG, a Surfing Hope. A idéia surgiu a partir do documentário. “A Quiksilver também forneceu um pequeno orçamento para criarmos uma escolinha de surf e ajudarmos as crianças a viajar”, revela André. “A ONG não ajudará apenas o Titanzinho, mas também outras favelas que estão próximas do surf. Apesar de vermos que ajudar é mais complicado do que parece, o resultado dá muita satisfação”, continua.

Retribuir para a comunidade que o criou é especialmente gratificante para André que, com 13 anos, começou a surfar nas ondas do Titanzinho. Por sempre ter contado com o apoio da família e dos amigos, a idéia de devolver ao lugar se instalou cedo na cabeça do surfista. “Eu tinha esse sentimento de querer retribuir, mas, durante anos, não via como. As coisas foram mudando durante os anos. O crack chegou na favela ─ na minha época não tinha ─ o que chocou muito. Vi vários amigos se envolvendo. Quando comentei com a Lee Ann e ela se animou para fazer o documentário, vimos uma luz. Eu sabia que era a hora de retribuir”, conta. “Não dá para salvar todo mundo, mas podemos dar um incentivo a um ou outro que quiserem se dar bem no esporte e na vida. A oportunidade existe”, continua André.


Para ambos, o ano de 2011 será dedicado a tentar voltar à elite do surf mundial. “Como está muito frio na França agora, vamos treinar no Brasil durante o verão. Treinar tanto o surf quanto o físico. Vimos que temos alguns defeitos, como todo surfista, portanto temos algumas coisas a melhorar. Este é o pensamento do momento”. Já o documentário Titan Kids está pronto para ser lançado ─ apenas esperando fechar algum contrato para ampliar a divulgação. André comenta que não se importa em passar muito tempo fora de casa. “Se precisarmos, moraremos em Biarritz durante o ano e, no inverno, voltarems ao Brasil. É bom ter duas bases”. Além disso, a longo termo os planos são uma incógnita. Casamento? “Estamos curtindo o momento, nos conhecendo. Está bom desse jeito”.