NO BRASIL NÃO HÁ DESASTRES NATURAIS, TUFÕES, TERREMOTOS.
TSUNAMIS.
NO BRASIL, CENTENAS DE PESSOAS NÃO MORREM AO LONGO DE ALGUNS DIAS APÓS UM CHILIQUE DA MÃE NATUREZA, CERTO?
Mais ou menos. No Brasil chove ─ e muito. Se comparados os destroços de um tsunami com as recentes chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, as semelhanças são maiores do que você pensa. Restos de casas com camadas intermináveis de lama por todos os lados, parecendo mais construções abandonadas há décadas. Leitos de rios lembrando pequenos canyons, tamanhos os deslizamentos. Árvores robustas rompidas como palitos de dente. Carros de ponta-cabeça, soterrados. “Você está andando e vê um pneu saindo da terra”, conta o fundador da ONG Waves For Water (W4W), o ex-surfista profissional americano Joe Rose. “A força da natureza é muito poderosa”.
Rose já havia visitado o Brasil diversas vezes para surfar. Mas agora, dedicando-se em tempo integral a sua ONG, estava na hora de retribuir. Portanto, quando soube da recente tragédia na região serrana fluminense ─ maior desastre natural na história do país ─ o americano decidiu entrar em ação. Embarcou dos Estados Unidos com 200 filtros de cerâmica na bagagem. Sua missão: distribuí-los pelas comunidades mais afetadas. Segundo ele, “não há razão para qualquer pessoa morrer por falta de água limpa. A parte difícil já foi feita a tecnologia já existe e soluções já foram desenvolvidas para acabar com essas mortes sem sentido”.
EM 2009, ROSE ESTAVA EM UMA BOAT TRIP NA SUMATRA, QUANDO SENTIU UM LEVE TREMOR. O que ele não sabia é que um terremoto de 7,6 graus na escala Richter atingira a cidade de Padang, ponto de partida para as Ilhas Mentawai, deixando mais de mil mortos e 100 mil desabrigados ─ até retornar ao porto e ver a cidade destruída. Prédios inteiros haviam caído. Carros, tendas de ambulantes e pessoas haviam sido esmagados.
O surfista estava a caminho de Bali justamente para entregar 10 filtros d’água ─ sua primeira missão pela Water for Water. Mas a tragédia na Sumatra mudara seu rumo. Agora, ele se encontrava entre destroços de construções, de madrugada, tentando levar seus filtros às mãos da equipe de salvamento. No processo, Rose teve que fazer escolhas a que, segundo ele, ninguém deveria ser submetido. Como ignorar as vozes fracas das vítimas presas dentre escombros, sabendo que, sem maquinaria pesada, seria impossível resgatá-las? Aquele salvamento não era para ser feito por Rose. Portanto, concentrou-se naquilo que podia fazer melhor ─ obter os materiais necessários para produzir água potável.
No final, 200 filtros foram distribuídos em Padang ─ 2 mil pessoas com acesso à água limpa. Depois, Rose ainda seguiu para Bali. Lá, ajudou a estabelecer água potável em 37 vilarejos na região leste, uma das mais pobres da ilha.
A experiência alarmante solidificou a necessidade pela existência da W4W.
ÁGUA CONTAMINADA LEVA 3,3 MILHÕES DE VIDAS POR ANO. A cada 15 segundos, uma criança morre por conta de doenças relacionadas à água. O objetivo da organização de Jon Rose é trazer soluções para a falta de água potável em regiões pobres do planeta. Para isso, a W4W desenvolveu filtros de cerâmica facilmente transportáveis por uma pessoa ─ além de outro modelo maior, que pode trazer água a vilas inteiras.
O pai de Jon, Jack Rose, já havia começado a Rain Catcher (Captadora de Chuva), uma ONG que ensinava moradores de vilarejos na África a captar e filtrar água da chuva. Assim não precisariam caminhar cerca de dez quilômetros até uma fonte de água ─ ainda por cima, suja ─ para matar a sede. E Jon já apoiava as ações do pai, porém não necessariamente participava. “Nessa época, entrei em uma fase de transição”, conta ele. “Como surfista profissional, você viaja para muitos lugares onde as ondas são boas, mas as dificuldades são terríveis. Portanto, sempre vi toda essa pobreza, mas não sabia o que fazer. Antes, não enxergava a necessidade de água, apenas as necessidades, em geral. Qualquer surfista viajante as vê. Então, lembrei do que meu pai fazia na África e tudo se encaixou”.
Hoje em dia, o ex-surfista profissional dedica 100% do seu tempo à W4W. “Eu poderia me ocupar o quanto quisesse com isso, pelo resto da minha vida”, comenta. “A necessidade é infinita, é desesperador”.
Os filtros são distribuídos entre porta-vozes de suas respectivas regiões, como líderes de vilarejos e professores, para sempre passados adiante ao resto das pessoas. “É fácil fazer e é fácil para eles entenderem. Por isso, é um sucesso”, afirma o fundador da entidade.
POUCOS MESES APÓS SUA MISSÃO NA SUMATRA, ROSE ESTAVA DESCANSANDO NO HAWAII. Janeiro, 2010. Saindo de uma das melhores sessões de surf da sua vida ─ Makaha gigante ─ o telefone tocou. Era o ator Sean Penn, perguntando se seu sistema de filtros poderia ser usado no Haiti. “Sim”. “Você pode embarcar para lá em dois dias?”.
E lá estava Rose. Em um avião fretado, com 25 voluntários liderados por Sean Penn, a caminho do Haiti. Sua função no “Camp Penn” era providenciar água potável para as vítimas do terremoto que atingira o país em apenas cinco dias antes.
A ação no país caribenho foi intensa. Danos extensos, tudo ao extremo. “O cheiro de morte estava por todos os lados na rua”, lembra ele. “Quando cheguei lá, uma mulher nos entregou cascas de laranja para segurarmos no nariz e mascarar o cheiro”.
Ao todo, 11 mil filtros foram distribuídos durante a operação. Mais de 100 mil pessoas com acesso a água limpa.
No mês seguinte, outro terremoto. 8,8 graus na escala Richter. Dessa vez, a vítima foi o Chile. A W4W fechou uma parceria com a ONG Save The Waves para realizar uma missão de socorro. Os big riders Ramon Navarro, Greg Long e Kohl Christensen estavam a caminho do México para competir no Todos Santos Big Wave Contest. Em seguida ─ com água salgada ainda pingando do nariz ─ embarcaram para a América do Sul para ajudar na tragédia. Sem instruções. Sem nada. Assim como em Padang e no Haiti, parte do foco da equipe era distribuir os filtros de Jon Rose a vilarejos costeiros e remotos, que haviam perdido o acesso a água potável. Mais de mil filtros foram entregues.
MAS AGORA, A DESTRUIÇÃO BATERA NAS PORTAS VERDE E AMARELAS. Até a publicação desse texto as chuvas já haviam deixado mais de 870 mortos, 427 desaparecidos e 35 mil desabrigados no sudeste brasileiro. A W4W fechou parceria com o Movimento Cyan ─ campanha da Ambev, visualizada pela agência Loducca, em prol do uso consciente da água ─ e a nova missão de Rose estava de pé.
Quem o recebeu no Brasil foi o fotógrafo e surfista carioca Vavá Ribeiro. O americano nunca viajara com tantos filtros antes. Duzentos. “Fui buscá-lo no aeroporto, pensei que ele ficaria preso na alfândega durante horas e eu teria que chamar alguém para ajudá-lo”, conta Ribeiro. A cena ocorreu de maneira um pouco diferente do que ele imaginara. Rose foi o primeiro a sair do avião, carregando uma prancha duas sacolas de viagem sujas. Sem parar. Nada de alfândega. Se lhe perguntassem, ele explicaria. “É assim que funciona. Quanto menos autoridades, quanto menos filtragem entre você e o objetivo, melhor”, explica Ribeiro. “Achei que fosse um processo muito mais estruturado. Quanto mais simples e direta for a ação, mais efetiva ela é. Você tem que ir direto ao assunto”, continua.
Chegando ao Rio, os dois partiram para as serras imediatamente. Filtro por filtro, explicação por explicação, foram todos entregues. “É interessante, pois você começa a identificar quem são as principais figuras nas comunidades. Nesses lugares que precisam de ajuda, estas pessoas já estão ali, os líderes aparecem naturalmente. Um padre, uma professora. Eles conhecem melhor a comunidade do que você, que é de fora. Sabem quem é quem. Por isso, você explica para eles como funciona o sistema de filtros e a ação se multiplica sozinha. É uma estrutura muito eficiente e fácil”, esclarece o carioca. “A reação das pessoas que você ajuda é emocionante. Agradecem, apertam a mão, choram, te abraçam, te beijam. Você sai com uma sensação muito boa”, continua. A mudança para essas pessoas é muito significativa ─ principalmente comparando com o pequeno investimento necessário.
JON ROSE NÃO PRETENDE AJUDAR SOZINHO. Sua idéia não é somente ir aos locais prejudicados ─ seja por tsunamis, terremotos ou chuvas ─ e distribuir seus filtros. Nem mesmo enviar membros de sua ONG para fazê-lo. Os resultados seriam positivos, sem dúvida. O alcance, porém, limitado. “Não posso resolver a crise da água pessoalmente. Posso fazer minha parte. Mas, coletivamente, se todos nós fizermos nossa parte, poderemos mudar muita coisa”, explica Rose.
Um surfista pode distribuir 100 filtros. É o que Rose já fez, diversas vezes. Sua missão agora é outra. É hora de recrutar. “Se 100 mil surfistas distribuírem 10 pequenos filtros, aí o mundo começará a reparar”, afirma ele. “Todo mundo serve de mula”, resume Vavá Ribeiro. “Você joga dois filtros na mochila e vai lá pegar onda. Não precisa sofrer. Esse serviço de voluntário é divertido. Você vê a diferença gigantesca que faz, o quanto você ajuda, com o mínimo que está fazendo”. Um surfista comum, que vai pegar onda na Indonésia, Costa Rica, África, ou que simplesmente mora perto das regiões afetadas pelos desastres no Brasil pode fazer a diferença.
A natureza está batendo à sua porta. Você vai deixá-la esperando?
• Para saber como carregar filtros na sua próxima viagem ou fazer doações, acesse: http://www.wavesforwater.org/