Chico Buarque não gosta de carregar rótulos, não gosta de rivalidades. Mas, quando lhe perguntaram por que seu novo disco, lançado em 2006, se chama Carioca, usou de fina ironia para dizer: “É uma homenagem a São Paulo”.
O humor sadio de Chico tem fundamento. ‘Carioca’ era o seu apelido durante a adolescência que viveu na São Paulo de seu pai. É claro que o apelido referia-se ao sotaque, aos xis e aos erres carregados, e, talvez até, a um certo lirismo preguiçoso. Mas havia também, certamente, uma inveja de quem passava todas as férias refestelado nas areias do Posto 2, ao lado das meninas de Copacabana de sua mãe, ao som dos melhores sambas produzidos naquele Rio dos anos 50 e que seriam tão importantes na formação do compositor, tanto quanto os ótimos colégios e as vastas bibliotecas paulistanas que ele freqüentava.
Chico, contudo, nunca reivindicou nenhuma patente carioca. No inicio da turnê do disco, que ironicamente começou em... São Paulo, Chico foi direto: “Não simpatizo muito com a idéia de carioquice ou paulistice, não sou chegado a bairrismos”. Chico também sempre diz, quando questionado, que vê em Tom e Vinícius dois ícones da música e da cidade, uma representação muito mais legítima do Rio. Porém, hoje o glamour da Cidade Maravilhosa de outros tempos está, pelo menos um pouco, ofuscado. Ser carioca nos dias de hoje chega a ser difícil, por vezes sofrido, e descobrir o prazer dessa condição requer ainda mais esforço poético, o que Chico sabe fazer muito bem. “O Rio está uma esculhambação, do futebol ao Aeroporto Tom Jobim”, afirma o poeta. “O Rio está relegado a um plano subalterno que vai se agravando. Então acho que chegou a hora de dizer, batendo no peito: ‘Sou carioca sim. Com as belezas e as mazelas todas que isso significa’”. Chico costuma ser verdadeiro em sua mensagem, e o disco é resultado desse atípico espírito carioca que se abateu sobre ele. Respeitado por todas as tribos, surfistas inclusive, amantes da praia; é escutar, sentir, e ser Carioca.