A música de surfe sempre foi associada aos sons estrangeiros que chegavam aos nossos ouvidos pelos sempre fascinantes filmes de surfe. Passamos por muitos ciclos diferentes, desde o jazz nos filmes do Bruce Brown, tocados com malícia e sensualidade pelo saxofone (às vezes flauta) do Bud Shank, até o hino indie do TV on the Radio.
Surfista nos anos 40 e 50 ouvia blues e jazz. Greg Noll diz que nos anos 60 se ouvia de tudo, menos aquelas musiquinhas irritantes que batizaram de surf music. Foi quando chegou a psicodelia no apagar das luzes da década e todo mundo caiu na farra.
Os anos 70 foram completamente rock n'roll! O primeiro filme de surfe brasileiro, Nas Ondas do Surfe (1978, Lívio Bruni Jr., Brasil), tinha a trilha sonora do conjunto A Cor do Som, do virtuoso guitarrista Armandinho, filho do lendário baiano e pioneiro. Osmar Macedo, do Trio Elétrico Dodô e Osmar.
Na década de 80, o new wave ditava literalmente o ritmo, enquanto nos anos 90 foi a hora do hardcore melódico entrar na roda ─ ou na moda.
Música eletrônica virou prato do dia nos 00 e ainda não saiu do iPod até hoje. Isso foi um resumo rápido, sem entrar muito nos detalhes que renderiam mais uma dúzia de textos cada.
Sou capaz de escrever sem parar sobre o London Calling, do The Clash (e Sandista!); ou do Low Life, do New Order; Caravanserai, do Santana; Moondance, do Van Morrison; Harvest, do Neil Young; Against the Grain, do Bad Religion; Burn, do Deep Purple; Meddle, do Pink Floyd. Mas não é o caso.
O que você ouve reflete muito do que você sente e ─ por que não? ─ como vai se comportar.
Samba nunca foi um gênero musical muito popular entre a surfistada, talvez pelo preconceito, ou absoluto desconhecimento da nossa música popular pela elite que pega onda.
Relacionamos o surfe muito mais com o som de um violãozinho ao estilo Jack Johnson do que com o choro da cuíca.
Aqui a porca torce o rabo. Adoro violãozinho e até aturo ouvir as baladinhas do havaiano 300 vezes em todo e qualquer canto que tenha um único e solitário surfista atrás do balcão, mas quem fala da nossa relação com o mar como pouquíssimos é Paulinho da Viola.
Ele é nosso poeta Greg Noll, o Curren do samba. Vejam que letra formidável que ele comete:
"Lobo do mar, timoneiro, / Me leve pro sol / Quero outro verão / Não quero mar de marola / Das praias da moda / Na rebentação / Quero mar alto, o mar grande..."
Substitua "timoneiro" por surfista. Perdemos a rima, ganhamos significado e identificação. A alma do homem do mar está lá, a intimidade com a situação, a solidão típica de quem se dedica com paixão a sua atividade. E ele continua:
"Prefiro ir à deriva / Me deixe que eu siga / Em qualquer direção / Se eu sou de um rio marinho / O mar é meu ninho / Meu leito e meu chão"
Pega onda, esse cara? Pode até não pegar, mas tem coração de surfista ─ ou temos nós, todos, uma alma de sambista.
Foi Paulinho da Viola quem compôs a sentença mais emblemática que já escreveram sobre surfe: "Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar".
Somos todos navegados, melhor dizendo, surfados, pelo mar. Paulinho é pescador e sabe que nossas atividades, surfe e pesca, são cercadas de mistério e imprevisibilidade, por mais que tentemos não somos donos do destino, no mar como na vida.
Você escolhe se quer cair num mar enorme e sabe dos riscos que corre, mas se nunca enfrentá-los, como vai descobrir se é capaz ou não?
Nos fascinamos com o simples fato de que um dia na praia pode trazer a mais suprema felicidade do nada. Ou, como diz Paulinho da Viola:
"Deus bem sabe o que faz
A onda que me carrega
Ela mesma que me traz"
Outro gigante da canção universal que escreveu como ninguém sobre o homem e o mar, Dorival Caymmi, avisa: "Quem vem pra beira do mar, nunca mais quer voltar".