O JOGO


Hoje cedinho vi Adriano de Souza mancando aqui na frente do hotel. Um amigo apontou e disse: "Isso parece ser sério...". Balancei a cabeça, fechei os olhos e lembrei do que tinha acontecido no dia anterior.

Mineiro tinha ganho o mais espetacular evento dos últimos nem sei quantos anos. Um campeonato tão pleno de emoções que pode ser comparado, sem medo, com México 2006, Pipe 1995, J-Bay 2005, Kirra 1996, Tahiti 2005...

Se nós, brasileiros e europeus, não falarmos disso, ninguém vai falar. Um evento sublime em todos os sentidos, em especial pro homem que vi mancando hoje. Mineiro fez exatamente como Slater faz há tantos anos. Foi passando baterias sem chamar muita atenção e tinha uma lesão no joelho, o que me fez lembrar Bell's 2010.

A diferença é que Slater fazia um tremendo dramalhão cada vez que ia surfar naquela ocasião, usando até Belly, seu caddie, como apoio quando ia pra bateria. E o Mineiro... deu uma de mineiro.

A turma do andar de cima, americanos e australianos que regem o circo do surf profissional como uma orquestra de surdos manetas, nem percebeu. Ou nem se interessou pela lesão do brasileiro.

Em duas semanas, o mundo testemunhou o domínio vindo do Brasil como nunca houve. Sim, me recordo de 1994, duas vitórias seguidas do Brasil na França. Teco e Tatuí, ambos ganhando do Slater (como em 2011), Tatuí na terceira fase e Teco... Quem se esquece? Uma final eletrizante vencida pelo catarinense.

O tempo em 1994 era outro, e o que Medina e Mineiro fizeram na Europa reafirma o que foi feito em 1994, mas dessa vez com o apoio do resto do mundo. Medina renovou o contrato com a Rip Curl internacional por mais 5 anos, e mineiro tem o suporte da Oakley mundial desde que saiu da Hang Loose.

O dinheiro agora é outro, grana firme. Temos milhares de pessoas acompanhando o circuito ao vivo, enquanto nos anos 1990 quem assistia ao vivo tinha que sujar os pés de areia ou esperar dois meses as revistas com fotos e cobertura especializada.


MOVIMENTO PERPÉTUO ASSOCIATIVO
O subtítulo curioso é de uma canção da Deolinda, minha banda portuguesa predileta desta semana. A letra convoca todos a reagir contra algo que ninguém sabe o que é e sempre ao final de cada estrofe a cantora dá uma desculpa e vai fazer outra atividade que não merece compromisso. Mais ou menos como acontece na grande rede.

Existe sempre uma iminente revolução, prestes a estourar. E quando estamos cheios de vontade e decididos a levantar a voz... tem jogo na TV, campeonato de surfe, música no rádio, vídeo no YouTube ou chat pulando no Facebook. O único surfista do circuito que percebeu isso foi Adriano. Pode haver até outro surfista tão atento com os meios sociais como Twitter e Facebook, mas nenhum os utiliza tão bem.

Não há no mundo outro surfista deste nível tão solícito com seus fãs. Mineiro faz promoções, se oferece quase mensalmente para seus admiradores no twitcam e passa horas conversando sobre o que eles querem. Ele usa seu próprio dinheiro para alimentar o apetite dos fãs ─ isso não é uma estratégia do seu patrocinador.

É sabido que, hoje em dia, as marcas incentivam e até mesmo exigem que seus atletas mantenham certa interatividade com os torcedores, mas Mineiro está sozinho nesse mercado, por enquanto.

Adriano tem mais de 10 mil seguidores no Twitter e outros 10 mil no Facebook. Sozinho, já fala com mais gente todos os dias do que qualquer outro companheiro. Aliás, Adriano é o líder dessa nova geração que chega por todo lado. Sua obsessão pelo título mundial é de admirar.

Certa vez, mais de cinco anos atrás, numa viagem para G-Land, o jovem, que ainda nem tinha 20 anos, virou-se para o editor da revista Surf Portugal, João Valente, e disse: "Olha, sei que quase ninguém acredita no que vou dizer... Até você vai dizer que acredita, mas é da boca pra fora. Eu vou ser campeão mundial".

Na entrevista do Surf Adventures 2, ele repete a frase com a certeza dos grandes. Aquela derrota para Slater, em 2008, representou uma virada de página no comportamento do Adriano. A partir dali, Slater nunca mais teve vida fácil. Na bateria seguinte, Mineiro fez a mala do Careca.

Encontraram-se duas vezes no The Search de Porto Rico. Ali a festa era do 10º título... Num estalar de dedos, o jogo mudou. Em 2011, Slater ganhou todos, menos do Mineiro. E Mineiro, por outro lado, ganhou de todos, inclusive do Careca...