KELLY EASTWOOD


"Every jackass thinks he knows what war is. Especially those who've never been in one. We like things nice and simple, good and evil, heroes and villains. There's always plenty of both. Most of the time, they are not who we think they are". (Bradley) ─ Flag of Our Fathers.


Sem nenhum motivo aparente acabo sempre associando as conquistas de Slater aos filmes do Clint Eastwood. Desde a famosa final em Huntington Beach, 1996, quando Kelly e Shane Beschen disputaram uma final que entrou para a história de forma meio vergonhosa ─ embora contundente.

Slater tinha três vitórias, Beschen ganhara duas e estavam ambos disputando o topo do ranking, sendo que Beschen tinha conseguido a tal primeira bateria perfeita da história da ASP, 30 pontos em 30 possíveis (ironicamente, o recorde anterior era do Slater), três notas 10 num mar clássico em Kirra, quando a primeira etapa do Tour ainda era da Billabong.

Diante de um público de 50 mil pessoas, Slater foi declaradamente desleal com Beschen, colocando-o numa interferência que mataria qualquer chance de reação do californiano naquela final. Foi um choque para a comunidade do surfe, que até então (e até hoje), considerava-se uma irmandade.

Slater não estava ali para fazer amigos. Estava ali para ganhar. Nada mais.

Aquela situação logo me remeteu ao meu filme predileto, Os imperdoáveis (Unforgiven, Clint Eastwood, 1992, EUA), no qual em uma das últimas cenas Gene Hackman interpreta o xerife canastrão que inferniza a vida do protagonista, vivido pelo próprio Eastwood.

Cercado, Little Bill (Hackman) tenta de todas as formas evitar o confronto com o pistoleiro Willian Munny (Clint). Finalmente dominado, Munny aponta seu rifle para a cabeça do xerife, que ainda tenta um último argumento: "Eu não mereço isso, eu estou construindo uma casa...".

Munny/Eastwood retruca sem pensar: "Merecer não tem nada com isso". E dispara.

Mas Huntington foi em 1996... 2011 é outra história. Ou não?


Prefiro usar agora a frase do outro magistral filme do Eastwood, A Conquista da Honra (Flag of Our Fathers, 2006, EUA).

Logo no início do filme, um veterano de guerra faz sua reflexão: "Qualquer idiota pensa saber o que é guerra. Especialmente aqueles que nunca estiveram em uma. Gostamos das coisas bem simples: bem e mal, heróis e vilões. Há sempre bastante de ambos. Na maior parte do tempo, eles não são quem achamos que são...".

Essa é a impressão que tenho do Slater: nunca temos certeza do que ele representa.

Claro que a primeira coisa que nos vem à cabeça é grandeza. Já vimos diversas facetas do camarada, torcemos por ele e contra ele durante todo esse tempo. Afinal 20 anos é suficiente para mudar de idéia mais de uma vez.

Ninguém domina tanto tempo um esporte, ou mesmo um simples ambiente de trabalho ou familiar sem alguma tirania. E a maior delas é provavelmente a vitória.

Slater nunca teve convicção de que alcançaria esse número formidável de vitórias e recordes no circuito ou fora dele ─ como esquecer que foi eleito 16 vezes o surfista mais popular do mundo segundo a revista Surfer ou seu triunfo (polêmico) no Eddie Aikau?

Onze títulos mundiais não é coisa que se planeje. Até Portugal, foram 70 finais e 48 vitórias, números que, sequer, fazem sentido quando comparados com outros surfistas.

Qualquer idiota julga saber o que é um circuito mundial de surfe profissional... Slater é hoje um veterano de guerra em ação.

Muito pouca gente consegue manter a lucidez sem se dobrar às armadilhas que pipocam no dia a dia de uma atmosfera como a do surfe profissional.

Os casos mais notórios de surfistas que não aguentaram o peso da idolatria são Tom Curren, Michael Peterson e, mais recentemente, Andy Irons.

Atrás de uma timidez atroz escondia-se Curren até onde foi possível. Foi um choque saber que o surfista exemplar que mais influenciou Slater no começo da carreira teve problemas com álcool.

Michael Peterson não teve a mesma sorte de Curren. Ainda mais arredio à exposição, MP enlouqueceu subitamente, alimentado pelos excessos ─ inclusive o de vitórias.

Ainda ainda está tão vivo na nossa memória que nos recusamos a pensar nele longe, mas a verdade é que Irons não teria ido embora tão prematuramente se continuasse o competidor mediano de 1999.

Uma vez que você experimenta vencer, nunca mais aceita outra coisa. De todos os riscos que Slater correu nesses 20 anos, o único que conseguiu pegá-lo foi o vício da vitória. E como todo bom viciado, Kelly Slater fará tudo pela próxima vitória.

Da mesma maneira que no futebol não existe gol feio ─ feio é não fazer gol ─, Slater continuará vencendo porque não sabe fazer outra coisa. Tentou golfe. Leva jeito mas não é o melhor. Azar do golfe, sorte do surfe.

Não poderia terminar este texto sem deixar de citar mais um trecho de filme dirigido e atuado por Clint Eastwood. Chama-se Josey Wales, O Fora da Lei (The Outlaw Josey Wales, 1976, EUA): "Lembre-se, quando tudo parecer perdido e você achar que não vai conseguir sair desta, você tem que ser mal. Digo, malvado mesmo, enlouquecidamente mal. Porque se você perder sua cabeça e desistir, você não sobrevive, nem vence. E as coisas são assim".