FALHA INCALCULÁVEL

UM ERRO DE CÁLCULO DETECTADO POR UM INTERNAUTA SUPOSTAMENTE CHAMADO MARK, NO FÓRUMO DE UMA MATÉRIA DO SURFLINE.COM, JOGOU LUZES NA MAIOR IMBICADA DA HISTÓRIA DA ASSOCIATION OF SURFING PROFESSIONALS ─ ASP. NÃO FOSSE O FATO DE OWEN WRIGHT AINDA ESTAR NO EVENTO, NINGUÉM TERIA PERCEBIDO A FALHA. MAS, POR OBRA DO DESTINO, O CASO VEIO À TONA E KELLY SOLTOU A BOMBA NO TWITTER (SEMPRE ELE) ANTES DE A ASP SE MEXER. MESMO DEPOIS DA COROAÇÃO DO 11º TÍTULO, AINDA HAVIA A REMOTA CHANCE DE OWEN VIRAR O JOGO E KELLY TERIA QUE PASSAR MAIS UMA BATERIA PARA SER REALMENTE CAMPEÃO POR ANTECIPAÇÃO. CASO NÃO PASSASSE NENHUMA, NEM EM SAN FRANCISCO NEM EM PIPE, OWEN TERIA QUE VENCER OS DOIS EVENTOS E AINDA DERROTAR SLATER NUMA BATERIA TIRA-TEIMA, PROVAVELMENTE DEPOIS DO PIPE MASTER. NA ENTREVISTA ABAIXO O BRASILEIRO RENATO HICKEL, TOUR MANAGER DA ASP, EXPLICA MELHOR O QUE ACONTECEU E OS DESDOBRAMENTOS DO MAIOR ABACAXI QUE A ASP JÁ TEVE NAS MÃOS.




01. PARA QUEM AINDA NÃO ENTENDEU, O QUE EXATAMENTE ACONTECEU?
Foi o episódio mais difícil pelo qual já passei na ASP. Esse e a morte do Andy, ano passado. Há tempos colocamos a necessidade de mudanças no sistema que utilizamos para determinar o ranking. Estávamos reconfigurando tudo para funcionar de maneira precisa, mas isso leva tempo e já havíamos discutido a possibilidade de acontecer um erro como esse. Analisando mais detalhadamente, o caso não teria maiores consequências se o Owen tivesse perdido antes... Para quem vive o Circuito, os atletas, quem sabia das verdadeiras possibilidades, a coisa foi tratada como se fosse um problema menor. É um programa (software) complexo em que todas as regras e possibilidades são previstas. Os desempates eram quebrados pela posição no ranking, se isso não fosse possível rolaria o "surf off" (tira-teima). Mas o programador da ASP ainda não havia incluído a nova regra nas planilhas de Excel (que é manualmente atualizada). Quando rodávamos o ranking, o nono lugar dava a taça ao Kelly. A regra foi mudada em fevereiro, não fazia sentido dar o título ainda baseado no seed passado. Talvez isso tivesse que acontecer para que as coisas tomassem o caminho que gostaríamos. Os pragramas adquiridos agora, o Member Pro e Ranking Predictor, são atualizados a partir das notas digitadas pelos juízes. Acabando a bateria o ranking já está atualizado, como deveria ser há muito tempo.

02. COMO VOCÊ AVALIA O PREJUÍZO À IMAGEM DA ASP? AFINAL, A NOTÍCIA RODOU O MUNDO E SAIU NOS PRINCIPAIS MEIOS DE COMUNICAÇÃO.
É difícil de quantificar. Ao mesmo tempo em que manchou num ano alucinante que tivemos, tem o outro lado da moeda. A entidade reconheceu, admitiu o erro imediatamente e se manifestou. Desculpou-se perante os fãs e apresentou medidas imediatas para que isso nunca mais aconteça. Em longo prazo pode ser até que isso engrandeça a imagem da entidade no meio comporativo. Vamos dizer que a gente tenha um grande patrocinador. Ele pode questionar se vai fazer negócios com esses caras que não sabem calcular nem o próprio ranking, mas também pode ver assim: "Os caras foram honestos, fizeram uma cagada, mas assumiram o erro, deram as devidas explicações, arrumaram tudo da melhor maneira possível e tomaram medidas para que não aconteça mais".  Comparando com outros esportes, o escândalo da FIFA, a NBA parada, erros que tiraram vitórias de atletas como Senna e nunca foram reparados... Dentro do contexto global de erros e escândalos do mundo esportivo, o da ASP será considerado pequeno daqui a alguns anos. Dito isso, temos plena consciência de que para nós foi um erro monumental, gigantesco, porque a gente procura a perfeição e o ápice do Circuito é definir o campeão mundial. Um vacilo nesse processo obviamente mancha a imagem da ASP.

03. A SAÍDA DE BRODIE CARR, CEO DA ASP, FOI CONSEQUÊNCIA DISSO?
A saída dele aconteceria de qualquer forma no fim da temporada. A posição de CEO é ingrata. Entre atletas e eventos, que são os donos da ASP, é difícil agradar a todos. Mas a mesa usou esse episódio para definir a saída dele, por representar uma atitude diante do problema e dar-lhe a oportunidade de uma saída digna.

04. MUITA GENTE CRITÍCA A ASP PELA PERDA DOS DIREITOS DE TRANSMISSÃO DOS EVENTOS E PELO LENTO AUMENTO DAS PREMIAÇÕES, POR EXEMPLO. QUAL O LEGADO DE BRODIE?
Ele foi responsável pela expansão das fronteiras do surf profissional, chegando até a China, por exemplo. Atingiu novos mercados. Esteve diretamente envolvido no projeto que gerou o primeiro evento com US$ 1 milhão em premiação (Nova York) e unificou os escritórios regionais sob a mesma bandeira da ASP Internacional. A perda dos direitos de mídia não pode recair sobre ele, já que o CEO não vota. Foi uma decisão da mesa e se há alguém que pode levar a culpa são os próprios atletas, que se tivessem votado em contrário na época e fosse para o voto de minerva, dos diretores independentes, provavelmente isso não teria acontecido. As transmissões de TV e web são os principais filões de onde podemos gerar receita para a entidade. Até recuperarmos isso vamos continuar engatinhando. É difícil ir ao mercado vencer o patrocínio global para uma grande empresa sem ter o controle desse direito de mídia. Por isso, nesses seis anos, Brodie conseguiu alguns patrocínios, mas indiscutivelmente não conseguiu um patrocinador que fosse o "guarda-chuva" global. Quando a Swatch colocou uma proposta na mesa a primeira vez, foi vetada.

05. A PRESENÇA DE UM PRESIDENTE COMO WAYNE BARTHOLOMEW MUDARIA O ANDAMENTO DAS COISAS NA ASP?
Não, acho que não. O Rabbit saiu a princípio por livre e espontânea vontade, mas sabemos que acabaria saindo. Ele, como presidente, tinha um salário muito alto e trabalhava pouco. Evitava confrontos, tornando-se omisso, provavelmente por ter confrontado tanta coisa durante toda sua vida de surfista. A figura do presidente sempre foi uma figura não remunerada, mas quando a ASP foi para a Austrália ele foi eleito presidente e CEO. Quando viram que não funcionava o deixaram apenas como presidente, recebendo menos, claro, mas continuaram pagando. Mas acharam que aquele investimento não tinha retorno. Praticamente a única coisa que ele se envolvia era com regras, comitê técnico, formato... A presença dele ou de outro presidente não mudaria nada.

06. VOCÊ TAMBÉM CHEGOU A COLOCAR SEU CARGO À DISPOSIÇÃO?
Sim, decidi fazer isso por ser o procedimento normal numa empresa. Apesar de não ser diretamente minha responsabilidade, eu sou o Tour Manager (gerente). Sabia da situação delicada do Brodie e foi uma maneira de tentar dar uma força pra ele ficar. Para mim acabou sendo uma das coisas positivas disso tudo, pois negaram minha saída por unanimidade. Eu ofereci minha carta de resignação a todos os participantes da mesa e aos surfistas. Foi gratificante. Continuo recebendo e-mails dos surfistas, como o do Luke Egan (ex-Top) dizendo que espera que eu já tenha passado pela tempestade e que tenho total apoio dele e de todos os surfistas. Os Top 34 sabem como funciona o esquema do ranking e apreciam o meu trabalho. Diante do maior problema que enfrentei, tirando a morte do Andy, coloquei meu cargo em oferta e todo mundo negou. Sinto-me fortalecido perante a entidade. Eu estava sozinho, podia ter me negado a dar entrevista. Poderia ter esperado o Brodie chegar, mas achei que precisava tomar essa atitude. Alguém tinha que assumir e isso foi visto como um ato de bravura lá mesmo no evento.