TEMPO DE MUDANÇAS


Dois de novembro último, feriado, um dia que começou com uma baita chuva no Rio de Janeiro, mas que foi se tornando uma agradável manhã de primavera. Peguei minha scooter e fui para o Barramares, na altura do Posto 4 da Barra da Tijuca, local que frequento há exatos 12 anos. Pois bem, há dias vi um palanque grande e bacana sendo montado e sabia que aquilo era e estrutura do BSP (Brasil Surf Pro), o Circuito Brasileiro de Surf Profissional. "Legal", pensei. Imaginei uma galera na praia, afinal, alguns dos melhores surfistas do país estariam ali competindo em busca do título nacional. Mas, para minha decepção, as areias em frente ao palanque ficaram às moscas.

Na verdade, não foi uma surpresa, pois já tem um tempo que eventos de surf, ao menos no Rio de Janeiro, não atraem aquela massa. Com exceção da etapa do World Tour, nada tira as pessoas de suas casas, afazeres ou o que quer que seja para dar uma vislumbrada no que há de melhor no surf do Brasil. E, para mim, aí é que está um dos problemas desta falta de atratividade dos eventos de surf atualmente. Os melhores surfistas do Brasil participam destes campeonatos? A resposta é não! O atual Circuito Brasileiro virou uma espécie de fuga para uma centena de jovens que não querem cair na real e se tocar de que não serão Medinas nem De Souzas. Eles não ganharão US$ 100 mil de prêmio, não serão conhecidos no mundo nem terão uma enorme legião de seguidores no Twitter.

O Circuito Brasileiro não tem os melhores do Brasil em suas etapas. Por quê? Simples, eles estão disputando o WT e alguns eventos 6 estrelas do QS. E quem corre o Brasil Surf Pro? Generalizando, uma galera que mal tem grana para se deslocar de sua casa para os locais dos campeonatos, que vive reclamando disso e aquilo, que não pensa no esporte como um todo e apenas quer manter o sonho de ser surfista profissional, mesmo que não receba nada para isso.

Amigo, se você não se sobressaiu até os 18 anos, esqueça, vá estudar, arrume um emprego e recomece sua vida. Isso pode ser doloroso, mas ao mesmo tempo lhe renderá dividendos quando você estiver com 45 anos, casado e for pai de família. Todos nós temos sonhos, e apenas um número bem pequeno da população consegue viver de algum trabalho relacionado a eles. Além disso, temos tantos campeonatos de surf atualmente, que para o leigo é tudo a mesma coisa. Exemplo: o Carlinhos, meu amigo de 70 anos de idade e praia, que já viu todos os campeonatos de surf possíveis realizados no Barramares, achava que o BSP era uma etapa do Estadual. Sem divulgação de jornal ou TV, seja ela aberta ou fechada, fica difícil saber que evento seria aquele, já que até novembro já rolaram uns 20 campeonatos naquele mesmo lugar este ano.

Indo um pouco mais longe, digo que a própria ASP South America logo sofrerá do mesmo mal que a Abrasp sofre hohe em dia. As inúmeras etapas do QS estão se tornando um produto sem sentido. E não adianta vir com o papo de que quanto mais etapas tiverem no Brasil mais surfistas teremos entre os Tops porque os dois últimos 6 estrelas que rolaram só foram bons para o Kolohe Andino, que venceu ambos.

Basicamente, a fórmula de disputa, principalmente do Circuito Brasileiro, está ultrapassada. E ninguém tem culpa. As coisas se esgotam. É preciso novas ideias, gente debatendo para que se chegue a um novo plano de sucesso. Eu particularmente penso que deveria acontecer apenas um grande evento, como eram os festivais de surf dos anos 80.  Seriam dez dias de muita festa, surf, moda, com inscrição ilimitada. Baterias de quatro surfistas até o final e uma premiação de no mínimo R$ 500 mil para o vencedor. Tenho certeza de que é mais viável angariar e depois gastar R$ 10 milhões para fazer um megaevento do que ficar promovendo cinco etapas em lugares em que a população local não passa de 50 mil pessoas. Imagine um novo OP Pro como foi o de 86, com quase 500 atletas competindo, unindo esporte, música e moda. Viagem minha? Talvez, mas, se eu fosse diretor de marketing da Coca-Cola, gastaria minha verba de verão num evento assim, totalmente direcionado para o meu público-alvo numa tacada só, fazendo diversas ações como festas, gincanas e shows. Isso é atrair o público, isso é motivar a mídia. E um prêmio de R$ 500 mil, meu caro, atrairia qualquer surfista de ponta. Está na hora de fazer uma mudança no formato do surf brasileiro. Com as Olimpíadas, vamos perder espaço, aliás, já estamos perdendo. O que temos de mais valioso é nosso estilo de vida, saudável, exótico e bonito. O surfista tem charme, chama a atenção. As competições, com o passar dos anos, foram apagando essa aura. Precisamos mudar isso. E acho que nos próprios eventos teríamos a oportunidade de reverter esse quadro. Precisamos de nossos melhores atletas competindo pra valer em nossas ondas. Sem isso, tudo continuará a ser apenas o ganha-pão de um bocado de surfistas com síndrome de "Peter Pan".