RABBIT KEKAI ─ O eterno beachboy


"Rabbit Kekai é nosso link vivo com toda a história do surf moderno" (Longboard magazine, 1998).

Ele cresceu na época mais dourada, os anos 20/30 em que o Hawaii era uma ilha paradisíaca tranquila. Sua Waikiki tinha apenas 2 prédios de hotéis. Os poucos turistas ainda preferiam viver em vez de largarem-se no comodismo e artificialidade dos resorts de hoje. E viver era aproveitar as experiências mais intensas, nos palcos mais reais, a praia e o oceano. Para isso os turistas contratavam os beachboys. Os watermen ─ exímios nadadores, bodysurfers, caçadores, remadores (de canoas) e, claro, surfistas ─ que ganhavam a vida inserindo os hóspedes do Moana Hotel nas ondas e em passeios de canoas havaianas. E na areia havia ainda a música, a dança, os peixes assados ali mesmo, os mitos antigos contados de viva voz e romances com as mais belas turistas.

Albert Kekai nasce (11/11/1920) e cresce em Waikiki. Aprende a nadar na marra: seu tio, salva-vidas na praia de Publics, simplesmente o atira no "fundão" e ele precisa nadar uns 100 metros até a areia. Aos 5 anos inicia-se no surf em Queen's, numa enorme prancha de redwood (madeira de sequóia, secular árvore americana) de 16 pés, 45 quilos, sem quilha. E aos 10, ele cai nas graças do melhor tutor possível para quem sonhava ser um beachboy: o mito maior do surf e campeão olímpico de natação, Duke Kahanamoku. Com o mais nobre dos surfistas, o garoto, um mini punk encapetado, refina um pouco seus modos e aprende a dominar os segredos do esporte dos reis. Fora d'água o menino já é chamado de Rabbit (coelho), por sua velocidade. Dizem que fazia os 100 metros em 10 segundos cravados. Quando garoto, "eu jogava futebol americano, basquete, corria e surfava". Estudante na tradicional Kemahemaha High, a escola foi dura no início, pois ele só falava havaiano e era sacaneado pelos outros garotos. Uma professora especial, fluente no idioma das ilhas, o ajudou a aprender o inglês.

A vida pelas ondas. Mesmo com oferta de bolsa de estudos para a faculdade, por ser um grande atleta em várias modalidades, Rabbit escolheu a carreira/prazer de beachboy, no Moama Hotel, em cujos porões ficava o lendário Hui Nalu surfing club. Complementava seu salário trabalhando de caddy em clube de golfe, de pedreiro, estivador, fazendo pontas no cinema e arriscando nos jogos de azar. Tudo pelo surf. Tudo para ser um dos pioneiros a surfar o North Shore nos anos 30 junto de George Downing, Wally Froiseth, Woody Brown, entre outros. Notório contador de histórias, meio folclórico, ele garante que foi um dos pioneiros em Waimea e Pipelinem fato que os registros históricos não comprovam. "Greg Noll, Peter Cole e Van Dyke disseram que foram os primeiros em Waimea. Eu digo que eles foram os primeiros apenas a ter fotos deles registradas lá", afirmou Rabbit à Surfer Journal, e repetiu o mesmo sobre Pipe. Garante que esteve lá dentro bem antes de Mike Doyle e Phil Edwards quebrarem a barreira da onda mais temidadas ilhas.

Pai das manobras. Uma conquista, porém, parece ser mesmo de Rabiit. Com sua experiência em pranchas de redwood e balsa, 7 pés, bem menores que o tamanho padrão na épca, ele consegue mais mobilidade e começa a cortar as ondas em zig-zag, em vez de apenas deslizar. Inventa assim o cutback e o surf hotdog (os californianos dizem que o pioneiro foi Dewey Brewer), de manobras. Enquanto os outros apenas acompanhavam as paredes, Rabbit buscava a proximidade da espuma branca, da parte mais crítica da onda, descendo e subindo. Para manobrar, usava muitas vezes um dos pés mergulhados na água, como se fosse uma quilha. E, como não era apenas radical, sua classe lhe deu outra paternidade famosa, o nose riding, andar até o bico da prancha e sustentar-se ali com os dez dedos agarrando o bico. Assim nasceu o hang ten.

Na virada dos anos 30 para os 40, quando surgem as pranchas hot curl, menores e com rabeta em V (mas ainda sem quilhas), encaixando melhor nas paredes, Rabbit torna-se, incontestavelmente, o melhor surfista de sua época. Domina o esporte nas décadas de 40 e 50, vencendo duas vezes o campeonato mais importante de seu tempo, o Makaha World Surfing Championships. Ao mesmo tempo ele domina as corridas de canoas havaianas, batendo até o ainda em forma mito Duke, nos anos 40. As multi-habilidades de Rabbit Kekai lhe deram também o perigoso trabalho de mergulhador da marinha no Pacífico, em plena II Guerra Mundial. Sua função: desarmar bombas submarinas. De uma equipe de 10 homens, ele foi um dos quatro a sobreviver.

Mestre e referência. A classe e agressividade de Rabbit seria a inspiração essencial para uma outra leva de surfistas geniais, os californianos Phil Edwards, Matt Kivlin, Joe Quigg e Miki Dora. Construindo grande amizade com Rabbit, foi Matt quem fez a prancha mágica do havaiano, uma hot curl já com uma quilha que garantiu títulos em Makaha e no Internacional do Peru (outro grande evento da época).

Quando não estava competindo, Rabbit completou 40 anos como beachboy, ciceroneando gente famosa, entre elas estrelas do cinema como Gregory Peck, Kirk Douglas, Deborah Kerr, David Niven, Gary Cooper etc. E desde 1971, passou a trabalhar como Beach Marshall nas provas da Tríplice Coroa Havaiana de surf pró.

Ao longo das últimas 4 décadas, Rabbit Kekai seguiu fazendo da praia e do mar seu habitat fundamental, tornando-se o surfista com mais anos de água na história. Mais incrível ainda, ele segue surfando em alto nível, o que comprovam seus seguidos títulos ou boas colocações em campeonatos de veteranos (masters). Foi campeão americano em sua divisão em 1973, 1980, 1984 e 1988. E no 2000 U.S. Championships, duelando com surfistas quase 15 anos mais novos, ficou em 4º lugar na divisão legends com seus 79 anos. "A maioria das pessoas, quando chegam aos 80 anos, a coordenação simplesmente vai para o inferno. Não Rabbit. Ele ainda tem essa aura e estilo de Duke Kahanamoku em volta dele", revelou na Surfer Greg Noll, o Da Bull, mito das ondas gigantes.

Hoje, o pai de 4 filhos e avô Rabbit ainda vive na Waikiki da infância e viaja ao continente muitas vezes para encontrar Lynn, sua esposa de tantas décadas, uma professora em Palos Verdes, Califórnia.

O surf? Todos os anos ele dá nome e participa de um tradicional evento de longboard, o Toes On The Nose/Rabbit Kekai Longboard Classic, evento e confraternização cheia de alma disputado muitos anos na Costa Rica, hoje no Hawaii. Segue também como o instrutor mais requisitado em Baby Queen's. E ainda carrega a dignidade assimilada do mais nobre de todos, Duke: volta e meia Rabbit recicla um de seus incontestáveis troféus quando faltam taças em eventos de garotos nas ilhas. "As crianças têm que receber prêmios decentes".

O eterno beachboy sabe que o surf torna real a fábula de Peter Pan: "A água é tão boa, ela me mantém jovem enquanto meus amigos estão cada vez mais velhos. Eu digo a eles para entrarem na água. Ela nos acalma, tira o stress e nos traz de volta para a Terra".


Referência:
Surfline;
Legendary Surfers;
Liquid Salt;
Surfer;
The Encyclopedia of Surfing.