LARRY BERTLEMANN – O homem da revolução


Ele não inventou as shortboards; ele apenas mostrou como usá-las. Nenhum outro teve uma influência maior sobre o modo como as pessoas surfam”. (Jason Borte)

Eu tentei surfar como Larry Bertlemann... e simplesmente não consegui”. (Tom Curren)

Fúria e melodia. Ele surfava como se dançasse e solasse um blues ou rock acelerados em sua prancha incendiária. Desferia pancadas esculpidas com linhas perfeitas, belas. Era como se Jimmy Hendrix, Muhammad Ali e Baryshnikov se materializassem num só surfista. No início dos anos 70, a grande arte era surfar como uma estátua de deus grego, com mínimos movimentos de corpo. O deus vivo era o havaiano Gerry Lopez e seu estilo zen de moldar-se às ondas. O adolescente Larry Bertlemann não achava graça naquele estilo clássico. Ousado skatista, Larry queria transportar para o mar a mesma agressão e movimentos ilimitados das pranchinhas que rasgavam o cimento e asfalto. O resultado foi uma explosão de manobras ocupando qualquer espaço das ondas graças à sua elasticidade, centro de gravidade baixíssimo (pernas ultradobradas, troco curvado) e uma velocidade e ataque jamais vistos antes. O resultado foi o futuro do surf: cutbacks cheios de power e swing com um braço apoiando-se na água; 360s, tubos fáceis de backside etc. L.B. foi um dos pioneiros até dos floaters e aéreos (batizados, sem modéstia, de Larrials). “Bertlemann foi o primeiro New Schooler”, definiu Kelly Slater, referindo-se à nova escola de surfar dos anos 90.

Hilo, Hawaii, 07/08/1955. Nasce Lawrence Mehau Bertlemann, único filho (tem quatro irmãs) de um mecânico e instrutor de sobrevivência da Força Aérea. Aos 11 anos muda-se com a família para Oahu, onde descobre o surf, em Queens. A 1ª prancha de Larry, um longboard, ele acha abandonada numa moita. Surfa um mês direto até arrebentá-la em dois. Coloca uma quilha na metade da frente e se diverte demais com sua “minimodel exclusiva”.

Mentores. Aos 15 anos, Larry larga a escola e vai morar na praia, numa guarita nos molhes de Ala Moana. Quando conta isso para o coronel Al Benson, em 1970, ele e sua mulher, Blanche, levam o bem-humorado garoto para sua casa. O jovem cabeludo não ganha apenas uma amorosa família adotiva. Ganha no coronel um mentor que fotografa suas manobras, ato importante para sua evolução. Outra parceira essencial ele encontra no visionário shaper e treinador das ilhas Ben Aipa. Os bólidos de Aipa – pranchas pequenas (menos de 6 pés), mais largas, swallowtails ou stingers, oferecem a Bertlemann total liberdade de movimentos.

Segredos da mente e cimento. O sucesso precisa do que L.B. chama de “visualização”: “Um amigo da gente costumava nos filmar em Super 8 e comecei a assistir pensando que eu poderia cortar aquela linha, diminuindo. Tudo é possível (Anything is Possible)”, define Larry.

O “a gente” traduz-se no grupo do South Shore, surfistas inovadores bem à frente de seu tempo: Larry, Buttons Kaluhiokalani, Mark Liddell e Dane Kealoha. Contra as longas linhas da época, Bertlemann, showman maior do grupo, inventou a figura do 8 no surf: Cavada seguida de cutback; cavada e cutback; uma vez e outra e outra... e desses 8 mágicos supersônicos partiu para sua blitz pessoal sem limites.

A escola dura. Os cutbacks acelerados e contorcionistas do “Homem de Borracha” Larry nasceram em suas sessions de skate. E suas manobras espetaculares na água fizeram o caminho inverso: uma turma de garotos rebeldes de um quarteirão detonado de Los Angeles passou a arregaçar em slides quase deitados – uma mão no chão, corpo e sk8 girando/rasgando em 180 graus – e batizaram a manobra de “Bert”. Eram os Z-Boys Tony Alva, Stacy Peralta e Jay Adams traduzindo o surf de L.B. para o chão. “Ele foi um dos primeiros a surfar apoiando o braço na água. Nós tentamos imitá-lo fazendo isso no chão”, disse Jay. O “intercâmbio” prosseguiu e, no final dos anos 70, quando os Z-Boys já voavam das bordas das piscinas inventando o sk8 vertical, Larry começou a voar no mar: “Minha inspiração para criar coisas novas vinha de tudo, menos do surf, porque eu já fazia tudo o que existia no surf daquele tempo. Tinha que buscar algo fora do nosso meio para poder enxergar mais além”.

Assalto competitivo. Ainda um moleque, L.B. domina todas as divisões para garotos no Hawaii, vence a categoria junior no Internacional de Makaha e em 1972 traz um 3º lugar do Campeonato Mundial de San Diego. Em 73 é campeão dos EUA e vira profissional. Torna-se um dos mais populares e bem-pagos atletas dos primórdios da era pró – mesmo se seu estilo único bate de frente com um julgamento despreparado. “Como você julga uma manobra que nunca viu antes?”, questionava Bert, top 16 do Tour mundial em 1976 e 79.

Completo. Às manobras frenéticas do surf hot dog, Larry acrescenta ataques corajosos às morras: tira 3º lugar no Pipeline Masters de 72 e no Smirnoff Pro de Laniakea, em 73. No ano seguinte, ataca sem medo uma Waimea gigante no Smirnoff e vence o Duke Classic em Sunset.

Pop Star. O surf eletrizante e a personalidade carismática de L.B. lhe dão o protagonismo no badalado filme Super Session, de Hat Jepsen, em 1975; oito capas de revista nos anos 70 (nenhum campeão mundial o igualou na época) e atrai para ele lucrativos patrocínios de fora da indústria do surf, de grandes empresas de carros, aviação, refrigerantes etc. Marketeiro nato, ele coloca adesivos gigantes de seus patrocinadores nas pranchas e chega até a pintá-las com as cores da Pepsi.

Não se tratava apenas de grana. “Com a cabeleira afro, uma personalidade e visual colorido e um eterno sorrisão rasgado de aloha, ele nunca esqueceu que aquilo era apenas um jogo. Surfar, ele lembrava a todos, é diversão”, escreveu na Surfer, Jason Borte.

A fama e a megaexposição, porém, semeiam sua ruína: “Eu farreava feito uma estrela do rock, gastava como um astro do cinema e transava como um ator pornô”.

Talvez pela fama e pelas drogas – quase todas elas; talvez por sua sede de aventuras ou inconformismo quanto à mesmice das baterias, Larry Bertlemann some do mapa na segunda metade dos anos 80. Reaparece no North Shore em 1998 revelando um corpo arrebentado, especialmente na coluna. Os anos de abuso no skate, surf, motociclismo e corridas de caminhão – cobram caro. Larry sobre com duas hérnias de disco e fica com o lado direito do corpo paralisado. Se recupera com cirurgia e terapia mas jamais retoma a forma do passado. Divorcia-se duas vezes, tem três filhos, mas não constrói um lar e família típicos. “Lar é onde você deixa suas malas”, costumava dizer. Em 2001, sua íntima ligação com o submundo de Honolulu causa sua prisão por roubo e porte de arma de fogo. Passa algum tempo preso e uma pequena comoçã

o popular resulta na campanha “Free Bert”, Libertem Bert.

Libertado, ele volta a viver de shapear, apesar do corpo castigado que dificulta também suas cada vez mais raras quedas no mar.

Mas o ícone das manobras ultra radicais que mudaram o surf para sempre mantém a personalidade ao comentar em 2001 o estilo do novo século: “O que eles chamam de manobras, nós chamávamos de erros”.

Assim sentenciou o homem que transformou as manobras em eletricidade e será sempre “a conexão de alta performance que linka todos os surfistas futuristas”, segundo Bem Marcus. Mas que isso, Larry Bertlemann foi o homem que, em vez de apenas cortejar a onda, passou a fazer sexo com ela, tocando-a e penetrando-a como nenhum outro antes.


Referência:
Surfer e Surfing (coleção);
The Encyclopedia of Surfing (de Matt Warshaw);
Surfline.