O CÉU É O LIMITE


Não é preciso ser descabidamente orgulhoso ou vaidoso pelo nosso país para se perguntar: "Que momento é esse que vive o surf brasileiro?".

Nem nos meus sonhos mais selvagens, nem nos meus devaneios mais criativos, eu poderia imaginar que, em menos de 30 dias, um surfista brasileiro venceria o prêmio mais importante do "Oscar" de ondas grandes; seis dos oito finalistas na etapa Prime da Califórnia, a mais badalada do ano, seriam brasileiros; e um brasileiro lideraria o ranking da ASP pela primeira vez desde a criação do Circuito Mundial em 1976, mantendo, no embalo, o título da etapa brasileira em casa, com uma vitória espetacular.

Milhares de pessoas, ou talvez milhões, ao redor do planeta viram Danilo Couto levantar o chque de US$ 50 mil pelo prêmio mais importante da noite no Billabong XXL Awards, que aconteceu no teatro de Anaheim, na Califórnia, EUA. Viram também Heitor Alves, Jessé Mendes, Junior Faria, Thiago Camarão e Jadson André entre os oito finalistas no último dia do 6.0 Lowers Pro, em Trestles, também na Califórnia, e Miguel Pupo vencer a etapa que oferece ao campeão 6.500 pontos no atual ranking unificado, além de um cheque no valor de US$ 40 mil e um troféu de ouro puro 14 quilates no valor de US$ 30 mil.

Está lá no próprio site do evento o seguinte texto, servindo de introdução para um vídeo só com brasileiros: "Day three of the 6.0 Lowers Pro marked a new dawn in competitive surfing. Although they've been a formidable powerhouse in the past, Brazil is quickly becoming the surfing superpower of the future. Led by the likes of Gabriel Medina, Miguel Pupo, Jadson Andre and others, the level of surfing displayed today by the new breed of Brazilians redefined tech-surfing. Watch out world, cause here comes the Brazilians".

Dessa vez não vou traduzir. O texto deve ser sentido com toda a sua força original. Detalhe: o aviso: "watch out world" foi dado após o terceiro dia. Ninguém imaginava ver o evento chegar ao último dia com seis brasileiros entre os oito finalistas.

"Decifra-me ou te devoro!". Jornalistas especializados ainda publicavam ensaios em todas as línguas tentando explicar o que esse domínio brasileiro num campeonato com tanta importância e visibilidade poderia significar, quando a elite do Circuito Mundial aterrisou no Rio de Janeiro.

E aí, como num roteiro de filme que prioriza um final épico, escreveram que Adriano de Souza venceria a etapa brasileira e tomaria o ranking da ASP, com o Cristo Redentor abençoando o Billabong Rio Pro num dia de sol forte e uma transmissão ao vivo via internet, impecável, para todo o planeta.

Duas situações chamaram a minha atenção durante o campeonato. Uma, controlável e concreta, foi a enorme força das várias plataformas de comunicação e divulgação cresendo junto com o interesse cada vez maior pelo surf competição de ponta, e, finalmente, uma valorização das premiações e dos valores de contrato de patrocínio aos atletas acompanhando todo esse crescimento. Foi emblemático que, no meio dessa cobertura feita por dezenas de veículos impressos, como jornais e revistas, especializados ou não, da internet com seus sites e mídias sociais, das TVs abertas e pagas, eu tenha acompanhado uma parte do campeonato de dentro de um carro.

Na época do programa "Realce", eu via as imagens e depoimentos das etapas do Circuito Mundial para a TV aberta menos de uma semana depois do campeonato terminar. Nos anos 80, sem a internet, o máximo que recebíamos, em menos de uma semana, eram notícias pelo rádio ou boca a boca. Agora, como no desenho animado "Os Jetsons", eu e Thaiza estávamos indo para o campeonato, com trechos de trânsito mais pesado aqui e ali, entre a zona norte do Rio e a Barra da Tijuca, amenizados pela tela do iPhone dela com as imagens e os comentários do campeonato ao vivo! Detalhe: com o som do celular entrando pelo auxiliar do rádio/CD/MP3 do carro e saindo pelas caixas de som. Adoro uma região rural em frente ao mar, com morros de grama verde e pedras tocando a água salgada e o barulho de grilos à noite, debaixo do silêncio das estrelas, mas essa história de ver e ouvir um campeonato ao vivo de dentro do carro é espetacular.

A outra situação, incontrolável e abstrata, foi a falta de sorte este ano com as condições das ondas para o evento masculino. Sem me estender muito, tivemos no outono, que é a melhor estação do ano para o surf na região, condições de primavera ─ na minha opinião, a pior estação. Sem falar nos fundos de areia que não estavam bons, mesmo depois de algumas pequenas ressacas tão necessárias para a qualidade das ondas no Rio. A exceção foi para os dois dias das mulheres, com condições normais de outono para a praia da Barra ─ swell vindo de sul, com 3 a 5 pés, água azul caribenha e pouco vento.

Entre os homens, Mineirinho venceu Taj Burrow na final com autoridade, levantou um cheque de US$ 100 mil e mudou o curso da sua vida no Rio. A cidade o ajudou e ele ajudou a cidade. Não o conheço bem, mas tenho certeza que ele não estava pensando na premiação recorde, não estava pensando na liderança do ranking, não estava pensando no que os brasileiros tinham conquistado na Califórnia e nem estava pensando no momento mágico da Cidade Maravilhosa e o quanto de exposição isso poderia lhe trazer. Acho que Adriano só pensava na vitória da etapa. Ele me parece aquele tipo de pessoa que pensa em uma coisa de cada vez. Que coloca o foco em apenas um objetivo e não vê mais nada em volta. Está assinando um autógrafo ou tirando umas fotos com os fãs, mas a foto registra apenas o rosto, o corpo. A alma não está ali. Toda a força do seu espírito está flutuando com a sua concentração num lugar que só ele sabe onde fica e não é ali nos bastidores, fora das baterias. Ele focou exclusivamente na vitória da etapa. O cheque, a fama e a liderança no ranking vieram no vácuo. Adriano ficou bem mais caro para o seu patrocinador. Quando assinar a sua próxima renovação de contrato, ele se tornará (se já não é) o surfista brasileiro mais bem pago de toda a história. Se os contratos dos melhores do mundo beiram hoje a cifra de US$ 1 milhão por ano, será isso que Mineirinho irá ganhar?