WETSUITS


Deveríamos canonizar o cara e rezar a cada manhã gelada para "São Jack do Corta Friaka". Cansados de ouvir seus comparsas de mar e passar ele mesmo por momentos horripilantes de frio, Jack resolveu inventar uma roupa apropriada para surfar mais tempo em baixas temperaturas. O cara era inovador. Até o começo dos anos 50, as session lá pelos lados da Califórnia não duravam muito. Neguinho tentou de quase tudo para se aquecer, desde blusa de lã com óleo, whisk goela abaixo e sabe-se lá mais o quê. Em 1952, Jack abriu sua primeira loja, diga-se de passagem, a primeira realmente nomeada surf shop. As outras, como de Dale Velzy e Hobie Alter, só vendiam pranchas, mas a dele já começou vendendo algumas vestimentas feitas com pedaços de neoprene colados. Sim, roupas de borracha. Daquela época até os dias de hoje seu invento tornou possível o surf de Santa Mônica, na Califórnia, a J-Bay; da Tasmânia às geladas ondas de Maverick's. Graças a ele é sempre verão dentro de um wetsuit.

Como o próprio nome já diz (wetsuit = roupa molhada) a idéia é conservar a temperatura e não manter o cara seco, como muitos podem pensar. Isso acontece porque mesmo ao criar uma película de água entre a roupa e o sujeito, o que importa é o ar que fica retido dentro do material unicelular (espuma) de forma que o corpo esquenta a água e a temperatura não escapa dali. Ou seja, não aquece, mas não deixa esfriar, contanto que não haja um grande fluxo de água. Testando diferentes tipos de espumas flexíveis, nosso mestre inventor chegou ao PVC. Era moldável e tinha propriedades térmicas, mas ainda teria que confrontar as agruras do meio. Mr. Jack colou plástico sobre o PVC e pronto! A primeira "roupa de borracha", se assim podemos chamar, estava no outside. Mas o material era difícil de trabalhar.


VALE QUANTO PESA
Jack parecia saber onde estava pisando! Acarpetando o chão de um avião DC-3, descobriu o neoprene. Era térmico, boiava e se moldava facilmente. Logo surgiram os modelos long, com ou sem mangas, short johns e aquelas jaquetas com uma alça que passava entre as pernas e abotoava na frente. Muita gente torceu o nariz e tirava a maior onda dos caras com aquelas roupas esquisitas no mar. A verdade é que logo as "vests" de borracha voaram da loja e Jack O'Neill estava no mercado.

Hoje a tecnologia chegou ao requinte de permitir roupas sem zipers, sem costura, muito mais flexíveis, leves e, lógico, mantendo cada vez mais eficácia o tão desejado e necessário calorzinho. O único problema é que ainda não inventaram roupas mais baratas, especialmente por aqui, onde dependemos na maior parte do tempo da importação. Mesmo assim, acredite, esse item é mais que um acessório indispensável, especialmente se você mora da Bahia para baixo. Normalmente damos graças a Deus por cada centavo que deixamos na loja.

Por isso mesmo mandamos aqui alguns toques que podem fazer seu investimento durar mais que um inverno.


CUIDA QUE É CARO!
As roupas vêm sempre com etiquetas dizendo o que pode e não pode ser feito. Tá, eu mesmo, devo confessar, sempre gostei de jogar as minhas na secadora ou de deixá-las ao sol. Nada bom. Isso acaba com a flexibilidade delas e promove o encolhimento das bolhas de ar que mantém o calor. Seja mais responsável, siga as instruções de uso. Vão aí algumas dicas.

O certo é secá-la num local aberto e à sombra. Não deixe fritando no carro, fica um cheiro desgraçado e acaba com a maciez da borracha. Lave sempre com água fresca. Isso tudo vai manter a parte de fora dela com boa aparência e a borracha macia. Ah! O cloro das piscinas também não ajuda em nada a vida do seu wetsuit. Isso pode doer, mas a verdade é que a água quente detona a elasticidade, portanto entre no chuveiro e tire a roupa na água fria antes de transformar seu banheiro naquela sauna.
Se você ainda está em fase de crescimento, compre uma roupa que não seja tão justa e use uma lycra para dar uma enchida, assim você não perde a roupa tão rápido. Roupas apertadas são um inferno, especialmente na zona do... Bem, você deve imaginar. Se ela veste perfeitamente, não precisa a tal da lycra. Quando for comprar, pergunte qual a porcentagem de laciamento quando molhadas. Existem roupas que ficam bem mais largas dentro d'água.
Não faça xixi dentro delas. Eu sei, a sensação é ótima. Quentiiiiinho! Mas do mesmo jeito que não entra muita água, também não sai. O ácido úrico da urina compromete o material e a roupa fica com um cheiro miserável.
Se ficar com a roupa "meio vestida", enrolada ou com as mangas penduradas enquanto dá um rolê pela praia, cuidado com o velcro. Essa indispensável parte da roupa pode facilmente grudar e danificar o tecido sobre a borracha quando em contato com ele.
Quando sua roupa for descansar durante o verão, vale a pena jogar um pouco de talco (pó) sobre ela antes de dobrar e guardar no armário, de preferência pendurado. Quando a friaca atacar novamente ela terá escapado ao ressecamento que pode criar pequenas "rachaduras" na borracha.
Areia na roupa. Um saco! Não leve para casa, não deixe na roupa. Tente sempre tirar seu wetsuit nas pedras, grama ou na canga da gata. Bom, talvez ela te xingue. Nenhuma das alternativas é possível? Vá até a beira do mar e saia dela ali, dando uma lavada na areia que ainda vai ficar. Cuidado, dependendo do tipo de roupa (shorts ou pernas longas) é necessária uma certa habilidade. Seu carro, sua mão e você mesmo vão agradecer depois.
Não tem jeito, parafina suja mesmo. Os caras dizem que dá para limpar assim e assado, mas na real nada parece funcionar, você vai ter que conviver com isso. E mesmo que conseguisse limpar não adiantaria nada. Você vai colocá-la novamente na parafina, não?
As cores da roupa não mudam em quase nada em seu funcionamento. Acredite, é só uma questão de moda. Mas o preto clássico pode fazer você passar mais despercebido entre um crowd não familiar e as meninas na praia não saberão diferenciar entre um e outro caso você seja prego. Pense nisso.
Como entrar naquele ambiente ainda gelado do fim de tarde do dia anterior? Não tem jeito, roupa molhada é um caso a ser enfrentado. Quanto mais rápido, melhor. Portanto, entra aqui o velho golpe do saco plástico no pé ou nas mãos. Ele faz deslizar com mais facilidade, diminuindo o tempo e o choque térmico. Tenha sempre um a mão, inclusive é bom para guardar a roupa molhada na hora de ir embora.
As roupas variam de preço pela tecnologia ou por pura sacanagem do logista. Fique atento. Veja o tipo de costura (invisível, zig-zag, soldada, tosca...), se são seladas com um fino material sobre as costuras, quanto de material flexível existe no modelo, que tipo de materiais e suas espessuras. As roupas mais usadas no Brasil devem ter no máximo partes com 3 milímetros. Não vá na onda de ninguém, é uma escolha que deve ser muito bem pensada. No fim, é você quem vai passar um bom tempo ali dentro.


BOX
Em 1950, Hugh Bradner, da universidade de Berkeley, na Califórnia, (também) inventou a roupa de borracha. Foi uma pesquisa em parceria com a marinha e a empresa Rubatex, que fabricava um material unicelular (neoprene) que viria a ser a principal fornecedora do mercado de wetsuits durante anos. O material foi indicado pelo engenheiro de pesquisas, Willard Bascon. O problema é que a patente e o uso comercial da roupa desenvolvida levaram anos num vai e vem burocrático de falta de visão de ambas as partes. Ninguém realmente se interessou na manufatura em pequena ou larga escala e a liberação do uso e patente vieram em 1967, quando as ondas geladas já conheciam muitos surfistas emborrachados. Está tudo documentado: Sunset Magazine, publicada em maio de 1998.