O antidoping deve ser obrigatório no Circuito Mundial?


A MISTURA DE SURF COM DROGAS É UMA BARREIRA PARA A PROFISSIONALIZAÇÃO DO ESPORTE. E O ASSUNTO TÃO RECORRENTE FICOU ESCANCARADO DEPOIS QUE O LAUDO DA MORTE DE ANDY IRONS FOI DIVULGADO



SIM:
Acho que o exame antidoping deve ser feito em qualquer competição. Das amadoras até profissionais. Parto do princípio de que todos devem competir em igualdade de condições. E a participação num esporte usando apenas seus dotes físicos e mentais, sem nenhuma ajuda extra é um legado que deve ser passado a todos, principalmente aos atletas em formação.

Ser honesto começa principalmente no esporte, sabendo perder ou ganhar, desde criança. Ainda mais no estágio em que o surf se encontra atualmente, com bilhões de dólares rolando num mercado que praticamente está em todo o globo. Não há desculpa. Qualquer droga, seja ela de origem química ou natural, se ajuda alguém a ter uma performance superior, deve ser vetada e seu usuário punido. Se o surf quiser ter um status de esporte sério, precisa parar de ser visto como hobby de um bando de hippies. Uma coisa é você ter um estilo de vida, gostar de usar drogas recreativas e ir fazer seu freesurf, outra é ir disputar uma premiação em dinheiro contra outro atleta e vencê-lo.

Acho que a ASP deveria ser a entidade mais preocupada em exercer este tipo de fiscalização, pois é quem movimenta mais dinheiro no âmbito esportivo da modalidade. Até hoje, apenas o Neco foi punido por doping, o que soa totalmente hipócrita, quando é sabido que diversos surfistas que correm o Circuito Mundial usam drogas, que sabidamente estão na lista de componentes químicos proibidos pela WADA.

Exemplo maior foi Andy Irons, que faleceu por circunstâncias ligadas ao uso de drogas. Será que se ele tivesse sido pego num exame desses, quando ainda estava no início do vício, ele estaria morto? É uma suposição, mas pelo menos ele seria punido ou levaria a sério seu problema, para seu próprio bem. Não é apenas uma questão de ética esportiva, mas sim de saúde e bem estar.

Nesse tipo de situação, não dá para começar de baixo e sim de cima. Os dirigentes esportivos que querem que seus esportes sejam levados a sério precisam colocar um ponto final na forma antiga de enxergar as coisas.

Por mais que o surf profissional seja manipulado pelas empresas de surfwear, está na hora de grandes marcas como Sony, GE e Walmart entrarem no negócio. E para isso, vão querer botar seu dinheiro num evento honesto e sadio, não numa festa onde 32 fazem o que querem sem nenhuma fiscalização. O surf não é mais adolescente, já é adulto. Pena que ainda não quer amadurecer.


NÃO:
Você ouve alguém avisando que vai falar abertamente sobre drogas na TV e imediatamente tem certeza que vai ouvir mentira. Lê uma manchete na capa da revista, “tudo sobre as drogas”, e já sabe que é pura enrolação. No surf nem sempre foi assim.

O final dos anos 60 foi um tempo de experiências psicodélicas, dentro e fora d’água, tudo muito bem documentado pelos filmes, revistas e canções da época. As drogas davam impressão de não fazer tão mal quanto no final dos anos 70, com a chegada arrasadora da cocaína.

Muita gente se perdeu antes, lá no LSD, mas o pó escravizou quase uma geração inteira de surfistas. Isso sem contar com a heroína, uma droga bem menos popular, mas muito mais destrutiva. Alguns desempenhos sob efeito da droga são notórios, como, por exemplo, a bem documentada vitória do Jeff Hakman no campeonato de Bell’s em 1976 ─ ele estava completamente alucinado de ácido.

Com o boom comercial dos anos 80, as histórias que incluíam drogras foram rareando. Revelar os hábitos de determinados surfistas tornou-se assunto proibido nas revistas por uma simples questão de mercado. Um belo dia chega Slater e sua turma, um bando de bons garotos que prezam a imagem acima de quase tudo.

Os anos 90 já começam com duas notícias, uma boa e uma ruim. A primeira, boa, é que surge um jovem australiano com o surf ao mesmo tempo tradicional e moderno, Shane Herring. Esse rapaz será o primeiro grande rival do Slater da nova geração. A segunda e má notícia é que Herring em menos de dois anos depois de liderar o Circuito Mundial e bater Kelly Slater numa final sensacional no Coke, estará totalmente entregue ao vício e longe do Circuito. Pouco se falou, ou nada.

Sou contra o antidoping porque acho uma covardia com essa molecada arrancada de casa ainda adolescente e jogada no mundo à própria sorte. Ao invés de ajudar um possível drogado, apenas irão estigmatizá-lo para o resto da carreira. Pouca gente consegue manter seus patrocínios depois de passar por tamanho constrangimento. Neco passou por isso publicamente. Os outros 4 surfistas punidos no mesmo teste foram preservados porque a droga achada era recreacional.

A mentira da punição prejudicou só o mais ingênuo. Antidoping é lavar as mãos para um problema que é bem maior do que uma mera punição.