A máquina dos sonhos


No filme Mulher Nota 10, dois adolescentes resolvem montar uma máquina para produzir a mulher ideal. Com recortes de revista, vão colando as imagens: rosto de uma, perna de outra, até que, mágica! De dentro da geringonça, aparece a irresistível Kelly Le Brook a seu dispor. Vamos imaginar que você quisesse o mesmo para uma onda perfeita. Como faria? Com várias e longas sessões tubulare, localizada numa ilha paradisíaca, com água quente, quebrando uma igual à outra? Se esse é o seu sonho, acorde. Essa onda existe.

Os livros de memórias dos três surf camps de G-Land são bastande elucidativos. Quem assistiu ao filme Summer II deve se lembrar de Pat O'Connell, o garoto loiro e magrinho arrepiando as ondas em vários picos do planeta. Pois são desse viajado surfista as seguintes palavras em um dos livros: "Esta onda pode ser o tubo mais longo de sua vida ou o pior caldo. A velocidade dentro do tubo lembra uma montanha russa em queda livre". O tricampeão mundial Tom Carroll também rabiscou algo. Vejamos: "É a melhor onda que você vai surfar em sua vida". Sacou?


1 É POUCO, 2 É BOM, 3 É DEMAIS!
A onda de G-Land pode ser dividida em três sessões principais. A primeira delas é Kong, que quebra um pouco mais cheia antes de emparedar de vez em Money's Tree, a segunda e a mais manobrável. O filé mignon, no entanto, é mesmo a última, Speedies. Rápida e incrívelmente tubular, nessa seção a onda lança placas inteiras bem à frente. Para completá-la, é preciso acelerar com tudo sem medo de colocar para dentro. O tubo, álias, é definitivamente o melhor caminho para evitar a afiada bancada de corais — que, de tão rasa, faz com que Speedies só possa ser surfada na maré alta. De maio a outubro, vai ser difícil não achar boas ondas, pois qualquer balanço surfável de 3 pés em Bali significa 5 pés em G-Land, que está aberta a qualquer ondulação do oceano Índico.

Por estar situada em um parque nacional, a paisagem local é selvagem e exatamente como se imagina um paraíso de surf no meio da Indonésia: uma praia deserta, águas cristalinas e ondas perfeitas. Sendo uma onda famosa, ela também atrai atletas famosos do mundo todo. É comum encontrar alguns surfistas profissionais dentro da água. Relaxe e seja paciente: em G-Land sempre sobra onda.


TIGRES E TSUNAMIS
Os bangalôs de G-Land são de palafitas. Isso por causa de um tsunami de alguns anos atrás que arrastou tudo floresta adentro. Aliás, a floresta que envolve G-Land é tema de tabus. Corre a lenda que tigres costumam rondar os bangalôs à noite, mas até hoje nenhum ataque foi registrado. Há outros animais perigosos na área, como tubarões e cobras marinhas, que também não costumam incomodar. Não se pode dizer o mesmo dos ratos. O ideal é embrulhar a comida em sacos plásticos e pendurar — ainda assim, se eles estiverem mesmo a fim do seu rango, farão de tudo para alcançá-lo.


A DESCOBERTA
A descoberta de G-Land lembra algumas cenas do livro Diários de Motocicleta, de Che Guevara, que Walter Salles imortalizou no cinema. Em 1972, dois garotos californianos de 20 anos, cansados de surfar Uluwatu, resolveram descobrir novas fronteiras. Foi tudo meio por acaso. O avião que fazia a rota aérea Jacarta-Bali sobrevoava os vulcões, mas um dia teve que ser desviado para o oceano Índico devido a uma tempestade.

A 30 mil pés de altitude, Bob Laverty vislumbrou linhas perfeitas na costa de Java correndo sozinhas. Convenceu o seu parceiro, Bill Boyum, e lá foram os dois em suas motocicletas, com bagagem e pranchas na garupa. Após entraves burocráticos e aventuras, eles chegaram à Reserva Florestal de Plengkunk, no leste de Java. Ali estava pequeno, e hoje famoso vilarejo de pescadores chamado Gradjagan. De lá, atravessaram de canoa a lagoa que os separava da outra margem, andaram pela floresta tropical e acamparam na mata para, no dia seguinte, acordarem esfregando os olhos e se beliscando, sem acreditar no que viam. Na frente deles, correndo pela bancada de corais, um swell de 6 a 8 pés quebrava perfeito, sem parar, como uma máquina de sonhos.