14 perguntas para... Brian Keaulana


“ANTES DE ANDAR EU JÁ NADAVA”, DIZ ELE SOBRE SUA VOCAÇÃO NATURAL PARA LIDAR COM O MAR E SITUAÇÕES DE PERIGO. AOS 49 ANOS, BRIAN NASCEU E CRESCEU NA FAMOSA PRAIA DE MAKAHA, LADO OESTE DA ILHA DE OAHU, BERÇO DO SURF NO HAWAII. “NAQUELA ÉPOCA NINGUÉM NEM PENSAVA EM SURFAR NO NORTH SHORE, QUE ERA CONSIDERADO UM LUGAR PERIGOSO E FORA DE CONTROLE. FOI EM MAKAHA QUE O SURF DE ONDAS GRANDES E AS COMPETIÇÕES COMEÇARAM DE FATO”, AFIRMA KEAULANA. ELE ESTEVE PELA PRIMEIRA VEZ NO BRASIL EM SETEMBRO DO ANO PASSADO, ONDE PARTICIPOU DO II EARTHWAVE FESTIVAL DE SURF ECOVIAS, EM SAN
TOS, NO LITORAL PAULISTA: “JÁ RODEI QUASE O MUNDO INTEIRO E DE LONGE ESSA FOI A MINHA MELHOR VIAGEM”. DE SUA CASA EM MAKAHA, BRIAN CONCEDEU A SEGUINTE ENTREVISTA POR E-MAIL PARA O BLOG.


01. COMO FOI SUA INFÂNCIA EM MAKAHA, SENDO FILHO DO LENDÁRIO BUFFALO KEAULANA?
Ele é uma pessoa muito especial. Não foi fácil para mim, nem para meus irmãos, viver à sombra do nosso pai e tentar seguir os passos dele. Mas crescer aqui foi muito bom. O engraçado é que como eu nunca havia saído de Makaha, achava que o restante do mundo era assim também. Cresci ao lado de caras como Greg Noll, que até hoje eu chamo de “tio Greg”, Buzzy Trent, George Downing. Eram os amigos do meu pai. Makaha era o quintal da minha casa, o visual da janela era incrível. Meu pai era um dos “beach boys” em Waikiki e trabalhava levando os turistas para andar de canoa, dava aulas de surf e tocava músicas em um life style incrível. Depois ele conseguiu um trabalho na prefeitura para cuidar da praia de Makaha. Na época não havia salva-vidas e quando alguém se afogava ele ia salvar, além de retirar todo o lixo da praia. Ele fez tantos resgates que o governador o colocou como salva-vidas da área toda. Com isso, ele pôde cuidar bem de nós, nunca deixou faltar nada em casa e sempre teve muitos amigos em volta. Fora isso, ele nos ensinou tudo sobre o oceano. Ele me jogava na correnteza e explicava como sair dela. Ensinou tudo sobre ondas, fundos de coral, mergulho, pesca. Nossos brinquedos eram barcos à vela, canoas, pranchas de surf, bodyboard.

02. ELE SURFAVA ONDAS GRANDES TAMBÉM?
Claro que sim, ele surfava em Makaha ondas tão grandes quanto em Waimea. Na real, quando Waimea está fechando, Makaha é o único lugar surfável na costa. Eu já surfei aqui na remada ondas de 60 pés que eu nunca vi em Waimea. Quando você pega uma onda em Waimea, surfa-a do raso para o fundo. Tem aquele dropão, vem a parede e depois a onda morre, pois fica fundo no meio da baía. Aqui em Makaha é diferente, você surfa do fundo para o raso e a onda fica cada vez mais intensa. Se você pega uma onda de 20 pés no outside, ela cresce para 25 a 30 pés e quando ela chega ao “bowl”, ela vem de um jeito querendo engolir você, é muito perigoso surfar aqui nos dias grandes. Quando a onda o pega ela o segura lá embaixo por muito mais tempo que em outros lugares.

03. INCLUSIVE TEVE AQUELA MÍTICA ONDA DO GREG NOLL, CONSIDERADA A MAIOR JÁ SURFADA NA REMADA EM MAKAHA.
Pois é, infelizmente ninguém registrou aquela onda. Eu era garotinho na época e me lembro que foi num dia muito grande mesmo. Somos muito amigos do Greg e até hoje meu pai sacaneia ele direto, dizendo que a cada ano que passa essa onda fica maior e maior (risos).

Eu diria que ela tinha pelo menos uns 30 pés havaianos, mas hoje em dia tem gente que falaria que tinha 50 a 60 pés. Eu me lembro que no dia a água estava varrendo a rua, o shore break estava enorme e as ondas fechavam a baía. Isso é muito raro. Quando as ondas vão até a rua e o canal de Makaha está fechando, pode acreditar que está gigantesco. Até hoje eu só vi esse canal fechar três vezes na minha vida, essa foi uma delas.

04. MAKAHA TEM FAMA DE SER UM LUGAR BARRA-PESADA, COM REGRAS PRÓPRIAS DE CONDUTA. COMO FUNCIONA ISSO?
Esse lado da ilha sempre teve essa reputação. Quando acontece alguma coisa, as pessoas não costumam chamar a polícia, preferem resolver por elas mesmas. É um povo meio agressivo e com bastante atitude, mas se você chegar aqui com respeito e humildade, será tratado de acordo. A real é que hoje em dia não vale a pena brigar, você não sabe quem pode estar armado. E com essa onda de vale-tudo no mundo inteiro, todo mundo sabe brigar.

05. VOLTA E MEIA SE OUVE FALAR DE BIG RIDERS EM BUSCA DA ONDA DE 100 PÉS. VOCÊ ACREDITA QUE ELAS EXISTEM?
Eu já vi ondas de 100 pés. Existem inclusive algumas fotos de ondas em Kaena Point estimadas em 100 pés. Antigamente tinha um farol lá com 60 pés de altura, que foi varrido por uma onda dessas. Nas fotos, você vê o farol e as ondas gigantes atrás. Mas para surfar essas ondas é preciso saber respeitar o oceano. As condições devem ser favoráveis, com boa formação e sem muita correnteza. Existem as horas certas, você tem que saber identificar essas situações. Eu acho possível se tiver o equipamento certo e a mente e o corpo preparados.

06. VOCÊ AINDA TRABALHA COMO SALVA-VIDAS?
Na verdade hoje estou apenas treinando os salva-vidas, principalmente os novatos. Inclusive, foi esse um dos motivos da minha ida ao Brasil. Fui convidado para dar um curso em Recife por intermédio do Lapo (Coutinho, juiz baiano que vive há anos no Hawaii), um grande amigo que morava em Makaha, verdadeiro “beach boy” (risos). Minha agenda é realmente cheia e atendi ao pedido dele primeiramente como amigo, mas depois pesquisei e descobri que Recife é considerado o lugar com mais ataques de tubarões do mundo. Percebi que era uma situação extrema e que iria valer a pena. Fui com o Halph Goto, chefe do Water Safety Division de Honolulu, e Victor Marçal, um excepcional waterman. Participaram do curso todos os salva-vidas que lidam com os ataques de tubarões, o corpo de bombeiros e alguns surfistas locais. Nós os ensinamos a trabalhar em equipe e a lidar com situações específicas. Foi uma semana intensa e acho que eles aprenderam muitas coisas.

07. QUAL A SITUAÇÃO MAIS COMPLICADA NUM SALVAMENTO E QUAL FOI O RESGATE MAIS DIFÍCIL QUE VOCÊ JÁ FEZ?
A pior coisa é você não estar preparado ou não ter treinado para um determinado tipo de situação. Por isso, planejamento e treino são fundamentais. Tem um resgate que até hoje não sai da minha cabeça. Foi em Makaha, antes da introdução dos jet-skis. Estava quase de noite e vi um cara gritando na água, o mar estava bem grande e mexido. Eu e a Rell Sun (falecida surfista havaiana) pulamos na água para salvá-lo, mas a correnteza era muito forte e o havia pegado. Eu estava a cerca de 20 metros e ele gritava desesperado para mim, mas não consegui chegar perto o suficiente para resgatá-lo. Depois de uma série grande, ele desapareceu e nunca mais o vimos. Até hoje eu ainda ouço a voz dele gritando e ainda me lembro do olhar dele. Essa é a pior parte dessa profissão, pois ninguém o treina para lidar com esse tipo de coisa. É preciso ter uma mente muito forte para ser salva-vidas, é muito difícil quando você perde alguém. Em compensação, salvar uma pessoa é uma recompensa grande. Lembro de um resgate que fiz em Yokohamas, quando um cara foi varrido por uma onda grande e ficou preso numa caverna por duas horas e meia. Alguém filmou esse resgate e depois pudemos usar o vídeo para educar outras pessoas sobre o que se deve fazer em situações parecidas.

08. COMO VOCÊ ANALISA A EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS DE RESGATE?
Nosso sistema de comunicação evoluiu muito, os rádios que temos hoje são muito bons. Também destaco o esquema de sempre trabalhar em equipe. É como um time de futebol, cada um tem a sua área para jogar, não adianta todo mundo correndo atrás da bola ao mesmo tempo. Claro que o jet-ski ajuda muito, mas você tem que sempre lembrar que é uma máquina e que o piloto precisa ter muita experiência no mar. Temos investido tanto nisso que a técnica de resgate com o trabalho em equipe fez com que tudo ficasse mais funcional.

09. E COMO É SEU TRABALHO EM HOLLYWOOD, COMO DUBLÊ?
Meu principal trabalho hoje é na indústria de filmes. Sou dublê e também diretor das cenas de ação. Geralmente existem os diretores principais e eu atuo numa segunda unidade, coordenando essas tomadas. Faço parte de um grupo chamado Stunts Unlimited, de apenas 50 profissionais, talvez os melhores do mundo, e sou o único havaiano. Nós fazemos de tudo, desde aquelas perseguições com carros, brigas, quedas de prédios, cenas na água, no fogo. Já fiz muitos filmes, “Water World”, “Run Down”, “Blue Crush”. Gosto muito desse trabalho, que é minha principal fonte de renda atualmente. Mas também tenho outros negócios. Sou sócio do Terry Ahui no Hawaiian Water Patrol, empresa que faz a segurança de todos os campeonatos de surf no Hawaii. Também tenho uma parte na C4 Waterman, uma fabricante de pranchas e remos de Stand Up, além de algumas outras coisas menores.

10. O QUE VOCÊ ACHA DESSA FEBRE MUNDIAL COM O STAND UP?
O grande lance é que tem muita gente praticando pela malhação. Uma hora de remada no SUP equivale a sete horas de remada no surf. Você malha mais e também trabalha o equilíbrio. Se eu fosse treinador, iria obrigar meus atletas a praticarem SUP. Outro fator que ajuda o crescimento é o fato de poder ser praticado também onde não tem onda. Estamos tentando fazer a nossa parte educando essas pessoas que não têm noção de surf, de reef, de correnteza. Também fazemos algumas clínicas ensinando técnicas de segurança, etc. Fiquei muito impressionado com o nível do SUP no Brasil, estão no mesmo nível dos havaianos. Vi o Haroldo (Ambrósio), o filho do Picuruta (Leco) e aquele outro rapaz, o Carlos (Bahia), estavam todos surfando muito bem. Quando eu cheguei ao campeonato em Santos, prometi que o campeão seria convidado para nosso evento de ondas grandes em Makaha. E o Picuruta acabou vencendo, o que achei ótimo. Ele é muito amigo do meu irmão, aliás, eles se parecem muito, principalmente pelo gosto por piadas e brincadeiras, então será legal receber o Picuruta aqui.

11. COMO FOI SUA EXPERIÊNCIA NO BRASIL?
Foi minha primeira vez no Brasil e foi totalmente diferente do que eu esperava. Estou acostumado a ouvir tanta coisa ruim sobre brasileiros no North Shore, que pra falar a verdade estava meio cabreiro, apesar de nunca ter tido nenhum problema com brasileiros, pelo contrário. Os poucos que conheço são bons amigos. Quando cheguei lá todas as pessoas que conheci me trataram excepcionalmente bem, exatamente com o mesmo “aloha feeling” que a minha família aqui no Hawaii. Eu me diverti muito no Brasil, você não faz idéia. Um dia, no Rio de Janeiro, fomos a um show de samba que foi alucinante. Ouvir aquela batida forte, aquela percussão é contagiante demais. Já fui para o Japão, Tahiti, Nova Zelândia, já rodei quase o mundo inteiro e de longe essa foi a minha melhor viagem.

12. VOCÊ PARTICIPOU DO RECORDE DE SURFISTAS NUMA MESMA ONDA BATIDO EM SANTOS?
Isso também foi alucinante. O Rico (de Souza) e o Picuruta tiveram muito trabalho para coordenar todo mundo com bandeiras, etc. No início foi meio difícil, mas depois acabou dando certo, fiquei amarradão em ter sido um dos 88 surfistas naquela onda. Foi bem divertido. Pretendo voltar no ano que vem para divulgar e ensinar um pouco da cultura havaiana no Brasil. Queremos ensinar o pessoal a surfar de tanden, canoas havaianas, Stand Up, Surfing e também tentar arrumar patrocínios ou empresas que possam doar equipamentos para os salva-vidas em Recife. Outro plano é tentar bater o recorde de maior número de surfistas em uma onda em Waikiki, na próxima Duke Fest, e criar uma competição saudável entre o Brasil e o Hawaii. Sei que não será fácil, pois em Santos havia 300 caras na água e apenas 88 conseguiram surfar a onda. Mas vamos tentar.

13. FALANDO NISSO, O BIG BOARD BUFFALO CLASSIC, DO SEU PAI, É UM DOS FESTIVAIS MAIS DIVERTIDOS DO SURF. COMO SURGIU A IDÉIA?
A idéia surgiu depois que meu pai navegou até o Tahiti no Hokulea, uma réplica das embarcações polinésias antigas. Ele foi apenas seguindo as estrelas e pôde meditar muito sobre a vida. Quando voltou, resolveu fazer esse evento para melhorar a comunidade. Tem música ao vivo na praia, comida, jogos e todo tipo de categoria de surf que se pode imaginar. São 16 categorias diferentes, desde surf de peito a tanden, paipo, canoas nas ondas, longboard, bully board. O evento é sempre alto-astral e isso meio que mudou a cara de toda a Costa Oeste. Já faz 30 anos que o evento acontece todos os anos e todo mundo adora. É como a olimpíada dos waterman (risos).

14. O QUE VOCÊ DIRIA PARA OS BRASILEIROS QUE QUEREM VIR PARA O HAWAII SURFAR?
Entendo bem como é isso, você vem de longe querendo pegar altas ondas, chega aqui faminto, querendo realizar o sonho de surfar no Hawaii. Mas chega aqui e encontra centenas de pessoas querendo a mesma coisa, aí fica difícil para todo mundo. Meu toque é lembrar que existem vários picos no North Shore que quase ninguém surfa e pode ser bem mais prazeroso do que ficar remando e esbarrando no crowd. Engraçado que um tempo atrás eu tive que filmar uma cena em Waimea e tinha uns 40 caras na água. A maioria era brasileira e eu pedi pra galera me aliviar apenas uma onda, em que quatro surfistas iriam descer juntos com umas pranchas antigas. Todos os brasileiros me ajudaram, o único cara que ficou reclamando foi um havaiano. Irônico, não é? Nossa vibe em Makaha sempre foi de ensinar e repassar nossa sabedoria, tudo que eu aprendi com o meu pai eu tento passar adiante. Essa é nossa meta, ficamos orgulhosos com isso e quem sabe podemos até aprender algo novo depois. Essa sempre foi a nossa maneira de ser, de nunca querer ser melhor que os outros, mas fazer os outros serem melhor que nós. É assim que se faz amigos, você ajuda alguém agora e lá na frente ele te ajuda também. Esse é o real espírito “Aloha”.