S.O.S. NORONHA


DE JANEIRO A JANEIRO, TURISTAS DE TODAS AS PARTES DO MUNDO INVADEM FERNANDO DE NORONHA. DESDE ALEMÃES QUE NO SEGUNDO DIA DE VIAGEM JÁ ESTÃO COR DE ROSA, ATÉ JAPONESES QUE NÃO SAEM DA POUSADA SEM NO MÍNIMO TRÊS CÂMERAS ─ TODO TIPO DE GENTE POUSA NO ARQUIPÉLAGO EM BUSCA DE U
M GOSTINHO DO PARAÍSO.

LOCALIZADO A 545 KM DE RECIFE, PERNAMBUCO, NORONHA É UM CONJUNTO DE 21 ILHAS VULCÂNICAS. MAS APENAS UMA, A MAIOR DELAS, É HABIT
ADA. AS OUTRAS 20 FAZEM PARTE DO PARQUE NACIONAL MARINHO E SÓ PODEM SER VISITADAS COM LICENÇA DO IBAMA.

COM APENAS 17 QUILÔMETROS QUADRADOS, A ILHA PRINCI
PAL POSSUI PRAIAS PARADISÍACAS, VISUAL PITORESCO E UM RICO ECOSSISTEMA QUE FAZEM QUALQUER UM PERDER O FÔLEGO. EM UMA SIMPLES CAMINHADA PELAS TRILHAS DA ILHA OU NUM MERGULHO NA BAÍA DO SANCHO, É POSSÍVEL OBSERVAR INÚMERAS ESPÉCIES DE ANIMAIS E PLANTAS QUE SÓ EXISTEM POR LÁ E ADMIRAR UM DOS VISUAIS MAIS INCRÍVEIS DO MUNDO. NÃO É À TOA QUE NORONHA É O PRINCIPAL PARQUE MARINHO BRASILEIRO E UM DOS MELHORES LOCAIS PARA MERGULHO DO PLANETA.

COMO SE NÃO BASTASSE, FERNANDO DE NORONHA TAMBÉM TEM SURF ─ E DE QUALIDADE. ENTRE NOVEMBRO A MARÇO, TUBOS E MAIS TUBOS QUEBRAM COM IMPONÊNCIA NAS PRAIAS DE NORONHA. CHAMADO POR MUITOS DE HAWAII BRASILEIRO, O ARQUIPÉLAGO É PARADA OBRIGATÓRIA PARA QUALQUER TUBERIDER QUE SE PREZE.


EM TEORIA, FERNANDO DE NORONHA É O PARAÍSO. MAS, COMO QUAS
E TUDO NESSA VIDA, NA PRÁTICA A REALIDADE NÃO É BEM ASSIM.


Ao se aproximar de Fernando de Noronha de avião pela primeira vez, a vista da janelinha te faz entrar em outro mundo. Sobrevoar o Morro dos Dois Irmãos e ver o mar azul turquesa á em baixo, já te dá uma previa do que está por vir. A ansiedade bate forte nesse momento. Ao descer e pisar em terra firme, parece que você caiu na ilha do seriado Lost. A natureza é algo único desse lugar.

Ainda anestesiado com o cenário, ao entrar no pequeno aeroporto o primeiro baque: desorganização. A fila para pagar o TPA (Taxa de Preservação Ambiental) é algo um tanto estressante. Tudo bem, aeroporto é aeroporto. Mas mesmo depois de um projeto de ampliação concluído este ano, as reformas não se mostraram suficientes para atender o grande fluxo de visitantes.


POR MAR
Outra forma de chegar em Noronha é pelo mar. Os barcos são peças-chave para o funcionamento da ilha. Além dos cruzeiros lotados de turistas que movimentam a economia local, é por meio deles que todos os alimentos, remédios e combustíveis entram na ilha. Atualmente, o porto de Noronha ─ a única porta de entrada para tudo isso ─ não dá mais conta do recado.

O precário píer não suporta ─ especialmente em dias de mar agitado ─ os três barcos de alimentos e o de combustível que abastecem a ilha, semanal e quinzenalmente. Sendo assim, os barcos com alimentos e combustível têm que revezar-se para atracar, deixando muitas vezes as prateleiras dos mercados locais vazias por vários dias. Por esse motivo, os moradores de Noronha são constantemente obrigados a estocar alimentos.

A boa notícia é que já existe uma proposta de reforma do porto pronta e enviada ao Governo do Estado de Pernambuco ─ do qual Fernando de Noronha faz parte. Segundo a administração da ilha, os recursos já estão sendo liberados.

Outro grande problema que o arquipélago enfrenta é o da energia.

Atualmente, toda a energia da ilha é gerada pela Usina Termoelétrica Tubarão, administrada pela CELPE (Companhia Energética de Pernambuco). O problema é que o processo de geração de energia através de uma termoelétrica é altamente poluente.

Uma usina termoelétrica produz energia através da queima de combustíveis fósseis. Durante esse processo, gases nocivos são liberados no ambiente contribuindo para o aumento do efeito estufa, aquecimento demasiado da superfície terrestre e o aquecimento global. Além disso, o processo é caro.

O combustível usado na queima da usina é o óleo diesel, trazido do continente através dos barcos mencionados anteriormente. A cada quinze dias, uma embarcação carregada de diesel chega em Noronha. Ou seja, a cada suas semanas, o rico ecossistema do arquipélago corre risco de ser contaminado caso haja derramamento na transferência desse combustível para os tanques em terra.

Uma das soluções seria a instalação de fontes de energia renováveis. Existe um projeto para criação de torres eólicas na ilha ─ uma inclusive já foi construída pela Universidade Federal de Pernambuco, mas atualmente está quebrada.

Segundo Kleber Barros, funcionário da CELPE, a energia eólica seria ideal, mas ainda apresenta contrapontos. “A energia mais adequada para Noronha seria a eólica por não poluir, mas ela é muito cara e não retorna tanta energia quanto as termoelétricas. Hoje em dia nós gastamos em média 11 mil litros de diesel por dia e 800 kilowatts por residência. Para gerar toda essa energia utilizando fontes de energia eólica, o gasto seria enorme”.

Mas será que o custo de todo esse óleo diesel ─ e seu transporte até o arquipélago ─ não seria superior ao da instalação de fontes de energia eólica? Com base nos dados fornecidos pelo CELPE, são consumidos mais de 4 milhões de litros de diesel anualmente em Noronha. Se adicionado o custo do transporte, o gasto anual com energia supera facilmente os 6 milhões de reais.

Segundo estudos, o custo para a instalação de 10 torres eólicas (o mínimo necessário para prover energia para toda ilha) seria de cerca de 10 milhões de reais. Ou seja, com um investimento inferior ao gasto com diesel em 2 anos, poderia criar um sistema de geração de energia limpa e renovável.


SAÚDE
Mas segundo moradores do arquipélago, esses problemas não chegam nem perto da situação encontrada na área da saúde. Atualmente, o hospital de Noronha não possui infra-estrutura para cumprir com as necessidades básicas da ilha.

Apesar dos 3 médicos residentes, se alguém precisar de uma operação ou qualquer outro recurso de emergência, certamente terá de esperar. Nos casos mais urgentes, o hospital depende totalmente do salvamento aéreo que vem do continente. Tal procedimento é lento e caro ─ o salvamento aéreo é feito por uma empresa particular e pago pelo estado de Pernambuco com o dinheiro da taxa. Se o avião estiver em Recife, o preço do resgate é de 25 mil reais. Se ele estiver em outro estado, o custo sobe ainda mais.

Os moradores reclamam por um hospital que tenha estrutura básica, mas o sonho ainda parece um pouco distante. Pois para isso acontecer, é preciso manter uma equipe médica na ilha de no mínimo cinco profissionais. Segundo moradores, o Estado alega que não existem recursos para isso.

Gestantes também sofrem com a atual situação hospitalar. Acredite: o hospital da ilha não faz partos! (?) O procedimento das grávidas é se mudar para o continente no sétimo mês de gestação, para contar com acompanhamento médico ideal. O único detalhe é que o governo paga apenas a passagem de avião da futura mãe ─ o restante dos custos ficam por conta dela.

Problemas como estes são muito comuns em diversos estados mais pobres do Brasil. O que não dá para entender é como tudo isso acontece em Fernando de Noronha ─ uma pequena ilha, onde todos os visitantes pagam uma taxa diária só para pisar nela, além da fortuna que gastam com alimentação, hospedagem, passeios e outras despesas.


TAXAS E MAIS TAXAS
Todas as pessoas que entram em Fernando de Noronha pagam a Taxa de Preservação Ambiental, de acordo com a duração de sua estadia. Quem vai de barco, além do TPA, paga uma taxa de contribuição social e uma taxa de ancoragem.

O valor do TPA é de R$ 40,40 por dia. Segundo dados oficiais da administração, em janeiro deste ano 6.012 pessoas visitaram Fernando de Noronha e pagaram a taxa. Se fizermos uma média de que cada pessoa passou, no mínimo, uma semana na ilha, ao todo foram arrecadados 1.700.193 reais ─ apenas no primeiro mês de 2011.

Segundo a administração, o dinheiro da taxa é recolhido pelo governo de Pernambuco ─ mas usado em Noronha. Para os gastos serem aprovados, todavia, existe muita burocracia. Na maioria das vezes, esse processo é extremamente lento ─ meses e meses para solucionar necessidades urgentes.

Como se não bastasse, em dezembro do no passado foi aprovada uma licitação para a criação de uma nova taxa. Agora serão cobrados R$ 65/dia para brasileiros e o dobro para estrangeiros para a preservação da APA (Área de Preservação Ambiental do Estado), que constitui 70% do arquipélago. Segundo o governo, com essa taxa será feita a recuperação das trilhas, dos mirantes e acesso às praias.

Mas não é para isso que serve a Taxa de Preservação Ambiental?

Se o dinheiro das taxas fosse mesmo investido de maneira eficiente no arquipélago, será que moradores e visitantes sofreriam com todos esses problemas?


NEM TUDO ESTÁ PERDIDO ─ EXEMPLOS A SEREM SEGUIDOS
No caminho da Cacimba do Padre, pico mais procurado pelos surfistas e palco dos grandes campeonatos de surf que acontecem em Noronha, você é obrigado a passar ao lado do lixão. Com certeza, essa não é uma das melhores recordações que vai guardar da ilha. O cheiro de lixo é quase insuportável ─ em dias quentes e com o vento sul, pode ser sentido até no line up.

Apesar do problema do mau cheiro, o lixão ─ na realidade uma usina de compostagem ─ é um dos exemplos positivos de infra-estrutura e sustentabilidade de Noronha. Como o arquipélago é uma Área de Preservação Ambiental, por lei não é permitido enterrar lixo ─ ele tem que ser reaproveitado ou retirado. Atualmente são produzidas 10 toneladas por dia em Noronha. Plástico, papelão, alumínio e vidro são enviados de navio ao continente. O restante ─ lixo orgânico ─ é colocado em leiras para depois ser transformado em adubo. O mau cheiro vem do lixo orgânico em decomposição.

Outro projeto exemplar no arquipélago é o do viveiro de mudas nativas. Em parceria com a Hang Loose, o projeto TAMAR produz mudas nativas para reflorestar a ilha. Segundo pesquisadores, restam apenas 7% da vegetação original de Noronha.

De acordo com Rafael Azevedo, coordenador do TAMAR em Fernando de Noronha, o projeto vem dando certo. “Quando nós começamos, a idéia era produzir, além das mudas nativas, plantas frutíferas para a própria população plantar em suas casas”.

São iniciativas como estas que ainda mantém a esperança de que Fernando de Noronha manterá o título de paraíso brasileiro. Mas a verdade é que arquipélago ─ e seus moradores ─ estão em estado de S.O.S. Até quando?