MR. SURF


Estava com minha mulher em Nova Iorque, no carnaval, curtindo um merecido descanso depois de tanto trabalho nos últimos meses, quando me toquei que era hora de entrar no site da ASP e checar o último dia do Quiksilver Pro, etapa de abertura do World Tour 2011, realizada na Gold Coast, Austrália.

Era meu penúltimo dia em Manhattan e obviamente a pressão para dar uma volta pela Times Square estava enorme. Com jeitinho, disse que tinha que assistir ao Kelly Slater, único surfista que ela conhece, para arrumar o salvo conduto, não antes de escutar a seguinte fala: “O Kelly Slater ainda ta competindo? Pô, esse cara não deixa ninguém ganhar! Os outros devem ficar tristinhos”. Um pensamento feminino espontâneo que me fez refletir algumas horas depois, ao acompanhar a 46ª vitória do decacampeão do Circuito Mundial.

Nos últimos 20 anos, Slater venceu 10 títulos, o que já dá a incrível média de uma taça de campeão a cada dois anos. Contando que ele ficou três anos afastado, a estatística ainda melhora. O cara está se deparando com a 5ª geração de excelentes surfistas e continua no topo.

Kelly sucumbiu e ganhou de Curren, Carrol, Potter, Sunny, Occy, Machado, Beschen, Parkinson, Taj, Dane Reynolds, Jordy Smith e até de campeões como Andy Irons e Mick Fanning, por exemplo, que poderiam ter reinados mais longos, porém pararam no muro Slater.

Penso que quando um ídolo se torna tão ou mais conhecido quanto o esporte que pratica, isso não é um bom sinal. Slater certamente difundiu a atividade que pratica, pás um dia se aposentará, e o surf não pode ficar viúvo. Lembram de Michael Jordan, o deus do basquete americano? Quando ele se aposentou, o PIB americano teve uma ligeira queda, já que as ações de diversas empresas ligadas a ele e ao basquete profissional como Nike e MacDonald’s, só para citar duas gigantes, caíram, além da audiência das transmissões dos jogos ter despencado. A NBA levou anos para se levantar até que Kobe Bryant assumiu o posto (nas devidas proporções) de MJ, junto com outras revelações.

Slater tem 39 anos e venceu novamente, dessa vez com muita facilidade, sem nem ao menos precisar ter atuações espetaculares. Sua maior nota durante todo o evento foi 8.73 nas quartas-de-final contra Dustin Payne, muito pouco para um gênio. Ganhou de todos na experiência, controlando as disputas e só tendo problemas no Round 5 quando virou contra Adrian Buchan faltando apenas 3 minutos para o término.

Ver Smith, Fanning, Parko e até mesmo Taj, que estava voando, serem superados por um atleta quase 20 anos mais velho (no caso de Jordy Smith) e tentando arranjar motivação para continuar a competir me faz pensar no quanto Slater é bom ou no quanto os outros não são tão bons. Acho que Jordy tem tudo para ser o próximo papa-tudo, pois é ótimo nas marolas, grandioso nas maiores, além de estar melhorando bastante nos tubos e ser um bom competidor, mas pode acabar sofrendo o que Taj e Parko tiveram que aturar na última década, sendo apagados por uma hegemonia cruel que só mesmo Andy Irons, vencendo três vezes seguidas, e Fanning foram capazes de quebrar.

Vendo os enormes letreiros com a cara de Slater nas lojas da Quiksilver na Times Square e 5ª Avenida, templos da moda, dá para perceber que ele e o logo da marca fundem-se numa única coisa. E percebendo a enorme multidão que assistia apenas às suas baterias em Snapper Rocks, que seu nome também funde-se ao surf profissional.

Em 1999, quando ele resolveu se aposentar, o retorno de Occy movimentou a mídia e fez as pessoas não terem tanta saudade. Com a personalidade marcante e apetite de Andy Irons, Slater virou até figurinha secundária. Atualmente, não consigo visualizar nenhum surfista com tamanho carisma e talento para substituí-lo. Dane Reynolds poderia ser este cara, mas seu forte não parece ser as competições, e não se engane, num mundo cada vez mais capitalista, a glória só vem para os vencedores e não para os voadores.

Temo que a saída de Kelly vá tirar o surf da grande mídia. Com tantas outras atividades radicais sendo criadas e praticadas a cada ano, manter-se como o número 1 entre os esportes de ação vem sendo difícil e sem seu maior e talvez único embaixador, fique impossível. Podem até me questionar que isso não o afetará quando for pegar onda, mas lembre-se que a evolução das pranchas, manobras e até mesmo da bermuda que você usa para surfar vem de caras como Kelly. Sem eles, talvez você estivesse surfando de monoquilha 8’0”, usando garrote e vela.

Não acho que Slater vai se aposentar, não neste ano. E Jordy, Parko, Taj podem ter nova oportunidade de provar que podem vencer o maior de todos os tempos. Agora, se o floridiano levar o 11º caneco, acho que realmente minha mulher não me deixará mais ficar vendo eventos de surf pela internet quando estivermos de férias, porque afinal, "pra que ver se só ele ganha? Qual é a graça?”, dirá ela. Eu vou falar o quê?