SILÊNCIO QUE CONDENA


Há algumas semanas, a justiça americana aceitou um pedido da viúva de Andy Irons, Lyndie, para adiar a divlgação da autópsia do tricampeão mundial. Seu argumento foi de que o frenesi da mídia perante o resultado iria diminuir “o valor da marca Andy Irons” e assim causar um “dano imediato e irrevogável” a ela e seu filho recém nascido.

A meu ver, o tiro saiu pela culatra. Pois quem sofre dano imediato e possivelmente irrevogável com o adiamento da divulgação da autópsia, é exatamente a imagem de Andy Irons. Tal pedido por parte de sua viúva só reforça a tese de que as circunstâncias de sua morte são mais sombrias do que inicialmente divulgado. É um silêncio que condena. Assim que a notícia da morte de Andy Irons correu o mundo, uma enxurrada de acusações inundou os blogs e fóruns da internet. A mídia, patrocinadores e ASP teriam sido negligentes e seriam parcialmente culpados pela ida abrupta do havaiano. Mas, realisticamente, quem conseguiria controlar as decisões de um homem de 32 anos? Como poderiam ASP e patrocinadores interferir no estilo de vida de Irons?

Da mesma maneira, é possível apontar instancias onde a divulgação das indiscrições de Andy por parte da mídia especializada poderiam, teoricamente, tê-lo ajudado a encarar seus problemas e demônios. Particularmente, acredito que isso teria pouca influência nas decisões do tricampeão.

Andy já havia sido alertado do perigo de seu estio de vida por um antigo patrocinador e tinha inclusive sido internado pela família em um centro de tratamento para dependentes químicos. Até seu grande amigo, Shane Dorian, disse que ficava frustrado pois Andy nunca ouvia seus conselhos.

A verdade é que um dos surfistas mais talentosos da história era um ser humano que, atormentado pela depressão, repetidamente tomou o caminho errado perante as importantes encruzilhadas da vida.

E enquanto é absolutamente compreensível que sua família tente resguardar seu nome, imagem e legado ─ é fundamental para o surf competitivo que a verdade venha à tona. Não para apontar possíveis “culpados” por sua morte, mas sim para que o esporte demonstre sua evolução.

Anos atrás, escrevi que o surf competitivo vivia um dilema. Segundo ele, ou as marcas, atletas e entidades responsáveis abraçavam a idéia de que o esporte havia tornado-se verdadeiramente profissional, ou aceitavam que nosso Circuito Mundial não passava de um bando de surfistas se divertindo nas ondas e baladas mundo afora. Não dava mais para tratar os Tops como atletas profissionais, quando a maioria não agia com profissionalismo.

Acredito que o surf competitivo superou, naturalmente, esse dilema. Hoje o surf é um esporte profissional, onde atletas de ponta contam com todo tipo de preparação e acompanhamento extra-surf para manterem-se no topo. Não há mais lugar para um estilo de vida “rockstar’. Basta olhar para caras como Fanning, Mineiro, Durbidge e o próprio Slater ─ todos são atletas, mais do que surfistas. Por isso mesmo o resultado da autópsia de Andy ─ que irá determinar de uma vez por todas o que realmente o matou ─ precisa ser tornado público. Deixar os fatos caírem no esquecimento seria um retrocesso para o surf competitivo. A divulgação aberta e transparente da autópsia de Irons pode estabelecer definitivamente a separação entre o surf competitivo e o estilo de vida surf.

O primeiro é um esporte profissional.

O segundo é algo muito maior e mais significativo. É uma filosofia de vida. Uma busca eterna onde o caminho é o que importa.

Todos nós sabemos que o surf nasceu na contra-cultura. Atrelado a um estilo de vida saudável, livre e alegre, carregamos em nosso DNA um espírito aventureiro, rebelde, questionador e inconformista. É isso o que nos faz surfistas de alma. O lifestyle surf não se encaixa nos padrões tradicionais, e nem deveria. Somos únicos e devemos permanecer assim.

Mas o surf competição é outra coisa, completamente diferente. Para crescer e ser levado a sério ─ como tanto almejam os envolvidos no esporte ─ são necessárias transparência, seriedade e profissionalismo. Não há mais lugar para “silêncios” ─ pois são eles que condenam.