Dia de surf


I
maginei que poderia ser divertido. Mas não esperava que fosse surpreendente. “Tá Dando Onda” é uma síntese legal de tudo que já tentaram fazer sobre surf, na visão hollywoodiana, e não conseguiram. “Big Wednesday” e “Nas Mãos de Deus” chegaram perto, mas os pingüins animados da Sony Picture protagonizaram um dos melhores “filmes” de surf que já vi. A produção, que lembra a linha documental de “Riding Giants” misturada a um reality da MTV e transmissões da ESPN, consegue apresentar o surf de forma a agradar quem vive esse universo e elucidar os leigos. A essência está ali. Os ícones transparecem nos personagens e nas imagens que parecem muito mais reais do que todas as tentativas “fake” dos filmes com gente de verdade. A ilha paradisíaca de “Pan Gu” tem o secret perfeito e, do lado oposto, o palco das competições que nos faz lembrar Pipeline, Mavericks e Waimea durante o Eddie Aikau. Há cenas em que você se sente realmente na onda. Caldos monumentais e manobras absurdas. Os estereótipos lembram aquele filme “Surf no Hawaii”, com “o mala local do pico” e a figura lendária, Big Z, que não gosta de campeonatos, sabe tudo de shapes e mantém o real espírito do surf. A consultoria de Kelly Slater e Rob Machado, que na animação viraram pingüins homônimos deles mesmos, foi fundamental para que a história seja repleta de referências, idéias e movimentos facilmente reconhecidos por nós. Toda mitologia do surf está bem representada e passa a mensagem correta através da aventura de Cody Maverick atrás do sonho que, mais ou menos, pertence (ou pertenceu em algum ponto da vida) a todos nós.

Pode parecer coisa de criança, mas acho que esse filme, que foi lançado em outubro de 2007, deu uma bela acelerada no mercado do surf no início de 2008.

CHUTAÇO


O ser humano sempre foi ligado neste negócio de futuro. Querer adivinhar o que vai acontecer é um dos maiores desafios do homem desde a antigüidade. Elias, Nostradamus, Ezequiel são apenas alguns dos profetas conhecidos de nossa história.

Longe de querer me tornar um deles, sempre gostei de dar meus pitacos em relação ao Circuito Mundial. Acho o máximo fazer um estudo, analisar os eventos, atletas, novidades, variedades e no final fazer uma premonição “vigarista” do que vai acontecer.

Como o World Tour se inicia amanhã, acho que é uma boa oportunidade para tentar adivinhar os caminhos de algumas figuras da ASP nesta temporada.

Vou começar por um cara que teve muita falta de sorte nos dois últimos anos. Joel Parkinson é um dos maiores da história. Sua facilidade em executar qualquer manobra chega a assustar. Movimentos limpos, velocidade perfeita, o cara nasceu para isso. O que deu errado? Kelly Slater! Depois, duas contusões, uma delas seríssima, quando ele já demonstrava a maturidade necessária para segurar a onda de disputar um título mundial. Definitivamente, Parko é a minha aposta para ser o próximo número um.

Para pertubar Parko rumo ao título, vejo apenas quatro nomes: Jordy Smith, Taj Burrow, Owen Wright e Mick Fanning. Você deve estar se perguntando: “E o Dane Reynolds?”. Bem, ele é um monstro, mas não me parece focado o suficiente para mudar um pouco sua forma de surfar, como Martin Potter fez em 1989 para faturar seu caneco. Aliás, tomara que não mude, pois prefiro do jeito que está, natural.

Entre os brasileiros, há tempos não temos um time tão talentoso. Adriano de Souza parece que gostou de estar ali no topo. Está cada vez mais consistente, aguerrido e tático, as vezes até demais. Acho que não vai ter problemas para se manter entre os 16 primeiros.

Jadson André, este sim, pode ficar em apuros. Sua evolução é visível, mas as seis primeiras etapas antes do corte, em Trestles, não são tão promissoras. Gold Coast, Bells e J-Bay são eventos para regulars, o Rio e a etapa da Costa Leste ianque são incógnitas enquanto Teahupoo é um lugar para poucos e geniais. Mas o garoto tem ‘balls’ e isso conta muito.

Alejo Muniz certamente vai sofrer com a implacável falta de experiência, ainda mais agora, com menos e mais talentosos adversários. Já Heitor Alves é um excepcional surfista e creio que seu lugar é na elite. Ao contrário de Jadson, tem um backside poderoso e as direitas do Superbank e de Bells caem como uma luva para seu jeito de atacar o lip. Conhecedor profundo das ondas cariocas e com bom histórico de tubos no Tahiti, o cearense tem tudo para se destacar neste primeiro semestre, o que conta muito para uma tranqüila passagem para setembro, quando o bicho começa a pegar no circuito.

Sobrou Raoni Monteiro, mas esse prefiro me esquivar, afinal, dali tudo pode acontecer, desde ganhar um evento até perder todas as baterias de prima. Nesse caso, acho que nem com as “Centúrias” dá para arriscar um palpite.

Sobre as novidades, Julian Wilson é um cara perigoso. De logotipo novo na prancha, vai querer mostrar serviço. Já venceu alguns surfistas poderosos e sabe entubar muito. Uma boa pedida para se dar bem no Dream Tour.

Lembrando que tudo isso que escrevi, tirando a parte dos brasileiros, você pode apagar caso o porcaria do careca extraterrestre resolva assombrar novamente a nova, atual e velha geração. Se ele tomar gosto e resolver dar uma esticada de mais um ano colocando lycra, é claro que a clarividência vira dom comum à maioria dos mortais, o tornando favorito absoluto a ter 11 em 20011.

GENRO DO CURREN


ELE VEM DO TITANZINHO, ELA DE BIARRITZ. MUNDOS OPOSTOS, REALIDADES DISTANTES. FOI O SURF QUEM APROXIMOU ANDRÉ SILVA DE LEE ANN, FILHA DO TRICAMPEÃO MUNDIAL TOM CURREN, UMA DAS MAIORES FIGURAS DA HISTÓRIA DO ESPORTE.



O momento de conhecer o sogro dificilmente é agradável. Porque, afinal de contas, que pai faz questão de saber quem está, diga-se, levando sua filha para jantar?

Mas o que acontece quando você já sabe quem o sogrão é? E, ainda por cima, quando ele é se ídolo ─ uma das maiores lendas da história do surf?

Difícil imaginar. Para a maioria das pessoas, pelo menos.

O cearense André Silva, porém, sabe exatamente como é estar nessa situação. Ao começar a namorar a francesa Lee Ann Curren, ele sabia que o tal momento ─ o Dia D ─ chegaria.

Espere. Lee Ann Curren? O mesmo Curren do sobrenome do primeiro campeão mundial americano? Do rei do estilo, a lenda viva, o surfista que desenhou ─ e ainda desenha ─ as mais belas linhas em uma onda?

Sim.

Há pouco mais de dois anos, em Durban, na África do Sul, André Silva saiu pela primeira vez com a filha de Tom Curren. Até hoje, os dois estão juntos.


CASAL INCOMUM
Cada um deles vem de um contexto completamente diferente. Lee Ann, hoje com 21 anos, cresceu em Biarritz, França, com a mãe. Já André, 27, vem da comunidade do Titanzinho ─ celeiro de talentos em Fortaleza, CE. Mas o surf os levou aos mesmos lugares do mundo e, eventualmente, um ao outro. Aparentemente, não poderiam estar mais felizes ─ não desgrudam, mesmo durante a entrevista.

Se, por um lado, os dois vieram de ambientes diferentes, por outro lado, suas personalidades assemelham-se. “É bom ter alguém com quem você consegue se identificar, tanto no esporte quanto na vida pessoal. A gente se dá super bem, raramente brigamos. Quando acontece, é por alguma razão boba. Conversamos um pouco e já resolvemos. Mas não tem stress e isso acaba facilitando muito nas viagens. Um sempre ajuda o outro no que precisar”.

Quando não estão viajando para disputar campeonatos ou pegar ondas perfeitas, estão em Biarritz na casa de Lee Ann, ou no Ceará, com a família de André. Nos dois primeiros anos do namoro, foi André quem passou o fim de ano na França. “O primeiro (Natal) foi divertido, novidade, neve. Mas o segundo já nem tanto, é muito frio. Em uns 25 dias, surfei umas três vezes”, conta o cearense, ainda assim com um sorriso no rosto. Na terceira temporada de festas, durante a virada de 2010 para 2011, portanto, foi a vez de Lee Ann ficar no Brasil.

Aqui, ela pôde treinar para tentar se reclassificar para o WT em 2012, já que está fora da temporada 2011. “Tive uma lesão no ano passado, então vou tentar lutar pelo wildcard”, lembra Lee Ann, apesar de saber que dificilmente conseguirá a vaga por lesões, já que várias garotas também se machucaram durante o ano. “Será uma grande surpresa se eu ficar no WT”.

André conta que ficou impressionado ao chegar na Europa para conhecer a família de Lee Ann. “Quando você não conhece a cultura de outro país, generaliza tudo. Falavam que europeu, principalmente o francês, é muito fechado. Mas, convivendo nesses dois invernos que passei com a família da Lee Ann, descobri que o pessoal é muito gente boa. Me receberam bem, conversaram, faziam brincadeiras. É muito semelhante ao povo brasileiro. Mesmo antes de conhecer a Lee Ann, eu já tinha mais afinidade com a França do que com outros países da Europa”.

Já do outro lado, por parte da família de Lee Ann, nunca houve qualquer tipo de resistência por ela namorar um brasileiro. “Na minha família, há muitas nacionalidades”, afirma a francesa. “Meu pai é americano, minha mãe é francesa, metade dos meus primos são da Argélia, outro primo é da Austrália e meu irmão é meio panamense. Não ligo, é a minha família, todo mundo gosta de viajar e conhecer culturas diferentes. Minha avó, por exemplo, adora o André”, continua.

Mas e o sogro? Afinal, como é conhecer ─ e conviver ─ com uma das maiores lendas do surf? Segundo André, Tom Curren é “daquele jeito que a gente sabe. Caladão, na dele, mas tranqüilo. Já tinha visto algumas vezes e conversado rapidamente, mas foi estranho conhecê-lo como namorado da Lee Ann. Fiquei um pouco apreensivo”. O brasileiro afirma que os dois ainda não conviveram o suficiente para se conhecerem bem ─ não passaram semanas ou meses juntos, como com a família da mãe de Lee Ann ─ pois Tom mora na Califórnia. Mesmo assim, já tiveram algumas sessions familiares, com os três surfando juntos. “Às vezes fico meio perdido, porque ao mesmo tempo ele é surfista profissional, como eu, e, por outro lado, o sogro. Então não sei se o trato como brother, que viaja e compete junto, ou como o pai da minha namorada. Mas é uma relação tranqüila”. Curren até já pediu ao genro que falasse mais português, para que ele pudesse aprender a língua.

Já Lee Ann é mais breve ao descrever a personalidade do pai. “Ele é old school”. Ela conta que, na primeira vez que o casal o visitou, Tom não quis que eles dormissem no mesmo quarto. Ela disse, então, que eles já viajavam juntos fazia tempo. Mas, mesmo assim, o pai não cedeu. Não completamente, pelo menos. “Não, Lee Ann, não tenho nada a ver com isso. Podem ficar no mesmo quarto, mas deixem as portas abertas”.


DOCUMENTANDO
As diferenças da realidade do casal ficaram claras quando a francesa visitou pela primeira vez a casa de André. Lee Ann viajou para Fortaleza com o simples intuito de conhecer a família do namorado. Porém, ao presenciar a dura realidade de uma favela brasileira, ficou impressionada. Crianças órfãs, pais presos, crime, drogas, prostituição. Jovens vendo o surf como única alternativa a uma vida indesejável ─ e nomes como Pablo Paulino, Tita Tavares, Fábio Silva e o próprio André servindo de exemplo.

Durante uma sessão de surf, André e Lee Ann tiveram coincidentemente, a mesma idéia ─ produzir um documentário para tentar ajudar a comunidade. “Pensei que poderia conseguir um patrocínio, para dar uma força. Para a gente é mais fácil, porque estamos sempre viajando e já conhecemos as marcas”, conta o cearense.

O plano estava de pé, mas Lee Ann partiria para a França em apenas dois dias. Os dois assistiram ao show do artista Manu Chao na Praia do Futuro, ao lado do Titanzinho e no dia seguinte, André levou a namorada ao aeroporto. Após deixá-la, retornou à comunidade e passou o resto do dia filmando. Foram as primeiras imagens do documentário Titan Kids.

Em seguida, na França, editaram o primeiro trailer do filme juntos. Mostraram-no a um conhecido da mãe de Lee Ann. Além de ter trabalhado com cinema ─ fornecendo ao casal equipamento para a filmagem ─ ele era um bom amigo da banda Manu Chao. Semanas após começarem o projeto e assistirem juntos ao show do artista no Brasil, André e Lee Ann tinham os direitos para usar qualquer uma de suas músicas no documentário.

Em janeiro, os dois retornaram ao Ceará antes de ir para o campeonato de Fernando de Noronha. Finalizaram as filmagens e entrevistas e Lee Ann editou, sozinha, a versão final. Segundo André, surf é apenas o contexto do projeto. “Na verdade, acho que tem pouco surf. Tem mais a história e o dia a dia das pessoas de lá. As dificuldades e sonhos da molecada. E ele foi feito pensando na nova geração do Titanzinho, focamos mais nos jovens e nas crianças”.

Mais tarde, Lee Ann realizou uma mostra do filme em Biarritz. Ou melhor, duas seguidas, na mesma noite, de tanta gente que havia querendo assistir. Antes de lançar o filme oficialmente, entretanto, o casal está tentando fechar uma parceria com algum canal de TV.

Além disso, os dois fundaram uma ONG, a Surfing Hope. A idéia surgiu a partir do documentário. “A Quiksilver também forneceu um pequeno orçamento para criarmos uma escolinha de surf e ajudarmos as crianças a viajar”, revela André. “A ONG não ajudará apenas o Titanzinho, mas também outras favelas que estão próximas do surf. Apesar de vermos que ajudar é mais complicado do que parece, o resultado dá muita satisfação”, continua.

Retribuir para a comunidade que o criou é especialmente gratificante para André que, com 13 anos, começou a surfar nas ondas do Titanzinho. Por sempre ter contado com o apoio da família e dos amigos, a idéia de devolver ao lugar se instalou cedo na cabeça do surfista. “Eu tinha esse sentimento de querer retribuir, mas, durante anos, não via como. As coisas foram mudando durante os anos. O crack chegou na favela ─ na minha época não tinha ─ o que chocou muito. Vi vários amigos se envolvendo. Quando comentei com a Lee Ann e ela se animou para fazer o documentário, vimos uma luz. Eu sabia que era a hora de retribuir”, conta. “Não dá para salvar todo mundo, mas podemos dar um incentivo a um ou outro que quiserem se dar bem no esporte e na vida. A oportunidade existe”, continua André.


Para ambos, o ano de 2011 será dedicado a tentar voltar à elite do surf mundial. “Como está muito frio na França agora, vamos treinar no Brasil durante o verão. Treinar tanto o surf quanto o físico. Vimos que temos alguns defeitos, como todo surfista, portanto temos algumas coisas a melhorar. Este é o pensamento do momento”. Já o documentário Titan Kids está pronto para ser lançado ─ apenas esperando fechar algum contrato para ampliar a divulgação. André comenta que não se importa em passar muito tempo fora de casa. “Se precisarmos, moraremos em Biarritz durante o ano e, no inverno, voltarems ao Brasil. É bom ter duas bases”. Além disso, a longo termo os planos são uma incógnita. Casamento? “Estamos curtindo o momento, nos conhecendo. Está bom desse jeito”.

A HORA DA VERDADE

ESTE MÊS TEM INÍCIO MAIS UMA ELETRIZANTE DISPUTA ENTRE OS MELHORES SURFISTAS DO MUNDO EM BUSCA DO TÍTULO DE CAMPEÃO DO ASP WORLD TOUR 2011. A PRIMEIRA BATALHA COMEÇA NA GOLD COAST, AUSTRÁLIA, E A CORRIDA TEM SEQÜÊNCIA COM MAIS DEZ ETAPAS NOS PRINCIPAIS PICOS DO PLANETA, INCLUINDO UM AINDA DESCONHECIDO (THE SEARCH) E UMA NOVIDADE: NOVA IORQUE, SEXTA ETAPA DO CALENDÁRIO, QUE MARCA A PRIMEIRA ROTAÇÃO NO RANKING MUNDIAL. A SEGUIR, APRESENTO OS CINCO ATLETAS QUE DEFENDERÃO A BANDEIRA DO BRASIL NO PRIMEIRO SEMESTRE DO CIRCUITO DOS SONHOS, COM UMA ANÁLISE PRECISA SOBRE AS QUALIDADES E DEFICIÊNCIAS DOS NOSSOS GUERREIROS.

Como acontece em quase todo começo de temporada nos últimos anos, a dúvida que paira no ar é se Kelly Slater vai ou não continuar no Tour e defender seu título. Deve ir. Afinal, ele provavelmente ainda não se enxerga fazendo algo além do que faz melhor. As opções podem ser complexas. Largar o osso no auge ou adentrar à nova era da ASP, já que continua em plena forma, tanto no surf como no xadrez mental que o levou aos dez títulos mundiais. As duas primeiras etapas na Austrália podem ser decisivas: se for bem corre o circuito todo, se for mal pode abandonar as competições. Enquanto Slater não decide, é bom lembrar que tem gente na fila.

O vice-campeão mundial Jordy Smith é ousado, esfomeado e não se assusta com ninguém. O problema é que ainda precisa colar para passar por algumas provas, segundo o professor Slater. Jogar manobras malucas em momentos errados pode custar caro. Campeão? Não me espantaria, mas não me lembro de uma curva na base que tenha impressionado. Quanto ao resto do quadro, impressiona, e muito. Mick Fanning, atual terceiro do mundo, está sempre correndo por fora ─ ou por dentro, se houver tubos. Continua com o mesmo foco, preparo e velocidade em qualquer condição e certamente será pretendente ao título. Talvez a nova geração o force a jogar um pouco mais seus aéreos. Joel Parkinson mostrou que está no páreo com seu retorno incrível em 2010 e a conquista da Tríplice Coroa. Mas seu estilo casual, tão característico e venerado por alguns (inclusive eu), pode deixar de chamar a atenção dos juízes, especialmente em ondas pequenas. Título provável, mas pelo talento, e não pela retrospectiva amarelada.

Taj Burrow é outro que não nunca desiste. Será fundamental que tenha um bom começo de ano na Austrália, para reconstruir a confiança. Taj tem que retomar seus aéreos de maneira mais contundente para enfrentar o novo cenário ─ justamente ele, que foi um dos precursores dessa brincadeira. Merece um título, nem que seja pelo conjunto da obra, mas lhe falta consistência quando o mar fica mais pesado e parece não lidar muito bem com a pressão de liderar o ranking.

Dane Reynolds operou o joelho em janeiro e fica fora do primeiro evento, mas não deve se abalar. Ele é o que é, até que prove o contrário. Suas manobras, mesmo quando fora de hora, são um show à parte, mas nem sempre decidem bateria. Título? Para ele, parece que tanto faz. Bede Durbidge deve continuar o mesmo sujeito tranqüilão, mas agora com o peso de ser pai de família. O que lhe sobra em amplitude de manobras às vezes falta em versatilidade em espaços mais curtos.

Owen Wright é um goofy empolgante e destemido, mas ainda lhe falta Power, que pode ser compensado pela diversidade e pelo alto risco de suas manobras. O melhor estreante de 2010 vai continuar dando trabalho, mas não creio num título agora.


ALEJO MUNIZ
Natural de: Bombinhas, Santa Catarina
Idade: 20 anos (22/02/1990)
Temporadas na elite: 2011 é o ano de estréia de Alejo

O argentino naturalizado brasileiro é o único estreante entre os cinco representantes do Brasil na elite. Aos 15 anos foi morar sozinho no Guarujá com o objetivo de evoluir. Teve uma carreira brilhante como amador e foi campeão mundial sub-18 com a vitória no ISA World Junior em 2008. Apesar de não ter vencido nenhum evento em 2010, conseguiu sua classificação graças à enorme constância que teve durante o ano.

O que esperar em 2011? O surf de Alejo tem dinâmica e power e deve fazer um belo estrago na galera que balança, mas não cai. Diante dos Tops, que a meu ver são na realidade uns 16, a coisa muda de figura, mas ele é um competidor nato e não deve se assustar. Poderá ser a prova viva de como um novo patrocinador pode modificar as perspectivas de uma carreira. Claro, seu talento no ar e a facilidade de cravar as bordas o credenciam a escalar os degraus da fama, porém há muito trabalho pela frente. As três primeiras etapas do Tour (Gold Coast, Bells e Brasil) favorecem seu surf e podem lhe proporcionar um começo de temporada melhor do que o esperado.


RAONI MONTEIRO
Natural de: Saquarema, Rio de Janeiro
Idade: 28 (07/05/1982)
Temporadas na elite: 2004: 25º / 2005: 32º / 2006: 39º / 2007: 34º

Surfista mais completo do quinteto brasileiro, Raoni nunca conseguiu deslanchar na elite: em quatro temporadas, sua melhor colocação foi um 25º lugar. Em 2008, não conseguiu se classificar e ainda perdeu o patrocínio. Passou dois anos penando no antigo WQS sem êxito e, quando muitos já duvidavam de sua capacidade, deu um grande salto em 2010. Assinou com a O’Neill e conseguiu sua vaga justo no ano mais difícil vencendo a etapa de Sunset, no Hawaii.

O que esperar em 2011? O mais experiente do time verde e amarelo é um dos surfistas mais talentosos que o Brasil já teve, inclusive em ondas pesadas, graças aos treinos em Saquarema, onde mora. Seu poder de recuperação nas manobras é impressionante. No entanto, sua personalidade desprovida de um “sistema auto-foco” carece de maturidade. A chave de seu sucesso reside no equilíbrio. Responsabilidade que lhe dê foco, sem estragar o espírito selvagem que transparece nas manobras absurdas. Queria muito tê-lo visto competindo em Backdoor. Quem sabe em 2011? Em tubos sérios para a direita ele é um problema, mas precisa melhorar seu backside em ondas tubulares e de linha e manter a constância nos campeonatos.


HEITOR ALVES
Natural de: Fortaleza, Ceará
Idade: 28 anos (03/04/1982)
Temporada na elite: 2008: 25º / 2009: 28º

Um dos muitos nordestinos que deixaram sua terra natal para viver no Rio de Janeiro em busca de oportunidades e ondas mais consistentes, o cearense estreou na elite em 2008. Logo em seu primeiro ano, seu estilo fluído e a facilidade para voar impressionaram até o mito Kelly Slater, que chegou a declarar que gostaria de treiná-lo. Mesmo parecendo sentir a pressão quando encarava os Tops, ele conseguiu se classificar pelo ranking do antigo WCT. Em 2009, quando todos achavam que ele iria estourar, acabou saindo da elite. No ano passado recuperou a confiança e venceu três etapas 6 estrelas e uma Prime, sendo o melhor surfista fora da elite no World Ranking e reconquistando sua vaga no World Tour.

O que esperar em 2011? O cearense sabe como é diferente competir contra os melhores. Não sei se com todo o trabalho que teve para reconquistar a vaga lhe sobrou tempo para surfar ondas pesadas e de linha, pois é disso que ele precisa, com atenção especial ao backside. Se puder aproveitar o tempo para consolidar seu surf em ondas sérias dará um belo salto. Precisa manter a constância que teve o ano passado nas etapas do Qualifying, algo que nunca apresentou nos dois anos em que figurou na elite.


JADSON ANDRÉ
Natural de: Natal, Rio Grande do Norte
Idade: 20 anos (13/03/1990)
Temporadas na elite: 2010: 13º

Em sua primeira temporada na elite, no ano passado, o potiguar teve um desempenho melhor do que o esperado e venceu a etapa brasileira, derrotando na Inal ninguém menos que Kelly Slater. Assim como Alejo, saiu de casa e se mudou para o Guarujá para treinar e evoluir. A estrutura de seu patrocinador foi fundamental para Jadson chegar até aqui. Poderia ter fechado o ano numa posição melhor não fossem alguns detalhes. Às vezes o mar não colaborou, mas isso acontece com todo mundo, ou quase.

O que esperar em 2011? No fim das contas os detalhes fazem diferença, por isso ele precisa corrigir aquela balança de prancha entre uma curva e outra. Às vezes os juízes observam isso como falta de link entre as manobra. Foi bom vê-lo vencer baterias sem ter que jogar seu aéreo rodando como coringa e houve progresso no seu backside e nas ondas pesadas e de linha, seus pontos fracos. Seu surf e postura na elite da ASP estão cada vez mais sólidos. Tem atitude e não se intimida diante dos adversários, mesmo respeitando a maioria deles.


ADRIANO DE SOUZA
Natural de: Guarujá, São Paulo
Idade: 24 anos (13/02/1987)
Temporada na elite: 2006: 20º / 2007: 28º / 2008: 7º / 2009: 5º / 2010: 10º

Carrega desde cedo o peso de ser considerado o brasileiro com maiores chances de trazer o título mundial. Dono de uma carreira precoce, Mineirinho foi o atleta mais novo a vencer uma etapa do circuito brasileiro, aos 15 anos. Com apenas 18 anos conquistou o título do WQS (que não existe mais) com extrema facilidade. O local do Guarujá ficou entre os Top 10 nos últimos três anos, mas em 2010 não fez nem um pódio ─ pouco para quem sonha em ser campeão mundial. Tem um surf maduro para sua idade, mas isso tem seu lado bom e ruim. É o surfista mais escolado na elite entre os representantes brasileiros e conhece bem a maioria dos locais das etapas.

O que esperar em 2011? Mineiro tem um plano, um objetivo, e isso sempre fez diferença. Mudou seu quiver e talvez ainda não esteja completamente adaptado. Deve imprimir um surf mais pesado este ano e suas vitórias vão depender bastante de seu equilíbrio psicológico. Claro, ainda pode melhorar o estilo e a técnica nos tubos de backside e arriscar mais nas manobras para ser menos previsível. Mas, com suas cavadas, é só uma questão de sintonia fina para que sua prancha vá aonde ele quiser. Já provou que sabe jogar de igual para igual com os melhores do mundo ─ Slater chegou a compará-lo em com o falecido Andy Irons. Ninguém pode tirá-lo de onde está, só cabe a ele encontrar o caminho do topo. Os treinos em picos como Puerto Escondido, em janeiro passado, mostram que está tentando elevar seu surf a outro patamar. Ficou devendo pelo menos um pódio em 2010.

POR DENTRO DO TOUR


DEPOIS QUE A ASSOCIATION OF SURFING PROFESSIONALS ANUNCIOU, NO FINAL DE 2009, A UNIFICAÇÃO DOS RANKINGS DO WT E WQS, O CORTE DE 45 PARA 32 SURFISTAS E OUTRAS MUDANÇAS NO FORMATO DO WORLD TOUR, MUITAS DÚVIDAS FICARAM SEM RESPOSTA NA CABEÇA DE QUEM DISPUTA E ACOMPANHA O CIRCUITO MUNDIAL. COMO VAI FUNCIONAR O RANKING ÚNICO? O WQS PERDEU IMPORTÂNCIA? COMO SERÃO DEFINIDOS OS INTEGRANTES DA ELITE? O QUE ACONTECERÁ COM OS SURFISTAS QUE CAÍREM NO MEIO DO ANO? HÁ CHANCE DE VOLTAR AO FORMATO ANTIGO? PARA ESCLARECER ESSAS E OUTRAS QUESTÕES, EU CONVERSEI COM O BRASILEIRO RENATO HICKEL, TOUR MANAGER DA ASP, PARA SABER OS DETAL
HES DESSA NOVA FASE DO ASP WORLD TOUR.


A MUDANÇA
Pouca gente sabe, mas o projeto de unificação dos rankings começou há mais de cinco anos, com uma grande insistência dos próprios surfistas. No entanto, sempre houve uma grande resistência dentro da ASP. Eu mesmo tinha dúvidas, porque nossos eventos não são abertos e era praticamente impossível ter o sistema de ranking unificado como no tênis, por exemplo. Depois de muito estudo, encontramos a fórmula do World Ranking, inspirado nos sistemas da ATP (Association of Tennis Professionals) e da PGA (Professional Golfers Association). Tivemos várias reuniões com representantes dessas entidades para saber como funcionavam e o que poderíamos aproveitar do sistema deles. Desde o começo, a gente sempre falou que seria um projeto de longo prazo, que sofrerá ajustes de acordo com as necessidades que forem surgindo. Temos de dar tempo ao tempo, ver como o novo sistema funcionará. Eu acredito muito no sucesso do novo sistema.”.

WORLD RANKING E WORLD TITLE RACE
A temporada de 2010 foi de transição, o ano em que a gente saiu do antigo formato para o novo, do corte de 45 para 32 atletas. Agora não existem mais cortes e sim rotações no ano, uma após a sexta etapa e outra depois de Pipeline, a última. Em 2010 ainda não sabíamos direito como iria funcionar, por isso decidimos manter os 22 primeiros do ASP World Title Race e os 10 primeiros do ASP World Rankings. A partir deste ano, será o World Rankings que apontará os 32 primeiros que farão parte da elite e quem vai entrar e sair a cada rotação. Além disso, o seeding e o ranking serão mutantes a cada etapa. Os oito melhores resultados nos últimos 12 meses definirão o seeding, que também será o ranking do atleta. Em 2011, todos começarão com os pontos dos oito melhores resultados de 2010. A partir deste ano, ficará muito mais fácil para o público entender o formato. O ranking será atualizado após cada etapa Qualifying, Prime ou do World Tour. Vamos pegar como exemplo o caso de CJ Hobgood em Fernando de Noronha. Ele venceu a prova no ano passado. Se disputar em 2011 e não vencer, vai automaticamente cair no ranking, porque o evento de Noronha é Prime e vale 6.500 pontos, o equivalente ao terceiro lugar numa etapa do World Tour, e é um dos oito melhores resultados dele nos últimos 12 meses. Depois disso, o resultado não contará mais. Se a etapa de Noronha perder status ou for cancelada, CJ perderia os pontos do mesmo jeito, porque o resultado caducaria, ou seja, ultrapassaria os 12 meses. Outro exemplo é o Adriano de Souza, que não competiu em Noronha no ano passado. Supondo que ele vá este ano e ganhe o evento, vai descartar o pior resultado, somará os 6.500 pontos de Noronha e provavelmente subirá no ranking. Um exemplo muito bom é o Kolohe Andino, que só tem três etapas contabilizadas no ranking. Este ano, ele começa a correr o circuito inteiro, então vai somar os cinco primeiros resultados que fizer. Isso deixará o Tour mais dinâmico. Só agora veremos a engrenagem do World Ranking funcionando. Por isso, pedimos aos atletas para ter calma, esperar um pouco antes de tirar conclusões. O ASP World Title Race servirá em 2011 apenas para determinar o campeão mundial. Será um ranking à parte, em que serão contados apenas os oito melhores resultados das 11 etapas do ASP World Tour.”.

PRIMES E 6 ESTRELAS
Uma das grandes reclamações dos atletas era para a gente adequar as pontuações dos eventos, pois havia uma grande diferença entre elas. Aumentamos consideravelmente as pontuações dos Primes, do segundo ao nono lugar, e nas etapas 6 estrelas, do primeiro ao nono. Esse aumento, junto com o aumento do número de etapas (este ano serão 12 Primes, sendo oito antes da primeira rotação, após a sexta etapa), significa 70% a mais de pontos em jogo. Em outras palavras, os surfistas terão mais chances de se classificar. Também mudamos o formato das disputas nos eventos Prime e 6 estrelas. Os Primes agora são só para 96 surfistas, e não mais 128. E tanto nas etapas Prime como nas 6 estrelas, a partir do round 24 será utilizado o mesmo formato de disputa que as etapas do World Tour adotam na terceira fase. Ou seja, 12 baterias homem a homem e os vencedores vão para quatro baterias de três atletas. Quem ganha vai direto às quartas de final; quem perde disputará o round 5, igual no World Tour. A única diferença é que as etapas 6 estrelas poderão fazer isso com 24 surfistas ou com 12 ─ nesse caso já passando para quatro baterias de três atletas, dependendo do tempo hábil para terminar a competição. Esse benefício será maior para os atletas que disputam o Qualifying. Quando se classificarem para elite, eles já estarão acostumados ao novo formato. Aumentamos consideravelmente a premiação, o número de etapas e os pontos nos eventos Prime e 6 estrelas. Não temos dúvidas de que o circuito será um sucesso, com uma dinâmica incrível.”.

RENOVAÇÃO NA ELITE
No sistema antigo, que classificava 15 atletas pelo WQS, a média dos últimos oito anos era de dez surfistas novos por ano na elite. Com a redução de 13 atletas do total de 45, sempre pensamos que o ideal seria ter pelo menos cinco novos atletas em 2011. E foi exatamente isso que aconteceu no Hawaii. É óbvio que se alguns atletas do World Tour tivessem se dado bem na última etapa, em Pipeline, esse número poderia ser menor. Mas não seria um desfecho muito provável, olhando o histórico dos atletas que ficaram pendurados. Nosso principal objetivo, independente da estrutura de pontuação e do formato, é ter os melhores surfistas na elite. No ano passado, se você for analisar os atletas que entraram, o destaque do Qualifying foi Heitor Alves, campeão de três etapas 6 estrelas e uma Prime. Nos eventos Prime, o surfista mais consistente foi Raoni Monteiro. Tem também o Alejo Muniz, que surfou muito durante o ano inteiro. O Josh Kerr, que venceu em Margareth River e não participou de todos os eventos. O Julian Wilson ganhou etapa 6 estrelas, fez final em Prime e teve uma séria lesão no meio do ano, que pouca gente sabe. Todos eles estão dentro. O próximo da lista, que não entrou, foi Cory Lopez, que teve um bom ano, mas não espetacular. Nossa preocupação é essa, que os surfistas que estiverem arrebentando entrem no World Tour.”.

KELLY SLATER PRESIDENTE DA ASP?
O Kelly finalmente aceitou nosso convite para ser membro do Comitê Técnico, junto com o Fanning, Kieren Perrow e Adrian Buchan ─ este ano ainda vamos incluir mais um ou dois atletas que estarão disputando as etapas Prime. Se ele vai continuar competindo ou não, acho que nem ele sabe ainda. Antes disso, não podemos oficializar um convite para ele ser presidente ou ter algum outro cargo de peso na ASP. O que posso dizer é que ele nunca participou tanto das reuniões e decisões como em 2010. Slater foi voz ativa colocando várias idéias e opiniões.”.

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O QUE ELES ACHAM:

ALÉM DE RENATO HICKEL, CONVERSEI COM DOIS SURFISTAS DO QUALIFYING, WILLIAN CARDOSO E JESSÉ MENDES, QUE BUSCAM VAGA NA ELITE, E COM PAULO KID, TÉCNICO DE VÁRIOS BRA
SILEIROS E QUE ACOMPANHA A FUNDO O TOUR, PARA SABER A OPINIÃO DELES SOBRE AS MUDANÇAS PROMOVIDAS PELA ASP.


Acredito que as mudanças são positivas e a tendência é que só fiquem os melhores na elite. O ano passado foi meio confuso e a diferença de pontuação dos eventos do World Tour para os do WQS dificultou a entrada de novos atletas. Mas isso já foi resolvido com os ajustes que a ASP fez. O melhor de tudo agora é que no meio do ano você pode estar na elite. No ano passado, até o meio do ano teriam entrado de quatro a sete brasileiros. Então, como vamos ter oito eventos Prime antes da rotação, precisamos aproveitar a chance. Acho que a mudança vai trazer bons frutos para a nova geração.”. (Willian Cardoso)


O sistema de ranking unificado é positivo. Acredito que com o tempo ficará mais fácil para todos, principalmente quem está fora do universo do surf, entender o esporte. O ranking contínuo é muito bom para os atletas que mantêm uma boa campanha e está no rip. Para o surfista mediano ficará cada vez mais complicado se manter bem posicionado no ranking. Só os melhores vão ter espaço. No tênis, por enquanto, nos eventos Grand Slam existe uma triagem para os tenistas que não estão bem ranqueados. Eles têm a chance de disputar o evento e, conseqüentemente, somar os mesmos pontos que estão em jogo, podendo assim subir bastante no ranking. De um modo geral, eu gostei das mudanças e acho que vai ser bom para o surf.”. (Paulo Kid)


Gostei das mudanças. Mesmo ficando mais complicado para se classificar, o esporte vai crescer em termos de investimentos, mídia e público. O ranking unificado irá valorizar os atletas que ficam na porta do WT. Você não vai ser um surfista da segunda divisão, e sim o 50º do mundo, por exemplo. Isso valoriza o atleta. Os surfistas da nova geração vão precisar correr etapas 5 e 6 estrelas até conseguir seeding para entrar nas etapas Prime e aí lutar pela vaga no World Tour.”. (Jessé Mendes)

THE DAY


A IDÉIA É SURFAR QUALQUER COISA QUE A MÃE NATUREZA MANDE EM MINHA DIREÇÃO”, DISSE SHANE DORIAN AO ME MOSTRAR, NA ÚLTIMA TEMPORADA HAVAIANA, SUA 11’7” NOVINHA. “TOW IN É DEMAIS, MAS NÃO HÁ NADA COMO DROPAR UMA BOMBA NO BRAÇO. O SURF DE REMADA ESTÁ ATRAVESSANDO UMA REVOLUÇÃO E QUERO ESTAR PREPARADO PARA ELA”.

MAL SABIA ELE QUE OS BRASILEIROS DANILO COUTO, YURI SOLEDADE, MARCIO FREIRE E RODRIGO RESENDE JÁ HAVIAM, DEZ ANOS ATRÁS, CHEGADO À MESMA CONCLUSÃO. NA ÉPOCA, O TOW IN ESTABELECIA-SE COMO A ÚNICA MANEIRA DE SURFAR CERTAS ONDAS E ENCARAR CONDIÇÕES MAIS EXTREMAS. MAS OS BRAZUCAS JÁ PENSAVAM EM DOMAR A ONDA MAIS PESADA DO MUNDO, JAWS, NO BRAÇO.

MUITOS LOCAIS JÁ HAVIAM CAÍDO NO MAR EM JAWS, EM DIAS MENORES, SEM JET SKI ─ MAS NINGUÉM PEGOU ONDA”, CONTA O BAIANO YURI SOLEDADE, RADICADO EM MAUI. “EU FUI O PRIMEIRO A SURFAR JAWS NA REMADA. EM 2001”. FOI O INÍCIO DE TUDO.

A GENTE AINDA TINHA IDÉIAS CONTRÁRIAS AO TOW IN”, CONTA DANILO COUTO. “POR ISSO NO ANO SEGUINTE FOMOS ATÉ MAUI COM UMA 12’ E UMA 11’4”, DISPOSTOS A SURFAR JAWS BEM CEDINHO, ANTES DO TOW IN WORLD CUP COMEÇAR. ACABOU NÃO ROLANDO
PARA NÓS NAQUELE ANO DE 2002, MAS NÃO ABANDONAMOS A IDÉIA”.


Cinco anos mais tarde, em 2007, uma nova oportunidade: o maior swell da temporada atingiu o North Shore em cheio, produzindo ondas de 25 a 30 pés. Enquanto isso, Danilo Couto e Marcio Freire surfaram, na remada, ondas de 15 a 18 pés em Jaws ─ maior mar pego no braço no pico até então. Devagar e sem fazer estardalhaços, esse seleto grupo de dedicados surfistas brasileiros foi desbravando um universo inexplorado e mortal, longe dos holofotes. Enquanto o mundo só olhava para Jaws quando o mar ultrapassava os 50 pés e os jets tomavam conta dos lineups ─ eles estavam lá toda vez que havia uma remota possibilidade de pegar a onda gigante mais sinistra do mundo, no braço.

Em 2008, Marcio, que também vive no Hawaii, surfou sozinho um mar de 20 pés ─ as imagens da queda bateram recorde de acessos no Youtube e acabaram por criar uma sessão separada no Billabong XXL Awards, a de maior onda na remada. O mundo começava a notar o pioneirismo brazuca em Maui.

No ano passado ─ um dos invernos mais constantes da história ─ novamente Danilo, Marcio e Yuri surfaram Jaws grande na remada, com mais de 20 pés. “Surfamos sozinhos, sem jet ski pra resgate, sem colete, sem produção, nem fotógrafo, só no feeling”, conta Danilo.

A sucessão de tentativas brasileiras nesses dez anos ─ frustradas ou não ─ culminou nesse inverno. “O Dia” finalmente chegou e nossos conterrâneos não decepcionaram. Duas semanas antes, no dia 16 de janeiro, Marcio Freire, Danilo Couto, Yuri Soledade e Andrea Moller já haviam surfado algumas das maiores ondas já vistas na remada. Mais do que isso, redefiniram os limites do surfável. Tanto que duas semanas depois, no dia 8 de fevereiro, um swell maior ainda atingiu Jaws e desta vez, seguindo o caminho trilhado pelos destemidos brazucas, alguns dos maiores nomes do big surf apareceram para tentar a sorte ─ imagine ─ na remada. Entre eles Mark Healey, Ian Walsh e Sion Milowski.

Depois de vermos as imagens dos brasileiros, tínhamos que tentar também”, explicou o havaiano Ian Walsh. “Nunca teria me aventurado aqui na remada se não tivesse visto as imagens de Danilo, Yuri e Marcio se jogando em janeiro”.

Mas não teve jeito. Os brasileiros dominaram a épica sessão, que teve as maiores ondas já surfadas na remada em toda a história. Danilo Couto inclusive completou um drop suicida para a direita ─ antes considerada “off limits” para qualquer um que não fosse assistido por um jet ski. A onda é apontada como favorita para levar o prêmio Billabong XXL.

E o que falar da destemida Andrea Moller? Mesmo depois de tomar algumas séries na cabeça e ser arrastada para o inside, ela voltou ao pico e dropou uma onda de responsa ─ a primeira mulher no mundo a fazê-lo no pico. “Andrea é guerreira”, conta Yuri. “Nunca vi uma mulher tão determinada e corajosa”.

Na ocasião em que encontrei Shane Dorian no North Shore, ele afirmou que os brasileiros eram os surfistas de ondas grandes mais dedicados do mundo. Shane pode adicionar “pioneiros” à sua afirmação.

Pois nesse dia histórico, agora chamado de “The Day”, foram brasileiros que desbravaram esse universo inóspito e perigoso ─ mostrando o caminho a ser seguido.

Como disse um empolgado Danilo ao telefone logo após a histórica sessão, “essa era nossa missão, uma missão quase impossível. E já sabemos: missão dada é missão cumprida. Os brasileiros fincaram a faca na caveira de Jaws!”.

BELAS E RADICAIS

JÁ FOI O TEMPO EM QUE MULHER NO OUTSIDE SÓ SERVIA PARA EMBELEZAR O LINE-UP E DISTRAIR OS MARMANJOS. AS MENINAS ESTÃO CADA VEZ MAIS ATIRADAS E APRENDERAM A USAR SEU CHARME PARA PEGAR AS MELHORES DA SÉRIE. NESTA TEMPORADA HAVAIANA, REUNI CINCO NOMES DO SURF FEMININO BRASILEIRO QUE SE ESBALDARAM NAS ONDAS DO NORTH SHORE DE OAHU PARA FALAR SOBRE SUA RELAÇÃO COM ESSE LUGAR MÁGICO.


SUELEN NARAISA

26 anos. Ubatuba, SP
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Atual bicampeã brasileira profissional, Suelen Naraisa acumula seis temporadas havaianas no currículo e destaca a importância de freqüentar o North Shore para lapidar seu surf em ondas de qualidade, além de disputar as etapas finais do WQS. Para ela, um dia perfeito no paraíso havaiano começa com boas esquerdas em Rocky Point e termina com um belo jantar com as amigas no Lei Lei’s, tradicional restaurante do Turtle Bay Resort. Um de seus programas favoritos é apreciar o visual da baía de Waimea, onde ainda sonha surfar um dia. Desde sua primeira session na ilha, em Velzyland, a ubatubense vem evoluindo e já encarou até Pipeline, a onda que mais teme ─ onde este ano levou oito pontos no pé e teve que sair carregada da água. “Mas não surfaria Backdoor gigante”, confessa. Suelen também fez bonito em Sunset e deixou sua marca descendo boas ondas. “Nessa temporada, o que mais me marcou foi a união das meninas brasileiras”.


CHANTALLA FURLANETTO
21 anos. Florianópolis, SC
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Em sua primeira temporada na ilha, Chantalla era só sorrisos. Além de pegar altas ondas num lugar que considerou mágico, essa foi uma das poucas trips que ela fez apenas para treinar e se divertir, sem a obrigação de competir. As ondas de Rocky Point e Velzyland foram as suas preferidas, assim como Off The Wall. Um dos momentos mais marcantes para ela foi o dia em que Pipeline quebrou gigante: “Acabei não surfando e fiquei na areia só olhando. Ali é perigoso, você precisa estar seguro e atento, e qualquer vacilo pode ter uma conseqüência grave. Mas gostaria muito de surfar Pipe na próxima temporada”, afirma. Chanti, como é chamada pelos amigos, ficou surpresa com o crowd e com a variedade de ondas ao longo dos 10 quilômetros de costa, e aproveitou para testar pranchas maiores do que as que costuma surfar no Brasil. “Teve um dia que o mar estava subindo e resolvemos ir para Rocky Point, apesar de dizerem que não estava bom. Tinha uns 6 pés subindo, perfeito, água bem clarinha, sol e sem crowd!”.


CAMILA STORCHI
24 anos. Torres, RS
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Depois de competir em vários eventos em sua terra natal e de algumas etapas do Circuito Brasileiro nos anos anteriores, a bela gaúcha Camila Storchi decidiu se dedicar ao freesurf e partiu para o Hawaii, onde pretende dar aulas de yoga no North Shore. Sua beleza chamou tanto quanto sua disposição na água e logo em sua primeira temporada ela encarou Waimea e Pipeline. Camila se encantou com a energia e o estilo de vida do lugar e ainda não possui data para voltar ao Brasil. Inspirada na trajetória de Maya Gabeira, ela pretende evoluir nas ondas grandes e se tornar uma big rider reconhecida mundialmente. Para ela, um dia ideal tem sol, ondas de 6 pés e apenas seus amigos na água. “Waimea me deixou assustada num dos primeiros swells, e Backdoor achei ainda mais assustador que Pipeline”.


CLÁUDIA GONÇALVES
25 anos. Guarujá, SP
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A paulista Cláudia Gonçalves, protagonista da série “Batom e Parafina”, do canal Multishow, completou neste inverno dez temporadas havaianas. “O North Shore é o lugar do mundo em que mais se respira surf, tanto pelas ondas como pela energia e beleza característica do local”, afirma Claudinha. Sua onda preferida é Off The Wall e a mais temida é Pipeline, onde ela sonha pegar um belo tubo. Embora não tenha pretensão de surfar Waimea, ela diz que adora a adrenalina de dormir ouvindo o barulho das ondas: “O coração vai a mil com a expectativa da chegada do swell e a certeza de que no dia seguinte vai estar gigante!”. Nesses dias, ela aproveita para observar e aprender com os melhores surfistas do mundo: “Não há nada melhor do que aprender com quem realmente entende do assunto”, destaca a guarujaense, que garante guardar momentos inesquecíveis em cada pedaço do North Shore. “O pôr do sol em Sunset, surfar em Pipe e passar o dia em Rocky Point são minhas melhores lembranças”.


BRUNA SCHIMITZ
20 anos. Matinhos, PR
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Apesar da pouca idade, Bruninha é uma veterana quando o assunto é Hawaii e já foi sete vezes ao North Shore de Oahu. À primeira vista, a paranaense mais parece uma princesa, frágil e delicada. Mas dentro da água a bela loira se revela uma surfista radical e atirada, qualidades que a levaram a se manter durante dois anos entre as Top 16 do World Tour. Para ela, os cilindros mais desafiadores estão em Backdoor e Pipeline, picos que sonha um dia surfar os tubos da vida. Nessa temporada ela se dedicou à onda de Sunset e confessa ter passado alguns sufocos no pico. Um dia ideal na opinião da surfista tem sol, água cristalina e altas ondas sem vento, em picos como Velzyland, Gas Chambers, Rocky Point, Pipe e Sunset. “O diferencial do North Shore é o tamanho e a qualidade das ondas. Mesmo quando está flat na previsão, é possível surfar boas ondas, e isso não acontece em outros lugares do mundo”.

SILÊNCIO QUE CONDENA


Há algumas semanas, a justiça americana aceitou um pedido da viúva de Andy Irons, Lyndie, para adiar a divlgação da autópsia do tricampeão mundial. Seu argumento foi de que o frenesi da mídia perante o resultado iria diminuir “o valor da marca Andy Irons” e assim causar um “dano imediato e irrevogável” a ela e seu filho recém nascido.

A meu ver, o tiro saiu pela culatra. Pois quem sofre dano imediato e possivelmente irrevogável com o adiamento da divulgação da autópsia, é exatamente a imagem de Andy Irons. Tal pedido por parte de sua viúva só reforça a tese de que as circunstâncias de sua morte são mais sombrias do que inicialmente divulgado. É um silêncio que condena. Assim que a notícia da morte de Andy Irons correu o mundo, uma enxurrada de acusações inundou os blogs e fóruns da internet. A mídia, patrocinadores e ASP teriam sido negligentes e seriam parcialmente culpados pela ida abrupta do havaiano. Mas, realisticamente, quem conseguiria controlar as decisões de um homem de 32 anos? Como poderiam ASP e patrocinadores interferir no estilo de vida de Irons?

Da mesma maneira, é possível apontar instancias onde a divulgação das indiscrições de Andy por parte da mídia especializada poderiam, teoricamente, tê-lo ajudado a encarar seus problemas e demônios. Particularmente, acredito que isso teria pouca influência nas decisões do tricampeão.

Andy já havia sido alertado do perigo de seu estio de vida por um antigo patrocinador e tinha inclusive sido internado pela família em um centro de tratamento para dependentes químicos. Até seu grande amigo, Shane Dorian, disse que ficava frustrado pois Andy nunca ouvia seus conselhos.

A verdade é que um dos surfistas mais talentosos da história era um ser humano que, atormentado pela depressão, repetidamente tomou o caminho errado perante as importantes encruzilhadas da vida.

E enquanto é absolutamente compreensível que sua família tente resguardar seu nome, imagem e legado ─ é fundamental para o surf competitivo que a verdade venha à tona. Não para apontar possíveis “culpados” por sua morte, mas sim para que o esporte demonstre sua evolução.

Anos atrás, escrevi que o surf competitivo vivia um dilema. Segundo ele, ou as marcas, atletas e entidades responsáveis abraçavam a idéia de que o esporte havia tornado-se verdadeiramente profissional, ou aceitavam que nosso Circuito Mundial não passava de um bando de surfistas se divertindo nas ondas e baladas mundo afora. Não dava mais para tratar os Tops como atletas profissionais, quando a maioria não agia com profissionalismo.

Acredito que o surf competitivo superou, naturalmente, esse dilema. Hoje o surf é um esporte profissional, onde atletas de ponta contam com todo tipo de preparação e acompanhamento extra-surf para manterem-se no topo. Não há mais lugar para um estilo de vida “rockstar’. Basta olhar para caras como Fanning, Mineiro, Durbidge e o próprio Slater ─ todos são atletas, mais do que surfistas. Por isso mesmo o resultado da autópsia de Andy ─ que irá determinar de uma vez por todas o que realmente o matou ─ precisa ser tornado público. Deixar os fatos caírem no esquecimento seria um retrocesso para o surf competitivo. A divulgação aberta e transparente da autópsia de Irons pode estabelecer definitivamente a separação entre o surf competitivo e o estilo de vida surf.

O primeiro é um esporte profissional.

O segundo é algo muito maior e mais significativo. É uma filosofia de vida. Uma busca eterna onde o caminho é o que importa.

Todos nós sabemos que o surf nasceu na contra-cultura. Atrelado a um estilo de vida saudável, livre e alegre, carregamos em nosso DNA um espírito aventureiro, rebelde, questionador e inconformista. É isso o que nos faz surfistas de alma. O lifestyle surf não se encaixa nos padrões tradicionais, e nem deveria. Somos únicos e devemos permanecer assim.

Mas o surf competição é outra coisa, completamente diferente. Para crescer e ser levado a sério ─ como tanto almejam os envolvidos no esporte ─ são necessárias transparência, seriedade e profissionalismo. Não há mais lugar para “silêncios” ─ pois são eles que condenam.

DO MAR PARA A SERRA


NO BRASIL NÃO HÁ DESASTRES NATURAIS, TUFÕES, TERREMOTOS.

TSUNAMIS.

NO BRASIL, CENTENAS DE PESSOAS NÃO MORREM AO LONGO DE ALGUNS DIAS APÓS UM CHILIQUE DA MÃE NATUREZA, CERTO?



Mais ou menos. No Brasil chove ─ e muito. Se comparados os destroços de um tsunami com as recentes chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, as semelhanças são maiores do que você pensa. Restos de casas com camadas intermináveis de lama por todos os lados, parecendo mais construções abandonadas há décadas. Leitos de rios lembrando pequenos canyons, tamanhos os deslizamentos. Árvores robustas rompidas como palitos de dente. Carros de ponta-cabeça, soterrados. “Você está andando e vê um pneu saindo da terra”, conta o fundador da ONG Waves For Water (W4W), o ex-surfista profissional americano Joe Rose. “A força da natureza é muito poderosa”.

Rose já havia visitado o Brasil diversas vezes para surfar. Mas agora, dedicando-se em tempo integral a sua ONG, estava na hora de retribuir. Portanto, quando soube da recente tragédia na região serrana fluminense ─ maior desastre natural na história do país ─ o americano decidiu entrar em ação. Embarcou dos Estados Unidos com 200 filtros de cerâmica na bagagem. Sua missão: distribuí-los pelas comunidades mais afetadas. Segundo ele, “não há razão para qualquer pessoa morrer por falta de água limpa. A parte difícil já foi feita a tecnologia já existe e soluções já foram desenvolvidas para acabar com essas mortes sem sentido”.


EM 2009, ROSE ESTAVA EM UMA BOAT TRIP NA SUMATRA, QUANDO SENTIU UM LEVE TREMOR. O que ele não sabia é que um terremoto de 7,6 graus na escala Richter atingira a cidade de Padang, ponto de partida para as Ilhas Mentawai, deixando mais de mil mortos e 100 mil desabrigados ─ até retornar ao porto e ver a cidade destruída. Prédios inteiros haviam caído. Carros, tendas de ambulantes e pessoas haviam sido esmagados.

O surfista estava a caminho de Bali justamente para entregar 10 filtros d’água ─ sua primeira missão pela Water for Water. Mas a tragédia na Sumatra mudara seu rumo. Agora, ele se encontrava entre destroços de construções, de madrugada, tentando levar seus filtros às mãos da equipe de salvamento. No processo, Rose teve que fazer escolhas a que, segundo ele, ninguém deveria ser submetido. Como ignorar as vozes fracas das vítimas presas dentre escombros, sabendo que, sem maquinaria pesada, seria impossível resgatá-las? Aquele salvamento não era para ser feito por Rose. Portanto, concentrou-se naquilo que podia fazer melhor ─ obter os materiais necessários para produzir água potável.

No final, 200 filtros foram distribuídos em Padang ─ 2 mil pessoas com acesso à água limpa. Depois, Rose ainda seguiu para Bali. Lá, ajudou a estabelecer água potável em 37 vilarejos na região leste, uma das mais pobres da ilha.

A experiência alarmante solidificou a necessidade pela existência da W4W.


ÁGUA CONTAMINADA LEVA 3,3 MILHÕES DE VIDAS POR ANO. A cada 15 segundos, uma criança morre por conta de doenças relacionadas à água. O objetivo da organização de Jon Rose é trazer soluções para a falta de água potável em regiões pobres do planeta. Para isso, a W4W desenvolveu filtros de cerâmica facilmente transportáveis por uma pessoa ─ além de outro modelo maior, que pode trazer água a vilas inteiras.

O pai de Jon, Jack Rose, já havia começado a Rain Catcher (Captadora de Chuva), uma ONG que ensinava moradores de vilarejos na África a captar e filtrar água da chuva. Assim não precisariam caminhar cerca de dez quilômetros até uma fonte de água ─ ainda por cima, suja ─ para matar a sede. E Jon já apoiava as ações do pai, porém não necessariamente participava. “Nessa época, entrei em uma fase de transição”, conta ele. “Como surfista profissional, você viaja para muitos lugares onde as ondas são boas, mas as dificuldades são terríveis. Portanto, sempre vi toda essa pobreza, mas não sabia o que fazer. Antes, não enxergava a necessidade de água, apenas as necessidades, em geral. Qualquer surfista viajante as vê. Então, lembrei do que meu pai fazia na África e tudo se encaixou”.

Hoje em dia, o ex-surfista profissional dedica 100% do seu tempo à W4W. “Eu poderia me ocupar o quanto quisesse com isso, pelo resto da minha vida”, comenta. “A necessidade é infinita, é desesperador”.

Os filtros são distribuídos entre porta-vozes de suas respectivas regiões, como líderes de vilarejos e professores, para sempre passados adiante ao resto das pessoas. “É fácil fazer e é fácil para eles entenderem. Por isso, é um sucesso”, afirma o fundador da entidade.


POUCOS MESES APÓS SUA MISSÃO NA SUMATRA, ROSE ESTAVA DESCANSANDO NO HAWAII. Janeiro, 2010. Saindo de uma das melhores sessões de surf da sua vida ─ Makaha gigante ─ o telefone tocou. Era o ator Sean Penn, perguntando se seu sistema de filtros poderia ser usado no Haiti. “Sim”. “Você pode embarcar para lá em dois dias?”.

E lá estava Rose. Em um avião fretado, com 25 voluntários liderados por Sean Penn, a caminho do Haiti. Sua função no “Camp Penn” era providenciar água potável para as vítimas do terremoto que atingira o país em apenas cinco dias antes.

A ação no país caribenho foi intensa. Danos extensos, tudo ao extremo. “O cheiro de morte estava por todos os lados na rua”, lembra ele. “Quando cheguei lá, uma mulher nos entregou cascas de laranja para segurarmos no nariz e mascarar o cheiro”.

Ao todo, 11 mil filtros foram distribuídos durante a operação. Mais de 100 mil pessoas com acesso a água limpa.

No mês seguinte, outro terremoto. 8,8 graus na escala Richter. Dessa vez, a vítima foi o Chile. A W4W fechou uma parceria com a ONG Save The Waves para realizar uma missão de socorro. Os big riders Ramon Navarro, Greg Long e Kohl Christensen estavam a caminho do México para competir no Todos Santos Big Wave Contest. Em seguida ─ com água salgada ainda pingando do nariz ─ embarcaram para a América do Sul para ajudar na tragédia. Sem instruções. Sem nada. Assim como em Padang e no Haiti, parte do foco da equipe era distribuir os filtros de Jon Rose a vilarejos costeiros e remotos, que haviam perdido o acesso a água potável. Mais de mil filtros foram entregues.


MAS AGORA, A DESTRUIÇÃO BATERA NAS PORTAS VERDE E AMARELAS. Até a publicação desse texto as chuvas já haviam deixado mais de 870 mortos, 427 desaparecidos e 35 mil desabrigados no sudeste brasileiro. A W4W fechou parceria com o Movimento Cyan ─ campanha da Ambev, visualizada pela agência Loducca, em prol do uso consciente da água ─ e a nova missão de Rose estava de pé.

Quem o recebeu no Brasil foi o fotógrafo e surfista carioca Vavá Ribeiro. O americano nunca viajara com tantos filtros antes. Duzentos. “Fui buscá-lo no aeroporto, pensei que ele ficaria preso na alfândega durante horas e eu teria que chamar alguém para ajudá-lo”, conta Ribeiro. A cena ocorreu de maneira um pouco diferente do que ele imaginara. Rose foi o primeiro a sair do avião, carregando uma prancha duas sacolas de viagem sujas. Sem parar. Nada de alfândega. Se lhe perguntassem, ele explicaria. “É assim que funciona. Quanto menos autoridades, quanto menos filtragem entre você e o objetivo, melhor”, explica Ribeiro. “Achei que fosse um processo muito mais estruturado. Quanto mais simples e direta for a ação, mais efetiva ela é. Você tem que ir direto ao assunto”, continua.

Chegando ao Rio, os dois partiram para as serras imediatamente. Filtro por filtro, explicação por explicação, foram todos entregues. “É interessante, pois você começa a identificar quem são as principais figuras nas comunidades. Nesses lugares que precisam de ajuda, estas pessoas já estão ali, os líderes aparecem naturalmente. Um padre, uma professora. Eles conhecem melhor a comunidade do que você, que é de fora. Sabem quem é quem. Por isso, você explica para eles como funciona o sistema de filtros e a ação se multiplica sozinha. É uma estrutura muito eficiente e fácil”, esclarece o carioca. “A reação das pessoas que você ajuda é emocionante. Agradecem, apertam a mão, choram, te abraçam, te beijam. Você sai com uma sensação muito boa”, continua. A mudança para essas pessoas é muito significativa ─ principalmente comparando com o pequeno investimento necessário.


JON ROSE NÃO PRETENDE AJUDAR SOZINHO. Sua idéia não é somente ir aos locais prejudicados ─ seja por tsunamis, terremotos ou chuvas ─ e distribuir seus filtros. Nem mesmo enviar membros de sua ONG para fazê-lo. Os resultados seriam positivos, sem dúvida. O alcance, porém, limitado. “Não posso resolver a crise da água pessoalmente. Posso fazer minha parte. Mas, coletivamente, se todos nós fizermos nossa parte, poderemos mudar muita coisa”, explica Rose.

Um surfista pode distribuir 100 filtros. É o que Rose já fez, diversas vezes. Sua missão agora é outra. É hora de recrutar. “Se 100 mil surfistas distribuírem 10 pequenos filtros, aí o mundo começará a reparar”, afirma ele. “Todo mundo serve de mula”, resume Vavá Ribeiro. “Você joga dois filtros na mochila e vai lá pegar onda. Não precisa sofrer. Esse serviço de voluntário é divertido. Você vê a diferença gigantesca que faz, o quanto você ajuda, com o mínimo que está fazendo”. Um surfista comum, que vai pegar onda na Indonésia, Costa Rica, África, ou que simplesmente mora perto das regiões afetadas pelos desastres no Brasil pode fazer a diferença.

A natureza está batendo à sua porta. Você vai deixá-la esperando?



Para saber como carregar filtros na sua próxima viagem ou fazer doações, acesse: http://www.wavesforwater.org/

A INCÓGNITA DANE


O americano Dane Reynolds sempre chama atenção por onde passa ─ seja por suas manobras de outro planeta ou pelo jeito curioso de ser. Mas no último Pipe Masters, o motivo foi outro. Durante todo o campeonato, Dane surfou com uma proteção em seu joelho direito depois de ter se machucado em sua sessão em V-Land ao ser pego por um backwash.

A contusão não pareceu ser muito séria pelo fato do americano ter terminado na terceira colocação. Porém, em janeiro, a assessoria de Dane confirmou que ele seria operado, mas que sua lesão não foi das mais graves: não houve rompimento completo do ligamento, o que faria com que sua recuperação demorasse meses. Mesmo assim, ele não vai participar da primeira etapa do World Tour deste ano na Gold Coast.

Segundo Blair Marlin, manager do surfista, “Dane está se recuperando bem e esperamos que volte para a água em março. Mas, infelizmente, ele pediu para não ser entrevistado sobre sua contusão ou planos para o ano que vem”, disse, via e-mail.

A dificuldade de entrevistar o americano atualmente tem uma razão. Poucos meses atrás, Dane foi entrevistado pelo polêmico jornalista de surf australiano Jed Smith ─ e a repercussão foi repleta de controvérsias. A entrevista, mesmo antes de ser lançada, chocou o mundo do surf. Nela, Reynolds teria dito que largaria as competições em 2011.

Logo que soube do conteúdo da reportagem, o surfista rebateu em seu blog que já havia pensado inúmeras vezes em abandonar o Tour, mas que em nenhum momento afirmou isso ao repórter e ainda acusou a STAB ─ revista onde a entrevista foi publicada ─ de sensacionalista.

Enquanto isso, Smith defendeu seu texto e garantiu que na época que se encontrou com Dane Reynolds, o americano afirmou ─ sem meias palavras ─ que estava penando em parar de competir.

A incógnita permanece: quão séria é a lesão no joelho operado? Recuperado, Dane retornaria ao Tour? Com sua personalidade peculiar, não seria surpresa se ele anunciasse que irá se aposentar.

Enquanto isso representaria uma grande perda para o Circuito Mundial, imagine o que o mais inovador surfista do planeta faria sobre uma prancha, sem ter que limitar-se aos moldes de competição?