FENÔMENO EM ASCENSÃO



Queria escrever só sobre o Medina. É, o Gabriel Medina. Eu, assim como muitas pessoas, tenho duas vozes predominantes na minha consciência. Uma que fica pensando em idéias diferentes e maneiras de melhorar os procedimentos que já estão em andamento. A outra, antagônica, vive fiscalizando e questionando o tempo todo a primeira. Depois do Mundial Pro Jr. na Austrália, agora em janeiro, a primeira voz disse: "Escreve sobre o Medina! O garoto quebrou tudo em 2009 e arrebentou na Austrália!". A outra rebateu: "Mas ele só tem 16 anos! É muito novo ainda". Aí começou o bate-boca: "E daí? O garoto é um fenômeno!". "É, mas quando você escreveu sobre alguém nesse blog, foi sobre o Fabio Gouveia, o Peterson Rosa, o Teco Padaratz... Ícones com anos de história!". "Meu irmão, se toca: até a mídia internacional, que durante 25 anos praticou aquele esporte anglo-saxão (falar mal de surfista brasileiro), agora tá endeusando essa nova geração e derramando elogios". Lá fui eu procurar textos e matérias na internet pra ver até onde isso era verdade. E me surpreendi.  Elogios e mais elogios para o Gabriel e para alguns dessa nova geração formada pelo Jadson André, Alejo Muniz, Wiggolly Dantas, Miguel Pupo, Jessé Mendes e cia. Escritos por australianos e americanos, li os mais variados comentários com justificativas sobre a força das manobras, a velocidade, a modernidade e... o estilo dos brasileiros! Caiu o último pilar da crítica internacional sobre o jeito brasileiro de surfar. Até pouco tempo, o estilo feio e a incapacidade dos brasileiros de conseguir bons resultados em ondas de linha eram um rótulo difícil de descolar da garrafa. Eu sou do tempo que jornalista australiano escrevia o seguinte título numa matéria sobre o Mundial Amador de 94 realizado no Brasil: "How can a country with strong cocaine habit become a surf national?". Saiu numa revista australiana, acredita? Agora, é isso o que você lê: "Em apenas 10 minutos, ele fechou a porta em cima do Dean Bower tão fortemente que dava para escutar o barulho, com dois aéreos em duas ondas consecutivas que lhe deram um 10 e um 9.57. Ondas surfadas com tanta fluidez e precisão que se qualquer um dos Top 45 estivesse vendo a transmissão teria vislumbrado o seu fim no circuito acontecendo ali mesmo. I'm not kidding. Medina was that good". O texto é de Nick Carroll para o site da revista australiana Surfing Life, durante o Mundial Pro Jr. na Austrália, mês passado. Nick não é um jornalista qualquer e surfa muito bem, não tanto como o irmão, mas é na escrita que ele se equipara em qualidade e credibilidade ao surf do ícone baixinho bicampeão mundial Tom Carroll. Outro comentário dele: "O clichê em cima dos brasileiros é assim ─ têm estilo feio, são conservadores, se esforçam para fluir e nunca pontuam acima de 8. Bem, alguma coisa me diz que todo mundo nos Eua, Austrália e Hawaii que ainda mantém esses preconceitos vai ter que comer o próprio fígado nessa conta. Em tudo o que vimos até agora no Mundial Junior, os garotos do Brasil são os melhores do mundo". Jed Smith, no site da Stab, escreveu: "Medina dropa mais uma, chuta as quilhas pra fora da onda por cima de uma sessão, emenda numa combinação de acelerada e rasgada no lip, outra acelerada e outro aéreo, agora double grab. Dez!". "Nesse momento, ele é um fenômeno", diz para mim o campeão mundial de 88 e agora técnico de surf, Barton Lynch. "E não foi apenas um pulo ginástico no qual ele fez um movimento, e sim uma combinação de tudo. Foi surf de verdade com aéreos". Foi impossível escolher um parágrafo do texto oficial do Quiksilver King of the Groms, considerado o Mundial sub-16, o qual Medina venceu em setembro, aterrorizando o mundo do surf com três notas 10 no dia final, sendo que duas foram na bateria final lhe dando o placar de 20 pontos em cima de 20 possíveis. O texto é longo e só tem elogios rasgados ao garoto que aprendeu a surfar em Maresias, SP. A última frase era assim: "O tempo vai dizer, mas por hoje o jovem brasileiro Gabriel Medina literalmente voou para os livros da história e mostrou ao mundo exatamente para onde o futuro do surf está indo". Quer mais uma? Nick Carroll, durante o Mundial na Austrália: "Hoje, num dos dias mais longos de toda a história do surf profissional Junior, Gabriel se tornou, provavelmente, o mais bem-sucedido surfista Junior desde que todo o conceito da palavra começou, 33 anos atrás". Essa foi uma das afirmações que mais chamou minha atenção, pois foi feita por um australiano da raiz de um país que criou e formentou por mais de três décadas a categoria Pro Jr.

Mas aí vai um toque: não se acomodem com os elogios e com o que vocês já conquistaram. Qualquer pessoa pode evoluir no que faz, sempre. Em atividades que exigem força, agilidade e reflexos rápidos, como o surf, pode-se evoluir mais quando se é novo. Tenho a convicção de que os surfistas mais talentosos podem evoluir seu desempenho na água numa taxa de 10 a 20% ao ano. Gabriel, com o seu "superman" saindo uns 40 cm para fora da onda, pode alcançar 1 metro ou mais e isso será notado. Os aéreos com mão, sem mão e os "reverses" também podem ficar mais altos, mais invertidos e com outras variações, como no skate. Algumas manobras que você faz de frente para a onda, poderá passar a fazer de costas para a onda. Mas cuidado ─ entender que você não deveria se acomodar é fácil. Difícil é encontrar motivação para evoluir 20% ao ano com tanto "oba oba" em cima. Esse toque, é lógico, serve para toda essa nova geração. Esses garotos são novos. Precisam sofrer um pouco e ter decepções para ficarem mais cascudos. Só elogio amolece. Junto com o aumento dos músculos e um pouco mais de peso, tudo isso aliado à experiência da estrada que eles têm pela frente, dá para visualizar no que vão se tornar.


E, no apagar das luzes deste texto, eis que vem do Mundial da ISA, na Nova Zelândia, a notícia que o Gabriel foi o surfista do evento, com a maior pontuação de bateria da história da ISA ─ 19.90 em possíveis 20 pontos ─ que o levou à medalha de ouro na principal categoria, a sub-18. A voz que estava tentando me convencer a escrever o texto todo só com o Gabriel disparou: "Aí, nego, não disse?".